O mito da prostituição sagrada

BIRD, Ph. A. Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah. University Park: Eisenbrauns, 2019, 512 p. – ISBN 9781575069814.

Trechos da resenha escrita por Jessie DeGrado, Excavating the Myth of Sacred Prostitution, publicada em Orientalia, Roma, vol. 90, fasc. 1, p. 133-138, 2021.BIRD, Ph. A. Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah. University Park: Eisenbrauns, 2019

A ambiciosa monografia de Phyllis Bird, Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah [Prostituta ou mulher consagrada? Um estudo sobre qedeshah na Bíblia Hebraica], é muito mais do que uma análise lexicográfica do termo hebraico qedeshah (da mesma raiz do acádico qadishtu).

A obra traça mais de dois milênios de história interpretativa para revelar como os biblistas dos séculos XIX e XX passaram a entender o termo hebraico como o exemplo prototípico da prostituta sagrada. Ao longo da monografia, Bird reforça o trabalho de estudiosos que recentemente lançaram dúvidas sobre a existência da prostituição cultual na antiguidade.

Os três primeiros capítulos traçam o desenvolvimento da ideia de prostituição sagrada, com especial atenção às suas manifestações no discurso pós-iluminista. Bird mostra como os estudiosos europeus combinaram um cânone informal de fontes do mundo clássico com a etnografia colonial para imaginar um mundo de práticas sexuais “primitivas” e ritos de fertilidade – dos quais a prostituição sagrada é apenas um exemplo.

No capítulo 4, Bird retoma as fontes clássicas que tradicionalmente têm sido usadas para justificar a existência da prostituição sagrada. Suas conclusões coincidem em grande parte com as da pesquisa de Stephanie Budin, de 2008, sobre fontes da antiguidade tardia. As duas demonstram que as fontes clássicas não são relatos em primeira mão das práticas cultuais reais, nem sequer se alinham com as noções vitorianas de prostituição sagrada utilizadas para sustentar tal ideia. Em vez disso, os exemplos clássicos consistem em contos fantasiosos, muitos dos quais dependem de Heródoto e todos foram retoricamente elaborados para retratar o “outro” como incivilizado.

O Capítulo 5 examina as evidências do Antigo Oriente Médio relevantes para a compreensão do papel social do hebraico qedeshah. Bird trata mais de sessenta referências ao nu.gig/qadishtu em textos acádicos, bem como discute evidências ugaríticas pertencentes ao funcionário cultual {qdsh}, a ser vocalizado qadishu. Esta extensa pesquisa está atenta às diferenças diacrônicas e geográficas na prática do culto, e o leitor interessado também pode encontrar a análise de Bird do nu-gig em textos sumérios do terceiro milênio entre os apêndices do volume (“Apêndice C”, 433-453).

A análise de Bird contribui para o crescente consenso acadêmico de que o acádico qadishtu era um funcionário do culto e não uma prostituta. Mais significativo, ela vai além de uma associação fácil do qadishtu com a “religião das mulheres” ou “fertilidade”; de fato, como observa Bird, nenhum dos textos que descrevem as ações rituais dos qadishtus faz qualquer menção à fertilidade ou preocupações relacionadas. Assim, enquanto cartas e contratos da antiga Babilônia mostram que os qadishtus frequentemente trabalhavam como amas-de-leite, Bird mostra que seu papel social e vida profissional mais amplos não podem ser reduzidos a preocupações de reprodução ou fertilidade.

Armada com a evidência cognata, Bird retorna no capítulo 6 para as poucas atestações bíblicas dos lexemas qedeshah e qadesh na Bíblia Hebraica. Ela argumenta que, como a qadishtu, a qedeshah serviu como oficiante de culto. Com base na atestação do lexema em Os 4,14, Bird argumenta que as qedeshot eram bem conhecidas pelo público israelita da época (ou seja, não era uma instituição estrangeira ou construção literária) e principalmente associadas a santuários locais ao ar livre em Israel e Judá durante o século VIII a.C. Bird sugere que a associação da qedeshah com locais de culto periféricos pode explicar as proibições deuteronômicas e deuteronomistas posteriores aos funcionários qedeshah e qadesh (embora ela veja o último grupo como uma construção literária posterior, criada em analogia ao substantivo feminino). Nesta análise, Bird enfrenta uma das peculiaridades do lexema hebraico qedeshah: toda vez que a palavra ocorre, ela está com o hebraico zonah (prostituta). Bird sugere que a associação de qedeshah com a prostituição resultou de uma situação social real, em que as qedeshot se voltaram para a prostituição como forma de ganhar dinheiro após a abolição dos santuários locais*.

* Nota: O vocábulo zanah é usado quase uma centena de vezes no AT. Desta raiz deriva taznût, “fornicação” (22 vezes, sendo usado só em Ez 16 e 23), zenûnîm, “prostituição” (11 vezes), zenût, “prostituição” (9 vezes) e zônâh, “prostituta”. Encontramos ainda o vocábulo qadêsh (pl. qedêshim, fem. qedêshah e seu pl. qedeshôt), derivado do verbo qadash, “santificar”, “ser santo”, para indicar homens ou mulheres ligados a santuários ou divindades.

(…)

Em um estudo que abrange mais de cinco mil anos de história, certamente haverá algo de interesse para todos os leitores. A meu ver, a maior contribuição do volume não está no tratamento das fontes antigas (por mais ricas que sejam esses capítulos), mas na escavação do mito da prostituta sagrada no pensamento pós-iluminista. A análise de Bird das construções da prostituição sagrada do século XVIII e início do século XIX revela uma constelação de interesses e preocupações relacionados que são claramente informados pelas motivações econômicas do colonialismo e uma narrativa iluminista do progresso humano.

Bird explicitamente extrai as suposições evolutivas de estudiosos como Jacques-Antoine Dulaure (1755-1835), C. Staniland Wake (1835-1910) e John Lubbock (1834-1913). Os três estudiosos realizam pesquisas etnográficas de explorações coloniais europeias na Ásia, África e Américas como um meio de desvendar a lógica por trás da prostituição sagrada na antiguidade. Os estudiosos também incorporam sua compreensão da “prostituição sagrada” em um discurso mais amplo sobre o papel da fertilidade nas sociedades e religiões antigas.

Tanto Wake quanto Lubbock fazem referência explícita à teoria da evolução de Darwin. Além disso, embora Lubbock não tenha subscrito a filosofia racial do “darwinismo social”, seu trabalho evidencia uma crença em um tipo de evolução social. Essa visão compartilha muito em comum com seu primo mais explicitamente racista. Em particular, Wake e Lubbock identificam explicitamente as comunidades na Ásia e na África Ocidental como “primitivas” e, portanto, um locus apropriado de comparação para o mundo antigo.

Bird contextualiza o trabalho do agora infame James Frazer à luz dessa história. Assim como Budin, ela ressalta que Frazer não é o ponto de partida para a compreensão do mito da prostituição sagrada na virada do século XX. Em vez disso, Frazer representa uma destilação e popularização de um discurso que já era difundido nos círculos intelectuais europeus. Como a de seus antecessores, a obra de Frazer se baseia na confluência de duas correntes de pensamento: primeiro, baseia-se em um fluido “cânone” de textos clássicos que ostensivamente fazem referência à prostituição sagrada; segundo, faz referência a fenômenos semelhantes entre os “selvagens” modernos. A análise de Bird mostra, assim, que a obra de Frazer está inserida em um discurso mais amplo sobre ritos de fertilidade entre grupos antigos e contemporâneos.

