Kara Cooney e o poder dos faraós

Os faraós foram indiscutivelmente os melhores de todos os tempos em apresentar um regime autoritário como bom, puro e moral. Essa é a ideia subjacente que precisa ser detonada primeiro, porque ainda acreditamos nela hoje.

Um livro

COONEY, K. The Good Kings: Absolute Power in Ancient Egypt and the Modern World. Washington, D.C.: National Geographic Society, 2021, 400 p. – ISBNCOONEY, K. The Good Kings: Absolute Power in Ancient Egypt and the Modern World. Washington, D.C.: National Geographic Society, 2021 9781426221965.

Uma entrevista

Renomada egiptóloga diz que é hora de parar de romantizar o Egito antigo – UCLA Newsroom – Alison Hewitt: 6 de dezembro de 2021

Em ‘The Good Kings’, Kara Cooney, da UCLA, traça paralelos entre o poder dos faraós e regimes autoritários atuais.

Pirâmides, faraós e deuses egípcios antigos encantaram muitos, mas é hora de pararmos de romantizar as armadilhas do autoritarismo, de acordo com Kara Cooney da UCLA.

Cooney é professora de egiptologia e arqueologia da UCLA e autora de best-sellers (“The Woman Who Would Be King”, 2014, e “When Women Ruled the World,” 2019). Em seu último livro, ela admite que seu fascínio pelo Egito antigo azedou – tanto que agora ela se descreve como uma “egiptóloga em recuperação”. A admiração acrítica dos faraós que continuou até os dias atuais, ela escreve, é um legado dos esforços dos antigos governantes para manipular a forma como eram percebidos e até serviu como uma base narrativa e cultural sustentando o autoritarismo moderno.

“Quantos de nós tivemos obsessões profundas com o mundo antigo – eu simplesmente amo os templos egípcios! Eu adoro a mitologia grega! – isso são realmente sintomas de um vício contínuo ao poder masculino que simplesmente não podemos abandonar? ” Cooney escreve.

“Os bons reis: poder absoluto no antigo Egito e no mundo moderno”, publicado pela National Geographic, traça paralelos diretos entre os governantes de 3.000 anos atrás e os tiranos modernos. Nele, Cooney descreve como os faraós criaram um argumento moral convincente para o poder que continua a enganar as pessoas hoje, e que está diretamente ligado ao atual aumento do autoritarismo.

Cooney explora as armadilhas dos sistemas patriarcais que prejudicam mulheres e homens, e ela argumenta convincentemente que a sociedade está duplicando os padrões históricos que levaram repetidamente a colapsos de poder. Só que desta vez, ela observa, a mudança climática alterou as regras de recuperação.

Cooney é Diretora do Departamento de Línguas e Culturas do Oriente Médio da UCLA. Em uma entrevista para a UCLA Newsroom, ela fala sobre as lições que as narrativas egípcias antigas podem oferecer à luz dos desafios sociais que o mundo enfrenta em 2021.

Leia a entrevista.

Sobre o livro, recomendo aguardarmos uma resenha de um especialista na área. Por outro lado, lendo as resenhas dos leitores na página da Amazon, vejo tanto elogios quanto críticas ferozes. O que é de se esperar, pois lida com um tema político sensível, os regimes autoritários modernos.

Tal empreendimento é cheio de armadilhas. Por isso, o que me interessa mesmo é saber se seu método de aproximação do antigo com o moderno tem consistência. Gostaria de conhecer sua “competência hermenêutica”, saber se a autora conseguiu, no livro, se situar a igual distância tanto da metafísica do sentido (positivismo) quanto da pletora das significações (biscateação).

 

Renowned Egyptologist says it’s time to stop romanticizing ancient Egypt – UCLA Newsroom – Alison Hewitt: December 6, 2021

In ‘The Good Kings,’ UCLA’s Kara Cooney draws parallels between pharaohs and present-day authoritarians

Pyramids, pharaohs and ancient Egyptian gods have entranced many, but it’s time we stopped romanticizing the trappings of authoritarianism, according to UCLA’s Kara Cooney.

Cooney is a UCLA professor of Egyptology and archaeology and already a bestselling author (“The Woman Who Would Be King,” 2014, and “When Women Ruled the World,” 2019). In her latest book, she admits that her fascination with ancient Egypt has soured — so much so that she now describes herself as a “recovering Egyptologist.” The uncritical admiration of the pharaohs that has continued to the present day, she writes, is a legacy of the ancient rulers’ efforts to manipulate how they were perceived, and has even served as a narrative and cultural foundation propping up modern authoritarianism.

“How many of us have had deep obsessions with the ancient world — I just love Egyptian temples! I adore Greek mythology! — that are really symptoms of an ongoing addiction to male power that we just can’t kick?” Cooney writes.

“The Good Kings: Absolute Power in Ancient Egypt and the Modern World,” published by National Geographic, draws direct parallels between the rulers of 3,000 years ago and modern tyrants. In it, Cooney describes how the pharaohs created a compelling moral argument for power that continues to mislead people today, and which is linked directly to the current rise of authoritarianism.

Cooney explores the pitfalls of patriarchal systems that harm women and men alike, and she convincingly argues that society is duplicating the historical patterns that have repeatedly led to power collapses. Only this time, she notes, climate change has altered the rules of recovery.

Cooney is chair of UCLA’s Department of Near Eastern Languages and Cultures. In an interview with UCLA Newsroom, she talks about what lessons ancient Egyptian narratives might offer in light of the societal and social challenges the world faces in 2021.

Why are the pharaohs of ancient Egypt still so relevant thousands of years later?

Pharaohs open themselves up to social justice discussions. The hard thing is that the pharaohs were arguably the best ever at presenting an authoritarian regime as good and pure and moral. That’s the underlying idea that needs to be popped first, because we still buy into it today. Concepts of patriarchal society, extraction of natural resources for profit, exploitation, overwork, misogyny and more all came pouring out of the Egyptian narrative.

We’re still living in those narratives. We may tell ourselves we’re too smart to be fooled, but the idea of modern exceptionalism is a fake-out. We’re still just as prone to the fears of an early death or a lack of prosperity. We’re just as superstitious and god fearing.

All those vulnerabilities make us very, very easy marks for authoritarian regimes if we don’t think critically and understand the tools they are wielding over us.

What do you hope people take away from the book?

I wanted to give readers a playbook, in a sense, for what could come next from a historian’s perspective, and why the patriarchy is not the only way of running a system. The patriarchy is destroying itself. It’s happening. And we need to be there, anti-patriarchically, to rebuild something that better protects us all from the abuses of power.

You write that you see signs that the patriarchy is leading society toward a collapse, repeating a pattern that has occurred throughout history. But you also note that climate change will interrupt the cycle in a big way. What can we learn about what comes next by studying the rise and fall of ancient Egyptian regimes?

The patriarchy rises and falls in cycles, collapsing and rebuilding. But the thing that’s haunting authoritarian regimes now is that the Earth is not allowing that cycle anymore. The Earth is not allowing the ongoing extractive, consumptive, unequal hoarding that defines those regimes, because it’s unsustainable, and that unsustainability is now the undoing of the patriarchy.

We’ve had smaller-scale climate change for thousands of years; think of cities wiped away by deforestation that led to mudslides. The difference now is the scale. Now it’s global. The patriarchy sows the seeds for its own destruction again and again before coming back in a vicious cycle, but the difference this time is global climate change threatens to make this the final cycle.

I’m not a soothsayer, but from my 10,000-year view of history, I see two paths. It could be more patriarchy for another 500 years until the planet is truly dead, and then that’s it; that’s the end of the story. But I think we will flirt with patriarchy and mess with it for another 200-some years, and then we will find our way through to something sustainable and different.

Kara Cooney is Professor of Egyptian Art and Architecture at UCLA and chair of its Department of Near Eastern Languages and Cultures. Her academic work focuses on death preparations, social competition, and gender studies. She appeared as a lead expert in the popular Discovery Channel special The Secrets of Egypt’s Lost Queen and produced and wrote Discovery’s Out of Egypt. The author of When Women Ruled the World (2018) and The Woman Who Would be King (2014), Cooney lives in Los Angeles, CA.

Bíblia e arqueologia: novo site

Bíblia e Arqueologia foi fundada em 2021 na Universidade de Iowa pelo professor Robert R. Cargill e o ex-presidente da Universidade Bruce Harreld. É uma organização educacional sem fins lucrativos 501 (c) 3 não sectária, não denominacional, que promove estudos bíblicos, arqueologia e a interseção das duas disciplinas noBible & Archaeology - University of Iowa, 2021 Mediterrâneo e no sudoeste da Ásia – as áreas tradicionalmente chamadas de “terras da Bíblia”.

