A Introdução à S. Escritura compreende 2 horas semanais, no primeiro semestre de Teologia. Mais do que estudar o surgimento e o conteúdo dos vários livros bíblicos, a disciplina é voltada para a compreensão/apreensão de alguns métodos de leitura dos textos bíblicos. Esta opção se justifica, pois a introdução a cada um dos livros é feita a partir das disciplinas que abordam áreas específicas da Bíblia ao longo do curso de Teologia.
Um dos problemas típicos desta disciplina é a carga horária exígua que lhe é, em geral, atribuída. Até porque, ao tomar contato com a moderna metodologia de abordagem dos textos bíblicos, a desmontagem de noções ingênuas adquiridas na educação anterior e a dificuldade em abandonar certezas que beiram o fundamentalismo requerem tempo e paciência. Além disso, conseguir a convivência da criticidade que se vai progressivamente adquirindo em sala de aula com as necessidades pastorais dos envolvidos no processo de aprendizagem, exige a construção de uma linguagem hermenêutica adequada, outra questão espinhosa.
Por isso, uma tarefa que se impõe a quem se envereda por esse caminho, é a comparação e o confronto da teoria exegética crítica com as leituras cotidianas e costumeiras da Bíblia. Isto é feito pelos alunos, que coletam e analisam os dados necessários.
Costumo orientar este processo através de uma série de questões que são propostas para a análise de uma leitura bíblica feita no ambiente pastoral dos estudantes. De modo geral, peço que considerem três etapas:
- descrever a leitura feita e sua interpretação e/ou aplicação
- contextuar a leitura feita: ambiente, situação, tipo de público
- analisar a leitura feita: sua interpretação e/ou aplicação naquele contexto específico
Na última etapa, a análise, utilizando categorias sugeridas por Carlos Mesters em seu livro Flor sem defesa – veja bibliografia abaixo -, podem ser considerados:
- o texto bíblico lido e interpretado
- o con-texto: a comunidade que lê o texto
- o pré-texto: a sociedade na qual o leitor e/ou a comunidade vive
Do lado do texto, pode-se, por exemplo, perguntar:
- A leitura foi adequada aos destinatários? Conferir o nível de compreensão, reação, receptividade, nível cultural x vocabulário usado, conhecimento religioso x linguagem teológica
- A leitura foi coerente com o atual conhecimento científico (exegético) da Bíblia? Conferir a questão do contexto histórico, sentido do texto no conjunto do livro, objetivo do autor, recado dado pelo autor x recado atual…
- Que modelo hermenêutico foi usado? Aplicação direta do texto, colagem, semelhança, comparação, diferença, contradição?
Do lado do contexto, se indaga:
- Qual foi a função eclesial da leitura? Na comunidade em que foi feita, serviu a qual objetivo?
- A leitura foi coerente com leituras e/ou práticas anteriores? Reforçou? Provocou? Instruiu? Exortou? Informou? Ou seja: qual foi a “intenção do discurso”?
Do lado do pré-texto, há questões possíveis, como:
- Que visão de mundo, país, sociedade a leitura veiculou? Conferir o sub-texto, o não-dito, aquilo que é considerado natural
- Qual foi a função social da leitura? Na sociedade, país, cidade e classe social em que foi feita: serviu a qual objetivo?
Se o leitor, finalmente, me pergunta sobre a possibilidade de se fazer tudo isso em um semestre com apenas duas aulas teóricas por semana, respondo que essa é a meta… O objetivo será mais ou menos alcançado se o interessado “mergulhar” na bibliografia indicada e tiver uma atitude de vigilância hermenêutica constante na leitura dos textos bíblicos! Atitude que deverá (deveria?) manter pelo resto da vida…
I. Ementa
A disciplina privilegia o nascimento e a estruturação dos vários métodos de leitura da Sagrada Escritura, especialmente os modernos métodos histórico-críticos, socioantropológicos e populares.
II. Objetivos
Possibilita ao aluno a visualização das diversas problemáticas envolvidas na abordagem dos textos bíblicos no contexto e no pensamento contemporâneos.
III. Conteúdo Programático
1. A leitura histórico-crítica
- A crítica textual
- A crítica literária
- A crítica das formas
- A história da redação
- A história da tradição
2. A leitura socioantropológica
- Por que uma leitura socioantropológica da Bíblia?
- Origem e características do discurso sociológico
- Origem e características do discurso antropológico
- A Bíblia e a leitura socioantropológica
- Algumas dificuldades da leitura socioantropológica
3. A leitura popular
- Ler a vida com a ajuda da Bíblia
- A opção pelos pobres
- Da Bíblia à Sociedade: passagem para o Político
4. Oficina bíblica: leitura de textos selecionados
- Mc 6,30-44: a primeira multiplicação dos pães
- Lc 3,21-22: o batismo de Jesus
- Mt 2,1-12: a visita dos magos
- Jo 2,1-12: as bodas de Caná
IV. Bibliografia
Básica
BUSHELL, M. BibleWorks 6. Norfolk, VA: BibleWorks, 2003 (software para o estudo da Bíblia, com 93 versões da Bíblia em 29 línguas, incluindo o português, 12 textos nas línguas originais, 7 bancos de dados de morfologia bíblica, 6 léxicos e dicionários gregos, 4 léxicos e dicionários hebraicos, além de 18 outras ferramentas).
DA SILVA, A. J. Notas sobre alguns aspectos da leitura da Bíblia no Brasil hoje. REB, Petrópolis, v. 50, n. 197, p. 117-137, mar. 1990.
DE OLIVEIRA, E. M. et al. Métodos para ler a Bíblia. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 32, 1991.
DIAS DA SILVA, C. M. com a colaboração de especialistas, Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000.
EGGER, W. Metodologia do Novo Testamento: introdução aos métodos lingüísticos e histórico-críticos. São Paulo: Loyola, 1994.
MESTERS, C. Flor sem defesa: uma explicação da Bíblia a partir do povo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
Complementar
DA SILVA, A. J. A visita dos magos: Mt 2,1-12.
DA SILVA, A. J. Leitura socioantropológica da Bíblia Hebraica.
DA SILVA, A. J. Leitura socioantropológica do Novo Testamento.
DA SILVA, A. J. O discurso socioantropológico: origem e desenvolvimento.
DA SILVA, A. J. Por que milagres? O caso da multiplicação dos pães. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 22, 1989, p. 43-53.
KONINGS, J. Sinopse dos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da Fonte Q. São Paulo: Loyola, 2005.
PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A Interpretação da Bíblia na Igreja. São Paulo: Paulinas, 1994.
SIMIAN-YOFRE, H. (ed.) Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2000.
TREBOLLE BARRERA, J. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã: introdução à história da Bíblia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
WEGNER, U. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal/Paulus, 2002.
ZENGER, E. et al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003.