Essa observação torna o trabalho de Bird interessante para quem estuda como a história política moderna afetou nossa reconstrução do passado. Embora Bird não se envolva diretamente em estudos pós-coloniais, suas conclusões são diretamente pertinentes a esse campo.

Em sua obra agora clássica, Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, Edward Said (1978) trata muitas das mesmas questões – incluindo o impulso de usar as populações modernas da Ásia e do Oriente Médio como uma janela para o passado.

Da mesma forma, estudiosos que trabalham em estudos pós-coloniais e teoria racial crítica destacam como uma obsessão com a sexualidade dos corpos morenos permeia tanto o discurso acadêmico quanto o público.

No caso do Oriente Médio em particular, Mahmudul Hassan, Isra Ali e Mayanthi Fernando, entre outros, exploraram recentemente como as visões orientalistas do Oriente Médio codificam uma visão profundamente paradoxal de gênero e sexualidade. Por um lado, as mulheres do Oriente Médio são vistas como especialmente reprimidas, vivendo vidas enclausuradas entre outras mulheres, longe da companhia dos homens. Por trás do véu, porém, as mulheres são figuradas carnalmente, como objetos de gratificação sexual e fantasia colonial. Embora esses tipos de pressupostos tenham suas raízes na dominação colonial, eles persistem até hoje, às vezes involuntariamente reciclados pelo discurso feminista americano e europeu.

Explorar a relação entre o orientalismo e o mito da prostituição sagrada revela o significado contínuo do trabalho de Bird. Seu livro mostra como o mito da prostituição sagrada está inserido em um discurso mais amplo sobre fertilidade e a sexualidade descontrolada das mulheres do Oriente Médio – e esse pode ser o legado duradouro do trabalho.

Nos anos em que Bird levou para escrever um livro tão abrangente quanto Harlot or Holy Woman, o campo mudou significativamente. Em particular, a construção da prostituição sagrada não está mais em voga. No entanto, as duas vertentes interpretativas mais amplas que Bird identifica continuam. Os estudos da religião das mulheres ainda apresentam um foco proeminente nos corpos das mulheres e nas capacidades reprodutivas, e eles continuam a usar a etnografia de forma acrítica – recorrendo ao retrato de um “Oriente” estático e imutável que foi usado para justificar o colonialismo europeu. O trabalho de Bird, portanto, tem um papel importante a desempenhar à medida que trabalhamos para desmantelar as suposições não declaradas que continuam a dificultar o trabalho sobre gênero no antigo Oriente Médio.

 

Em texto anterior ao livro que estamos apresentado, Phyllis Bird, no capítulo Lucian’s Last Laugh: The Origins of “Sacred Prostitution” at Byblos, do livro AUGUSTIN, M.; NIEMANN, H. M. (eds.) “My Spirit at Rest in the North Country” (Zechariah 6.8): Collected Communications to the Xxth Congress of the International Organization for the Study of the Old Testament, Helsinki 2010. Frankfurt: Peter Lang, 2011, p. 203-212, diz:

Phyllis Ann Bird (nascida em 1934) O relato de Heródoto sobre o “costume” babilônico que exigia que toda mulher uma vez na vida se oferecesse a um estranho no templo de Afrodite (Milita) (História 1.199) era tão conhecido na Europa do século XVIII que Voltaire poderia usá-lo como um caso de teste para uma regra geral de credibilidade histórica.

Foi também o texto fundacional para uma ideia de “prostituição religiosa (ou sagrada)” entendida como uma característica da “religião oriental”, que se baseava em relatos de autores clássicos e patrísticos sobre as práticas religiosas e sexuais de outros, ideia que reuniu uma variedade de práticas distintas em uma variedade de terras e culturas.

O que é descrito como prostituição sagrada nesta literatura de comentário cultural é uma construção europeia, identificada por uma expressão que não tem contrapartida linguística em nenhuma das culturas onde foi identificada. É inútil, portanto, tentar verificar ou refutar sua existência através de estudos dos textos antigos.

O que me interessa neste artigo é a natureza dos relatos antigos usados ​​na construção do conceito moderno. Entre esses, o relato de Luciano de Samósata [ca. 120 – depois de 180 d.C.] sobre a prática em Biblos é fundamental – pelo menos para os estudiosos bíblicos interessados ​​no ambiente religioso do antigo Israel.

É fundamental porque é a única fonte de prostituição sagrada na Síria/Fenícia antes dos relatórios do século IV d.C. de Eusébio e Atanásio. É também o único texto que liga a prostituição sagrada ao culto de um “deus que morre e ressuscita”, que foi central para a noção de um “culto da fertilidade” agrícola que dominou a visão dos estudiosos bíblicos sobre a religião “cananeia”, seguindo Sir James George Frazer – embora Frazer não faça referência à prostituição sagrada em seu tratamento do culto de Adônis em Biblos. O relato de Luciano sobre o culto em Biblos, lido ao lado de seu relato sobre o templo em Sídon, também é significativo para a questão das origens fenícias do culto cipriota de Afrodite, onde a prostituição em homenagem à deusa parece mais claramente situada.

Phyllis Ann Bird (nascida em 1934) é uma pioneira nos estudos feministas da Bíblia. Ela é professora emérita de Interpretação do Antigo Testamento no Seminário Teológico Evangélico Garrett, Evanston, Illinois.

Jessie DeGrado é professor de Estudos do Antigo Oriente Médio na Universidade de Michigan, Ann Arbor, MI.

Existia prostituição sagrada em Israel?

Provavelmente não. Nem em Israel, nem no Antigo Oriente Médio e nem na Grécia.

Em meu texto Notas sobre a pesquisa do livro de Oseias no século XX, onde resumo dois artigos de Brad E. Kelle, se lê:

A interpretação mais duradoura das imagens de Oseias 1–3 [o casamento do profeta com a prostituta Gomer], que alcançou apoio quase unânime durante vários períodos do século XX, compreende o discurso como se referindo a um conflito religioso generalizado no Israel do século VIII a.C. entre o javismo e o baalismo, e como simbolizando a apostasia de Israel através de alguma forma de culto a Baal (…) Dado que virtualmente todas as interpretações cultuais de Oseias 1–3 ligam esses capítulos de alguma forma a um suposto baalismo ativo nos dias de Oseias, os estudos frequentemente consideram as metáforas do texto como fontes para reconstruir a história da religião israelita.

Esse estudo histórico-religioso chamou a atenção da academia e passou de um consenso relativamente estável em meados do século XX para um estado de debateFARAONE, C. A.; McCLURE, L. K. (eds.) Prostitutes and Courtesans in the Ancient World. Madison, Wisconsin: University of Wisconsin Press, 2006. fragmentado na primeira década do século XXI. As questões mais importantes dizem respeito às definições adequadas de Baal e baalismo em relação à linguagem e às imagens de Oseias.

A suposta prática da prostituição cultual formou o exemplo mais marcante de tais interpretações de fertilidade de Oseias 1–3. Estudiosos extraíram evidências para essa prática principalmente de textos proféticos e escritores clássicos como Heródoto, e sugeriram que as imagens sexuais de Oseias retratam Israel como literalmente envolvido em tais rituais para Baal.