Bíblia e Arqueologia é um site e recurso online popular que oferece aos visitantes uma variedade de notícias, informações, ferramentas e recursos relacionados ao estudo da Bíblia e da arqueologia. Isso inclui artigos originais escritos pelos próprios estudiosos que fizeram as descobertas, notícias de última hora, artigos, vídeos e cursos online ministrados pelos melhores estudiosos do mundo, viagens de estudo, léxicos, mapas, quebra-cabeças, jogos e curiosidades.

Bible & Archaeology was founded in 2021 at the University of Iowa by professor Robert R. Cargill and former University President Bruce Harreld. It is a not-for-profit 501(c)3 nonsectarian, nondenominational, educational organization promoting biblical studies, archaeology, and the intersection of the two disciplines in the Mediterranean and Southwest Asia—the areas traditionally called the “lands of the Bible.”

Bible & Archaeology is a popular online website and resource offering visitors an array of news, information, tools, and resources related to the study of the Bible and archaeology. These include original articles written by the very scholars making the discoveries, breaking news stories, articles, videos, and online courses taught by the world’s best scholars, study tours, lexicons, maps, puzzles, games, and trivia.

Dirk Obbink: da cátedra à confusão

Dirk Obbink, famoso papirologista de Oxford, suspeito de vender fragmentos do Novo Testamento que não lhe pertenciam, está, mais uma vez, nos noticiários. Poderia até ser um caso para o Inspetor Morse.

Ele se tornou conhecido do público quando, em 2012, foi divulgado que um fragmento de papiro do evangelho de Marcos por ele estudado, poderia ser, extraordinariamente, do século I d.C.

Veja os links no final deste post para entender o caso do fragmento de Marcos.

Diz a reportagem publicada em Christianity Today, em 15 de dezembro de 2021, que Dirk Obbink se esquivou dos investigadores particulares que tentavam entregar-lheDirk D. Obbink (nascido em 13 de janeiro de 1957 em Lincoln, Nebraska, USA) uma intimação legal em agosto e setembro e não respondeu à carta oficial notificando-o de que era obrigado a responder às alegações de que havia fraudado Hobby Lobby ao vender à loja de artesanato, por 7 milhões de dólares, papiros antigos que não lhe pertenciam.

Um escrivão do tribunal federal dos Estados Unidos certificou, então, uma sentença à revelia contra o famoso papirologista (…) O ex-professor da Universidade de Oxford e pesquisador visitante da Universidade de Baylor, antes proclamado por suas incríveis descobertas de textos antigos, incluindo as primeiras cópias dos Evangelhos e poemas desconhecidos de Safo, agora deve a Hobby Lobby um reembolso total.

A resolução da ação civil deixa, entretanto, muitas perguntas sem resposta. A principal delas: onde estão os outros 81 fragmentos antigos que desapareceram da biblioteca da Egypt Exploration Society (EES) em Oxford quando Obbink, então chefe do projeto de digitalização de papiros da biblioteca, pegou 32 fragmentos e os vendeu para Hobby Lobby?

(…)

Obbink disse à EES que mostrou os fragmentos do Novo Testamento a alguns visitantes associados à Hobby Lobby e à Green Collection, de Steve Green, mas afirmou que nunca lhes disse que estavam à venda (…) A Hobby Lobby então enviou uma cópia de seu contrato de compra para a EES, e a biblioteca realizou uma verificação sistemática de sua coleção de mais de 500.000 artefatos. Mais de 120 estavam desaparecidos, e alguém havia adulterado os catálogos de fichas e registros fotográficos para esconder o fato de que eles tinham sumido. Sete foram recuperados de um colecionador evangélico na Califórnia. Mais de 80 parecem ainda estar faltando. Segundo o diretor do EES, os itens podem ter sido vendidos por milhões, mas na verdade não têm preço.

(…)

Obbink foi preso em 2020 e processado em 2021. Foi pouco depois disso, mostram os registros do tribunal, que ele se mudou para uma casa flutuante no Tâmisa, em Oxford, e começou a se esconder dos investigadores particulares que tentavam lhe entregar a intimação (…) Obbink também enfrenta acusações criminais na Inglaterra. A investigação está em andamento.

 

Missing Papyri Professor Must Return $7 Million to Hobby Lobby – Daniel Silliman: Christianity Today: December 15, 2021

Dirk Obbink has lost a federal lawsuit over the fraudulent sale of Gospel fragments.

Dirk Obbink didn’t answer the door of his Oxford, England, houseboat docked in the Thames. He dodged the private investigators trying to serve him a legal summons in August and September and failed to answer the official letter notifying him that he was required to respond to allegations he had defrauded Hobby Lobby by selling the craft store $7 million worth of ancient papyri that he didn’t actually own.

A clerk of the United States federal court has certified a default judgment against the famed papyrologist, noting in late November that “defendant Dirk D. Obbink has not filed any answer or otherwise moved with respect to the complaint herein.”

The former Oxford University professor and visiting scholar at Baylor University, once heralded for his amazing discoveries of ancient texts, including early copies of the Gospels and unknown poems of Sappho, now owes Hobby Lobby a full refund.

The resolution of the civil lawsuit leaves a lot of questions unanswered, though. Chief among them: Where are the other 81 ancient fragments that went missing from the Egyptian Exploration Society (EES) library at Oxford at the same time that Obbink, then head of the library’s papyri digitization project, took 32 fragments and sold them to Hobby Lobby?

“I think many of us hoped that a trial might bring to light further information on the whereabouts of the roughly 80 Oxyrhynchus papyri that still seem to be missing,” wrote history of religions scholar Brent Nongbri on his blog.

According to the lawsuit, Obbink worked as a private antiquities dealer in addition to his academic work. He sold Hobby Lobby four lots of papyri between 2010 and 2013, as the Oklahoma-based company invested in an expansive collection that it would use to launch the Museum of the Bible in Washington, DC, in 2017. The fragments were discovered in a rubbish heap near a vanished city in Egypt in the early 20th century.

A sales record shows that Obbink claimed four of them were first-century copies of Matthew, Mark, Luke, and John—which would have made them the oldest known pieces of the New Testament.

In 2017, Obbink contacted Hobby Lobby to say he had made a mistake and mixed up the EES fragments with his fragments he was selling as part of his antiquities business. He promised to pay the money back but asked for patience, as he had already spent it.

At the same time, Obbink told EES he had showed the New Testament fragments to some visitors associated with Hobby Lobby and owner Steve Green’s “Green Collection,” but claimed he never told them it was for sale.

“Professor Obbink insists that he never said the papyrus was for sale, and that while he did receive some payments from the Green Collection for advice on other matters, he did not accept any payment for or towards purchase of this text,” an official statement said. “The EES has never sought to sell this or any other papyrus.”

Hobby Lobby then sent a copy of its purchase agreement to EES, and the library launched a systematic check of its collection of more than 500,000 artifacts. More than 120 were missing, and someone had tampered with the card catalogues and photographic records to hide the fact they were gone.

Seven were recovered from an evangelical collector in California. More than 80 appear to still be missing.

According to the director of the EES, the items may have been sold for millions, but they are actually priceless.

Obbink, for his part, spoke of the fragments in the EES collection in rhapsodic terms.

“For me personally,” he once told a British audience, “working on these texts … was like being shipwrecked on a desert island with Marilyn Monroe.”

Obbink was arrested in 2020 and then sued in 2021. Shortly after that, court records show, he moved to a houseboat named the James Brindley and started hiding from the private investigators attempting to serve him summons.

A neighbor signed an affidavit that she saw Obbink on the boat a little before 4:30 p.m. on Saturday, September 11, and the summons had been removed from the houseboat door.

“The main cabin door was open,” the affidavit says. “Mr. Obbink would have had to remove the envelop to open the door.”

The British woman helpfully photographed Obbink for the investigators, who presented it to the US federal court as evidence and asked for a default judgment.

Obbink is also facing criminal charges in England. The investigation is ongoing.

 

Em ordem cronológica, links para as postagens publicadas no Observatório Bíblico sobre o fragmento de Marcos:

Descoberto fragmento de Marcos do século I? – 06.02.2012

Esclarecimentos sobre o fragmento de Marcos do século I – 10.02.2012

Fragmento de Marcos foi escrito entre 150 e 250 d.C. – 31.05.2018

Ainda sobre o fragmento de Marcos – 02.07.2019

A saga do fragmento do evangelho de Marcos – 09.01.2020

A Igreja do futuro

A Igreja do futuro? No meio das pessoas

Num mundo sem horizonte transcendente, a evidente crise da Igreja do Ocidente não deve ser considerada de forma matemática (declínio demográfico, curva das práticas religiosas, diminuição dos padres…). Segundo o teólogo canadense Gilles Routhier – convidado da Faculdade de Teologia do Trivêneto – o futuro da Igreja passa por se tornar um sinal no meio das pessoas: uma Igreja que se mistura com a vida de homens, mulheres e crianças.

