Pistas para a leitura de Grande Sertão: Veredas – I

Mas, para mim, o que vale é o que está por baixo ou por cima – o que parece longe e está perto, ou o que está perto e parece longe. Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe; mas principal quero contar é o que eu não sei se sei, e que pode ser que o senhor saiba.

Se você não participou desta conversa sobre Guimarães Rosa e Grande Sertão: Veredas deste o começo, peço que primeiro clique aqui, depois volte a este texto.

João Guimarães Rosa, Grande Sertão: VeredasPretendo anotar, no correr dos próximos dias, algumas pistas para a leitura de Grande Sertão: Veredas. É um pequena bibliografia comentada, duas dúzias de livros, parte da qual já li, parte que pretendo ler. Na parte lida, estão anotações minhas entremeadas com a perspectiva dos autores das obras; na parte ainda não lida, me vali de sinopses dos editores e/ou trechos dos autores.

Não sou especialista no assunto, sou apenas um leitor permanente de Grande Sertão: Veredas e de outras obras de Guimarães Rosa. Por isso, leia os textos que aqui ofereço com esse cuidado em mente. Apenas lembrando: hoje, às 19 horas, na Bienal do Livro de São Paulo, Willi Bolle, autor de Grandesertão.br, iniciou a discussão sobre esta obra-prima de Guimarães Rosa.

ALBERGARIA, C. Bruxo da Linguagem no Grande Sertão: leitura dos elementos esotéricos na obra de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1977, 154 p.

O livro de Consuelo Albergaria é resultado de uma Dissertação de Mestrado, orientada por Silviano Santiago, apresentada ao Departamento de Letras da PUC-Rio em dezembro de 1976. Transcrevo algumas anotações feitas durante a leitura, que ocorreu no final da década de 80.

O esquema mistérico parece funcionar, pois vai explicando os fatos e as atitudes de modo bastante significativo. A autora confronta a obra com as opiniões de G. Rosa sobre a mesma: dá a estas opiniões grande peso, tentando conciliar as duas posições. Anotei coisas interessantes, como: o mal não é um ente metafísico, é apenas a privação do Bem, que é o único absoluto, é Deus… e: a autora nega a leitura fáustica de Grande Sertão: Veredas, feita por muitos, e parece ter razão, quando diz, na p. 37:

Na tragédia de Goethe, o demônio, Mefistófeles, aparece visível e comprovadamente, dialogando e fechando o pacto com o protagonista, o que absolutamente não acontece em Grande Sertão: Veredas, onde o máximo que se poderia aceitar seria a permanência da dúvida. Por isso, ao falar do pacto salienta: Dizemos um pacto que Riobaldo pretende fazer, e não que faz com o demo, pois é evidente que se o seu desejo é acabar com o medo não seria possível conferir existência ao demo, posição, aliás, que mantém durante toda a sua narrativa.

Mas faço ressalvas: a inquietação que tal tipo de leitura me transmite é a percepção de que ela é profundamente idealista, pois a verdade precede o acontecimento, e dualista, na sua oposição corpo/alma, físico/metafísico e assim por diante. As condições reais do sertão – que, afinal, geram o símbolo – jamais são mencionadas. Alguns costumes sertanejos como o espelhinho de bolso e o embornal, por exemplo, tão triviais para quem nasceu e viveu no sertão em Minas, como eu nasci e vivi, acabam se tornando misteriosos rituais iniciáticos na leitura da autora. Por outro lado, há que se admitir que o próprio Guimarães Rosa confessa ser mesmo ligado aos mistérios e que sua obra deve refletir isto! No Prefácio, à p. 13, Benedito Nunes diz:

Da vastíssima bibliografia roseana já constam estudos que abordam a simbologia mística de Grande Sertão: Veredas. Mas ainda não se havia tentado, como faz a autora deste livro, usar o complexo de tradições emaranhadas, globalmente qualificadas de ocultistas, como chave hermenêutica desse romance e da obra de Guimarães Rosa. Recorrendo às doutrinas do Corpus Hermeticum e dos Mistérios da Antiguidade, às concepções gnóstico-cabalísticas, à Astrologia, à Alquimia, ao Taoismo e ao repertório do Bramanismo, do Budismo e do Hinduísmo, Consuelo nos mostra que essas fontes abasteceram a metafísica da linguagem de Guimarães Rosa – a que ele enfaticamente se referiu – e respondem pela cifragem esotérica dos personagens, das situações e das linhas principais da própria ação romanesca de Grande Sertão: Veredas. E acrescenta: Nada tem de gratuita a decifração aqui intentada.

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