Desde a década de 80, no entanto, estudiosos têm desafiado quase todos os aspectos das evidências literárias e arqueológicas comumente citadas para esta prática em geral, e sua relevância para o estudo de Oseias 1–3 em particular. O consenso atual parece ser que a noção de uma instituição de prostituição cultual fornecendo o contexto para textos como Oseias 2 não pode mais ser sustentada sem grande cautela.

Esses desenvolvimentos relativos à noção específica de prostituição cultual são representativos das mudanças que ocorreram nas duas últimas décadas em relação à ideia geral de um culto sexual literal de Baal como a chave para a interpretação religiosa das metáforas de Oseias. Praticamente todos os ‘ritos de fertilidade’ propostos por eruditos anteriores (prostituição cultual, defloração ritual, promiscuidade sexual em festivais baalistas etc.) estão sob suspeita, e o consenso acadêmico afastou-se significativamente do conceito geral de práticas cultuais sexualizadas como pano de fundo para uma interpretação religiosa de Oseias 1–3.

Embora a falta de evidência de um culto sexualizado de Baal nos dias de Oseias tenha levado a maioria dos estudiosos a abandonar as interpretações cultuais de fertilidade de Oseias 1–3, a leitura dominante desses capítulos continua a ver o culto generalizado e não sexual de Baal no Israel do século VIII a.C. como a chave interpretativa para as metáforas do texto. Assim, enquanto as metáforas da fornicação e do adultério podem não se referir à atividade sexual literal, elas servem como metáforas negativas descrevendo o culto de Israel a Baal.

Contudo, de acordo com as recentes mudanças no estudo da história da religião israelita, a interpretação religiosa de Oseias 1–3 tornou-se mais complexa do que a noção de um simples conflito entre o javismo e o baalismo. Algumas abordagens recentes, por exemplo, identificam o pano de fundo das metáforas de Oseias não como o abandono de Iahweh por Baal por parte de Israel, mas como a prática sincrética de misturar ou identificar Iahweh com Baal.

Resumindo, a interpretação religiosa dominante das metáforas de Oseias 1–3 toma muitas formas na pesquisa atual, incluindo um conflito entre os deuses rivais Iahweh e Baal, o culto de numerosas divindades locais (os baalim), o sincretismo de Iahweh e Baal no culto israelita, e a presença de formas “não-ortodoxas” do javismo como parte da religião “popular”. Essas várias reconstruções, em oposição às leituras literais do início do século XX, representam a principal forma atual da interpretação religiosa da linguagem e das imagens de Oseias.

 

No livro Prostitutes and Courtesans in the Ancient World. Madison, Wisconsin: University of Wisconsin Press, 2006, organizado por Christopher A. Faraone e Laura K. McClure, no capítulo Sacred Prostitution in the First Person (p. 77-92), escrito por Stephanie L. Budin, leio:

Este capítulo reconsidera as evidências da prostituição sagrada no corpus clássico. Toma como ponto de partida as mais recentes pesquisas do Antigo Oriente Médio que mostram que a prostituição sagrada nunca existiu naquela região, mas sim que esta é uma ideia fabricada com base em alegações feitas por autores clássicos e erros de tradução por estudiosos da terminologia cultual.

Em vez de ver a prostituição sagrada como uma realidade histórica, considero a sugestão do biblista Robert A. Oden Jr. em The Bible Without Theology: The Theological Tradition and Alternatives to It. Chicago: University of Illinois Press, 1999, de que era uma acusação, um motivo literário usado por uma sociedade para denegrir outra, e testo essa sugestão contra a noção de relatos em primeira mão da prostituição sagrada, segundo a qual uma sociedade relata a existência da prostituição sagrada em seu próprio tempo e cultura.

Por isso, o título do capítulo A prostituição sagrada na primeira pessoa. Se uma sociedade reivindica livremente a prostituição sagrada como uma de suas próprias instituições culturais, a hipótese do motivo literário acusatório deve ser abandonada.

No entanto, como a evidência mostrará, não há, de fato, relatos em primeira mão conhecidos de prostituição sagrada no mundo antigo. Esses exemplos aparentes do mundo clássico são interpretações errôneas de autores clássicos ou, como acontece com as evidências do Antigo Oriente Médio, traduções errôneas de certa terminologia. No final, a evidência apoia a ideia de que a prostituição sagrada nunca existiu no mundo antigo.

O que é “prostituição sagrada”?

Stephanie Lynn BudinComo se entende atualmente, a prostituição sagrada no mundo antigo era a venda do corpo de uma pessoa para fins sexuais, onde uma parte, ou a totalidade, do dinheiro recebido por essa transação era destinada a uma divindade. No Antigo Oriente Médio essa divindade é geralmente entendida como Ishtar ou Astarte e na Grécia era Afrodite.

Pelo menos três tipos distintos de prostituição sagrada são registrados nas fontes clássicas.

1. Uma delas é a venda da virgindade em homenagem a uma deusa. Nosso primeiro testemunho de tal prática está registrado em Heródoto 1.199:

A instituição mais indecorosa dos babilônios é a seguinte: todas as mulheres habitantes da região devem ir a um templo de Afrodite uma vez na vida e ter relações sexuais com um desconhecido. Muitas delas, orgulhosas por causa de sua opulência, consideram indigno misturar-se com as outras mulheres e vão até as proximidades do templo em carruagens cobertas, em cujo interior permanecem, com numerosos serviçais à sua volta. Em sua maioria as mulheres agem da maneira seguinte: ficam sentadas no recinto de Afrodite com uma coroa de corda na cabeça. Há uma multidão delas, umas chegando, outras saindo, e são estendidas cordas em todas as direções no local onde as mulheres ficam esperando os homens, para que estes possam circular e as escolham. Depois de uma mulher sentar-se naquele lugar, não voltará à sua casa antes de um estranho lhe haver lançado dinheiro nos joelhos e de ter tido relações sexuais com ele fora do templo. Lançando o dinheiro, o homem tem que dizer as seguintes palavras: “Chamo-te em nome da deusa Milita” (Milita é o nome dado pelos assírios a Afrodite). A importância em dinheiro pode ser qualquer uma, e a mulher nunca se recusa; ela não tem esse direito, pois aquele dinheiro se torna sagrado; ela segue o primeiro homem que lhe joga qualquer dinheiro, sem rejeitar nenhum. Depois de ter relações com tal homem ela volta à casa, pois terá cumprido suas obrigações sagradas para com a deusa; posteriormente, por mais dinheiro que se lhe ofereça não se consegue seduzi-la. As mulheres belas e bem proporcionadas não demoram a voltar para suas casas; as feias, porém, esperam muito tempo sem poder cumprir a obrigação imposta por essa instituição, e há algumas que ficam lá durante três e até quatro anos. Em certos lugares da ilha de Chipre existe um costume praticamente idêntico a esse. (HERÓDOTO História. Tradução do Grego, Introdução e Notas de Mário da Gama Kury. Brasília/DF: Universidade de Brasília, 1985, 1.199)

2. Um segundo tipo de prostituição sagrada envolve mulheres (e homens?) que são prostitutas profissionais e que pertencem a uma divindade ou ao santuário de uma divindade. Assim Estrabão (6.2.6) diz de Érix, na Sicília: “Habitada também é Érix, uma colina elevada, possuindo um santuário altamente honrado de Afrodite em tempos antigos repletos de hieródulas que muitos da Sicília e de outros lugares dedicaram em cumprimento de votos. Mas agora, assim como o próprio assentamento, o santuário também está despovoado, e a maioria dos corpos sagrados foi embora.”

