A mídia conservadora e a luta pelo poder

Recomendo a leitura. Fiquei impressionado. Talvez seja o típico limite imposto por minha ignorância na área, mas nunca tinha visto uma análise tão consistente do papel político da mídia conservadora brasileira.

 

Veja criminaliza a política brasileira

“Entre o campo jurídico e o campo midiático há uma cumplicidade estrutural que, em última e principal instância, termina servindo ao disciplinamento das classes subalternas”, constata Roberto Efrem Filho, ao avaliar a revista Veja, tema de sua dissertação de mestrado, concluída neste ano. O pesquisador analisou 578 edições da publicação, entre o período de 1997 a 2008, correspondente aos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Na entrevista que se segue, concedida com exclusividade, por e-mail, à IHU On-Line, Efrem Filho diz que “o campo midiático encontra na ‘corrupção midiatizada’ um significativo modus operandi de empreender a luta política”. Assim, “a melodramatização jornalística”, continua, prefere “o combate ao debate, a polêmica à dialética, o enfrentamento entre as pessoas em detrimento do confronto entre seus argumentos”. Roberto Efrem Filho é mestre em Direito pela UFPE, professor substituto da mesma instituição de ensino e assessor jurídico popular.

 

A entrevista

IHU On-Line – Na pesquisa de mestrado o senhor analisou edições da revista Veja entre 1997 e 2008. O caráter da revista se modificou ao longo desses anos?

Roberto Efrem Filho – O primeiro dado trabalhado em minha dissertação diz respeito à presença de membros do Supremo Tribunal Federal (STF) nas páginas amarelas de Veja. Do dia 4 de junho de 1997 ao dia 27 de agosto do ano de 2008, Veja publicou 578 edições. Em quase todas elas, em 569, há uma pessoa entrevistada escolhida de acordo com critérios estabelecidos pela revista. Neste período, quatro ministros e uma ministra do STF concederam entrevistas às páginas amarelas da revista. De 569 pessoas, nesses mais de dez anos, cinco eram membros do STF. Dessas, três delas se deram num lapso de menos de quatro meses, mais precisamente de março de 2008 a julho do mesmo ano. Essa sobre-representação do STF em Veja no ano de 2008, a meu ver, poderia suscitar duas hipóteses, as quais tento desconstruir de antemão. A primeira delas é a hipótese do “acaso”. Acidentalmente, por acaso, fortuitamente, o ano de 2008 foi “o ano dos ministros”. Para combater essa primeira – e, propositadamente, inocente hipótese -, recorri a dados relativos à participação de entrevistados(as) norte-americanos(as) nas mesmas páginas amarelas.

De janeiro a julho do mesmo ano de 2008, Veja publicou trinta edições, por conseguinte, trinta entrevistas. Dessas, um total de dez foram realizadas com convidados(as) estadunidenses. As demais entrevistas foram feitas com brasileiros(as) – dentre eles(as), os três membros do STF – e com um venezuelano chamado Yon Goicoechea, um estudante que, segundo a publicação, “por sua luta em prol da democracia” e contra o governo de Chávez, recebeu quinhentos mil dólares do instituto norte-americano (sic.) Cato, sediado em Washington. Um terço das entrevistas não é com norte-americanos por acaso. Assim como a imensa maioria de imagens de pessoas reproduzidas nas ilustrações da revista ser de homens brancos e mulheres brancas – e não negros(as), ou pardos(as) – não é acidental. Entre Veja e Estados Unidos processa-se uma hegemonia homóloga. Por certo, sujeitos franceses, senegaleses, sul-africanos ou indianos teriam muito a dizer àquelas páginas amarelas. Todavia, a mais importante revista semanal brasileira, com seus quase um milhão de assinantes e duzentos mil compradores(as) em bancas e supermercados, com sua circulação equivalente ao dobro da de todas as outras revistas semanais de informação, aproxima de si não qualquer outro país, mas a maior potência econômica mundial. Hegemônicos em seus campos de atuação e no espaço social como um todo, considerados os latifúndios que lhe cabem nesta pequena parte do universo que é o Planeta Terra, Veja e Estados Unidos sustentam, cada qual a seu modo, as hegemonias um do outro.

