Uma leitura crítica da reforma de Josias

Shigeyuki Nakanose, do Centro Bíblico Verbo, São Paulo, defendeu sua tese de doutorado em Teologia no New York Theological Seminary, Nova York, em 1991. O tema foi a Páscoa de Josias, e ele foi orientado por Norman K. Gottwald.

O livro publicado tem por título Josiah’s Passover: Sociology and Liberanting Bible. Eugene, OR: Wipf & Stock, 2004 [edição anterior: Maryknoll: Orbis Books, 1993], 212NAKANOSE, S. Uma história para contar: a Páscoa de Josias: metodologia do Antigo Testamento a partir de 2Rs 22,1-23,30. São Paulo: Paulinas, 2000. p. – ISBN 978592445707. Nele o autor mostra como a leitura sociológica da Bíblia (somada às leituras histórico-crítica e popular) revela com mais clareza a realidade por trás do texto bíblico e nos ajuda a compreendê-lo e aplicá-lo com mais proveito.

Em uma adaptação de sua tese, o autor publicou, em português, Uma história para contar: a Páscoa de Josias: metodologia do Antigo Testamento a partir de 2Rs 22,1-23,30. São Paulo: Paulinas, 2000, 344 p.

Neste livro, na página 131, ele diz:

Muitas pessoas que trabalham com a Bíblia são descuidadas em reconstruir a realidade social do texto bíblico, concentrando-se apenas nas ideias religiosas e ideológicas. Esta falha para compreender a formação social pode comprometer a contribuição do trabalho bíblico como uma das forças transformadoras da sociedade. Na falta de uma análise estrutural da sociedade que está por trás do texto, o texto bíblico não tem elementos suficientes para apresentar as pessoas sofridas e marginalizadas numa perspectiva crítica da sua própria sociedade e dentro de uma compreensão mais clara de exigências concretas de justiça social.

Já sobre a reforma de Josias, ele afirma na página 129: A reforma político-religiosa de Josias talvez seja uma das ações mais brutais registradas no Antigo Testamento, empreendidas em nome de Javé.

Para contextuar esta afirmação, que pode parecer surpreendente para muitos [leia mais sobre a reforma de Josias aqui], é claro que se recomenda a leitura do livro. Que deve ser encontrado nas bibliotecas de Teologia, já que parece estar esgotado nas livrarias.

E ele provoca mais ainda nas páginas 227-228:

Não é de se surpreender que hermenêuticas fundamentalistas e idealistas modernas apresentem a reforma de Josias como um movimento religioso sob uma piedosa e exclusiva lealdade a Javé. Na falta de uma análise sociológica, é impossível para exegetas bíblicos alcançar uma compreensão das forças sociais reais operantes na sociedade josiânica. Esta falha hermenêutica aparece especialmente na interpretação da Páscoa de Josias.

Pois é. Nesta mesma linha de raciocínio, transcrevo abaixo a análise da reforma de Josias feita por Norman K. Gottwald em seu artigo Social Class as an Analytic and Hermeneutical Category in Biblical Studies. Journal of Biblical Literature, vol. 112, no. 1, 1993, p. 3-22. Este texto foi apresentado como fala do presidente no Congresso da Society of Biblical Literature (SBL) de 1992 e está disponível para download em pdf aqui.

Nas páginas 12-14 ele diz:

Journal of Biblical Literature, vol. 112, no. 1, 1993A reforma de Josias, descrita amplamente em termos religiosos em 2 Reis 22-23, escapou de uma cuidadosa análise de classe em favor de preocupações mais literárias e teológicas, como a relação da reforma com o código deuteronômico e os objetivos religiosos ostensivos dos reformadores. Muitas vezes a discussão prossegue como se o código de leis em si fosse a causa da reforma e seus formuladores os únicos proponentes da reforma. Acima de tudo, as dimensões religiosas da reforma são abstraídas de sua matriz de classes sociais. Ao realizar uma leitura de classe social da situação por trás de 2 Reis 22-23, não temos dois pontos de vista nitidamente contraditórios como em 1 Reis 4-12 [Nota: texto anteriormente analisado pelo autor], então temos que reunir mais fontes textuais para obter uma leitura mais ampla do conjunção de circunstâncias históricas sociais naquele momento crucial.

Judá tinha sido um reino vassalo menor da Assíria por setenta e cinco anos, reduzido em tamanho, com seus membros da classe dominante – tanto os dentro quanto os de fora do governo – pressionados a arrancar tudo o que pudessem da base econômica camponesa para sobreviver e prosperar marginalmente. Simultaneamente, essa classe dominante foi levada a adotar a cultura da elite assíria para solidificar sua precária posição política, alienando ainda mais seus membros daqueles que eles exploravam.

A rápida dissolução do domínio imperial assírio na Síria-Palestina no início do reinado de Josias alterou completamente o equilíbrio de poder de classe na Palestina. Os governantes políticos em Jerusalém viram que agora poderia ser possível não apenas solidificar seu domínio sobre Judá, mas expandir seu domínio sobre o território e a população do antigo reino setentrional de Israel, que não funcionava mais como província assíria. Essa expansão abriria novos recursos econômicos para a coroa e para as elites latifundiárias e mercantis de Judá.

Dados os objetivos e os recursos, o que seria necessário para concretizar este projeto ambicioso?

Certamente exigiria esforços militares e burocráticos combinados em uma área muito grande e em face de uma população hostil para processar esse programa. Mas, para alistar, treinar e motivar as tropas necessárias e funcionários menores, era indispensável aumentar as receitas e conseguir uma população judaíta leal e comprometida. A base firme dos proponentes da reforma consistia no rei e seus oficiais da corte, comandantes do exército, sacerdotes e profetas ligados a Jerusalém, e proprietários de terras e mercadores de Judá, que tinham interesse em ver maior riqueza e poder fluir para Jerusalém. Mas poderia a população carregada de tributos de Judá ser alistada de forma confiável na causa?

Como não havia maneira de Josias proceder que não exigisse mais receitas de seus súditos, sua primeira abordagem foi reunir os judaítas com um duplo apelo ao fervor patriótico e à pureza religiosa. A ideologia religiosa nacionalista dos deuteronomistas foi difundida na esperança de construir uma forte “frente popular” na causa do Deus de Israel contra estrangeiros assírios e israelitas apóstatas, tanto no norte quanto no sul.

Em suma, Josias e seu regime aspiravam a restaurar as conquistas territoriais e incorporar as lealdades religiosas de Josué e Davi. O movimento ousado da reforma para proibir todo culto a Iahweh fora de Jerusalém serviu tanto para aumentar a autoridade da capital quanto para financiar a conquista do norte com os dízimos e ofertas que fluíam para a cidade e com o aumento das receitas comerciais derivadas das peregrinações festivas obrigatórias. O desvio de fundos e atividades religiosas para Jerusalém também desvalorizou a cultura e a religião locais, e o efeito da legislação deuteronômica na vida familiar minou ainda mais a autonomia e a integridade das famílias que ainda sobreviviam em muitas áreas rurais. Especialmente radical foi o desenraizamento da observância da Páscoa de seu ambiente familiar de longa data e sua mudança restritiva para Jerusalém. Em troca de um aumento nos tributos, serviço no exército e evisceração da cultura religiosa local, as reformas ofereceram algum alívio da dívida e deram mais assistência do governo aos necessitados.

Então, como as políticas de “pão e circo” de Josias se saíram com a grande maioria da população obrigada a pagar tributos?

Não muito bem. Para começar, a maior parte da população do antigo reino do norte estava há muito tempo alienada da dinastia davídica em Jerusalém. Eles se ressentiam profundamente dos pagamentos compulsórios e das longas peregrinações a Jerusalém e ficaram horrorizados com a violência brutal que Josias impôs a seus centros de culto.