A reportagem é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 11-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

Gilles RouthierQue futuro para as igrejas do Ocidente? Como “reinventar” a antiga Igreja, em um contexto cada vez mais global: esse é o tema sobre o qual o teólogo Gilles Routhier (professor titular da Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas da Université Laval – Québec, Canadá, onde leciona eclesiologia e teologia prática) discursou na Faculdade de Teologia do Trivêneto no âmbito do curso de teologia pastoral do prof. Andrea Toniolo.

“Estamos perante a necessidade de elaborar, num tempo radicalmente novo, uma figura inédita da Igreja – começou -. Isso é fazer um ato de tradição, ou seja, expressar o que recebemos de novas formas. Não se trata de ‘reinventar a antiga Igreja’, mas de expressar o Evangelho, que recebido do Espírito, institui a Igreja em novas formas e dá uma nova figura ao Cristianismo.”

A operação não é simples de realizar e o tornar-se cada vez mais global da Igreja representa um desafio particular.

Gilles Routhier faz referência à Igreja de Québec, que hoje vive no contexto do que Charles Taylor chama de terceira secularização, ou seja, em um mundo onde Deus não faz mais parte do horizonte da vida e do discurso dos homens: “Nós nos contentamos com um mundo sem horizonte transcendente no qual se nasce, se vive e se morre sem abertura para o infinito. É o traço da cultura que, na minha opinião, determina a situação atual”, afirma o teólogo canadense.

Existe uma figura de Igreja que passa, que cai em ruína por divisões, clericalismo, falta de lucidez e determinação para realizar verdadeiras e autênticas conversões, abusos (autoritarismo, pedocriminalidade, abusos espirituais e financeiros …). A pandemia tem sua parte, mas não se pode atribuir-lhe a totalidade do atual desmantelamento.

 

Uma Igreja marginalizada

Sancionar o fim dessa figura de Igreja e renunciar à sua restauração é o passo necessário para pensar a Igreja do futuro, que Routhier vê como “uma Igreja frágil e pobre, não por escolha, mas por fatalidade; uma Igreja despojada e sem posses, privada de seus bens (econômicos, financeiros e imobiliários), pobre em recursos pastorais, privada de sua influência e de seu poder. Como no caso dos pobres – continua ele – será marginalizada, não será mais convidada nos lugares de poder, não será mais ouvida na mídia, não será mais considerada nos livros de história, será ridicularizada por suas opiniões”. É nessa realidade, já às nossas portas, que devemos pensar.

Entre os recursos a que podemos recorrer para pensar a nova situação, Routhier aponta a figura evangélica do seviço, lembrando a Lumen gentium, n. 8 e a Ad gentes, n. 5. “Cristo não cessa, no decurso do seu ministério – explica -, de formar os seus discípulos para que adotem outra perspectiva; não uma visão de poder e domínio, mas uma perspectiva de serviço, de humildade, que inclui a marginalização, a perseguição, ser postos à morte. Só entenderão essa perspectiva depois de sua Páscoa”.

Ao lado disso, cita a experiência de monges trapistas na Argélia. “Despojada, esvaziada de qualquer pretensão de poder, a comunidade teve uma irradiação espiritual mais importante quando soube ser solidária com as pessoas atingidas pela crise: a comunidade não tinha outro papel senão o de ser um sinal, um sinal de comunhão e de reconciliação no meio das pessoas”.

 

Redefinir a Igreja: um projeto de conversão

Eis, pois, um ponto de partida para pensar a Igreja quando ela se torna marginal: ela deve se redefinir. “Essa reorientação – explica Routhier – não se concentrará mais sobre o quanto perde em número, em obras, em prestígio social, mas vai formular de maneira positiva um projeto: quem somos nós neste lugar? Para que somos chamados? O que podemos nos tornar? Se essas duas realidades – fazer número e ser sinal – forem confundidas, muitas vezes os projetos de evangelização resultam distorcidos. Não podemos pensar este futuro de forma matemática, com os olhos fixos nas evoluções demográficas, na curva das práticas religiosas e nas estatísticas do número de padres e membros”.

O projeto de se fazer sinal não pode ser empreendido como só o que sobra, mas deve ser abraçado voluntariamente, redescobrindo, como São Francisco, a alegria do Evangelho na pobreza. “Isto exige uma conversão – destaca – porque esse projeto pede que a Igreja desenvolva uma verdadeira solidariedade com o povo em que está inscrita”.

Essa solidariedade não consiste em dar algo, mas em viver com o outro. “Não se trata simplesmente de ser uma Igreja que doa, mantendo-se numa posição de superioridade, mas de tentar ser ‘uma Igreja pobre para os pobres’, segundo a expressão do Papa Francisco”. Portanto, é necessário focar em projetos em que se criem vínculos com as outras pessoas, ao invés de realizar obras que demandam muitos meios.

“Essa Igreja deixará de ser clerical – acrescenta – mas será formada por comunidades disseminadas: será uma ‘Igreja de vizinhança’, uma Igreja misturada, e não na margem, com a vida de homens, mulheres e crianças”. Isso supõe – como escreve o Papa Francisco em relação à paróquia – “que realmente esteja em contato com as famílias e com a vida do povo, e não se torne uma estrutura complicada, separada das pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos. A paróquia é presença eclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o crescimento da vida cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade generosa, a adoração e a celebração” (EG 28).

“Na minha opinião – conclui Routhier -, a Igreja do Québec tem futuro. Não na restauração do passado, mas no desenvolvimento de uma nova figura que represente um encontro fecundo do Evangelho na cultura.”

Fonte: IHU – 13 Dezembro 2021

 

La Chiesa del futuro? In mezzo alla gente

In un mondo senza orizzonte trascendente, l’evidente crisi della Chiesa d’Occidente non va considerata in modo matematico (calo demografico, curva delle pratiche religiose, diminuzione di preti…). Secondo il teologo canadese Gilles Routhier – ospite alla Facoltà teologica del Triveneto – il futuro della Chiesa passa attraverso il suo farsi segno in mezzo alla gente: una Chiesa mescolata con le vite degli uomini, delle donne e dei bambini.

Quale futuro delle chiese d’Occidente? Come “re-inventare” l’antica Chiesa, in un contesto sempre più mondiale: è il tema su cui il teologo Gilles Routhier (ordinario alla Facoltà di teologia e di scienze religiose dell’Université Laval – Québec, Canada, dove insegna ecclesiologia e teologia pratica) è intervenuto alla Facoltà teologica del Triveneto nell’ambito del corso di teologia pastorale del prof. Andrea Toniolo.

«Ci troviamo davanti alla necessità di elaborare, in un tempo radicalmente nuovo, una figura inedita di Chiesa – ha esordito –. Questo è fare atto di tradizione, cioè esprimere in forme nuove quello che abbiamo ricevuto. Non si tratta di “re-inventare l’antica Chiesa”, ma di esprimere il vangelo, che ricevuto dallo Spirito istituisce la Chiesa, in forme nuove e di dare una nuova figura al cristianesimo».

L’operazione non è semplice a realizzarsi e il divenire sempre più mondiale della Chiesa pone una sfida particolare.

Gilles Routhier fa riferimento alla Chiesa di Québec, che oggi vive nel contesto di quella che Charles Taylor chiama la terza secolarizzazione, cioè in un mondo dove Dio non fa più parte dell’orizzonte della vita e del discorso degli uomini: «Ci si accontenta di un mondo senza orizzonte trascendente nel quale si nasce, si vive e si muore senza apertura all’infinito. È il tratto della cultura che, a mio parere, determina la situazione attuale» afferma il teologo canadese.

C’è una figura di Chiesa che passa, che cade in rovina in ragione delle divisioni, del clericalismo, della mancanza di lucidità e di determinazione a operare delle vere e autentiche conversioni, degli abusi (autoritarismo, pedocriminalità, abusi spirituali e finanziari…). La pandemia ha la sua parte, ma non bisogna attribuirle la totalità del disfacimento attuale.

 

Una Chiesa marginalizzata

Sancire la fine di questa figura di Chiesa e rinunciare alla sua restaurazione è il passaggio necessario per pensare la Chiesa del futuro, che Routhier vede come «una Chiesa fragile e povera, non per scelta ma per fatalità; una Chiesa spogliata e spossessata, privata dei suoi beni (economici, finanziari e immobiliari), povera in risorse pastorali, privata della sua influenza e della sua potenza. Come nel caso dei poveri – prosegue – sarà marginalizzata, non la si inviterà più nei luoghi di potere, non la si sentirà più nei media, non la si considererà più nei libri di storia, verrà schernita per le sue opinioni». È a questa realtà, già alle nostre porte, che bisogna pensare.

Fra le risorse a cui attingere per pensare la situazione nuova, Routhier indica la figura evangelica del servo, richiamando Lumen gentium, n. 8 e Ad gentes, n. 5. «Cristo non cessa, nel corso del suo ministero – spiega –, di formare i suoi discepoli affinché essi adottino un’altra prospettiva; non una visione di potenza e di dominio, ma una prospettiva di servizio, di umiltà, che includa la marginalizzazione, la persecuzione, l’essere messi a morte. Non comprenderanno questa prospettiva che dopo la sua Pasqua».