3. Finalmente, há referências a um tipo temporário de prostituição sagrada, onde as mulheres (e homens?) ou são prostitutas por um período limitado de tempo antes de se casarem ou apenas se prostituem durante certos rituais.

Um exemplo do primeiro vem de Estrabão (14.11.16): “Os medos e armênios reverenciam muito todos os costumes sagrados dos persas, e os armênios especialmente os da [deusa] Anaïtis, dedicando templos em várias regiões e especialmente Akilisenê. Lá eles dedicam escravos e escravas. Isso não é nada notável, mas as pessoas mais ilustres dedicam até filhas solteiras, para quem é costume, tendo sido prostitutas (kataporneutheisais) por muito tempo na presença da deusa, para serem casadas, ninguém desdenhando viver com elas em casamento”.

Um exemplo deste último está registrado em Luciano (De Dea Syria 6): “[As mulheres de Biblos] raspam suas cabeças, assim como os egípcios quando Ápis morre. As mulheres que se recusam a fazê-lo pagam esta pena: por um único dia ficam oferecendo sua beleza à venda. O mercado, no entanto, está aberto apenas para estranhos e o pagamento se torna uma oferta a Afrodite”.

Teorias além da meramente econômica passaram a ser associadas ao conceito de prostituição sagrada, muitas vezes envolvendo noções de fertilidade ou casamento sagrado.

Assim escreveu J. L. McKenzie em seu estudo sobre a prostituição sagrada na Bíblia: “A prática da prostituição no Antigo Oriente Médio parece não ter sofrido nenhuma censura moral e era comum. Uma característica peculiar da cultura mesopotâmica e cananeia era a prostituição ritual. Ao templo da deusa da fertilidade (Inanna, Ishtar, Astarte) foram anexados bordéis servidos por mulheres consagradas que representavam a deusa, o princípio feminino da fertilidade” (McKENZIE, J. L. verbete Prostitution. In Dictionary of the Bible, Milwauke, 1965, 700).

No entanto, a definição mais simples de prostituição sagrada que uso aqui é a econômica, pela qual uma divindade receberia o dinheiro pago para comprar ou alugar o corpo da prostituta.

A natureza da evidência

A evidência para a prostituição sagrada pode ser dividida em duas categorias separadas: referências diretas à instituição no corpus clássico e referências implícitas no corpus do Antigo Oriente Médio.

1. As referências diretas e clássicas, como os exemplos acima, referem-se inequivocamente a mulheres que vendem seus corpos por sexo, que são “sagradas” ou que entregam o dinheiro que ganham a uma divindade. As palavras usadas para descrevê-las são hetairai (cortesãs), scorta (prostitutas) e kataporneuo (prostituir). Em suma, sua(s) ocupação(ões) são expressas claramente nos textos.

2. As referências implícitas no corpus do Antigo Oriente Médio são mais difíceis de analisar, pois as alegações da existência de prostitutas sagradas dependem da tradução de palavras que não são tão evidentes quanto o grego hetaira. As pessoas mais comumente referidas como prostitutas sagradas são os qadesh e as qedeshah da Bíblia; no corpus cuneiforme, as funcionárias identificadas como prostitutas sagradas incluem a entum, naditum, qadishtum, ishtaritum, kulmashitum, enquanto os kezertu e os funcionários masculinos assim rotulados são os kalbu, assinnu kurgarru e kulu’u. Em suma, quase todas as funcionárias de cultos femininos reconhecíveis na Mesopotâmia foram marcadas como prostitutas sagradas, incluindo aquelas sacerdotisas cujos equivalentes masculinos não foram reconhecidos como tendo uma função sexual. Ninguém, por exemplo, jamais acusou o en (senhor) de prostituição.

Mais adiante, na p. 83 e seguintes, após questionar as evidências utilizadas pelos autores para confirmar a existência da prostituição sagrada no Antigo Oriente Médio, diz a autora:

Os novos dados forçam uma reconsideração da prostituição sagrada no mundo antigo. Até os dias de hoje supunha-se que a prostituição sagrada fosse um aspecto da religião do Antigo Oriente Médio, muitas vezes associado aos cultos de Ishtar e Astarte, que se espalharam para as partes do mundo clássico que tinham estreitas afinidades com o Antigo Oriente Médio, especialmente a Fenícia. Assim, a crença geral nas prostitutas sagradas da antiga Corinto, ou da Lócrida italiana, ou da Érix siciliana. No entanto, diante do fato de que a prostituição sagrada nunca existiu no Antigo Oriente Médio, simplesmente devemos reavaliar nossas opiniões sobre sua existência no mundo clássico.

Assim, certas questões inevitáveis vêm à tona: se a prostituição sagrada não existia no Antigo Oriente Médio, ela existia no mundo clássico? Se não, sobre o que Heródoto, Estrabão e até mesmo os primeiros Padres da Igreja estavam escrevendo? E, talvez o mais importante, qual é a origem da nossa compreensão moderna da prostituição sagrada?

 

Deixo este texto, que continua, e passo a outro, mais desenvolvido, da mesma autora:

BUDIN, S. L. The Myth of Sacred Prostitution in Antiquity. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, 384 p. – ISBN 9780521880909.

Diz a autora na Introdução/Capítulo 1:

A prostituição sagrada nunca existiu no Antigo Oriente Médio ou no Mediterrâneo. Este livro apresenta as evidências que levam a essa conclusão. Também reconsidera osBUDIN, S. L. The Myth of Sacred Prostitution in Antiquity. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. vários dados literários que deram origem ao mito da prostituição sagrada e oferece novas interpretações do que eles podem realmente significar em seus contextos antigos. Espero que isso encerre um debate que está presente em vários campos da academia há cerca de três décadas.

O que é a prostituição sagrada, também conhecida como prostituição cultual? Há, como se pode imaginar de um tema que tem sido objeto de estudo há séculos e objeto de debate há décadas, várias respostas diferentes para essa pergunta.

[Depois de citar quatro definições encontradas em publicações modernas, a autora diz]: Quatro definições diferentes trouxeram à tona várias noções diferentes, embora nem sempre conflitantes, do que era a prostituição sagrada.

. Era algum tipo de ritual de defloração pré-nupcial.

. Era a prostituição de escravos para benefício econômico dos templos.

. Era a prostituição de sacerdotes e sacerdotisas permanentes ou temporários como prática cultual.

. Era um ritual de fertilidade, administrado pela organização do templo.

Pelo menos parte dessas fantasias e variações na definição vêm das diferentes fontes de prostituição sagrada na antiguidade. Como veremos nos próximos capítulos, algumas das fontes parecem se referir a uma classe profissional de prostitutas sagradas (por exemplo, as tabuinhas cuneiformes), enquanto outros parecem se referir à prostituição ocasional de mulheres que, em seu cotidiano, não são prostitutas (por exemplo, Heródoto).

(…)

O que é importante lembrar, no entanto, é que a prostituição sagrada não existia.

E o texto continua.

Stephanie Lynn Budin é uma historiadora norte-americana que trabalha com gênero, religião, sexualidade e iconografia na Grécia antiga e no Antigo Oriente Médio.

