Aconteceu na sala de aula

Foi no dia 18 passado, no segundo ano de Teologia da FTCR da PUC-Campinas, quando estávamos estudando, na Literatura Pós-Exílica, o profeta anônimo apelidado pelos especialistas de Dêutero-Isaías, cujo texto sobreviveu dentro do livro de Isaías, constituindo os atuais capítulos 40-55 do referido livro.

O Dêutero-Isaías, também chamado de Segundo Isaías ou, na brilhante intuição de Carlos Mesters, de Isaías Júnior, é um profeta que atuou na segunda metade do exílio babilônico, por volta de 550 a.C. Toda a sua fala está voltada para o despertar da esperança da libertação da Babilônia e da volta para Jerusalém, tarefa na qual ele se empenha junto de exilados, ao que parece, bastante acomodados com uma situação que já durava uns 30 ou 40 anos.

O texto abordado era Is 40,12-26, quando o profeta apresenta aos seus desanimados ouvintes as garantias de Iahweh de que a libertação dos exilados de Judá das garras do poder babilônico é possível. Isto ele o faz, além de outros recursos, através de uma teologia da criação, que é bastante consistente para a cosmologia da época, pois mostra a grandeza dos céus e da terra e argumenta que só Iahweh pode criar e controlar tal imensidão, inacessível aos recursos humanos. Na tradução da Bíblia de Jerusalém, edição de 2002, segunda impressão em 2003, lemos, por exemplo:

Quem pôde medir as águas do mar na concha da mão?
Quem conseguiu avaliar a extensão dos céus a palmos,
medir o pó da terra com o alqueire
e pesar os montes na balança
e os outeiros no seus pratos? (Is 40,12)

Para ele as nações não passam de uma gota que cai do balde,
são reputadas como o pó depositado nos pratos da balança.
As ilhas pesam tanto como um grão de areia! (Is 40,15)

Elevai os olhos para o alto e vede:
Quem criou estes astros?
É ele que faz sair o seu exército
em número certo e fixo;
a todos chama pelo nome.
Tal é o seu vigor, tão grande a sua força
que nenhum deles deixa de apresentar-se (Is 40,26).

Mas aí apresentei uma questão: tal argumentação, embora consistente na época do profeta, se mostra hoje totalmente inadequada diante do conhecimento que temos do Universo e de nossa capacidade científica de manipular aquilo que nosso otimista profeta dizia ser tarefa exclusiva de Iahweh. Argumentei que uma mediação hermenêutica se faz absolutamente necessária quando utilizamos este texto hoje, que, para ser lido com eficácia, deve ser adaptado ao nosso contexto.

Foi então que Gian Carlos Pereira, estudante de Teologia daquela turma, nos lembrou que, embora nosso conhecimento técnico-científico tenha crescido enormemente, há pessoas com essa capacitação que preferem, e de fato, fazem, uma leitura literal e fundamentalista de textos como este. Pessoas, ele exemplificou, que apesar do elevado grau de instrução e pertencentes à classe média alta se contentam em “usar” a Bíblia literalmente, isentando-se de qualquer compromisso social. E há pastores e padres que, em muitas igrejas, fazem esta leitura imediatista e fundamentalista, usando a música no lugar da reflexão para se promoverem, fazendo da comunidade cristã mais um degrau para a própria ascensão social, chegando, em alguns casos, a um escancarado narcisismo.

E Gian Carlos perguntava: Como trabalhar a consciência crítica destas pessoas?

Ocorreu-me o que dissera na entrevista deste mês para o Biblioblogs.com, onde fui buscar um trecho que exemplifica tal atitude:

Vejo que, na leitura da Bíblia aqui no Brasil, há duas tendências: uma, que faz da leitura bíblica um instrumento para incentivar a organização popular e a consciência crítica, mas não pára na Bíblia e sim desemboca na vida; outra que produz uma reificação da Bíblia, conduzindo a uma espécie de “sionismo cristão”, tendo como meta a Igreja, na reestruturação de uma neocristandade…

E minha sugestão é que a leitura continue até a resposta à pergunta seguinte, onde abordo a questão do populismo!

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