Accanto a questo, cita l’esperienza dei monaci trappisti in Algeria. «Spogliata, svuotata di ogni pretesa di potere, la comunità ha avuto un irraggiamento spirituale più importante nel momento in cui ha saputo farsi solidale con le persone colpite dalla crisi: la comunità non aveva altro ruolo che quello di essere segno, segno di comunione e di riconciliazione in mezzo alla gente».

 

Ridefinire la Chiesa: un progetto di conversione

Ecco allora uno spunto per pensare la Chiesa quando diventa marginale: essa deve ridefinirsi. «Questa reimpostazione – spiega Routhier – non si concentrerà più su quanto perde in numero, in opere, in prestigio sociale, ma formulerà in maniera positiva un progetto: chi siamo noi in questo luogo? A cosa siamo chiamati? Cosa possiamo divenire? Se si confondono questa due realtà – fare numero ed essere segno – i progetti di evangelizzazione risultano spesso distorti. Non si può pensare questo futuro in modo matematico, con gli occhi fissi sulle evoluzioni demografiche, sulla curva delle pratiche religiose e sulle statistiche relative al numero dei preti e dei membri».

Il progetto di farsi segno non può essere intrapreso come ripiego ma dev’essere abbracciato volontariamente, ritrovando come san Francesco la gioia del vangelo nella povertà. «Ciò richiede una conversione – sottolinea – in quanto tale progetto sollecita la Chiesa a sviluppare una vera solidarietà con il popolo nel quale è inscritta».

Questa solidarietà non consiste nel dare qualcosa, ma nel vivere con l’altro. «Non si tratta semplicemente di essere una Chiesa che dona, mantenendosi in una posizione di superiorità, ma cercare di essere “una Chiesa povera per i poveri”, secondo l’espressione di papa Francesco». Bisogna, dunque, puntare su progetti in cui si creano legami con gli altri, piuttosto che fare delle opere che domandano molti mezzi.

«Questa Chiesa non sarà più clericale – aggiunge – ma sarà fatta di comunità disseminate: sarà una “Chiesa del vicinato”, una Chiesa mescolata, e non al margine, con la vita degli uomini, delle donne e dei bambini». Ciò suppone – come scrive papa Francesco a proposito della parrocchia – «che realmente stia in contatto con le famiglie e con la vita del popolo e non diventi una struttura prolissa, separata dalla gente, o un gruppo di eletti che guardano a se stessi. La parrocchia è presenza ecclesiale nel territorio, ambito di ascolto della Parola, della crescita della vita cristiana, del dialogo, dell’annuncio, della carità generosa, dell’adorazione e della celebrazione» (EG 28).

«Secondo il mio parere – conclude Routhier –, la Chiesa di Québec ha un avvenire. Non nella restaurazione del passato, ma nello sviluppo di una nuova figura che rappresenta un incontro fecondo del Vangelo nella cultura».

Fonte: Settimana News – Paola Zampieri: 11 dicembre 2021

Um olhar transdisciplinar sobre o êxodo do Egito

Em 2018 mencionei aqui o seguinte livro:

LEVY, T. E. ; SCHNEIDER, T. ; PROPP, W. H. C. (eds.) Israel’s Exodus in Transdisciplinary Perspective: Text, Archaeology, Culture, and Geoscience. New York: Springer, 2015, Reprinted 2016, XXVII + 584 p. – ISBN 9783319349770.

Agora apresento o prefácio do livro, pois ele oferece uma boa síntese do debate acadêmico atual sobre o êxodo do Egito.LEVY, T. E. ; SCHNEIDER, T. ; PROPP, W. H. C. (eds.) Israel’s Exodus in Transdisciplinary Perspective: Text, Archaeology, Culture, and Geoscience. New York: Springer, 2015, Reprinted 2016, XXVII + 584 p.

O prefácio e o índice, em inglês, podem ser vistos na amostra do livro.

Este volume é um apanhado do mais inovador pensamento sobre o tema do êxodo de Israel do Egito. Em 9 seções, o volume apresenta trabalhos apresentados pela primeira vez em “Fora do Egito: o êxodo de Israel entre texto e memória, história e imaginação“, uma conferência realizada na Universidade da Califórnia, San Diego, de 31 de maio a 3 de junho de 2013.

A perspectiva transdisciplinar deste livro combina uma avaliação de pesquisas mais antigas com o conhecimento atual sobre o tópico e novas perspectivas para estudos futuros. Pesquisas de egiptólogos, arqueólogos, estudiosos da Bíblia, cientistas da computação e geocientistas aparecem em conversas ativas ao longo dos vários capítulos deste livro.

As 44 contribuições dos principais estudiosos dos Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Israel, Alemanha, Suíça e Itália, unem um grupo diversificado de abordagens hermenêuticas. Elas trabalham o texto e a recepção posterior da narrativa do êxodo, incluindo seus paralelos egípcios e do antigo Oriente Médio, o seu papel como memória cultural na história de Israel, a interface da questão do êxodo com o surgimento de Israel e a pesquisa arqueológica e a questão da historicidade do texto. A geografia histórica e os eventos ambientais descritos na narrativa do êxodo e textos relacionados recebem uma análise científica completa, reforçando o caráter transdisciplinar deste volume. Uma seção importante é dedicada à ciberarqueologia e às técnicas de visualização e apresentação museológica do êxodo.

(…)

1. Preparando o palco: abordagens interdisciplinares da narrativa do êxodo

Este volume começa com as palestras principais da conferência.

Jan Assmann vê o êxodo como um mito sobre a origem de um povo e de uma religião. Este mito simboliza simultaneamente a virada revolucionária na história humana do cosmoteísmo para o monoteísmo, a transição da ideia de um deus imanente ou equivalente à natureza para o conceito de um deus transcendente além da natureza. Ele também traça a realização incompleta desse conceito na história ocidental, onde a recorrência das tendências cosmoteístas e as reações para combater o cosmoteísmo mantiveram o mito e símbolo do êxodo vivo até os tempos modernos.

Ronald Hendel situa a memória cultural do êxodo em uma dialética entre a memória histórica e a autoformação étnica. Ele localiza as raízes da tradição do êxodo na transição da Idade do Bronze Recente para a Idade do Ferro. Naquela época, as memórias do colapso do Império Egípcio em Canaã foram transformadas em uma memória de libertação da escravidão egípcia que foi narrativizada como um mito de origens étnicas – expressa em sua forma mais antiga, o Canto de Vitória, como a vitória de Iahweh sobre o caos representado pelo faraó.

O enredo vergonhoso do êxodo, um povo fugindo da escravidão, é para Manfred Bietak uma indicação de elementos que são historicamente verossímeis. A partir disso, ele analisa as evidências disponíveis no Egito sobre o assentamento de “proto-israelitas” durante o último período raméssida. Ele infere que tais grupos teriam se estabelecido no Egito simultaneamente com os proto-israelitas em Canaã. Em sua concepção, a memória coletiva dos proto-israelitas sofrendo em Canaã sob a opressão egípcia e daqueles que sofriam no Egito fundiram-se na gênese do mito de origem de Israel. A crença posterior em uma estadia dos israelitas em Tânis / Zoan foi estimulada pela transferência de vestígios arqueológicos de Pi-Ramsés para Tânis e Bubástis.

Israel Finkelstein reconstrói diferentes estágios históricos das narrativas sobre as andanças de Israel no deserto do sul. Ele se concentra no século VIII com a atividade israelita ao longo da rota de comércio árabe; a transformação das narrativas do deserto em Judá sob o domínio assírio no século VII; sua elaboração sob a 26ª dinastia egípcia; e a perda de conhecimento sobre o deserto do sul após 560 AEC. Essas narrativas teriam enriquecido uma tradição de salvação do domínio egípcio que se desenvolveu entre os séculos dezesseis e dez AEC. Esta tradição foi transferida das terras baixas para a parte norte do planalto central, onde se tornou um mito fundador do reino de Israel.

Em contraste com essas avaliações que são céticas quanto à nossa capacidade de definir um único evento de êxodo no segundo milênio AEC e se concentrar no propósito e no desenvolvimento da narrativa no primeiro milênio, Lawrence Geraty dá uma visão geral das leituras conservadoras e convencionais do relato do êxodo. Ele tenta situar o êxodo em vários contextos históricos da Idade do Bronze egípcia, com um foco especial em datas nas dinastias 18 e 19, enquanto também menciona outras datas propostas entre 2100 e 650 AEC.

2. Abordagens do êxodo baseadas na ciência

Esta seção apresenta uma abordagem científica do ambiente do delta do Nilo e da península do Sinai na antiguidade. Isso inclui uma avaliação completa dos cenários que poderiam estar subjacentes aos eventos detalhados na narrativa do êxodo (por exemplo, pragas e a divisão do mar) de um ponto de vista conservador ou cenários que poderiam ter inspirado as imagens por trás das pragas e milagres do êxodo, imagens que também aparecem em textos apocalípticos e rituais do antigo Oriente Médio.