Sugiro a leitura de uma resenha da obra. Por exemplo, a escrita por Kiara Beaulieu, publicada em Past Imperfect 15 (2009), Universidade de Alberta, Canadá: DOI: https://doi.org/10.21971/P79P4H

Para compreender as características de Heródoto, recomendo a leitura de GALLO, R. Mito e história nas ‘Histórias’: a narrativa de Heródoto. Rónai – Revista de Estudos Clássicos e Tradutórios, v. 1, n. 1, p. 16–29, 2015, Juiz de Fora. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/ronai/article/view/23055.

Recomendo ainda a leitura de ANAGNOSTOU-LAOUTIDES, E.; CHARLES, M. B. Herodotus on Sacred Marriage and Sacred Prostitution at Babylon. Kernos, 31, p. 9-37, 2018. Disponível em https://journals.openedition.org/kernos/2653.

A imperialização da Assíria: uma abordagem arqueológica

DÜRING, B. S. The Imperialisation of Assyria: An Archaeological Approach. Cambridge: Cambridge University Press, 2020, 198 p. – ISBN 9781108478748.

Este estudo trata de um dos processos mais notáveis da história do Antigo Oriente Médio, que teve impactos significativos no desenvolvimento de longo prazo daDÜRING, B. S. The Imperialisation of Assyria: An Archaeological Approach. Cambridge: Cambridge University Press, 2020 Eurásia. Este desenvolvimento consiste no surgimento de formas sustentáveis de império e imperialismo.

O surgimento de impérios duráveis resultou em uma transformação total da dinâmica de poder inter-regional do mundo antigo. Essas infraestruturas imperiais acabaram por dar origem à ordem global do mundo moderno, na qual as ações de alguns governos poderosos têm repercussões em todo o globo.

Embora seja ingênuo argumentar por uma evolução direta das tradições imperiais da Assíria para o mundo moderno, argumentarei que os repertórios imperiais foram transmitidos e retrabalhados de um império para o outro, e que o imperialismo no mundo moderno tem suas raízes na passado profundo.

Os impérios se desenvolveram inicialmente em um número relativamente limitado de regiões do mundo, incluindo o Oriente Médio, China, Andes e Mesoamérica, e posteriormente se espalharam por grande parte do globo. Os primeiros impérios do mundo tomaram forma no Oriente Médio e tiveram um impacto decisivo na história subsequente da Eurásia ocidental, com a China assumindo um papel semelhante no Extremo Oriente.

O Antigo Oriente Médio deu origem a alguns dos primeiros impérios da história mundial. Os maiores estados do mundo estavam localizados na Mesopotâmia e no Egito mais de um milênio antes que um estado de tamanho similar surgisse na China, e somente na segunda metade do primeiro milênio AEC na Índia e no Mediterrâneo.

O Império Assírio foi o primeiro estado a alcançar o domínio duradouro do Antigo Oriente Médio, existindo por cerca de sete séculos [1350-612 AEC] e, eventualmente, controlando a maior parte da região.

A questão central deste estudo é: como explicar o sucesso do (Médio) Império Assírio [ca. 1350-1050 AEC]? Isso será feito ao longo de três linhas de investigação:

Em primeiro lugar, quais foram as circunstâncias e condições históricas em que o Império Assírio tomou forma e se reproduziu? Obviamente, a Assíria, como qualquer outro estado na história, foi determinada em grande medida por desenvolvimentos históricos mais amplos, por um lado, e eventos-chave, por outro, e precisamos mapear esse contexto histórico para entender o Império Assírio.

Em segundo lugar, que conjunto de tradições culturais estavam presentes na Assíria que ajudam a explicar seu sucesso como estado imperial? Como a Assíria desenvolveu seus repertórios imperiais, ou seja, as técnicas e estratégias usadas para alcançar e manter a dominação, e até que ponto esses repertórios imperiais eram particularmente assírios, ou vice-versa, vemos empréstimos de instituições e tecnologias de dominação imperial de impérios predecessores , como Mitani, e impérios contemporâneos, como o Egito do Reino Novo, os hititas e os cassitas.

Terceiro, para entender o Império Assírio, precisamos perguntar o que havia nele para as várias categorias de pessoas que faziam parte dele. No final, mesmo os estados imperiais mais poderosos podem ser desfeitos pelas ações das pessoas comuns, e a proeza imperial depende do equilíbrio da participação da população em geral. Assim, para entender a conquista imperial assíria, é essencial mapear os vários tipos de atores envolvidos e por que pessoas de diversas origens sociais e status sociais teriam optado por participar do projeto imperial assírio.

Para explorar essas questões, começarei discutindo o contexto mesopotâmico e sua história de fragmentação política, e discutirei por que essa região foi difícil de unificar em um império por um período substancial de tempo (Capítulo 1).

Em seguida, apresentarei a história inicial de Assur, como ela se tornou o núcleo do império assírio, e discutirei uma característica emergente que se tornaria um dos blocos de construção do império em tempos posteriores (Capítulo 2).

Posteriormente, discutirei as circunstâncias históricas e geográficas que tornaram possível a ascensão da Assíria (Capítulo 3).

Em seguida, discutirei o impacto variado da Assíria nos territórios conquistados e o que a heterogênea pegada arqueológica assíria nos diz sobre a natureza do imperialismo (Capítulo 4).

Em seguida, discutirei os repertórios imperiais, os recursos disponíveis para criar e manter o império e porque diversos povos optaram pelo projeto imperial assírio (Capítulo 5).

Por fim, discutirei como a Assíria se tornou o império predominante do Oriente Médio na Idade do Ferro e como essa conquista sem precedentes foi baseada no legado da Assíria Média (Capítulo 6).

O capítulo final (Conclusões) sintetizará as principais conclusões deste estudo.

Definindo Impérios

Médio Império Assírio no século XIII AECEntão, como podemos estudar impérios com base em dados arqueológicos?

Aqui argumenta-se que os impérios devem ser entendidos como estados extensos que incluem pelo menos dois estados regionais  preexistentes e que o imperialismo deve ser entendido como o processo pelo qual a política dominante (ou sociedade metropolitana) cria e mantém controle efetivo sobre as políticas dominadas (sociedades provinciais e periféricas).

Os impérios, então, não são sistemas hegemônicos de cobrança de tributos que giram em torno de ideologia, culto e vida na corte – embora esses elementos sejam frequentemente ingredientes importantes dos impérios – mas devem ser entendidos acima de tudo como o esforço mais ou menos bem-sucedido para superar desafios logísticos de distância, bem como resistência e obstrução locais, que, se não forem atendidas adequadamente, inevitavelmente levarão ao colapso imperial.

Os fatores logísticos tiveram efeitos claros: primeiro, na economia pré-moderna, o que significava que os excedentes agrícolas só podiam ser consumidos localmente; segundo, as habilidades das elites imperiais para obter e compartilhar informações sobre desenvolvimentos em regiões distantes; e, terceiro, a capacidade das elites imperiais de intervir militarmente ou de outra forma em regiões distantes dos impérios. Para superar esses problemas, impérios precisavam ser estabelecidos e consolidados no centro, nas províncias, nas periferias e além, por meio de um amplo e flexível conjunto de repertórios imperiais, dos quais as elites e as cortes são apenas um componente.

Assim, defendo que o cerne da questão é como a hegemonia imperial é alcançada e mantida nos territórios conquistados, ou seja, nas províncias e periferias. Portanto, o imperialismo é um tipo particular de relação de poder de uma política imperial sobre sociedades subalternas, e um império é uma política que é bem-sucedida em seus esforços para manter esse tipo de relação de poder ao longo de gerações.