Em Judá, a recepção das reformas foi, sem dúvida, mais mista fora dos círculos da elite. Alguns tinham a esperança de reviver os dias gloriosos da época davídica. Alguns foram atraídos pela promessa de alívio da dívida. Os camponeses que vivem perto o suficiente de Jerusalém para fazer uma peregrinação fácil podem ficar satisfeitos com a conveniência, mas a supressão violenta de locais de culto judaítas fora de Jerusalém estava alienando muitos. Os sacerdotes rurais, respeitados em suas comunidades, foram destituídos e humilhados. O aumento das receitas para Jerusalém era irritante para alguns e oneroso para muitos. As medidas que atingiram as lealdades locais e ameaçaram a cultura e a religião domésticas geraram ressentimento. Consequentemente, é razoável concluir que a grande maioria do campesinato judaíta caiu em um espectro que vai da indiferença à hostilidade aberta em relação às reformas.

Por outro lado, é provável que os maiores apoiadores das reformas entre as subclasses exploradas fossem diaristas descendentes de refugiados do reino do norte em 722 a.C. ou que saíam de terras em Judá que haviam perdido por endividamento. Esse grupo sem raízes, muitas vezes desempregado, lucraria com o aumento do trabalho nos preparativos militares, na construção pública e nos empregos ocasionados pelo comércio de peregrinação. Vivendo dentro e ao redor de Jerusalém, eles também ganhavam mais com a assistência governamental do que os camponeses espalhados pelo território.

O que ocorreu, então, foi uma reconstituição draconiana do governo e do culto de cima para baixo, extraindo drasticamente o excedente e perturbando severamente a cultura em todas as principais áreas da vida comum. Os reformadores negociaram uma troca entre um governo e um culto centralizado mais poderosos, por um lado, e melhores condições de vida para a população em geral, por outro lado.

Em suma, a campanha em favor de uma reforma provavelmente não conquistou uma base de apoio muito considerável, enraizada como estava na classe dominante em Jerusalém, sofrendo uma resistência quase unânime no norte e sendo precariamente apoiada por apenas uma minoria da classe explorada judaíta.

Esta política só poderia ter sucesso pela força imediata das armas, com a esperança de garantir condições para um renascimento e expansão de longo prazo da base econômica, incorporando os territórios mais férteis do norte em uma economia política orquestrada a partir de Judá.

Esperava-se que o fervor religioso nacionalista, simbolicamente e institucionalmente ancorado no Templo de Jerusalém, fornecesse o poder de sustentação ideológicaNorman K. Gottwald (1926-2022) necessária para esse empreendimento monumental.

Como se viu, o ambicioso projeto de reforma foi interrompido em menos de vinte anos. A liberdade da intervenção estrangeira não durou muito. Inicialmente o Egito, e depois a Babilônia, estendeu o controle imperial sobre Judá.

Lamentavelmente, sabemos muito pouco sobre quão extensiva ou intensivamente as reformas foram realmente realizadas, especialmente as medidas econômicas, sociais e jurídicas do Deuteronômio que não são mencionadas em 2 Reis 22-23.

A julgar por Jeremias e Ezequiel, que escreveram alguns anos após a morte de Josias, o prestígio do culto de Jerusalém foi aumentado, mas com uma santidade quase supersticiosa e sem muitas das purificações religiosas que o Deuteronômio havia ordenado. A injustiça social e a corrupção judicial são fortemente pontuadas por esses profetas, enquanto a única evidência que possuímos de que as reformas sociais realmente foram instituídas é um oráculo de Jeremias que elogia Josias por ter “julgado a causa dos pobres e necessitados” (Jr 22,13-19), o que pode, na verdade, ser uma referência aos trabalhadores assalariados das obras régias que substituíram a corveia, e que eram o único grupo da população empobrecida que lucrava com as reformas.

Observação: as 5 notas de rodapé deste texto, de 16 a 20, foram omitidas. Duas delas citam a tese de Shigeyuki Nakanose, que estava para ser publicada.

 

Josiah’s reformation, described largely in religious terms in 2 Kings 22-23, has escaped careful class analysis in favor of more literary and theological concerns, such as the relation of the reform to the Deuteronomic law code and the overt religious aims of the reformers. Often the discussion proceeds as though the law code in and of itself was the cause of the reform and its formulators the sole proponents of reform. Above all, the religious dimensions of the reform are abstracted from its social class matrix. In undertaking a social class reading of the situation behind 2 Kings 22-23, we do not have two sharply contradictory points of view as in 1 Kings 4-12, so we have to bring together more textual sources to get a larger reading of the conjunction of social historical circumstances at that watershed moment.

Judah had been a shrunken vassal kingdom of Assyria for seventy-five years, reduced in size, with its ruling class members-both those in and out of government – pushed to wring all they could out of the peasant economic base in order to survive and prosper marginally. Simultaneously, this ruling class was drawn into adopting Assyrian high culture to solidify its precarious political position, further alienating its members from those they exploited. The rapid dissolution of the Assyrian imperial rule in Syria-Palestine early in the reign of Josiah completely altered the class balance of power in Palestine. The political rulers in Jerusalem saw that it might now be possible not only to solidify their hold on Judah but to expand their dominion over the territory and populace of the former northern kingdom of Israel, which no longer functioned as Assyrian provinces. This expansion would open up new economic resources for the crown and for the landholding and merchant elites of Judah.

Given the goals and the resources, what would it take to bring off this ambitious project? It would certainly necessitate concerted military and bureaucratic efforts over a very large area and in the face of a hostile populace to prosecute this program. But in order to enlist, train, and motivate the necessary troops and lesser officials, expanded revenues and a loyal and committed Judahite populace were indispensable. The firm base of the reformation proponents consisted of the king and his court officials, army commanders, priests and prophets attached to Jerusalem, and landowners and merchants of Judah, who had a stake in seeing greater wealth and power flow to Jerusalem.’ But could the tribute-laden populace of Judah be reliably enlisted in the cause?

Since there was no way for Josiah to proceed that did not require more revenues from his subjects, his first approach was to rally Judahites with a twin appeal to patriotic fervor and religious purity. The nationalist religious ideology of the Deuteronomists was broadcast in the hopes of building a strong “popular front” in the cause of Israel’s God against Assyrian foreigners and apostate Israelites, north and south. In short, Josiah and his regime aspired to restore the territorial conquests and embody the religious loyalties of Joshua and David. The reform’s bold move to outlaw all Yahwistic worship outside of Jerusalem served both to enhance the authority of the capital and to finance the conquest of the north from the tithes and offerings flowing into the city and from increased trading revenues derived from the obligatory festival pilgrimages. The diversion of funds and religious activities to Jerusalem also devalued local culture and religion, and the effect of Deuteronomic legislation on family life further undercut the autonomy and integrity of the households that still survived in many rural areas. Especially radical was the uprooting of the Passover observance from its longstanding household milieu and its restrictive relocation to Jerusalem. In return for an increase in tribute, service in the army, and the eviscerating of local religious culture, the reforms offered some debt relief and public charity to the needy.

So how did Josiah’s “bread and circuses” policies fare with the great majority of the tribute-obligated populace? Not very well. To begin with, most of the populace of the former northern kingdom had long been alienated from the Davidic dynasty in Jerusalem. They deeply resented the compulsory payments and long pilgrimages to Jerusalem and were appalled at the brutal violence that Josiah visited on their cult centers. In Judah, reception of the reforms was doubtless more mixed outside elite circles. Some resonated with the hope of reviving the glorious days of the Davidic empire. Some were attracted to the promise of debt relief. Peasants living close enough to Jerusalem to make easy pilgrimage might be pleased at the convenience, but the violent suppression of Judahite cult sites outside Jerusalem was alienating to many. The rural priests, respected in their communities, were defrocked and angered. The increased revenues to Jerusalem were irritating for some and onerous for many. The measures that struck at local loyalties and threatened household culture and religion were resented. Consequently, it is reasonable to conclude that a large majority of the Judahite peasantry fell along a spectrum ranging from indifference to open hostility toward the reforms. By contrast, it is likely that the biggest supporters of the reforms among the exploited sub-classes were day laborers who were descended from refugees of the northern kingdom in 722 BCE or who came off farms in Judah that they had lost to indebtedness. This rootless group, often unemployed, would profit from increased work in military preparations, in public construction, and in service jobs occasioned by the pilgrimage trade. Living in and around Jerusalem, they also stood to gain more from public charity than peasants scattered in the countryside.