Stephen O. Moshier e James K. Hoffmeier reconstroem a antiga geografia física mutante da região devido às interações dinâmicas entre o sistema do Nilo, o Mar Mediterrâneo e a tectônica do sistema de fendas do Mar Vermelho. Combinando geologia de campo, arqueologia, topografia digital e imagens de satélite com tecnologia de informação geográfica, eles produzem um novo mapa que revela diferentes posições da costa mediterrânea, lagoas e a existência de braços, lagos e pântanos do Nilo Pelusíaco. Ao criar um mapa geofísico preciso para a pesquisa do êxodo, essa geografia recriada ajuda a delinear o caminho da antiga rota costeira entre o Egito e a Palestina.

Mark Harris oferece uma avaliação crítica das estratégias interpretativas do crescente número de leituras populares e naturalistas do texto do êxodo. Desafiando os estudos bíblicos que enfatizam a complexa gênese e caráter das tradições do êxodo, e sem considerar os usos ideológicos de um texto, essas estratégias tomam a narrativa pelo seu valor nominal como refletindo catástrofes naturais apocalípticas, particularmente a erupção de Thera (Santorini) no século XVII AEC.

As contribuições restantes desta seção fornecem dados científicos sobre uma variedade de desastres naturais para determinar se eles poderiam ter gerado os fenômenos descritos na narrativa do êxodo.

Amos Salamon e coautores examinam as principais fontes causadoras de tsunamis no Mediterrâneo Oriental que podem explicar a divisão do mar – como fazer o mar secar e, em seguida, inundar a terra. Suas simulações recriam o tsunami que se seguiu à erupção de Thera por volta de 1600 AEC; o forte terremoto de magnitude 8–8,5 de 365 EC no arco helênico e o tsunami resultante que devastou Alexandria; e um gigantesco desabamento submarino na época do Pleistoceno Superior no cone do Nilo que começou com um recuo significativo do mar e foi seguido por uma inundação notável.

Thomas Evan LevyA erupção do Santorini também é crucial para os estudos restantes.

Michael Dee e coautores discutem a relevância da datação por radiocarbono para problemas relacionados ao êxodo e apresentam datas de três estudos de caso pertinentes: a datação do Novo Reino egípcio, a conquista das cidades cananeias conforme relatado no livro de Josué e a datação da erupção de Thera.

O texto de Malcolm Wiener apresenta uma resposta ao estudo de Dee, defendendo uma data de erupção muito mais recente, após 1530 AEC.

3. Ciberarqueologia e êxodo

As quatro contribuições da terceira seção exploram o potencial de visualização do passado, com o êxodo e a recente pesquisa arqueológica na Jordânia da Idade do Ferro como um meio de apresentar pesquisas originais para divulgação acadêmica e pública no formato do “museu do futuro”. As quatro contribuições fornecem o pano de fundo para uma exposição que acompanhou a conferência êxodo, preparada por uma equipe de arqueólogos, geocientistas, cientistas da computação, engenheiros e tecnólogos de mídia digital sob a direção de Thomas Levy. Foi montado no Qualcomm Institute Theatre na Universidade da Califórnia, San Diego, um espaço de performance reconfigurado em um espaço de museu que usa novas tecnologias visuais e de áudio. Uma tela de grande formato e vários outros sistemas de exibição foram usados ​​para as visualizações de computador, e um novo sistema de exibição imersiva em grande escala 3D de 50 megapixels chamado WAVE fez sua estreia. Novos sistemas e conteúdo de áudio foram desenvolvidos pelos pesquisadores da Sonic Arts para projetar dados de áudio arqueológicos e geológicos. Esses artigos de ciberarqueologia, junto com aqueles das abordagens baseadas na ciência, fornecem o material para a reconstrução do mundo antigo aplicado à narrativa do êxodo.

4. A narrativa do êxodo no contexto do Egito e do antigo Oriente Médio

Bernard F. Batto propõe que a narrativa do êxodo foi reescrita por sacerdotes, a fim de elevar o “evento” do êxodo à condição de mito, no exílio ou nos tempos pós-exílicos. Nessa concepção, empregando motivos do Mito de Combate prevalentes em toda a Mesopotâmia e no Levante, Iahweh e o faraó foram descritos como os dois antagonistas na batalha entre o criador e o monstro do caos na forma do Mar primordial. O Faraó é identificado e derrotado no “Mar do Fim” (yam sûph), o Mar Vermelho, não o Mar dos Juncos, do qual Iahweh emerge como o criador de Israel.

James Hoffmeier analisa a longa história de engajamento acadêmico com o Antigo Testamento por egiptólogos desde o século XIX, em particular seu interesse vívido e positivo no tópico do êxodo e a historicidade da permanência de Israel no Egito. Ele pede que os egiptólogos “voltem ao debate para trazer dados do Egito para lidar com questões históricas e geográficas”.

Susan Tower Hollis estuda a relação entre histórias egípcias e histórias bíblicas sobre a permanência de Israel no Egito, principalmente a comparação entre o “Conto de dois irmãos” da 19ª dinastia do Papiro d’Orbiney (BM 10183) e a narrativa da esposa de José e Potifar em Gn 39.

Scott B. Noegel sugere a barca sagrada egípcia como o melhor paralelo não israelita com a Arca da Aliança que a tradição sacerdotal tardia de Ex 25 retrata como sendo fabricado no Monte Sinai. A concepção israelita da Arca provavelmente se originou sob a influência egípcia no final da Idade do Bronze.

Gary Rendsburg apresenta uma avaliação dos paralelos egípcios com motivos que ocorrem ao longo de Ex 1–15, como a ocultação do nome divino, a transformação de um objeto inanimado em uma serpente ou crocodilo, a transformação de água em sangue, as trevas, a morte dos primogênitos, a separação das águas e as mortes por afogamento. Quase todos esses motivos são conhecidos apenas no Egito, sem eco em outras sociedades do antigo Oriente Médio. Rendsburg imagina que um escritor israelita educado e seu público israelita bem informado foram capazes de compreender e desfrutar o contexto cultural egípcio de uma composição que “subverte as noções religiosas egípcias e, simultaneamente, expressa a herança nacional de Israel de uma forma literária requintada”.

Brad C. Sparks conclui esta seção com uma compilação abrangente da pesquisa desde o século XIX que tem apontado paralelos do êxodo em cerca de 90 textos egípcios antigos de diferentes gêneros e períodos. Sparks argumenta que a historicidade do êxodo precisa ser reavaliada à luz desse material narrativo egípcio e da intrigante iconografia associada.

5. A narrativa do êxodo como texto

Esta seção oferece uma visão aprofundada do ponto de partida para as discussões do êxodo: a narrativa do êxodo preservada no livro do êxodo. Eminentes especialistas na exegese do êxodo são representados nesta seção.

Christoph Berner sugere que a complexidade do relato de Ex 1-15, uma narrativa que não é coerente por natureza e cujos detalhes muitas vezes estão em tensão unsThomas Schneider com os outros (se não em total contradição), pode ser melhor entendida como resultante de um processo de expansões literárias contínuas (Fortschreibungen). Ele demonstra por meio das referências ao trabalho forçado dos israelitas, que ele usa como um caso de teste, que partes substanciais da narrativa pertencem a um extenso estágio pós-sacerdotal de redação textual. Assim, a narrativa do êxodo revela pouco sobre as circunstâncias históricas do êxodo, mas muito mais sobre como os escribas pós-exílicos o imaginaram e participaram do desenvolvimento literário do relato bíblico.

Baruch Halpern fala sobre o êxodo como uma fábula inspirada por possíveis eventos do passado de Israel, embora afirme que sua gênese histórica será tão irrecuperável para nós quanto seu narrador. Halpern também enfatiza que os debatedores modernos do texto devem empunhar as ferramentas necessárias para enfrentar os desafios epistemológicos que enfrentamos. A verdadeira questão é: “O que precisamos saber para saber o que queremos saber?” Confrontado com contadores de histórias e seu público que preservaram fragmentos históricos, mas adicionando valor artístico à história, o único caminho é recuperar a magia da história: entender os modos do pensamento social de Israel ao longo do tempo e a cultura que imortalizou o êxodo.

Thomas Römer fala das tradições sobre as origens de Iahweh. Embora a narrativa do êxodo tenha sido registrada por escrito pela primeira vez em Judá e pareça refletir a opressão assíria contemporânea, os contornos literários da tradição mais antiga do êxodo que veio de Israel para Judá depois de 722 AEC nos escapam. Oseias 12 mostra Iahweh (o Deus do êxodo) em oposição à tradição de Jacó, talvez uma prova da tentativa de fazer do êxodo o mito fundador de Israel. Os dois relatos da revelação de Iahweh a Moisés, bem como as evidências externas (Kuntillet Ajrud, evidências sobre o Shasu Yahu) preservam a memória de que Iahweh não era uma divindade autóctone, mas foi introduzida em Israel a partir do sul.