Interesses no conflito

A segunda hipótese a ser desconstruída é a da importância, segundo a qual, se os Estados Unidos são o país mais importante do mundo, mais teriam eles de estar nas páginas de Veja, afinal é ela um órgão de imprensa que, como tal, precisa refletir o cenário social. É de se notar ser essa “importância” um bem simbólico sob conflito. Outras “importâncias” ocorreram na história sem que a revista as tivesse representado. Dá-se que há importâncias mais importantes, enquanto outras podem ser negadas. Veja, por exemplo, nunca trouxe às suas páginas amarelas os responsáveis pela extinção do analfabetismo em Cuba, na Bolívia e na Venezuela, muito embora por diversas vezes tenha declarado seus interesses na “educação”. Há interesses diversos no conflito pelo o que é mais importante. Na hegemonia homóloga entre Veja e Estados Unidos saltam aos olhos os interesses de classe (falo de classes sociais, segundo a tradição marxista). No entanto, esses interesses de classe não repercutem diretamente nos campos específicos, como o midiático, senão através da necessária mediação. No caso do Jornalismo – e isso ocorre também com o Direito -, o interesse mais caro é o desinteresse. A importância de um fato é desinteressadamente construída nas páginas de uma revista. A presença do STF em Veja é, então, desinteressadamente atribuída ao “fato” – concebido pela revista como um mero dado desprovido de historicidade – de o Supremo Tribunal ter sua participação aumentada no espaço social. Segundo a persistência da hegemonia homóloga, entretanto, a escolha de Veja pelos membros do STF atravessa caminhos ideológicos e interesses “desinteressados” em comum. O STF, portanto, não está representado nas páginas do veículo por acaso, ou por sua “importância”. Mas sim – e aqui reside minha pessoal hipótese – porque entre o campo jurídico e o campo midiático há uma cumplicidade estrutural que, em última e principal instância, termina servindo ao disciplinamento das classes subalternas.

IHU On-Line – Que relações o senhor percebe entre os meios de comunicação brasileiros, em especial a revista Veja, e o Poder Judiciário brasileiro? O que o senhor quer dizer com a construção histórica de uma cumplicidade estrutural material e simbólica entre ambos?

Roberto Efrem Filho – O direito e a mídia compartilham artifícios simbólicos de legitimação. O “desinteresse” do qual falei é um deles. Na edição de 17 de outubro de 2007, Veja afirma já ter sido acusada, ao longo de sua história, de ser de direita e de esquerda. Sua resposta para essas acusações é sobremaneira emblemática: “Nunca é demais relembrar que Veja só tem um lado: a defesa intransigente do Brasil”. Recorrer à defesa intransigente do país não constituiu mais do que a negação das disputas sociais pelo o que seria defender o país. A revista se põe numa abóbada celestial, livre dos conflitos sociais, acima de quaisquer contendas, numa posição purificada e desinteressada. Os importantes lucros materiais e simbólicos gerados durante essa “defesa intransigente” certamente não são citados pela revista. O Judiciário age de um modo análogo quando fundamenta seus interesses pretensamente desinteressados na defesa “da Constituição”, “do Estado Democrático”, “do interesse público” etc. A “defesa da Constituição” remonta àquela “defesa intransigente do Brasil”, ou seja, à negação dos conflitos sociais, à fabricação de consensos próprios da hegemonia e a uma autolegitamação no espaço social.

Na composição desses artifícios de legitimação estão palavras como “neutralidade”, “imparcialidade”, “objetividade” e, nesta última, o amparo simbólico nos “fatos” tidos como dados inquestionáveis. Tais palavras – também artifícios – são compartilhadas pelo direito e pela mídia como modo de garantir a si a competência para lidar com “a” verdade. Os meios de comunicação revelam “a” verdade, o Poder Judiciário decide “a” verdade. Aqui também os conflitos sociais são negados e “a” verdade – consagrada a partir de relações de poder – é considerada como única e invariável. “A” verdade é um mecanismo de dominação exercido por direito e mídia como componente de sua autolegitimação. O Supremo Tribunal Federal e a revista Veja, assim sendo, compartilham mais do que certa importância no atual contexto histórico. Suas importâncias são arquitetadas sobre uma cumplicidade que os aproxima seja pela hegemonia homóloga, seja pelos artifícios simbólicos citados. É de se notar ainda a importância conferida por um sujeito ao outro. Veja pauta o STF ao mesmo tempo em que o STF pauta a Veja. Não há um membro sequer do Supremo Tribunal concedendo entrevistas ao Jornal Brasil de Fato ou à Agência Carta Maior. A presença de um(a) ministro(a) nas páginas amarelas de Veja fortifica a revista mas igualmente garante ao/à ministro(a) um aumento em seu capital simbólico.