Shigeyuki NakanoseHere then was a draconian reconstitution of government and cult from above, drastically extracting surplus and severely disrupting culture in all major areas of the common life. Stripped to its central point, the reformers offered a trade-off between a more powerful centralized government and cult, on the one hand, and improved living conditions for the general populace, on the other. All in all, the strident reform effort probably did not win over a very sizable base of support, rooted as it was in the dominant class in Jerusalem, resisted almost unanimously in the north, and precariously supported by only a minority of the Judahite exploited class. It could only succeed by immediate force of arms, with the hope of securing conditions for a longer-term revival and expansion of the economic base by incorporating the more fertile northern territories into a political economy orchestrated from Judah. It was hoped that nationalist religious fervor, symbolically and institutionally anchored to the Jerusalem Temple, would provide the ideological sustaining power needed for this monumental endeavor.

As it turned out, the ambitious reform project was cut short in less than twenty years. The freedom from foreign intervention did not last long. Initially Egypt, and then Neo-Babylonia, extended imperial control over Judah. Regrettably, we know very little about how extensively or intensively the reforms were actually carried out, especially the economic, social, and juridical measures in Deuteronomy that are not mentioned in 2 Kings 22-23. Judging from Jeremiah and Ezekiel, who wrote some years after Josiah’s death, the prestige of the Jerusalem cult was enhanced, but with a virtual superstitious sanctity and without many of the religious purifications that Deuteronomy had mandated. Social injustice and judicial corruption are heavily scored by these prophets, while the sole evidence we possess of social reforms actually having been instituted is one oracle of Jeremiah that praises Josiah for having “judged the cause of the poor and needy” (Jer 22:13-17), which may actually be a reference to wage laborers on royal construction projects who replaced corv6e, and who were the one group of the depressed populace that profited from the reforms.

Estudos Bíblicos 71, dos Biblistas Mineiros, está online

E, finalmente, depois de 21 anos, o número 71 da revista Estudos Bíblicos, publicado em 2001, está online.

Coordenado por Johan Konings, este número tem por título Israel e sua História.v. 19 n. 71 (2001): Estudos Bíblicos - Dossiê: Israel e sua história

Por que este número é importante?

Porque, na época, virou notícia, causando impacto pela novidade que trazia sobre as recentes mudanças na História de Israel.

Foi neste número de Estudos Bíblicos que publiquei meu artigo sobre A História de Israel na pesquisa atual.

O tema era pouco conhecido no Brasil e quase nunca debatido entre nós, embora já circulasse nos principais centros acadêmicos do mundo na década de 90 do século XX. Eu estava lendo sobre o assunto e o levei para as reuniões anuais dos Biblistas Mineiros. Após alguns debates, saiu a publicação.

Meu artigo começava assim:

A “História de Israel” está mudando. 0 consenso existente até meados da década de 70 do século XX foi rompido. A paráfrase racionalista do texto bíblico que constituía a base dos manuais de “História de Israel” não é mais aceita. A sequência patriarcas, José do Egito, escravidão, êxodo, conquista da terra, confederação tribal, império davídico-salomônico, divisão entre norte e sul, exílio e volta para a terra está despedaçado.

Este número da Estudos Bíblicos, com algumas modificações, foi, em seguida, publicado como livro pela Vozes: FARIA, J. de Freitas (org.) História de Israel e as pesquisas mais recentes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

Também com uma recepção extraordinária. O livro, porém, está esgotado.

Meu artigo até que ficou algum tempo online na página da Vozes, depois foi retirado. Mas uma versão mais atualizada do mesmo texto pode ser lida na Ayrton’s Biblical Page, onde também há outros textos que mostram como o debate vem acontecendo desde então. Confira, por exemplo, aqui, aqui, aqui e aqui.

Johan Konings escreveu no Editorial deste número:

Os últimos encontros dos “Biblistas Mineiros” giraram em torno da história e da historiografia de Israel. 0 ensejo foram as recentes publicações apresentadas por Airton da Silva neste número de Estudos Bíblicos. Por um lado, a história de Israel continua sendo apresentada como ela aparece nos escritos bíblicos – em meio a tentativas de esconder as contradições -, ou, então, como o construto erudito concebido em função da exegese histórico-crítica dos últimos séculos. Por outro lado, encontramos o minimalismo que só conhece uma história de Israel fragmentária, pescada principalmente nos documentos e vestígios extrabíblicos, ou até mesmo o niilismo radical em relação ao conhecimento histórico objetivo como tal.

Esta problemática não nos pode deixar indiferentes, ainda mais porque assistimos ao recrudescimento do fundamentalismo ou de maneiras afins de considerar os fatos mencionados na Bíblia como ocorridos tais quais e capazes de basear conclusões teóricas e práticas com valor de revelação divina. Mas também no âmbito de nossa releitura à luz da práxis libertadora o problema é relevante. Conhece-se a diversidade de reconstruções daquilo que pode ter sido o êxodo do Egito. Será que nossa releitura é uma leitura do fato, ou do sentido (melhor, dos sentidos) do fato que a Bíblia apresenta?

De qualquer maneira, não é possível ler a Bíblia sem ter uma visão de conjunto da apresentação bíblica da memória histórica de Israel. É a isso que visa o primeiro artigo desta publicação, um prospecto dos livros chamados “históricos ” (do Antigo Testamento), da mão de Johan Konings. Segue-se um artigo de Jaldemir Vitório mostrando a visão profética de Amós sobre um determinado momento da história de Israel, o “milagre econômico” de Jeroboão II. A seguir, Jacir de Freitas mostra a releitura “orante” da história de Israel nos Salmos, e Jacil Rodrigues de Brito explica o método com que a exegese rabínica faz suas interpretações dos elementos narrativos da Bíblia de Israel. Depois desses elementos, o leitor está preparado para se inteirar dos acima mencionados questionamentos metodológicos, apresentados por Airton da Silva.

0 cardápio é completado pelas recensões, que se referem a Jesus de Nazaré e seu “movimento”, ao evangelho de João e à novíssima tradução da Bíblia lançada pela CNBB no mês de julho.

Morreu Norman K. Gottwald

Será que existe alguém aqui no Brasil que lida com Bíblia Hebraica / Antigo Testamento e/ou com História de Israel que ainda não conhece Norman K. Gottwald? E sua teoria da revolta camponesa ou da retribalização, para explicar as origens de Israel?

E que nunca tropeçou em seu “tijolaço” de quase mil páginas chamado The Tribes of Yahweh: A Sociology of the Religion of Liberated Israel, 1250-1050 B.C.E. Maryknoll, New York: Orbis Books, 1979 [2. ed. 1999], em português: As Tribos de Iahweh: Uma Sociologia da Religião de Israel Liberto, 1250-1050 a.C. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004 [1. ed. 1986]?

Pois é. Norman K. Gottwald morreu no dia 11 de março de 2022 aos 95 anos de idade.Norman K. Gottwald (1926-2022)

Gottwald está presente na Ayrton’s Biblical Page e no Observatório Bíblico em vários lugares. Confira, por exemplo:

Leitura socioantropológica da Bíblia Hebraica: as teorias de Mendenhall e de Gottwald – Ayrton’s Biblical Page: 1999

História de Israel – As origens de Israel: a teoria da revolta – Ayrton’s Biblical Page – Última atualização: 2021

A História de Israel no debate atual – Israel: Canaã transformado? – Ayrton’s Biblical Page: 2001

Norman K Gottwald por Roland Boer – Observatório Bíblico: 30.04.2011

Veja as obras de Norman K. Gottwald aqui e aqui.