Fonte: Estes trechos foram traduzidos da Introdução, p. 1-4 e do Capítulo 1, Um mundo fragmentado, p. 5-26.

Bleda S. Düring é Professor de Arqueologia do Antigo Oriente Médio na Universidade de Leiden, Países Baixos.

 

This study deals with one of the most remarkable developments in the history of the Ancient Near East, which had significant impacts on the long-term development of Eurasia. This development consists of he rise of sustainable forms of empire and imperialism. The emergence of durable empires resulted in a total transformation of interregional power dynamics of the ancient world. These imperial infrastructures eventually gave rise to the global order of the modern world, in which the actions of a few powerful governments have repercussions across the globe. While it would be naive to argue for a direct evolution of imperial traditions from Assyria to the modern world, I will argue that imperial repertoires were transmitted and reworked from one empire to the next, and that imperialism in the modern world has its roots in the deep past.

Empires first developed in a relatively limited number of regions of the world, including the Near East, China, the Andes, and Meso-America, and subsequently spread to a large part of the globe. The earliest empires of the world took shape in the Near East, around 2300 BCE, and these had a decisive impact on the subsequent history of western Eurasia, with China taking on a similar role in the Far East.

The Ancient Near East gave rise to some of the earliest empires in world history. The largest states of the world were located in Mesopotamia and Egypt more than a millennium before a state of similar size emerged in China, and only in the second half of the first millennium BCE do comparably large political entities emerge in other regions such as India and the Mediterranean.

The central question of this study is: how can we explain the success of the (Middle) Assyrian Empire? This will be done along three lines of inquiry. First, what were theAntigo Oriente Médio no século XIII AEC historical circumstances and conditions in which the Assyrian Empire took shape and was reproduced? Obviously, Assyria, like any other state in history, was determined to a significant extent by broader historical developments on the one hand, and key events, on the other, and we need to chart this historical context to understand the Assyrian Empire. Second, what set of cultural traditions were present in Assyria that help to explain its success as an imperial state? How did Assyria develop its imperial repertoires, that is the techniques and strategies used to achieve and maintain domination, and to what degree were these imperial repertoires particularly Assyrian, or vice versa, do we see borrowings of institution and technologies of imperial domination from predecessor empires, such as the Mittani, and contemporary empires, such as New Kingdom Egypt, the Hittites, and the Kassites. Third, to understand the Assyrian Empire we need to ask what was in it for the various categories of people who were part of it. In the end, even the most powerful imperial states can be undone through the actions of ordinary people, and imperial prowess depends on the balance of participation of the population at large. Thus, to understand the Assyrian imperial achievement, it is essential to map the various types of actors involved, and why people of diverse social backgrounds and social statuses would have opted into partaking into the Assyrian imperial project.

To explore these questions I will start by discussing the Mesopotamian context and its history of political fragmentation, and discuss why this region was difficult to unify in an empire for a substantial period of time (Chapter 1). Then I will introduce the early history of Assur, how it became the nucleus of the Assyrian empire, and will discuss an emergent distinctiveness that would become one of the building block of empire in later times (Chapter 2). Subsequently, I will discuss the historical and geographical circumstances that made the rise of Assyria possible (Chapter 3). Next, I will discuss the variegated impact of Assyria in conquered territories, and what the heterogeneous Assyrian archaeological footprint tells us about the nature of imperialism (Chapter 4). Following that, I will discuss the imperial repertoires, resources available to create and maintain the empire, and why diverse people opted into the Assyrian imperial project (Chapter 5). Lastly, I will discuss how Assyria became the predominant Near Eastern empire in the Iron Age, and how this unprecedented achievement was based on the Middle Assyrian legacy (Chapter 6); the final chapter (Conclusions) will summarise the main conclusions of this study (From Introduction, p. 1-4).

Defining Empires (p. 6)

Bleda S. DüringSo how can we study empires on the basis of archaeological data? Here, following Doyle, it is argued that empires should be understood as expansive states that include at least two pre-existing regional states and that imperialism is to be understood as the process by which the dominating polity (or metropolitan society) creates and maintains effective control over the dominated polities (provincial and peripheral societies). Empires, then, are not tribute-taking hegemonial systems that revolve around ideology, cult, and court life – although these elements are often important ingredients of empires – but are above all to be understood as the more or less successful effort to overcome logistical challenges of distance as well as local resistance and obstruction, which, if not met adequately, will inevitably lead to imperial collapse.

Logistical factors had clear effects on: first, the pre-modern economy, which meant that agricultural surpluses could only be consumed locally; second, the abilities of imperial elites to obtain and share information on developments in far-flung regions; and, third, the capabilities of imperial elites to intervene militarily or otherwise in far removed regions of empires. In order to overcome these problems, empires needed to be established and consolidated in the centre, the provinces, the peripheries and beyond through a broad and flexible set of imperial repertoires, of which elites and courts are only one component.

Thus, I argue that the crux of the matter is how imperial hegemony is achieved and maintained in conquered territories, that is, in the provinces and peripheries. Hence imperialism is a particular type of relationship of power of an imperial polity over subaltern societies, and an empire is a polity that is successful in its efforts to maintain this type of power relationship across generations.

Bleda S. Düring is Associate Professor in Near Eastern Archaeology at Universiteit Leiden. He is the author of The Prehistory of Asia Minor (2010) and co-editor, with Tesse Stek, of The Archaeology of Imperial Landscapes (Cambridge, 2018).

Projeto Biblioteca de Assurbanípal

A Biblioteca de Assurbanípal é o nome dado a uma coleção de mais de 30 mil tabuinhas de argila e fragmentos com escrita cuneiforme. As tabuinhas foram descobertas nas ruínas da cidade de Nínive, norte do atual Iraque, outrora capital do poderoso império assírio, governado por Assurbanípal de 668 a 627 a. C. Elas foram encontradas em uma série de escavações iniciadas na metade do século XIX e que prosseguiram até o primeiro terço do século XX, e formam as coleções reais assírias de literatura e arquivos acadêmicos sobreviventes. Nínive foi consumida pelo fogo por volta de 612 a. C., mas enquanto livros de papel seriam inevitavelmente destruídos, as tabuinhas de argila tornaram-se, na maioria dos casos, mais duras, fazendo delas os documentos mais bem preservados de milhares de anos da história da Mesopotâmia.

Tabuinhas da Biblioteca de Assurbanípal em exposição no Museu Britânico em 2018/19A vasta biblioteca de tabuinhas de argila de propriedade do rei Assurbanípal continua sendo um achado de rara importância. Uma combinação de erudito dedicado e governante extremamente poderoso, ele reuniu em Nínive uma riqueza incomparável de conhecimento especializado acumulado ao longo de muitos séculos. Esse aprendizado alimentou e sustentou diretamente a realeza de Assurbanípal. A coleção de Assurbanípal foi a maior, mais ampla e mais importante biblioteca já reunida em mais de 3.500 anos de cultura cuneiforme. Até a Biblioteca de Alexandria, era a biblioteca mais significativa da antiguidade. Quase 32.000 tabuinhas e fragmentos sobreviveram. Eles abrangem textos escolásticos, incluindo textos divinatórios, mágicos, médicos, literários e lexicais, e administrativos, bem como inscrições históricas locais. Eles preservam a ampla extensão da cultura tradicional da Mesopotâmia, como era conhecida no final do século VII a. C.