Stephen C. Russell propõe uma nova contextualização histórica da nomeação por Moisés de funcionários para julgar casos legais em Ex 18,13-26. Tradicionalmente considerado como refletindo o mundo social do período monárquico e fornecendo uma etiologia para o sistema de juízes reais estabelecido por Josafá (2Cr 19,5-10), esta nomeação é mais semelhante ao sistema pós-exílico de Esd 7,12-26, onde o rei persa Artaxerxes instrui Esdras a nomear juízes que conheçam a lei mosaica. Ex 18,13–26 é melhor entendido como uma expansão pós-exílica do capítulo 18; constitui uma ponte importante no livro de êxodo, resumindo a libertação do Egito e antecipando a revelação no Sinai.

Konrad Schmid faz um apelo para reconhecer em nossas avaliações a diferença entre o mundo das narrativas e o mundo dos narradores e para explicar essa diferença de uma maneira metodologicamente controlada. Seu exemplo particular é Ex 1–15, um texto debatido nos estudos bíblicos em termos de sua composição e avaliação histórica. Apesar de todas as controvérsias, há amplo consenso sobre os textos sacerdotais em Ex 1–15. O artigo discute várias peculiaridades narrativas no relato sacerdotal do êxodo que podem ser explicadas quando considerado como um mito fundamental judeu do início do período persa. A imagem do Egito como desgovernado e precisando ser controlado sugere uma data anterior a 525 AEC, quando Cambises conquistou o Egito. Enquanto Ciro era um defensor da independência judaica, o faraó do êxodo é um “Anticiro”.

6. O êxodo na recepção e percepção posteriores

Esta seção trata das tradições e interpretações judaicas, cristãs e islâmicas posteriores do êxodo.

Joel Allen examina a “espoliação dos egípcios” (Gn 15,14; Ex 3,21–22; 11,2–3 e 12,35–36), um motivo que criou constrangimento para expositores judeus e cristãos. Este ensaio examina as principais “terapias textuais” alegóricas (por exemplo, a interpretação da pilhagem egípcia como tesouros espirituais pelos quais judeus e cristãos procuraram curar o texto de suas impropriedades e garantir a apropriação da herança clássica pagã no reino do espírito). Fílon, Orígenes e Agostinho procuraram fornecer justificativa para aqueles que desejavam ter o melhor dos mundos bíblico e clássico e equilibrar a fé das Escrituras com a razão da filosofia grega.

René Bloch examina o desafio que a história do êxodo apresentou aos autores judeus-helenísticos cuja pátria era o Egito. Como eles chegaram a um acordo com a história bíblica da libertação da escravidão egípcia e o anseio pela terra prometida? Seu estudo analisa as diferenças narrativas na discussão de Fílon sobre o êxodo. Em particular, Fílon leu a história alegoricamente como uma jornada da terra do corpo aos reinos da mente. Isso permitiu que ele controlasse o significado do êxodo e ficasse no Egito.

Caterina Moro se concentra na história extrabíblica do êxodo do historiador judeu-helenístico Artápano. Esta história, ao contrário do relato bíblico do êxodo, fornece uma identidade para o oponente egípcio de Moisés, atribuindo-lhe o nome de Chenephres. Moro examina as evidências sobre seu possível equivalente histórico, Khaneferra Sobekhotep IV da 13ª dinastia, e a história fictícia que o elevou à posição de faraó do êxodo.

Babak Rahimi propõe entender os relatos do Alcorão do êxodo como um drama salvífico, em contraste com a exegese do Alcorão Clássico que percebeu a expulsão dos israelitas do Egito como punição divina imposta a eles por suas transgressões contra Deus. Não apenas a narrativa do êxodo do Alcorão contém muitos exemplos da bênção de Deus aos israelitas, o êxodo constitui uma metanarrativa da libertação espiritual e representa uma crônica da presença de Deus. A experiência dos israelitas de uma provação por meio da adversidade, em última análise, revela a graça divina e uma promessa de salvação.

O artigo de Pieter van der Horst examina o papel central que o êxodo do Egito desempenhou na polêmica judaico-pagã desde o início do período helenístico até o período imperial. Polemistas gentios reverteram a história bíblica da libertação dos israelitas da escravidão egípcia, retratando uma imagem negativa das origens israelitas e retratando-os como misantropos e ateus. Os autores judaico-helenísticos reagiram a esses ataques escrevendo por meio de romances, dramas e tratados filosóficos.

7. O êxodo como memória cultural

Foi no primeiro milênio AEC que o suposto evento do êxodo tornou-se um artefato escrito e cultural, uma tela de contínua imaginação ideológica. As contribuições desta seção envolvem o conceito de memória cultural, pelo qual a história do êxodo pode ser vista como uma resposta às necessidades religiosas e culturais de uma sociedade durante as monarquias de Israel e Judá e o período exílico e pós-exílico. Também pode ser considerado um veículo de identidade nacional.

Aren Maeir discute a variabilidade das memórias e sua suscetibilidade a serem moldadas e alteradas. Ele discute a tradição do êxodo como uma matriz de memórias culturais, tecidas e alteradas durante um longo período, desafiando qualquer tentativa de determinar um único evento histórico que se correlacionaria com o êxodo. Não é um mito a-histórico, mas sim reflete os muitos períodos e contextos, nos quais as narrativas do êxodo foram formadas – um “complexo narrativo” multifacetado e um espaço de memória moldado pelas necessidades da identidade de Israel.

Em uma linha semelhante, a contribuição de Victor Matthews se afasta dos esforços para determinar a possível historicidade do evento do êxodo. Em vez disso, concentra-se ele em como e por que as memórias coletivas são criadas, perpetuadas, usadas e reutilizadas. Enquanto ele pergunta quando e onde a tradição do êxodo se originou, ele conclui que os dados atuais tornam impossível fornecer uma resposta definitiva e que o que pode ser dito tem mais a ver com porque a tradição do êxodo foi importante para a comunidade israelita em vários momentos.

William H.C. Propp apóia a visão de que o êxodo não pode ser chamado de “histórico” e que a evidência é muito difusa para ser adequadamente testada pelo método histórico; em conseqüência, devemos nos resignar à ignorância. A título de comparação, Propp aduz e contrasta outro conto mítico de salvação milagrosa e improvável para a história do êxodo: o (s) “Anjo (s) de Mons” da Primeira Guerra Mundial, onde informações abundantes nos permitem separar a verdade da ficção com precisão e definir ambos no contexto histórico.

Donald B. Redford coloca o relato bíblico da permanência e expulsão de Israel do Egito em consonância com várias outras tradições a respeito de uma “revelação” do Egito: Aegyptiaca de Maneton, a tradição “leprosa” de Bócoris, reminiscências fenícias e trechos de livros proféticos. Essas tradições, alheias ao livro do êxodo, são a folkmemória asiática, “ajustada, distorcida, invertida, com motivação revertida ou imputada”, da ocupação hicsa e sua expulsão após um reinado de 108 anos. Redford examina a contribuição dessas tradições para elucidar o evento original e sua percepção ao longo do tempo.

Finalmente, William G. Dever oferece uma crítica arqueológica do modelo de “memória cultural” da narrativa do êxodo-conquista. Depois de revisar o que os escritores bíblicos realmente sabiam sobre suas origens, o que eles criaram como suas memórias e o que podem ter esquecido sobre seu passado, ele conclui que a narrativa é um mito de fundação cujos elementos básicos – uma imigração de “todo o Israel” de Egito e conquista da terra – são inventados. Em vez de perguntar como esses textos funcionavam socialmente, religiosamente e culturalmente, ele examina “o que realmente aconteceu” e aponta para o surgimento de Israel como um fenômeno indígena dentro de Canaã, com os israelitas sendo essencialmente cananeus, deslocados geográfica e ideologicamente.

8. O êxodo e as origens de Israel: novas perspectivas a partir dos estudos bíblicos e da arqueologia

Esta seção fornece um link para perguntas sobre a historicidade da memória do êxodo, movendo a discussão do texto do êxodo e seus propósitos históricos no primeiro milênio AEC para o surgimento de Israel no final do segundo milênio.

Emmanuel Anati apresenta uma visão geral do levantamento arqueológico do Monte Karkom (que ele identifica como Monte Sinai) e dos vales circundantes que resultou na descoberta de mil e trezentos novos sítios arqueológicos. A presença de altares, pequenos santuários e vários outros locais de culto caracterizam o Monte Karkom como uma montanha sagrada da Idade do Bronze, ao pé da qual um grande número de pessoas parece ter vivido temporariamente.