 

Norman K. Gottwald (1926 – 2022) was Professor Emeritus of Biblical Studies at New York Theological Seminary and taught previously at the Graduate Theological Union GOTTWALD, N. K. As Tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto, 1250-1050 a.C. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004 [1. ed. 1986]and Andover Newton Theological School. His most influential book is The Tribes of Yahweh: A Sociology of the Religion of Liberated Israel, 1250-1050 B.C.E. (1979), a celebrated study of the origins of ancient Israel as an indigenous peasant uprising. His other writings include The Hebrew Bible: A Socio-Literary Introduction, The Hebrew Bible in Its Social World and in Ours, The Politics of Ancient Israel, and, as co-author, The Bible and Liberation: Political and Social Hermeneutics. Gottwald pioneered the use of social theory and method in biblical studies. He was a world-wide lecturer on the critical relevance of the Bible to contemporary social struggles and a citizen activist in numerous civil rights, anti-war, and pro-labor movements and organizations. As an ordained minister of American Baptist Churches USA, he was a strong advocate of popular biblical study committed to social change.

See also:

Remembering and Honoring Norman K. Gottwald

Remembering Dr. Norman K. Gottwald, preeminent scholar of the Old Testament

Sobre o amuleto do Monte Ebal

A notícia de uma grande descoberta arqueológica em Israel está circulando por aí. Isto porque em um pequeno objeto de chumbo, um amuleto, encontrado no Monte Ebal, em Israel, aparece lá pelo final da Idade do Bronze (por volta de 1150 a.C.) uma inscrição em escrita alfabética protocanaanita e, dizem, o nome Iahweh. O que seria algo bem mais antigo do que temos até hoje.

Muitos especialistas duvidam da novidade anunciada e, prudentemente, aguardam o prometido artigo acadêmico dos autores.O amuleto do Monte Ebal

O respeitado epigrafista Christopher Rollston, escreveu, em 26 de março de 2022, em sua página Rollston Epigraphy, um texto com algumas advertências metodológicas sobre este achado. Vale a pena ler.

The Mount Ebal Lead ‘Curse’ Inscription in Late Bronze Age Hebrew: Some Methodological Caveats – Christopher Rollston – Rollston Epigraphy, 26 March 2022

Entre outras coisas, ele diz:

Aqui estão alguns dos fatos básicos.

Em 24 de março de 2022 na Lanier Theological Library (em Houston, Texas), Scott Stripling (Reitor do Seminário Bíblico em Katy, Texas, USA, e Diretor de Escavações dos Associados para Pesquisa Bíblica em Khirbet el-Maqatir e Silo, Israel) , juntamente com Pieter van der Veen (Johannes Gutenberg-University, Mainz, Alemanha) e Gershon Galil (Universidade de Haifa, Israel) realizaram uma conferência de imprensa para anunciar a descoberta e decifração putativa de uma inscrição de chumbo dobrada de 2 cm x 2 cm. Observo que a inscrição permanece dobrada, ou seja, não foi aberta.

De acordo com Stripling, Galil e van der Veen, as quarenta letras no interior deste objeto de chumbo dobrado não são discerníveis a olho nu. No entanto, por meio de imagens realizadas em Praga na Academia de Ciências da República Tcheca, eles (ou seja, van der Veen e Galil) acreditam que quarenta letras podem ser vistas, que essas letras podem ser lidas e as palavras resultantes podem ser decifradas.

Aqui está sua tradução: “Amaldiçoado, amaldiçoado, amaldiçoado – amaldiçoado pelo Deus Yhw [Yahweh], Você morrerá amaldiçoado. Amaldiçoado você certamente morrerá. Amaldiçoado por Yhw – amaldiçoado, amaldiçoado, amaldiçoado.”

Além disso, esses estudiosos afirmam que a escrita desta inscrição é “protoalfabética”. Talvez seja útil mencionar que um modo padrão de descrever a escrita alfabética neste período de tempo seria “alfabética antiga” ou “protocanaanita”, em vez de “protoalfabética”.

Stripling, Galil e van der Veen também afirmam que existem algumas letras do lado de fora desse objeto de chumbo dobrado, mas não mencionam quais letras ou palavras eles podem estar lendo do lado de fora.

Chama a atenção o fato desta inscrição não ter sido encontrada em um contexto estratificado durante as escavações no “Monte Ebal”.

Observe que Adam Zertal dirigiu as escavações no Monte Ebal na década de 1980, e ele acreditava ter encontrado neste local uma “estrutura” que ele (Zertal) acreditava ser provavelmente um altar e poderia ser conectado de alguma forma com o altar mencionado em Js 8,30-31.

Em vez disso, esse objeto de chumbo inscrito foi encontrado em 2019, como parte de um processo de peneiração de parte do material que havia sido descartado nas escavações dos anos 80.

Talvez também seja útil mencionar: a conferência de imprensa na Lanier Theological Library faz referência a alguns restos de carbono que foram encontrados durante a peneiração, mas não há referência, infelizmente, a nenhuma data de carbono (por exemplo, AMS, etc.).

Também é importante mencionar o fato de que Stripling, Galil e van der Veen ainda não terminaram de escrever o artigo acadêmico sobre essa descoberta. Eles esperam completá-lo nos próximos meses e, em seguida, enviá-lo para publicação em algum lugar.

 

Sítio arqueológico do Monte Ebal, perto de Siquém Na conclusão, após as interessantes advertências metodológicas que constituem o núcleo do texto, ele recomenda:

Em suma, eu sugeriria que devemos dar um passo atrás e deixar a poeira baixar. Parece-me que Stripling, Galil e van der Veen fizeram muitas suposições. Além disso, estou longe de estar convencido de suas leituras, especialmente porque eles não forneceram nem mesmo uma única boa imagem.

E também me parece que o melhor preditor do futuro é o passado. E no passado, vira e mexe, alegações sensacionais se transformaram em cinzas no cadinho da análise séria, filológica e epigráfica. Então, vamos esperar e ver como isso vai ficar. Mas, quanto a mim, temo ser metodologicamente cauteloso demais para abraçar as suposições sensacionais de Stripling, Galil e van der Veen.

Veja também:

Archaeologist claims to find oldest Hebrew text in Israel, including the name of God – By Amanda Borschel-Dan – The Times of Israel: 24 March 2022

Academic article on controversial 3,200-year-old ‘curse tablet’ fails to sway experts – By Melanie Lidman – The Times of Israel: 14 May 2023

Um resumo do caso, em português, pode ser lido aqui.

História de Israel na época bíblica

Este livro, com uma proposta didática, foi publicado originalmente em alemão. A primeira edição é de 2018 e a segunda edição, revisada, é de 2021.

Diz a autora no prefácio da segunda edição:

A primeira edição deste livro foi publicada em outubro de 2018 e reimpressa em março de 2019. Esta segunda edição foi completamente revisada, aumentada ePEETZ, M. O Israel Bíblico: História – Arqueologia – Geografia. São Paulo: Paulinas, 2022. atualizada para incluir a literatura mais recente (Die Erstauflage dieses Buchs ist im Oktober 2018 erschienen und wurde im März 2019 nachgedruckt. Die hier vorliegende zweite Auflage wurde durchgehend überarbeitet, ergänzt und aktualisiert sowie um die neueste Literatur erweitert).

PEETZ, M. O Israel Bíblico: História – Arqueologia – Geografia. São Paulo: Paulinas, 2022, 328 p. – ISBN 9786558081128.

Diz a autora na Introdução:

Este manual concentra-se na história de Israel na época bíblica. Trata do tempo a respeito do qual os livros bíblicos narram e expande-se ao tempo em que tais escritos surgiram – portanto, ao período de cerca de 2000 a.C. até por volta de 200 d.C. O objetivo do livro é, no âmbito destes mais de 2.200 anos, reconstruir, segundo o método histórico-crítico, a história de Israel, ou seja, entre outras coisas: não apenas recontar a descrição bíblica, mas ordená-la historicamente em comparação com outras fontes textuais e descobertas arqueológicas.

Neste livro, a história de Israel está dividida em oito épocas. Estes oito capítulos (A–H) orientam-se pelos três acontecimentos mais decisivos da história do Israel bíblico:

722 a.C. : A Assíria conquista o Reino do Norte, Israel. O reino de Israel deixa de existir
587 a.C. : A Babilônia subjuga o Reino do Sul, Judá, e destrói Jerusalém, juntamente com o templo. Começa o exílio babilônico
70 d.C.  : Os romanos destroem Jerusalém, juntamente com o templo

Contudo, em primeiro lugar, temos que perguntar: o que é a Bíblia? O que se quer dar a entender quando neste manual se fala de Israel? Em que espaço geográfico aconteceu a história do Israel bíblico e que fontes existem para traçar essa história do ponto de vista histórico-crítico?