IHU On-Line – O senhor analisou a revista em dois momentos políticos: quando o paí¬s era governado por Fernando Henrique Cardoso e depois por Lula. Percebe diferenças no tratamento dos governos por parte da revista? Em que sentido isso ocorre?

Roberto Efrem Filho – Analisei, a propósito da dissertação, a presença da corrupção – ou do envolvimento de membros do campo político com organizações criminosas – nas capas da revista Veja nos dois últimos anos do primeiro mandato de cada um dos presidentes, ou seja, entre 1997 e 1998, no que tange a Fernando Henrique Cardoso, e entre 2005 e 2006, no que concerne a Luís Inácio Lula da Silva. Entre 1997 e 1998, contei sete capas atinentes à corrupção, três no primeiro ano e quatro no segundo. Entre 2005 e 2006, a seu tempo, Veja publicou trinta e duas capas acerca dessa temática. Só no ano de 2005 foram vinte e uma capas. Conseguintemente, o ano de 2006 ficou com onze dessas capas. Na produção total das edições da revista, os números apresentados consistem em percentuais relevantes: entre 1997 e 1998, aproximadamente 7% das capas das edições da revista tratavam daquele envolvimento de membros do campo político com o crime, porém, entre 2005 e 2006 chega perto de 30% das capas. Ano por ano, as porcentagens aproximadas são de 6% em 1997, 8% em 1998, 40% em 2005 e 21% em 2006. No ano de 2005, nota-se um dado específico: de maio a setembro, são dezesseis capas seguidas sobre corrupção. 2005 era, como notório, o ano anterior à campanha pela reeleição.

A priori, poder-se-ia chegar ao seguinte raciocínio: se o Governo Lula foi mais “corrupto”, natural é que Veja reproduza mais esse tema em suas capas. Todavia, nada de natural existe entre a “importância” do que ocorre no mundo e a “importância” qualificada pela revista para o que deve ou não compor suas matérias de capas. O “importante”, como já dito, é um bem simbólico sob conflito. No caso de Veja e da grande maioria dos meios de comunicação – todos partidos políticos, nas palavras de Gramsci -, a corrupção se torna importante porque se mostra como uma eficiente estratégia de disputa do Estado. O campo midiático encontra na “corrupção midiatizada” um significativo modus operandi de empreender a luta política. Dá-se, entretanto, que o jornalismo impõe uma visão particular da política. A melodramatização jornalística, a qual cria “vilões” e “mocinhos” passíveis de manejo simbólico, prefere, segundo Pierre Bourdieu, o combate ao debate, a polêmica à dialética, o enfretamento entre as pessoas em detrimento do confronto entre seus argumentos. Os mecanismos de incidência do campo jornalístico sobre o campo política produzem uma visão cínica sobre o último. “Políticos” surgem como sujeitos merecedores de desconfiança, cheios de interesses não “desinteressados”, como os de Veja ou do STF. A corrupção ingressa nesse contexto como um reforço simbólico em conjunturas peculiares e encontra nele uma arena estruturalmente fecunda à sua reprodução. Certamente, o campo político não pode ser ingenuamente concebido como mera vítima desse processo. O modo como o campo político exerce censura ao limitar o universo do discurso político aos sujeitos iniciados e a forma como a “democracia” redunda num mercado eleitoral ratificam a incidência dessa visão cínica sobre a política. É a partir da edificação dessa conjuntura e como membro dominante do campo jornalístico que Veja garante tamanha “importância” à corrupção. Isso, notadamente, quando da derrota do PSDB nas urnas e da consequente perda por Veja de seus aliados históricos no Governo Federal.

Não quero dizer com isso que o governo Lula tenha sido mais ou menos “corrupto” que o governo FHC. Sobre a análise das capas, a meu ver, isso pouco “importa”: importa mais a predisposição estrutural de Veja em pautar a corrupção, fenômeno que melhor se manifesta no instante em que, no governo, a revista encontra adversários históricos.