A primeira grande descoberta de tabuinhas da biblioteca foi feita pelo arqueólogo inglês Austen Henry Layard aí pela metade do século XIX. Seu assistente iraquiano, Hormuzd Rassam, continuou as escavações e em 1852 descobriu um segundo palácio em Nínive e nele outra grande coleção de tabuinhas.

Antes da descoberta da biblioteca, quase tudo o que sabíamos sobre a antiga Assíria vinha de histórias da Bíblia ou de historiadores clássicos. Com a descoberta da biblioteca, milhares de textos cuneiformes foram recuperados, contando a história dos assírios com suas próprias palavras. A partir deles, podemos conhecer intrigas de corte, ouvir relatórios secretos de inteligência, seguir rituais passo a passo, ouvir as palavras de hinos e orações e folhear manuais médicos, além de ler sobre os feitos dos reis, narrados com muitos detalhes.

A biblioteca ficou famosa também na antiguidade, pois, séculos após a morte de Assurbanípal e a destruição da Assíria, escribas na Babilônia celebraram a compilação da biblioteca. Embora muitas tabuinhas tenham sido encontradas em outros locais nos últimos 170 anos, as tabuinhas da Biblioteca de Assurbanípal continuam sendo nossa fonte primária para a maior parte do que sabemos sobre os estudos mesopotâmicos da época (Confira mais em: Jonathan Taylor, A library fit for a king, The British Museum Blog, 25 October 2018).

 

O Projeto Biblioteca de Assurbanípal recria digitalmente a biblioteca de tabuinhas cuneiformes de Assurbanípal, rei da Assíria (668 – c. 627 a.C.). Desde sua descoberta no século XIX, a Biblioteca tem sido o mais popular e informativo de todos os recursos assiriológicos. É a base sobre a qual a assiriologia foi construída.Assurbanípal, rei da Assíria (668-627 a.C.)

Estamos documentando a biblioteca da forma mais completa possível em textos e imagens: transliterações da escrita cuneiforme, traduções, cópias desenhadas à mão, um conjunto completo de novas imagens digitais de alta qualidade e uma biblioteca de fotografias mais antigas produzidas desde 1850. O catálogo está sendo atualizado e aprimorado.

Nosso trabalho visa estimular o interesse e facilitar o ensino e a pesquisa sobre os textos. Estamos realizando nossa própria pesquisa, revisando o conteúdo e o significado da Biblioteca de Assurbanípal agora 170 anos após sua descoberta. Pretendemos compreender a composição e o funcionamento da Biblioteca.

O Museu Britânico foi fundado em 1753 para disponibilizar suas coleções gratuitamente aos “estudiosos e curiosos”. Em 1852, Lord Ross, presidente dos curadores, declarou:

“Estou muito ansioso para que se faça alguma tentativa de fotografar as inscrições para colocá-las convenientemente ao alcance de pessoas que tenham gosto por essa linha de pesquisa”.

Somente nos últimos anos, na virada do século 21, com a pronta disponibilidade da fotografia digital, armazenamento de dados barato, internet e acesso generalizado à banda larga, tornou-se viável tornar esse sonho realidade.

 

Histórico do projeto

O Projeto Biblioteca de Assurbanípal foi criado em 2002 como uma cooperação de longo prazo com a Universidade de Mossul, Iraque. A primeira etapa foi financiada pelo Townley Group of British Museum Friends. A Dra. Jeanette Fincke produziu uma lista das 3.500 tabuinhas da Biblioteca em escrita babilônica. Em uma segunda fase, Fincke voltou a atenção para textos astrológicos de adivinhação de Nínive em escrita assíria. Os resultados deste trabalho estão em um site separado, The Nineveh Tablet Collection, e foram publicados em 2003/04, 2004 e 2014.

Uma terceira fase de atividade, novamente financiada pelo Townley Group, trouxe a inestimável ajuda do professor Riekele Borger, professor emérito de assiriologia da Universidade de Göttingen. Há 40 anos vinha ao Museu, identificando e juntando fragmentos da biblioteca. Ele estava compilando um catálogo atualizado das tabuinhas. Como parte dessa colaboração, seus resultados seriam incorporados ao nosso catálogo, além de serem publicados como monografia nos moldes tradicionais. Infelizmente, o Prof. Borger faleceu em dezembro de 2010 antes que pudesse completar seu catálogo. No entanto, seu trabalho meticuloso é uma ajuda inestimável para os estudiosos.

De 2009 a 2013, com o generoso apoio da Andrew Mellon Foundation, produzimos imagens digitais de alta resolução de todas as tabuinhas da Biblioteca. Cada imagem é uma composição de até 14 imagens primárias, que representam um desdobramento virtual do objeto 3D em um fac-símile 2D. Todas as faces de cada tabuinha são visíveis em uma única imagem. Imagens adicionais de impressões de selos foram feitas, uma vez que requerem iluminação diferente do texto. As imagens foram divulgadas ao longo do projeto tanto no site do British Museum Collections Online quanto no site do CDLI. O conjunto completo agora também está disponível aqui em nosso catálogo online dedicado.

Desde 2014 a nossa ênfase tem sido a atualização e melhoria do catálogo. Este catálogo serve de base para novas pesquisas sobre a composição e natureza da Biblioteca.

 

About the project

The Ashurbanipal Library Project recreates digitally the cuneiform tablet library of Ashurbanipal, King of Assyria (668 – c. 630 BC). Since its discovery in the nineteenth century, the Library has been the most popular and most informative of all Assyriological resources. It is the foundation on which Assyriology has been built.

George Smith (1840-1876) e fragmentos da tabuinha 11 da Epopeia de Gilgámesh, com o relato do dilúvioWe are documenting the Library as fully as possible in texts and images: sign-transliterations, translations, hand-drawn copies, a complete set of new, high-quality digital images and a library of older photographs produced since 1850’s. The catalogue is being updated and improved.

Our work is designed to stimulate interest and facilitate teaching and research on the texts. We are undertaking our own research, looking afresh at the contents and significance of Assurbanipal’s Library now 160 years after its discovery. We aim to understand the composition and functioning of the Library.

The British Museum was founded in 1753 to make its collections freely available to the “studious and curious”. In 1852 Lord Ross, Chairman of the Trustees, declared:

I feel very anxious that some attempt should be made to Photograph the inscriptions so as to place them conveniently within the reach of persons that have a taste for that line of research … and it seems to me to be a reproach to the Trustees … that the aids of modern Science should not have been called for sooner.

Only in the last few years, at the turn of the 21st century, with the ready availability of digital photography, cheap data storage, the internet and widespread broadband access, has it become feasible to make that dream a reality. Now for the first time the entire Library is available in new high-quality images.

Jonathan Taylor, ‘About the project’, Ashurbanipal Library Project, The Ashurbanipal Library Project, Department of the Middle East, The British Museum, Great Russell Street, London WC1B 3DG, 2019 [http://oracc.museum.upenn.edu/asbp/abouttheproject/]

 

History of the project

The Ashurbanipal Library Project was set up in 2002 as a long-term co-operation with the University of Mosul, Iraq. The first stage was funded by the Townley Group of British Museum Friends. Dr Jeanette Fincke produced a list of the 3,500 Library tablets in Babylonian script. In a second phase, Fincke turned attention to astrological fortune-telling texts from Nineveh in Assyrian script. The results of this work feature on a separate web-site, and are published in (2003/04), (2004), (2014).

