Classe social, uma ferramenta útil para a análise dos textos bíblicos

Nossa análise de um texto bíblico nunca estará completa até que façamos perguntas sobre classe social, cujas respostas serão mais ou menos consistentes ou convincentes caso a caso, como acontece com qualquer método de leitura da Bíblia.

1. Uma constatação

Lendo os textos bíblicos, chama a nossa atenção a brutal concentração de riqueza e poder nas mãos de determinados grupos do antigo Israel.Journal of Biblical Literature, vol. 112, no. 1, 1993

Até que a presença de ricos e poderosos dentro da Bíblia – ao lado de seus homólogos pobres e fracos – é amplamente percebida e comentada pelos especialistas.

Entretanto, a dinâmica formativa e os efeitos de longo alcance de tão brutais concentrações de riqueza e poder raramente foram conceituados de uma forma empírica e sistemática o suficiente para produzir insights exegéticos e hermenêuticos sólidos.

2. As causas

Essa lacuna teórica na análise e explicação da riqueza e do poder na Bíblia decorre de três fatores que se reforçam mutuamente:

O primeiro é a tradicional hegemonia das categorias religiosas e teológicas nos estudos bíblicos, que teimosamente resiste à sociologia como uma ameaça à integridade religiosa e à autoridade das Escrituras.

O segundo é a controvérsia dentro das próprias ciências sociais sobre se riqueza e poder devem ser entendidos principalmente em linhas estruturais-funcionais ou na linha do conflito.

O terceiro é a incorporação dos estudos bíblicos em uma visão de mundo capitalista que mascara ou nega a existência de divisões estruturais significativas na sociedade.

3. O resultado

Juntos, esses fatores desencorajam e inibem os esforços para entender a riqueza e o poder na Bíblia como fenômenos historicamente gerados e reproduzidos.

Extremos de riqueza e poder tendem a aparecer nos estudos bíblicos – como na opinião popular sobre a sociedade contemporânea – como se fossem “fatos da natureza”, não exigindo maiores explicações.

As estratégias costumeiras tendem a ver as desigualdades de riqueza e poder como resultado de diferenças pessoais idiossincráticas aleatórias de habilidade ou empenho, por um lado, ou da ganância desordenada e corrupção moral de indivíduos particulares, por outro.

4. Uma proposta

A ferramenta analítica chave que poderia nos fazer ir além deste positivismo e deste superficial moralismo sobre riqueza e poder nas sociedades da época bíblica é o conceito de classe social.

Fonte: GOTTWALD, N. K. Social Class as an Analytic and Hermeneutical Category in Biblical Studies. Journal of Biblical Literature, vol. 112, no. 1, 1993, p. 3-4.

O artigo de Norman K. Gottwald, “Classe social como categoria analítica e hermenêutica nos estudos bíblicos”, foi publicado no Journal of Biblical Literature, vol. 112, no. 1, 1993, p. 3-22, e tem o seguinte esquema:

1. O que é classe social?

2. Classe social nas sociedades bíblicas
. Uma tipologia sincrônica de classe social
. Desenvolvimentos diacrônicos de classe social

3. Classe social nos textos bíblicos
. Classe social em narrativas da Bíblia Hebraica
. Classe social em textos proféticos da Bíblia Hebraica
. Classe social nas parábolas de Jesus

4. Classe social como fatalidade e dádiva

Este texto está disponível para download em pdf aqui.

Norman K. Gottwald (1926-2022)It has long been recognized that differentials in wealth and power figure prominently in biblical texts and traditions. Although the presence of the rich and the powerful within the Bible – shadowed by their poor and powerless counterparts-is widely noted and commented on, the formative dynamics and far-reaching effects of grossly unequal concentrations of wealth and power have seldom been conceptualized in a fashion empirical and systematic enough to yield sustained exegetical and hermeneutical insights.

This theoretical lag in analyzing and explaining wealth and power in the Bible follows from three sources which reinforce one another. The first is the traditional hegemony of religious and theological categories in biblical studies, which stubbornly resists sociology as a threat to the religious integrity and authority of scripture. The second source is the controversy within the social sciences themselves over whether wealth and power should be understood principally along structural-functional or conflictual lines. The third source is the embedment of biblical studies in a pervasive capitalist ethos that blunts or denies the existence of significant structural divisions in society. Together these factors discourage and inhibit efforts to understand wealth and power in the Bible as historically generated and reproduced phenomena. Extremes of wealth and power tend to make their appearance in biblical studies-as in popular opinion about contemporary society- as if they are given “facts of nature,” requiring no further explanation. The customary strategies are to view inequalities in wealth and power as the result either of random idiosyncratic personal differences of ability or industry, on the one hand, or the inordinate greed and moral corruption of particular individuals, on the other. The key analytic tool that could cut through our shallow positivism and moralism about wealth and power in biblical societies is the concept of social class.

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