IHU On-Line – O senhor percebe uma criminalização da política em nosso paí¬s? Qual a participação da revista Veja nesse sentido?

Roberto Efrem Filho – A criminalização da política é um artifício simbólico de deslegitimação da política. Esses artifícios se tornam eficazes sobremaneira se a hegemonia do campo político, tradicionalmente ocupada por membros das classes dominantes como Veja, é ameaçada por outros setores sociais, como é o caso do “Partido dos Trabalhadores”. Este, por mais que não se identifique diretamente com as classes populares e mais se aproxime de uma prática pequeno-burguesa burocratizada, como afirma Mauro Iasi, não pode ser confundindo com o PSDB, o PFL, ou o que os valha. Ao criminalizar a política em 2005, no ano em que Lula é a imagem da política nacional, Veja intenta mais ou menos (in)conscientemente deslegitimar Lula, o Governo e o Partido dos Trabalhadores, conduzindo a corrupção para o centro dessa imagem.

Criminologia da denúncia

Veja desenvolve aquilo que Juarez Cirino dos Santos chama de “criminologia da denúncia”. Os interesses desinteressados da revista na temática do crime de colarinho branco enfocam o comportamento das elites para demonstrar que os sujeitos que fazem as leis são, também, os maiores violadores dessas leis. Trata-se de um “jornalismo exposé”, de origem pequeno-burguesa – bem por isso se aplica tão facilmente ao PT junto às classes medianas -, que alimenta os índices sobre o colarinho branco sem obter deles uma compreensão apta a reconhecer os elos entre a corrupção e as estruturas do espaço social. Seu resultado é aquilo que Santos define como “agonia resignada”, ou “espasmos de resignação moral”. O denuncismo de Veja, por exemplo, raramente alcança os membros das grandes corporações criminosas. O “mensalão”, alvo das capas do ano de 2005, nada atinge senão a pequena burguesia praticante de uma dimensão inferior da criminalidade do colarinho branco e, evidentemente, o público consumidor da publicação. A eficácia simbólica do mensalão está muito mais em chocar as classes médias urbanas e seus intelectuais do que em extirpar o fenômeno criminal. Faz-se como prestação de contas morais para com as classes sociais educadas sob os princípios liberais. Não deixa de ser um meio eficaz de criação de soluções fáceis para os problemas sociais com os quais o espírito humanitário do iluminismo se desconforta. No fim, procede-se a uma mistificação das correlações de forças que atravessam e sustentam o Estado, de modo a fazer identificar a corrupção com o sujeito corrupto – recriando assim a figura do “vilão”, uma justificativa do estabelecido – quando seus determinantes sociais vão muito além da desonestidade de um ou outro Delúbio Soares .

IHU On-Line – Como define a postura da revista Veja no cenário nacional?

Roberto Efrem Filho – A revista Veja é um sujeito pertencente às classes dominantes. Faço questão de notar a palavra “sujeito” porque entre as esquerdas têm-se caído no equívoco de conceber Veja como um mero “instrumento” dessas classes, coisa advinda, sobretudo, de certa tradição intelectual mecanicista, vulgarizadora do marxismo e incapaz de discutir os meandros da arquitetura hegemônica das classes dominantes. Veja é um membro dessas classes cuja dominância no campo jornalístico é tanta que ela já não tem certos pudores – comumente necessários às mediações sociais – em ofender alguns emblemáticos símbolos das esquerdas. Na edição de 3 de outubro de 2007, por exemplo, a revista publicou uma das mais polêmicas matérias de capa de sua história, que tinha como título “Che. Há quarenta anos morria o homem e nascia a farsa”. Entre as declarações de Che sobre o revolucionário, encontramos esta: “Como homem de carne e osso, com suas fraquezas, sua maníaca necessidade de matar pessoas, sua crença inabalável na violência política e a busca incessante da morte gloriosa, foi um ser desprezível”. Numa matéria sobre o ensino escolar privado no Brasil, de 20 de agosto de 2008, Veja afirma que os/as nossos(as) professores(as) “idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização”. Mais tarde, na mesma matéria, a revista demonstra indignação diante do fato de que entre os/as professores(as) brasileiros(as), Freire é mais popular que Einstein, quem Veja apresenta como “talvez o maior gênio da história da humanidade”, não citando que, conquanto “genial”, Einstein foi também comunista – dado este comprovado por István Mészáros no seu O poder da ideologia.