Melanie PeetzO capítulo introdutório (1-4) esclarece estas perguntas fundamentais e, subsequentemente, oferece indicações a respeito da estrutura e da utilização deste manual (5).

Veja o Sumário do livro e leia a Introdução na amostra em pdf.

Melanie Peetz é doutora em Exegese do Antigo Testamento. Professora de Bíblia na Faculdade de Filosofia e Teologia Sankt Georgen, em Frankfurt, Alemanha.

Eles criam uma solidão e a chamam de paz: o domínio assírio na Palestina

FAUST, A. The Neo-Assyrian Empire in the Southwest: Imperial Domination and Its Consequences. Oxford: Oxford University Press, 2021, 400 p. – ISBN 9780198841630.

Usando uma abordagem de baixo para cima [a bottom-up approach], este livro utiliza as muitas informações ​​disponíveis na região da Palestina para reconstruir sua demografia e economia antesFAUST, A. The Neo-Assyrian Empire in the Southwest: Imperial Domination and Its Consequences. Oxford: Oxford University Press, 2021 das campanhas assírias e depois delas. Comparar esses dois instantâneos nos força a apreciar as transformações que a ocupação imperial trouxe em seu rastro e a repensar alguns conhecimentos aceitos sobre a natureza do controle assírio. Isto é seguido por uma análise das atividades assírias reais na região, e a realidade no sudoeste do Antigo Oriente Médio é então comparada com a de outras regiões. Essa comparação, mais uma vez, nos obriga a levar em conta as diferenças encontradas, resultando em uma melhor apreciação dos fatores que influenciaram a expansão imperial, as considerações que levaram à anexação e os métodos imperiais de controle, desafiando algumas antigas convenções sobre o desenvolvimento do império assírio. Isso leva a um exame do império assírio em comparação com outros antigos impérios do Antigo Oriente Médio, analisando a maneira como os impérios antigos controlavam províncias remotas. Rever o desenvolvimento dos antigos impérios expõe não apenas a natureza da dominação assíria, mas também uma das principais mudanças na
natureza do controle imperial na antiguidade.

 

Na introdução diz o autor:

Antes de mais nada devemos apresentar informações básicas do pesquisa acadêmica sobre os impérios em geral, sobre o império assírio e seu domínio no sudoeste do Antigo Oriente Médio e sobre as fontes de informação para este estudo (p. 1-31).

Depois disso é que ele apresenta a estrutura do livro nas p. 31-34.

O livro inclui os seguintes capítulos:

Capítulo 2 (‘Antes do Império: o Levante Sul no século VIII AEC’) estabelece as bases para a pesquisa. Para entender o impacto da dominação imperial assíria, é preciso reconstruir a realidade da região antes da chegada do império e, portanto, este capítulo descreve a florescente sociedade de meados do século VIII AEC, sua distribuição na região e a importância econômica das várias regiões.

O capítulo 3 (‘”Ai da Assíria, vara da minha ira”: a conquista assíria do sudoeste’) descreve brevemente a interação assíria com o sudoeste, desde os primeiros contatos no século IX AEC até as conquistas do último terço do século VIII AEC. No final deste século, toda a área estava, direta ou indiretamente, sob controle assírio. O norte estava dividido entre províncias assírias, enquanto o sul era composto principalmente por clientes semiautônomos.

O Capítulo 4 (‘Sob o Império: povoamento e demografia na fronteira sudoeste do Império Assírio no século VII AEC’) descreve o povoamento e a demografia no período de controle assírio. A comparação com as informações fornecidas no capítulo 2 nos permite estimar quais foram as consequências da presença imperial. A evidência mostra que as províncias do norte foram devastadas, enquanto o reino cliente prosperou e, além disso, pela primeira vez na história o sul floresceu mais do que o norte. O declínio dramático do norte é exemplificado também pelo grande número de nomes de lugares que foram esquecidos após as conquistas assírias. O capítulo termina com um apêndice sobre o significado demográfico das deportações.

O Capítulo 5 (‘Prosperidade, depressão e o Império: desenvolvimentos econômicos no sudoeste durante o século VII AEC’) reconstrói a economia da região durante o período do domínio assírio e a especialização econômica que tipificou esse período. O capítulo é acompanhado por dois apêndices, um sobre a importância das importações gregas do final do século VII para a compreensão dos padrões econômicos no período do domínio assírio, e o segundo revisando brevemente o desenvolvimento da indústria do azeite – um tópico que é proeminente em muitas discussões da economia imperial assíria – no tempo e no espaço. A evidência mostra que enquanto o sul (e Tiro) desenvolveu e participou do comércio internacional, as províncias não produziram muito excedente e não participaram de nenhum comércio significativo.

Capítulo 6 (‘Assírios no sudoeste? Administração e presença’) analisa as evidências relevantes para a presença real da administração ou indivíduos assírios na região, por exemplo, na forma de documentos administrativos assírios, edifícios assírios e muito mais. Uma vez identificadas, a natureza das evidências e sua distribuição são avaliadas para saber o quanto a administração estava envolvida no funcionamento do Levante Sul e onde ela operava. A evidência mostra que a administração era muito limitada, e os dados limitados vêm principalmente das periferias das províncias devastadas.

O Capítulo 7 (‘O Império no sudoeste: reconstruindo a atividade assíria nas províncias’) examina, à luz das informações fornecidas nos capítulos anteriores, a forma como o império operava nas províncias do sudoeste, incluindo a atividade dos governadores locais, a deportação de parte da população e a fixação de deportados estrangeiros. A evidência mostra que a maioria das províncias não tinha muita importância para as autoridades imperiais, que concentravam seus esforços nas fronteiras voltadas para os clientes florescentes.

O Capítulo 8 (‘Respostas locais ao Império: da resistência armada à integração’) é diferente dos capítulos anteriores, pois não se concentra no império e suas atividades, mas nas respostas locais ao seu domínio. Embora tais estudos tenham sido realizados em outros impérios, eles são um tanto raros em relação ao império assírio. O presente estudo de caso, no entanto, tem uma série de vantagens. Além do grande banco de dados arqueológico disponível, temos uma fonte textual única, refletindo a voz de (alguns dos) conquistados, ou seja, a Bíblia Hebraica. Notavelmente, a maioria dos textos de cenários imperiais, se é que existem, representam a visão imperial, e a Bíblia Hebraica, embora complexa como fonte histórica, fornece insights sobre as visões locais do domínio imperial. As linhas discretas de evidência nos permitem reconstruir as respostas locais ao domínio assírio em diferentes unidades políticas e por vários grupos dentro dessas unidades, desde a resistência armada, passando por formas mais sutis de resistência, até a cooperação, colaboração e até integração.

Avraham FaustO capítulo 9 (‘”Eles criam uma desolação e a chamam de paz”: reexaminando a natureza da paz imperial’) revisa o conceito de paz assíria que se tornou popular ao longo dos anos para descrever a economia próspera durante o período de controle assírio, quando não há guerras internas ou campanhas imperiais evidentes. As informações fornecidas nos capítulos anteriores, no entanto, colocam algumas dúvidas sobre a aplicabilidade do termo para o período em discussão, uma vez que as províncias do sudoeste foram devastadas, e apenas as regiões fora dos limites oficiais da Assíria prosperaram. Posteriormente, o capítulo reavalia não apenas a paz assíria, mas também o conceito geral de “paz imperial” que foi “importado” de Roma (a Pax Romana) para quase todos os contextos imperiais.

