Pistas para a leitura de Grande Sertão: Veredas – V

BOLLE, W. Grandesertão.br. São Paulo: Editora 34, 2004, 478 p.

E o “Urutú Branco”? Ah, não me fale. Ah, esse… tristonho levado, que foi – que era um pobre menino do destino…



Publicado em 1956, Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, tem suscitado desde então um grande número de estudos e interpretações. O mais recente lançamento da Coleção Espírito Crítico – Grandesertão.br, de Willi Bolle – vem abrir uma perspectiva inteiramente nova nesse panorama. Partindo da idéia de que a obra-prima de Rosa ganha em complexidade quando lida como uma reescrita crítica de Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, o professor de literatura alemã da Universidade de São Paulo mapeia toda a rede de relações existentes entre o Grande Sertão e os principais ensaios de interpretação de nosso país; desde a obra matricial de Euclides até os estudos fundamentais de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Raymundo Faoro, Antonio Candido e Celso Furtado, entre outros. Em sua abordagem, aspectos centrais do romance – tais como a narração labiríntica e em forma de rede, o sistema da jagunçagem e, sobretudo, o pacto de Riobaldo com o Diabo (lido em chave materialista, que dispensa a interpretação metafísico-existencial) emergem sob luz nova. Para tanto, Bolle lança mão de diversas ferramentas que, além da ampla erudição, vêm se somar à crítica literária; entre elas, a filosofia política, as ciências sociais, a estética, a lingüística e até mesmo a geografia, já que o livro se faz acompanhar de vários mapas que situam para o leitor as andanças da personagem Riobaldo e o cenário da ação de Grande Sertão: Veredas (sinopse da editora).

Pistas para a leitura de Grande Sertão: Veredas – IV

BARBOSA, A. A epopeia brasileira ou: para ler Guimarães Rosa. Goiânia: Imery Publicações, 1981, 143 p.

Pobre tem de ter um triste amor à honestidade. São árvores que pegam poeira.

Esta anotação foi feita quando li o livro na década de 80: o livro de Alaor Barbosa é um guia mais ou menos didático para a leitura de Grande Sertão: Veredas. Obra de um apaixonado pela criação literária de Guimarães Rosa. Mas não é de grande fôlego… perde-se em ingênua louvação e, às vezes, despudorado deslumbramento!

Pistas para a leitura de Grande Sertão: Veredas – III

ARROYO, L. A cultura popular em Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984, 315 p.

 

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.

Li, na década de 80, pela primeira vez, o estudo de Leonardo Arroyo (1918-1986). Desde então, tenho consultado, com frequência, esta obra, onde anotei, ao final da primeira leitura: Excelente! Verdadeira enciclopédia da cultura popular mineira do sertão. Se não fosse por mais razões, só o inventário dos provérbios riobaldianos nas p. 252-282 já valeria a leitura. Mas é o autor quem nos diz no primeiro parágrafo da Introdução, p. 4, o que pretende:

A intenção deste ensaio é colocar teses sobre o conteúdo e a origem de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, de filiação e raízes na cultura popular.

Arroyo é grande admirador das ideias de Giovanni Battista Vico (1668-1744) e Johann Gottfried Herder (1744-1803) sobre cultura e história. Por isso, vai nos dizer por exemplo, na p. 16, que

não se cometeria nenhuma heresia, possivelmente, ao se afirmar, como se faz aqui, que a cultura popular, na sua experiência milenar, representaria muito mais para o gênero humano do que a criação erudita, pelo menos na área vivencial e lúdica. Procuramos destacar essa importância, as mais das vezes não reconhecida em virtude de preconceitos, interesses, vaidades e até mesmo de ignorância, através desta tentativa de inventário do tema e das formas da cultura popular em Grande Sertão: Veredas. A fonte de toda a sabedoria é o próprio homem do povo. Vico já reconhecia que a História se faz pela sabedoria vulgar do gênero humano ‘força coletiva, da qual as grandes figuras são símbolos apenas’.

E na p. 18 emenda:

Herder afirmava que ‘a arte de cada país só seria verdadeira quando refletisse a psique do seu povo, ou melhor, suas essências folclóricas’, conceito que poderia, com toda validade, extrapolar para categorias menos lúdicas, tais como a política e a economia de cada país. Com efeito, uma nação não é apenas a sua elite, mas é principalmente o seu povo, em torno do qual devem girar os interesses maiores da nacionalidade.

Assim é que entendemos porque a Introdução da obra tem por título A Megera Cartesiana… na qual, no segundo parágrafo, Arroyo nos diz que

seria longo enumerar a série de estudos inspirados na saga riobaldiana. Parece difícil a abordagem de Grande Sertão: Veredas em termos de objetividade crítica. Esta dificuldade seria decorrente das próprias formas da obra, dos valores múltiplos que a integram e definem como síntese de uma herança cultural de profundas ressonâncias. O romance é uma acumulação cultural, por isso se entendendo o resumo da experiência humana na sua frequência cósmica e na sua formação de camadas de mistérios e espantos do homem. Por isso, por exemplo, o cartesianismo peca por si mesmo e por sua própria natureza de racionalismo feroz no exame do livro, tais os elementos subjetivos, tradicionais, de folk, que dominam e enformam o texto.

Enfim, se no lema cartesiano podemos escrever ordem, clareza e forma, na criação literária de Guimarães Rosa podemos enxergar intuição, revelação e inspiração.