William H. C. ProppBaseando-se em vários insights teóricos sobre a natureza do poder social e a composição dos estados antigos em sua análise das Cartas de Amarna, Brendon Benz apresenta uma hipótese alternativa para estudos recentes que levantaram a hipótese de que Israel teria sido formado por estranhos geográficos, econômicos ou políticos. Os governos e as populações do Levante da Idade do Bronze Recente eram mais diversificados do que geralmente se reconhece, com o poder social mais amplamente distribuído e frequentemente negociado entre uma gama de atores políticos de maneira “igualitária”. As várias formas de organização política incluíam as que consistiam em populações definidas por assentamentos e as que não o eram. Depois de destacar os pontos de continuidade entre a Idade do Bronze Recente e os constituintes do antigo Israel conforme são descritos em algumas das passagens centrais da Bíblia, Benz sugere que o antigo Israel incluía um contingente de pessoas nativas de Canaã.

Avraham Faust discute a etnogênese de Israel com atenção particular ao primeiro grupo de Israel, aquele mencionado na estela de Merneptah, que de acordo com Faust era composta principalmente de pastores Shasu. Muitos grupos diferentes (incluindo muitos cananeus, e possivelmente um pequeno grupo do “êxodo” do Egito) foram amalgamados no que viria a se tornar Israel. A história do êxodo foi uma das tradições e práticas úteis na demarcação de Israel de outros grupos e, portanto, foi adotada por “todo o Israel”.

Daniel Fleming analisa o fenômeno do pastoralismo de longo alcance como uma sobrevivência de estratégias sociais antigas, anteriores a Israel. Na história do êxodo, Israel aparece como estabelecido no Egito, sem nenhuma indicação de movimento livre com seu rebanho para dentro e para fora do Egito. Para o redator do êxodo, todo pastoralismo era local. No entanto, os elementos da estrutura narrativa mais profunda seguem a lógica do pastoralismo de longo alcance, como o caminho de Moisés e Israel no deserto e a mudança para áreas de pastoreio em Canaã. O êxodo do Egito representa uma mudança de base operacional quando uma base existente não estava mais disponível. Assim, a história do êxodo pode ter sido ligada a círculos sociais nos quais essa migração poderia ser celebrada.

Garrett Galvin revê certos aspectos da pesquisa sobre a historicidade do evento do êxodo e as evidências arqueológicas do Egito e da Palestina, apontando para a poderosa analogia do estabelecimento dos filisteus como uma nova nação na Palestina. Ele enfatiza que, apesar de uma abordagem mais cautelosa dos textos desde a virada linguística do século XX na filosofia da história, a narrativa do êxodo bíblico continua sendo nosso principal acesso textual à questão de um núcleo histórico. No entanto, é um mito de origem que tem paralelos nas histórias de etnogênese grega, romana e germânica, um documento teológico operando dentro das convenções das narrativas históricas.

Christopher Hays reconhece os numerosos contatos que existiam entre o antigo Israel e o Egito. Memórias do Egito, que mais tarde se tornaram tradições literárias na Bíblia Hebraica, foram transmitidas em algum momento do estado proto-israelita da Idade do Ferro. Dados textuais e materiais relacionados à primeira monarquia israelita indicam um relacionamento cultural contínuo com o Egito. Ele adiciona uma aparente semelhança entre a maneira como as duas nações conceituaram a extensão de seus reinos aos exemplos da influência egípcia no antigo Israel.

Robert Mullins analisa os três modelos que foram apresentados para explicar o aparecimento de Israel nas montanhas ocidentais do sul do Levante: conquista, sedentarização de pastores e revolta social. Segundo ele, um quarto modelo, que leva em conta a dissolução do império egípcio no final da Idade do Bronze Recente, fornece uma explicação mais satisfatória para o que deve ter sido um amplo, complexo e longo processo. O que encontramos no texto bíblico é uma história construída por meio da qual Israel mais tarde consagrou e reformulou seu passado para criar memórias oficiais de uma cultura e formular uma nova visão para o futuro.

Nadav Na’aman examina as razões para o contraste entre o lugar central do êxodo na memória israelita e seu status histórico questionável. Ele sugere que a escravidão, o sofrimento e a libertação milagrosa da escravidão realmente ocorreram em Canaã durante o reinado imperial do Egito sobre a Palestina no Novo Reino e a queda do império no século XII AEC, e que o local dessas memórias foi posteriormente transferido de Canaã para o Egito. A escravidão e a libertação foram vivenciadas pelos grupos pastoris que mais tarde se estabeleceram nas terras altas do Reino do Norte, daí o lugar central da tradição do êxodo na memória cultural dos habitantes de Israel norte. Uma vez que o processo de colonização nas terras altas da Judeia ocorreu mais tarde e em uma escala limitada, a memória do êxodo desempenhou apenas um papel menor entre os habitantes de Judá.

9. Conclusão

No capítulo final do volume de Thomas Schneider apresenta um vislumbre da complexidade da pesquisa do êxodo. Qualquer tentativa de rastrear e contextualizar motivos da narrativa é obstruída pela complexidade da história do texto. As certezas exegéticas do século XX desapareceram na crise da pesquisa do Pentateuco e deram lugar a múltiplos cenários de composição e redação de textos, à inter-relação de grandes temas e à proveniência e contexto histórico dos fenômenos nele mencionados.

Esta situação geral é exemplificada por um estudo de Ex 12 que ao mesmo tempo visa ser uma contribuição genuína para a pesquisa do êxodo e uma perspectiva no final do volume. O texto recebido de Ex 12 descreve a última praga trazida ao Egito por Iahweh – a morte do filho primogênito de Faraó e os primogênitos do gado do país – ou, alternativamente, seu “destruidor” que atinge os egípcios, mas poupa as casas dos Israelitas. Vários aspectos do ritual de proteção da Páscoa ainda não foram explicados de maneira satisfatória. Depois de dar uma visão geral da intrincada situação exegética, o estudo propõe uma nova abordagem para o texto, recorrendo a paralelos de rituais egípcios que teriam sido apropriados pelos autores do texto para a causa israelita. O Papiro Cairo 58027, ritual de proteção do Faraó à noite, e rituais voltados para a “Peste do Ano” recebem atenção especial.

Além das abordagens exegéticas para estudos bíblicos apresentados aqui, os métodos transdisciplinares ilustrados neste volume demonstram o grande potencial que os métodos científicos e quantitativos têm em responder a perguntas complexas nas ciências humanas e sociais. As perguntas que intrigaram gerações de pessoas fascinadas com o enigmático êxodo da Bíblia podem agora ser examinadas usando essas abordagens que certamente darão frutos nos próximos anos. Na verdade, as abordagens transdisciplinares ou de ciência em equipe estarão na linha de frente de conceitos de vanguarda que, com a integração da tecnologia, serão reunidos por pesquisadores das ciências sociais, humanas, ciências naturais e engenharia. Os editores esperam que as 44 contribuições incluídas no volume forneçam um ponto de partida inspirador para todas as pesquisas futuras sobre a questão do êxodo de Israel.

Formas literárias do Primeiro Testamento

Usamos uma grande quantidade de formas fixas para falar, que são sempre retomadas quando ocorrem as mesmas circunstâncias, o mesmo “contexto vital” ou contexto existencial (em alemão, Sitz im Leben). E na literatura ocorrem formas fixas? Claro. Um escritor não pode adotar, de acordo com as convenções de sua época, qualquer forma literária para qualquer assunto. Um texto científico, por exemplo, deve usar uma linguagem adaptada à compreensão que se pretende alcançar. O leitor já aborda cada obra com uma expectativa diferente, porque ele sabe que cada forma literária apresenta a realidade de modo diverso, como por exemplo o romance, a poesia, a biografia, o discurso científico, a obra histórica. Conclui-se que é da máxima importância, para a correta compreensão de um texto, sabermos em que forma literária ele nos fala. Só assim saberemos a maneira como ele nos comunica a realidade.

Por isso recomendo:

AUTH, R.; MOREIRA, G. L. Introdução ao estudo das formas literárias do Primeiro Testamento: A palavra de Deus em linguagem humana. São Paulo: Paulinas, 2021, 432 p. – ISBN ‎ 9786558080909.AUTH, R.; MOREIRA, G. L. Introdução ao estudo das formas literárias do Primeiro Testamento: A palavra de Deus em linguagem humana. São Paulo: Paulinas, 2021.

O Projeto Bíblia em Comunidade do SAB/Paulinas oferece uma formação sistemática para lideranças e agentes de pastoral.

As séries de livros que compõem a Coleção Bíblia em Comunidade são:

1. Visão Global da Bíblia: apresenta, em vários livros, o contexto histórico dos diferentes períodos da história do povo da Bíblia nos quais nasceram os escritos bíblicos.

2. Teologias Bíblicas: apresenta as diferentes visões ou intuições que o povo da Bíblia teve sobre Deus ao longo de sua história.

3. A Bíblia como Literatura: busca entender a Bíblia nas suas formas e gêneros literários, bem como os diferentes métodos para o estudo da Bíblia.