O capítulo 10 (‘Império planejado? Políticas imperiais e planejamento e a conquista do sudoeste’) usa as informações detalhadas disponíveis do sudoeste, que nem sempre se encaixam em várias generalizações sobre as políticas imperiais assírias (baseadas em estudos de outras províncias), para reavaliar essas máximas, e oferece algumas observações sobre as possíveis causas para os diferentes tratamentos e estratégias. O capítulo discute as várias considerações que podem ter influenciado o tratamento diferenciado (I) de diversas partes do império assírio (comparando diferentes províncias); e (II) de impérios em geral (por exemplo, comparando o tratamento das mesmas regiões ao longo do tempo). O capítulo conclui com uma nova análise do processo que levou à conquista da área e à anexação de sua parte norte pela Assíria, e da estratégia imperial assíria.

O capítulo final (‘Uma província longe demais? O Império assírio, sua fronteira sudoeste e a dinâmica da expansão, conquista e governo imperial’) analisa brevemente como se desenrolou o domínio imperial no sudoeste, quais foram as consequências das conquistas e o estabelecimento de províncias em grande parte da área, e os processos que ocorreram durante o século de domínio assírio. O capítulo revisa as principais conclusões do livro sobre a atividade imperial no sudoeste e as considerações que parecem ter orientado suas políticas em geral, e discute as implicações disso no estudo das estratégias imperiais em geral. Baseada nas diferenças de como os impérios neoassírio, neobabilônico e persa trataram suas províncias remotas, a última parte do capítulo discute as implicações desta pesquisa para o estudo do desenvolvimento histórico dos impérios, e da ‘revolução aquemênida’, que quebrou as limitações do tamanho dos impérios impostas pelas mentalidades imperiais anteriores.

Avraham Faust é Professor de Arqueologia na Universidade Bar-Ilan, Israel.

 

Nota sobre a frase do título

A frase do título está em um texto do Tácito, historiador romano (ca. 56 – ca.120 d.C.), que a atribui a Cálgaco. A citação diz, em latim: Auferre trucidare rapere falsis nominibus imperium, atque ubi solitudinem faciunt, pacem appellant (Agricola 30.4).

Poderia ser traduzida assim: Ao roubo, à matança, à pilhagem, eles dão o nome mentiroso de império; eles criam uma solidão e a chamam de paz.

De acordo com Tácito, Cálgaco foi um chefe da Confederação Caledônia que lutou contra o exército romano de Gnaeus Julius Agricola [sogro de Tácito] na Batalha de Mons Graupius no norte da Escócia em 83 ou 84 d.C. A única fonte histórica que o apresenta é esta obra, Agrícola, de Tácito.

Tácito escreveu um discurso que atribuiu a Cálgaco, dizendo que Cálgaco o proferiu antes da Batalha de Mons Graupius. A frase citada está neste discurso. Especialistas desconfiam, e muito, da veracidade do discurso.

Sobre isto, conferir CAMPBELL, D. B. Mons Graupius AD 83: Rome’s battle at the edge of the world. Oxford: Osprey Publishing, 2010, p. 33-35. Este autor diz:

Era adequado ao estilo oratório de Tácito retratar Cálgaco discursando para seus guerreiros reunidos antes da batalha, então ele forneceu devidamente um emocionante discurso de 70 linhas para o chefe (Tacitus, Agricola 30-32). Outros escritores clássicos seguiram a mesma tradição de inventar discursos. Embora, como biógrafo de Agrícola, Tácito fosse obrigado a fornecer informações factuais sobre seu assunto, como escritor na tradição de Cícero e Salústio, ele era igualmente obrigado a produzir uma obra literária. É digno de nota que seu amigo, o jovem Plínio, emulava conscientemente elementos do Agrícola em seu próprio Panegírico para o imperador Trajano. Assim, podemos imaginar gerações inteiras de gramáticos romanos treinando seus jovens alunos com repetidas recitações do discurso de Cálgaco.

O discurso claramente não é uma declaração típica da estratégia caledoniana. No entanto, é interessante como uma afirmação do que um romano contemporâneo pensava que as observações de um estrangeiro poderiam ser, mesmo que estejam envoltas no estereótipo do bárbaro jactancioso. Pode, de fato, ter sido a opinião do próprio Tácito sobre o comportamento do exército romano, quando ele colocou na boca de Cálgaco a seguinte acusação: Ao roubo, à matança, à pilhagem, eles dão o nome mentiroso de império; eles criam uma solidão e a chamam de paz (Agricola 30.4).

“Hoje”, Tácito imagina Cálgaco dizendo, “marcará o início da liberdade para toda a Grã-Bretanha” (Agricola 30.1). Os 40 anos anteriores de ocupação romana viram outras batalhas travadas, mas agora, finalmente, os romanos chegaram ao fim do mundo. “Somos o último povo na terra e o último povo livre”, como o historiador A. R. Birley traduz um dos epigramas maravilhosamente concisos de Tácito (Agricola 30.3: nos terrarum ac libertatis extremos). Ele faz uma distinção entre os povos que, conquistados, mais tarde se revoltam, uma vez que tiveram tempo de lamentar sua submissão a Roma. “Lutaremos, vigorosos e indomáveis, pela liberdade e não pelo arrependimento” (Agricola 31.4). O que quer que Cálgaco tenha dito na véspera da batalha, podemos ter certeza de que o plano caledoniano era defender seus lares diante do imperialismo romano.

 

Using a bottom-up approach, this book utilizes the unparalleled information available from the region to reconstruct its demography and economy before the Assyrian campaigns, and after them. Comparing these two snapshots forces us to appreciate the transformations the imperial takeover brought in its wake, and to rethink some accepted wisdom on the nature of Assyrian control. This is followed with an analysis of the actual Assyrian activities in the region, and the reality in the southwest is then compared to that in other regions. This comparison, once again, forces us to account for the differences encountered, resulting in a better appreciation of factors influencing imperial expansion, the considerations leading to annexation, and the imperial methods of control, challenging some old conventions about the development of the Assyrian empire and its rule. This leads to an examination of the Assyrian empire in comparison to other ancient Near Eastern empires, analysing the way ancient empires controlled remote provinces. Reviewing the development of ancient empires exposes not only the nature of Assyrian domination, but also one of the major changes in the nature of imperial control in antiquity, and to what we call the Achaemenid revolution.

The Structure of the Book

Following this introduction, the book includes the following chapters.

Chapter 2 (‘Before the Empire: The Southern Levant in the 8th Century BCE’) lays the foundation for the research. In order to understand the impact of Assyrian imperial domination, one must reconstruct the reality on the ground before the arrival of the empire, and therefore this chapter describes the flourishing settlement of the mid-eighth century BCE, its distribution across the landscape, and the economic significance of the various regions.

Chapter 3 (‘Ah, Assyria, the Rod of My Anger’: The Assyrian Takeover of the Southwest’) briefly outlines the Assyrian interaction with the southwest, from the first contacts in the ninth century BCE to the conquests of the last third of the eighth. By the end of this century, the entire area was, directly or indirectly, under Assyrian control. The north was divided between Assyrian provinces, whereas the south was mostly comprised of semi-autonomous clients.

Chapter 4 (‘Under the Empire: Settlement and Demography in the Southwestern Margins of the Assyrian Empire in the Seventh Century BCE’) describes the settlement and demography in the period of Assyrian control. Comparison with the information provided in Chapter 2 allows us to estimate what were the consequences of the imperial takeover. The evidence shows that the provinces in the north were devastated, whereas the client kingdom prospered and, moreover, for the first time in history the south flourished more than the north. The dramatic decline in the north is exemplified also by the large number of place names that were forgotten following the Assyrian conquests. The chapter ends with an appendix on the demographic significance of deportations.

Chapter 5 (‘Prosperity, Depression, and the Empire: Economic Developments in the Southwest during the Seventh Century BCE’) reconstructs the economy of the region during the period of Assyrian rule, and the economic specialization that typified this period. The chapter is accompanied by two appendices, one on the importance of late seventh century Greek imports for understanding economic patterns in the period of Assyrian rule, and the second briefly reviewing the development of the olive oil industry—a topic that is prominent in many discussions of Assyrian imperial economy—in time and space. The evidence shows that while the south (and Tyre) developed and participated in international trade, the provinces did not produce much surplus, and did not take part in any significant trade.