As afirmações de Veja a respeito de Che e Paulo Freire são emblemáticas porque alcançam sujeitos cuja importância para a esquerda brasileira é inquestionável, mas ainda mais porque tanto Che quanto Freire vêm sendo sistematicamente absorvidos pelo discurso hegemônico. A “heroificação” do mito de Guevara sofreu uma cooptação tal que de símbolo da revolução, entre as esquerdas, Che se transformou em objeto de consumo pela indústria cultural. Paulo Freire, por sua vez, foi hegemonicamente transformado em referência basilar para qualquer discurso ligado à lógica do “terceiro setor”, ou da “caridade social”, coisas bastante distintas do socialismo da “Pedagogia do oprimido”. Veja, ao contrário, não se dá sequer ao trabalho de corresponder ao modo como a indústria cultural – campo que a revista também compõe – lida com esses sujeitos. A autonomia historicamente conquistada pelo veiculo, autonomia esta resultante de seus números de vendas e também das lutas simbólicas das quais sai vitoriosa, engendra uma maior liberdade para traçar com suficiente clareza aliados e adversários, ao mesmo tempo em que ainda consegue se legitimar como a defensora intransigente do Brasil. Como resultado, quem defende o Brasil, não pode defender Che, Freire ou o Partido dos Trabalhadores, embora seja necessário notar que para cada um desses sujeitos Veja exerce uma tática simbólica específica.

IHU On-Line – Recorrendo a obras de Jesús Martin-Barbero e Walter Benjamin, que relações o senhor estabelece entre os meios de comunicação, as mediações sociais e o crime?

Roberto Efrem Filho – Antes de falar propriamente do crime, julgo fundamental discutir um pouco sobre a correlação entre a corrupção midiatizada e aquela homologia estrutural entre o campo jurídico e o campo midiático. Concluí, nos desfechos da dissertação, que o aumento da aparição do Supremo Tribunal Federal nas páginas de Veja está umbilicalmente vinculado ao aumento da tematização da corrupção nessas páginas. Por certo, nem sempre o assunto que leva o Tribunal a Veja é a corrupção, mas a conjuntura política em que a revista exerce a valorização do direito é a mesma em que a revista criminaliza a política. A capa de 5 de setembro de 2008 diz muito a esse respeito. Veja define o ministro Joaquim Barbosa, o membro do STF relator do caso do mensalão, como um herói nacional. Dedica boa parte da correlata matéria à vida do ministro, aos seus 700 CDs de música clássica, ao preparo do seu café da manhã, aos seus ternos comprados em Los Angeles e Paris etc. Como é próprio dos meios de comunicação, Veja converte o ministro numa estrela e o julgamento num espetáculo, dimensões nas quais a mídia é inclusive mais habilidosa. Se a política é criminalizada e, portanto, “vilanizada” e é o Judiciário o competente para punir o crime, a valorização do direito torna-se mais compreensível.

Política de combate ao crime

A política de combate ao crime, ou seja, da defesa social, constitui-se inexoravelmente como uma política classista de controle social. A melodramatização do crime levada a cabo pela indústria cultural recria o disciplinamento tratado por Foucault em Vigiar e punir. Diante da televisão, das páginas da revista, do símbolo enfim, as massas – dentre as quais está a classe trabalhadora – são disciplinadas. Porém, aqui a disciplina não é o contrário do suplício. Ironicamente, o suplício tornado estética e imagem disciplina as massas, auxilia na criação de delinquentes e da ideologia da ameaça permanente responsável pela reprodução da desconfiança universal. Os aparelhos de repressão são valorizados e a mídia encontra lugar entre eles. Os meios de comunicação jogam com o panóptico, são vistos pela massa no que não lhes compromete, mantendo-se capazes de enxergar essa massa. Tudo isso se dá, todavia, através de mediações sociais. A melodramatização das relações, a criação de vítimas, vilões e heróis é a prática por meio da qual as relações de poder se reanimam. Estruturalmente, a sociedade capitalista requer heróis – nenhum desses heróis, contudo, foge à fabricação dos consensos necessários à hegemonia.

Fonte: Notícias – IHU On-Line: 09/05/2009

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