4. Recursos Pedagógicos: aprofunda as três séries anteriores. Estes livros têm o objetivo de oferecer ferramentas úteis para as lideranças e agentes de Pastorais, coordenarem o estudo e aprofundamento de cada um dos temas.

O livro Introdução ao estudo das formas literárias do Primeiro Testamento: a Palavra de Deus em linguagem humana faz parte do terceiro nível do Projeto Bíblia em Comunidade, A Bíblia como Literatura. O livro apresenta uma multiplicidade de formas e gêneros literários já conhecidos por grande parte das leitoras e dos leitores, aos quais nem sempre se dá a devida importância, seja pela aridez de seu estudo, seja pelo seu grande número. Aqui serão abordados os mais usados pelos autores para melhor compreensão da mensagem de seus escritos. O estudo é feito em oito capítulos.

Veja o sumário do livro em pdf clicando aqui.

Romi Auth é religiosa da Congregação das Filhas de São Paulo (Paulinas). Bacharel em Filosofia e Teologia e Mestra em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Itália. É autora de livros de teor teológico e bíblico da Paulinas Editora. Atua no Projeto Bíblia em Comunidade do SAB/Paulinas.

Gilvander Luís Moreira é padre da Ordem dos Carmelitas. Doutor em Educação pela FAE/UFMG, Licenciado e Bacharel em Filosofia pela UFPR, Bacharel em Teologia pelo ITESP/SP e Mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, Roma, Itália. Agente de pastoral e assessor da CPT, do CEBI e de Ocupações Urbanas e Movimentos Socioambientais. Professor de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia Bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG.

Formas literárias do Segundo Testamento

Usamos uma grande quantidade de formas fixas para falar, que são sempre retomadas quando ocorrem as mesmas circunstâncias, o mesmo “contexto vital” ou contexto existencial (em alemão, Sitz im Leben) . E na literatura ocorrem formas fixas? Claro. Um escritor não pode adotar, de acordo com as convenções de sua época, qualquer forma literária para qualquer assunto. Um texto científico, por exemplo, deve usar uma linguagem adaptada à compreensão que se pretende alcançar. O leitor já aborda cada obra com uma expectativa diferente, porque ele sabe que cada forma literária apresenta a realidade de modo diverso, como por exemplo o romance, a poesia, a biografia, o discurso científico, a obra histórica. Conclui-se que é da máxima importância, para a correta compreensão de um texto, sabermos em que forma literária ele nos fala. Só assim saberemos a maneira como ele nos comunica a realidade.

Por isso recomendo:

AUTH, R. Introdução ao estudo das formas literárias do Segundo Testamento: A palavra de Deus em linguagem humana. São Paulo: Paulinas, 2021, 200 p. – ISBN ‎ AUTH, R. Introdução ao estudo das formas literárias do Segundo Testamento: A palavra de Deus em linguagem humana. São Paulo: Paulinas, 2021.9786558080916

O Projeto Bíblia em Comunidade do SAB/Paulinas, oferece uma formação sistemática para lideranças e agentes de pastoral.

As séries de livros que compõem a Coleção Bíblia em Comunidade são:

1. Visão Global da Bíblia: apresenta, em vários livros, o contexto histórico dos diferentes períodos da história do povo da Bíblia nos quais nasceram os escritos bíblicos.

2. Teologias Bíblicas: apresenta as diferentes visões ou intuições que o povo da Bíblia teve sobre Deus ao longo de sua história.

3. A Bíblia como Literatura: busca entender a Bíblia nas suas formas e gêneros literários, bem como os diferentes métodos para o estudo da Bíblia.

4. Recursos Pedagógicos: aprofunda as três séries anteriores. Estes livros têm o objetivo de oferecer ferramentas úteis para as lideranças e agentes de Pastorais, coordenarem o estudo e aprofundamento de cada um dos temas.

O livro Introdução ao estudo das formas literárias do Segundo Testamento: a Palavra de Deus em linguagem humana faz parte do terceiro nível do Projeto Bíblia em Comunidade, A Bíblia como Literatura. Todo pensamento humano traduzido em palavras pode ser transformado em texto falado e/ou escrito, carregando na sua forma seu gênero literário; e isso acontece tanto na literatura universal quanto na literatura bíblica. Conhecer essas formas, respeitar a intenção do autor, seu contexto histórico e
suas características é muito importante e necessário. As formas ou os gêneros literários não têm um fim em si mesmos, nem pretendem encher o leitor de conhecimentos teóricos, mas são ferramentas importantes para a compreensão da Bíblia. O seu conhecimento favorece uma hermenêutica libertadora mais consciente dos escritos do Segundo Testamento.

Veja o sumário do livro em pdf clicando aqui.

Romi Auth é religiosa da Congregação das Filhas de São Paulo (Paulinas). Bacharel em Filosofia e Teologia e Mestra em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Itália. É autora de livros de teor teológico e bíblico da Paulinas Editora. Atua no Projeto Bíblia em Comunidade do SAB/Paulinas.

Bar Kokhba e a segunda guerra judaica contra Roma

POWELL, L. Bar Kokhba: The Jew Who Defied Hadrian and Challenged the Might of Rome. Barnsley: Pen & Sword Military, 2021, 336 p. – ISBN 9781783831852.

De um lado, Adriano, o governante cosmopolita do vasto Império Romano, então em seu apogeu, que alguns consideravam divino; do outro, Shim’on, um líder militar POWELL, L. Bar Kokhba: The Jew Who Defied Hadrian and Challenged the Might of Rome. Barnsley: Pen & Sword Military, 2021, 336 p. judeu em um distrito de uma província menor, que alguns acreditavam ser o Messias.

É também a história do choque de duas culturas. De um lado, o conquistador, procurando manter o controle de seu domínio duramente conquistado; do outro, o conquistado, buscando se libertar e estabelecer uma nova nação, Israel.

Durante o conflito que se seguiu – a Segunda Guerra Judaica* – a altamente motivada milícia judaica testou duramente o altamente treinado exército romano profissional. Os rebeldes resistiram ao ataque romano por três anos e meio.

Eles estabeleceram uma nação independente com sua própria administração, governada por Shim’on. O resultado desta disputa foi de grande consequência, tanto para o povo da Judeia quanto para o próprio judaísmo.

Então, quem era esse insurgente Shim’on conhecido hoje como Bar Kokhba? Como Adriano, o imperador romano que construiu a famosa Muralha no norte da Grã-Bretanha, respondeu ao desafiante? E como, em épocas posteriores, esse rebelde com uma causa se tornou um herói para os judeus da diáspora que ansiavam pela fundação de um novo Israel?

Uma resenha do livro pode ser lida aqui. Sobre a revolta de Bar Kokhba e as descobertas arqueológicas sobre esta época, leia aqui, aqui e aqui.

* A revolta de Bar Kokhba foi a segunda ou terceira guerra judaica contra Roma? Há historiadores que se referem a ela como a Segunda Guerra Judaica contra Roma, pois não contam a Guerra de Kitos, uma rebelião de judeus da diáspora contra Roma ocorrida nos anos 115-117 d.C. Já os historiadores que contam a Guerra de Kitos entre as guerras dos judeus contra Roma, a aquela, a de Kitos, chamam de Segunda Guerra Judaica e à de Bar Kokhba chamam de Terceira Guerra Judaica.

 

One was Hadrian, the cosmopolitan ruler of the vast Roman Empire, then at its zenith, who some regarded as divine; the other was Shim’on, a Jewish military leader in a district of a minor province, who some believed to be the ‘King Messiah’. It is also the tale of the clash of two ancient cultures. One was the conqueror, seeking to maintain control of its hard-won dominion; the other was the conquered, seeking to break free and establish a new nation: Israel.

During the ensuing conflict – the ‘Second Jewish War’ – the highly motivated Jewish militia sorely tested the highly trained professional Roman army. The rebels withstood the Roman onslaught for three-and-a-half years (AD 132 – 136). They established an independent nation with its own administration, headed by Shim’on as its president. The outcome of that David and Goliath contest was of great consequence, both for the people of Judaea and for Judaism itself.

So, who was this insurgent Shim’on known today as ‘Bar Kokhba’? How did Hadrian, the Roman emperor who built the famous Wall in northern Britain, respond to the challenger? And how, in later ages, did this rebel with a cause become a hero for the Jews in the Diaspora longing for the foundation of a new Israel in modern times? This book describes the author’s personal journey across three continents to establish the facts.

Lindsay Powell writes for Ancient Warfare magazine and his articles have also appeared in Military Heritage and Strategy and Tactics. He is author of the highly acclaimed Marcus Agrippa: Right-Hand Man of Caesar Augustus; Germanicus: The Magnificent Life and Mysterious Death of Rome’s Most Popular General and Eager for Glory: The Untold Story of Drusus the Elder, Conqueror of Germania, all published by Pen & Sword Books. His appearances include BBC Radio, British Forces Broadcasting Service and History Channel. He divides his time between Austin, Texas and Wokingham, England.