Chapter 6 (‘Assyrians in the Southwest? The Evidence for Assyrian Administration and Presence’) reviews the relevant evidence for the actual presence of Assyrian administration or individuals in the region, for example in the form of Assyrian administrative documents, Assyrian buildings, and more. Once identified, the nature of the evidence and their distribution is assessed in order to learn how much administration was involved in the running of the Southern Levant, and where it operated. The evidence shows that administration was very limited, and the limited data comes mostly from the fringes of the devastated provinces.

Chapter 7 (‘The Empire in the Southwest: Reconstructing Assyrian Activity in the Provinces’) examines, in light of the information provided in the previous chapters, the way the empire operated in the southwestern provinces, including the activity of the local governors, the deportation of some of the population, and the settling of foreign deportees. The evidence shows that most of the provinces were not of much significance for the imperial authorities, which concentrated their efforts on the frontiers facing the flourishing clients.

Chapter 8 (‘Local Responses to the Empire: From Armed Resistance to Integration’) is different from previous chapters in that it focuses not on the empire and itsCAMPBELL, D. B. Mons Graupius AD 83: Rome’s battle at the edge of the world. Oxford: Osprey Publishing, 2010 activities, but rather on the local responses to its rule. While such studies were conducted on other empires, they are somewhat rare regarding the Assyrian empire. The present case study, however, has a number of advantages. In addition to the large archaeological database available, we have a unique textual source, reflecting the voice of (some of) the conquered, i.e. the Hebrew Bible. Notably, most imperial settings texts, if they exist at all, represent the imperial view, and the Hebrew Bible, as complex as it is as a historical source, provides insights into the local views of imperial rule. The discrete lines of evidence allow us to reconstruct the local responses to Assyrian rule in different political units, and by various groups within these units, from armed resistance, through subtler forms of resistance, to cooperation, collaboration, and even integration.

Chapter 9 (‘“They Make a Desolation and They Call it Peace”: Re-Examining the Nature of the Imperial Peace’) reviews the concept of Assyrian peace that became popular over the years to describe the prospering economy during the period of Assyrian control, when no internal wars or imperial campaigns are evident. The information provided in the previous chapters, however, casts some doubt on the applicability of the term for the period under discussion, since the provinces in the southwest were devastated, and only the regions outside the official boundaries of Assyria prospered. Subsequently, the chapter re-evaluates not only the pax Assyriaca, but also the general concept of ‘imperial peace’ which was ‘imported’ from Rome (the pax Romana) into almost all imperial contexts.

Chapter 10 (‘Empire by Design? Imperial Policies and Planning and he Conquest of the Southwest’) uses the detailed information available from the southwest, which does not always fit various generalizations regarding Assyrian imperial policies (based on studies from other provinces), to reevaluate these maxims, and offers some bservations regarding the possible causes for the different treatment and strategies. The chapter discusses the various considerations that might have influenced the differentiated treatment (i) of diverse parts of the Assyrian empire (by comparing different provinces); and (ii) of empires at large (e.g. by comparing the treatment of the same regions over time). The chapter concludes with a new analysis of the process which led to the conquest of the area and the annexation of its northern part by Assyria, and of the Assyrian imperial strategy.

The final chapter (‘A Province Too Far? The Assyrian Empire, Its Southwestern Margins, and the Dynamics of Imperial Expansion, Conquest, and Rule’) briefly reviews how imperial rule in the southwest unfolded, what were the consequences of the conquests and the establishment of provinces in large parts of the area, and the processes that took place during the century of Assyrian rule. The chapter reviews the main conclusions of the book concerning the imperial activity in the southwest, and the considerations that appeared to have guided its policies in general, and discusses the implications of this on the study of imperial strategies at large. Based on the differences in the ways the Neo-Assyrian, the Neo-Babylonian, and the Persian empires treated their remote provinces, the last part of the chapter discusses the implications of this research for the study of historical development of empires, and the ‘Achaemenid revolution’, which broke the limitations on the size of empires posed by earlier imperial mindsets.

As campanhas militares de Tiglat-Pileser III na Síria e na Palestina

Reli um interessante artigo de Peter Dubovský, professor do Pontifício Instituto Bíblico, sobre as campanhas de Tiglat-Pileser III, rei da Assíria, nos territórios da Síria e da Palestina, nos anos de 734-732 a.C.: “As campanhas militares de Tiglat-Pileser III em 734-732 a.C.: o contexto histórico de Is 7, 2Rs 15-16 e 2Cr 27-28”.

Esta época e este tema muito me interessam, pois trato do assunto, no que diz respeito a Israel, em três disciplinas: Literatura Profética, ao falar dos profetas do século VIII a.C.; Literatura Deuteronomista, ao tratar do contexto da Obra Histórica Deuteronomista; e História de Israel, naturalmente, ao tratar do reino de Israel norte na segunda metade do século VIII a.C.

O que se segue abaixo é um resumo do artigo, bem simplificado, quase como se fossem notas de leitura. O artigo, em inglês, pode ser lido online aqui ou pode-se fazer o download do texto em pdf aqui.

DUBOVSKY, P. Tiglath-pileser III’s Campaigns in 734-732 B.C.: Historical Background of Isa 7; 2 Kgs 15-16 and 2 Chr 27-28. Biblica, Vol. 87, No. 2 (2006), pp. 153-170.

O artigo está dividido em três partes: a primeira reconstrói o percurso das campanhas de Tiglat-Pileser III em 734-732 a.C., a segunda investiga a logística destasPeter Dubovský campanhas militares e a terceira avalia os resultados destas campanhas.

O objetivo do artigo é, a partir das ações de Tiglat-Pileser III, avaliar as consequências políticas e religiosas para os reinos de Israel e Judá na segunda metade do século VIII a.C.

Fontes e contexto histórico

Fontes

Os documentos que temos sobre as campanhas de Tiglat-Pileser III no Levante são de dois tipos: bíblicos e assírios.

Os textos bíblicos avaliam o impacto das campanhas de Tiglat-Pileser III sobre o reino de Israel norte (2Rs 15,29-31) e sobre o reino de Judá (2Rs 15,32-16,20;Is 7,1-25;2Cr 27,1-28,27).

Os textos assírios estão em três Anais de Tiglat-Pileser III (18,23,24), três inscrições sumárias (4,9,13), um Cânon Epônimo (Cb) e várias cartas (2064, 2417, 2430, 2686, 2715, 2716, 2766, 2767).

Além dos textos assírios, há relevos de Nimrud, capital assíria, com cenas destas campanhas. E há dados arqueológicos provenientes de Israel.

Contexto histórico

Parte deste contexto histórico é descrito nos livros de História de Israel como a guerra siro-efraimita, ou seja, uma invasão de Judá por Damasco e Samaria.

É que já em 738 a.C. Israel começara a pagar tributo a Tiglat-Pileser III, quando governava, em Samaria, Menahem. Contudo, grupos antiassírios assassinaram Pecahia, filho e sucessor de Menahem, e Pecah, que subiu ao poder, associou-se a Rasin, rei de Damasco, para enfrentar a interferência assíria na região. Desta campanha deveria participar Acaz, rei de Jerusalém, que ao se recusar, teve seu território e seu governo ameaçado com uma invasão de Judá por Pecah e Rasin. Acreditando não poder se defender sozinho, Acaz chamou em seu socorro o rei assírio Tiglat-Pileser III. Assim relatam as fontes bíblicas.

Muitos autores defendem, entretanto, que a invasão de Judá por Damasco e Samaria teve como motivação primeira a ocupação de territórios judaítas na Transjordânia e não se configurava inicialmente como uma rebelião antiassíria. Do mesmo modo a motivação da Fenícia e dos filisteus seria a expansão comercial na costa mediterrânea através do controle de portos e rotas comerciais.

Porém, qualquer que tenha sido a motivação desta aliança regional, esta articulação por uma independência econômica pode ter sido vista pela Assíria como uma ameaça aos seus interesses na região, pois todos os governantes da Transjordânia ao Mediterrâneo estavam unidos em uma coalizão que controlava os portos e as maiores rotas comerciais da região.

Como dissemos, segundo os textos bíblicos, Judá vê este movimento dos vizinhos como ameaça ao seu território e pede a ajuda de Tiglat-Pileser III. Vale porém observar que tal pedido de ajuda não é mencionado nas fontes assírias.

1. Reconstrução da campanha assíria em três fases

O avanço assírio na região pode ser visto em três fases: costa, Transjordânia, região central.

1. A primeira parte da campanha assíria foi dirigida à região filisteia. Gaza era o centro da resistência. Tiglat-Pileser avançou ao longo da região costeira da Síria e da Fenícia, capturou Tiro e seu rei acabou reconhecendo a soberania assíria. Por outro lado, enquanto o exército assírio avançava em direção a Gaza, o rei da cidade a abandonou, fugindo para o Egito.

2. A segunda fase da campanha assíria levou a um primeiro ataque a Damasco e à conquista da Transjordânia. As fontes indicam que Tiglat-Pileser venceu os arameus em batalha, porém foi incapaz de capturar Damasco. Mas ele atacou e destruiu várias cidades da região de Damasco e ocupou o sul da Síria e norte da Transjordânia. Entre os inimigos vencidos deve ser contabilizada também a rainha árabe Samsi, que participava da coalizão.

3. A terceira fase da campanha levou à conquista da Galileia, de Israel e de Damasco. Esta fase está documentada tanto pelas fontes assírias quanto pelas fontes bíblicas. A população da Galileia foi deportada e um grande saque foi feito na Galileia. Em Samaria, Oseias, governante pró-assírio, substituiu o rei Pecah, que foi assassinado. Por isso, Samaria foi poupada. Finalmente, Tiglat-Pileser III atacou e conquistou Damasco, executando seu rei Rezin. Então, ele estabeleceu seu quartel-general em Damasco, onde recebeu a homenagem de seus vassalos. Inclusive de Acaz, rei de Judá.

2. A logística das campanhas de Tiglat-Pileser III

Tiglat-Pileser III (745-727 a.C.)Tudo indica que o sucesso de Tiglat-Pileser III se deve a um cuidadoso planejamento desta ofensiva.

Em primeiro lugar ele não ataca, de início, os centros de poder na região, Damasco e Samaria, mas toma primeiro a região costeira. Para um exército fortemente baseado na cavalaria e em carros de combate, esta região plana lhe permitiu um rápido avanço das tropas. Em seguida ele enfraquece Damasco, ao destruir as cercanias da capital e as plantações da região, criando, assim, uma situação de escassez de alimentos para os arameus. Nesta mesma ocasião, ele realiza um ataque surpresa contra as forças árabes da Transjordânia, submetendo a região inteira, o que incluiu também Edom, Moab e Amon. Toda esta região começou a pagar tributo para a Assíria.

Deste modo, ele criou um semicírculo formado pelos territórios de seus aliados (Gaza, Judá, Edom, Moab, Amon e Galaad), isolando a coalizão de seu maior suporte, o Egito, que ficou sem nenhuma rota para poder interferir na região. O resultado foi que os maiores centros da região, Damasco e Samaria, ficaram totalmente isolados e a coalizão se desfez.

Esta estratégia não era nova. Já fora usada por Tiglat-Pileser III antes disso em outra região, e será usada novamente por seu filho, e um de seus sucessores, Sargão II.

 

3. O resultado das campanhas de Tiglat-Pileser III

Por causa da grande instabilidade em que estava o Antigo Oriente Médio nesta época, Tiglat-Pileser III sabia que se deixasse os territórios sem ocupação após a conquista, ele teria perdido os resultados alcançados. Assim, algumas medidas foram tomadas, como:

Deportações: embora a lista detalhada de deportados esteja corrompida nos Anais de Tiglat-Pileser III, muitos pesquisadores consideram razoável o número total de 13.520 pessoas, sendo a maioria destas pessoas provenientes da Síria, de Israel e dos árabes da rainha Samsi. Dezenas de pequenas cidades na Síria e em Israel foram destruídas. Em Israel, por exemplo, a arqueologia documentou a destruição de Hasor, Dan, Tel Kinneret, Betsaida, Bet-shean, Tel Hadar, Meguido, Yoqneam, Aco, Dor e de outras localidades.

Tributos: Tiglat-Pileser III se apossou de 80 talentos de ouro e 2800 talentos de prata [um talento pesava cerca de 34 kg], além das propriedades dos reis Hiram, de Tiro, Hanunu, de Gaza, e da rainha Samsi, dos árabes. E de alguns outros milhares de proprietários das regiões conquistadas.

Reorganização administrativa: Tiglat-Pileser III incorporou à Assíria todos os territórios dos arameus, nomeando um governador assírio para a província de Damasco. Em Israel os assírios se apossaram da maior parte do país, constituindo as províncias de Dor (na costa), Meguido (Galileia) e Galaad (Transjordânia). Samaria e Jerusalém permaneceram com seus reis nativos: Oseias, em Samaria e Acaz, em Jerusalém. Mas agora eram reis vassalos da Assíria que pagavam tributos e se submetiam às ordens de Tiglat-Pileser III.

Conclusão

Assim termina Peter Dubovský seu artigo:

Esta revisão das consequências das campanhas de Tiglat-Pileser III indica que os assírios usaram vários meios para manter o território sob seu controle. A destruição das cidades, pesados tributos e pilhagem de regiões inteiras debilitaram economicamente a região. Embora os números de deportados sejam imprecisos, a deportação em massa dos habitantes locais por Tiglat-Pileser III e sua substituição por exilados de outras partes do Império enfraqueceram a resistência local. Finalmente, a reorganização administrativa fortaleceu o controle assírio e manteve a corte real em Nimrud informada regularmente sobre os desenvolvimentos mais recentes no Levante. Assim, a combinação de logística sofisticada com boa administração era um dos pré-requisitos do controle assírio bem-sucedido do Levante.

Peter Dubovský é professor de exegese do Antigo Testamento no Pontifício Instituto Bíblico, Roma. Foi nomeado Reitor do Bíblico, pelo Papa Francisco, em 11 de setembro de 2023.

Pioneiras da arqueologia

Pode parecer que, nos primeiros tempos, a arqueologia era um empreendimento exclusivamente masculino.Pioneiras da arqueologia

Mas não.

De fato, alguns dos desenvolvimentos iniciais mais significativos da disciplina foram forjados por mulheres.

Estas são apenas algumas das mulheres mais ousadas dos primeiros dias da arqueologia que estavam determinadas a impulsionar as coisas de maneiras novas e importantes.

Entre elas, Kathleen Kenyon (1906-1978), muito citada em nosso meio por seu trabalho em Jericó.

Leia:

Pioneering Women in Archaeology – By Maria Pakholok – DigVentures: 6 March, 2015

Back in the days when archaeology was a developing discipline, it was – like so many things – dominated by men. Or so you would think if you only looked at Wikipedia’s archaeology page. In fact, some of the discipline’s most significant early developments were forged by women. These are just a handful of some of the boldest, most kickass women from the early days of archaeology who were determined to push things forward in new and important ways.

Kathleen became the leading archaeologist of the Neolithic Near East of her time. Starting out as the first female president of the Oxford University Archaeological Society, Kathleen Kenyon (1906-1978) worked in the field with Mortimer Wheeler and became the leading English archaeologist of the Neolithic Near East, and it was her work at Jericho that led to it being recognized as the oldest continuously occupied settlement in history at the time.

E mais:

:: Here Are 11 Pioneering Women Archaeologists – By Mindy Weisberger – LiveScience: March 23, 2018

There are plenty women who conducted truly groundbreaking archaeological work. Some of their pioneering contributions date back more than a century, and women today continue to forge new paths in the field by challenging how scientists investigate and interpret clues from the past.

:: The Untold Stories of Archaeology’s Women – By Brenna Hassett, Suzanne Pilaar Birch, Rebecca Wragg Sykes, and Tori Herridge – Sapiens: 23 MAR 2021

Stories of pioneering women in the “digging” sciences have been skewed toward those who were White, wealthy, and networked. The TrowelBlazers project aims to reset our imagination—and our future.

Ainda:

:: Lista de mulheres arqueólogas – Wikipedia