A third phase of activity, again funded by the Townley Group, brought the invaluable help of Professor Riekele Borger, Emeritus Professor of Assyriology at the University of Göttingen. For 40 years he had been coming to the Museum, identifying and joining fragments from the library. He was compiling an updated catalogue of the tablets. As part of this collaboration, his results would be incorporated into our catalogue, as well as being published as a monograph in the traditional manner. Sadly, Prof. Borger passed away in December 2010 before he was able to complete his catalogue. Nevertheless, his meticulous work is an invaluable aid to scholars.

From 2009-2013, with the generous support of the Andrew Mellon Foundation, we produced high resolution digital images of all the Library tablets. Each image is a composite of up to 14 primary images, which represents a virtual unfolding of the 3D object into a 2D facsimile. All faces of each tablet are visible in a single image. Additional images of seal impressions were taken, since these require different lighting from the text. The images were released over the course of the project both on the British Museum Collections Online site and on the CDLI website. The complete set is now also made available here in our dedicated online catalogue.

Since 2014 our emphasis has been on updating and improving the catalogue. This catalogue serves as the foundation of new research on the composition and nature of the Library.

Jonathan Taylor, ‘History of the project’, Ashurbanipal Library Project, The Ashurbanipal Library Project, Department of the Middle East, The British Museum, Great Russell Street, London WC1B 3DG, 2019 [http://oracc.museum.upenn.edu/asbp/abouttheproject/historyoftheproject/]

Portal Ugarit

Ugarit-Portal Göttingen

Ugarit-Portal Göttingen é a plataforma de Estudos Ugaríticos criada na Universidade de Göttingen sob a direção do Prof. Reinhard Müller e de Clemens Steinberger.

O site inclui:
:. Uma introdução à história e à tradição textual de UgaritUgarit, na região siro-fenícia
:. Uma bibliografia
:. Uma introdução à poesia ugarítica e um breve histórico da pesquisa em poética
:. Transliterações digitalizadas de textos poéticos ugaríticos (incluindo correções para KTU3)
:. Informações para estudantes
:. O catálogo da biblioteca de pesquisa de Ugarit

Das Ugarit-Portal Göttingen ist die Plattform der Göttinger Ugaritistik, die am alttestamentlichen Seminar unter der Leitung von Prof. Reinhard Müller betrieben wird.

Das Portal enthält:
:. eine Einführung in die Geschichte und die schriftliche Überlieferung aus Ugarit
:. eine Bibliographie
:. eine Einführung in die ugaritische Poesie und eine kurze Geschichte der poetologischen Forschung
:. digitalisierte Umschriften der ugaritischen poetischen Texte (samt Verbesserungen zu KTU3)
:. Informationen zum Studium (samt Überblick über die wichtigsten Hilfsmittel)
:. die Publikationen des Teams der Göttinger Ugaritistik
:. den Katalog der Ugarit-Bibliothek

Leiter: Prof. Dr. Reinhard Müller
Koordinator: Clemens Steinberger

Pacto pela vida das crianças brasileiras

Entidades signatárias do “Pacto pela vida e pelo Brasil” defendem imunização da população infanto-juvenil contra a Covid-19

As entidades signatárias do Pacto pela Vida e pelo Brasil publicaram na sexta-feira, 21, uma Nota na qual defendem a imunização da população infanto-juvenil, a exemploPacto pela vida  e pelo Brasil do que vem ocorrendo em vários países em sinal de lucidez, responsabilidade e profundo sentido ético em relação aos milhões de crianças e adolescentes brasileiros.

“Sabia-se que a vacinação teria que chegar às crianças, protegendo-as de um vírus contagioso e mutante, com impactos diversos sobre o organismo. No entanto, chegada a hora, mais uma vez armou-se o circo da insensatez no Brasil, buscando semear o tumulto e afastar o país do seu destino”, diz o documento.

As entidades enaltecem o sucesso das campanhas de vacinação, no Brasil, que controlaram doenças que assombraram a população infantil e tantas famílias – entre elas, o sarampo e a poliomielite – e pelas quais o país conquistou reconhecimento internacional pelo seu programa de imunização.

Por outro lado, reforça que “hoje não se pode aceitar a campanha de sabotagem em torno da vacinação pediátrica, no curso de uma pandemia ainda longe de ser controlada, desprezando o direito à vida e à saúde de uma faixa etária com cerca de 69 milhões de brasileiros — porque é disso que se trata, em flagrante desrespeito à Constituição e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”.

As entidades conclamam mães, pais, familiares e professores a exigir do Estado brasileiro o que é preciso neste momento, para garantir não só a saúde, mas o futuro dos mais jovens. Leia, abaixo, a íntegra e aqui o arquivo em PDF.

 

PACTO PELA VIDA DAS CRIANÇAS BRASILEIRAS

Nós, entidades signatárias do Pacto pela Vida e Pelo Brasil, lançado em 7 de abril de 2020 face ao agravamento da pandemia, voltamos a unir nossas vozes no clamor por aqueles que assistem, silentes e sem poder de ação, a situações que colocam em risco a sua própria vida. Falamos de milhões de crianças e adolescentes brasileiros, sobre os quais é urgente pensar com lucidez, responsabilidade e profundo sentido ético.

O enfrentamento da Covid-19, no curso de uma crise sanitária que abalou o mundo, prenunciou a necessidade de imunização da população infanto-juvenil, como já vem ocorrendo em vários países. Sabia-se que a vacinação teria que chegar às crianças, protegendo-as de um vírus contagioso e mutante, com impactos diversos sobre o organismo. No entanto, chegada a hora, mais uma vez armou-se o circo da insensatez no Brasil, buscando semear o tumulto e afastar o país do seu destino.

Manobras para desacreditar as vacinas, com o bombardeio incessante de declarações infundadas, têm tão somente por finalidade minar a confiança dos pais diante do que é correto e inadiável fazer: vacinar as crianças, garantindo-lhes proteção diante de um agente infeccioso grave.

O Brasil, e não é de hoje, conquistou reconhecimento internacional pelo seu programa de imunização. Gerações cresceram atendendo às convocações para vacinações diversas e assim foi possível controlar doenças que assombraram a população infantil e tantas famílias — entre elas, o sarampo e a poliomielite. Imunizou-se muito e bem, num país de dimensão continental e grande desigualdade.

Hoje não se pode aceitar a campanha de sabotagem em torno da vacinação pediátrica, no curso de uma pandemia ainda longe de ser controlada, desprezando o direito à vida e à saúde de uma faixa etária com cerca de 69 milhões de brasileiros — porque é disso que se trata, em flagrante desrespeito à Constituição e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Estarrece constatar que tal situação esteja acontecendo no país que, tristemente, tornou-se um dos recordistas de mortes por Covid no planeta – cerca de 622 mil óbitos até o momento, boa parte deles evitável.

Declarações enganosas de autoridades do governo, na contramão do que tem sido feito pela autoridade sanitária, a Anvisa, poderiam sugerir que o Brasil pouco ou nada aprendeu nesses mais de dois anos de luta contra o vírus. Que falhamos como Nação. Que abrimos mão de compromissos éticos. Que retrocedemos no tempo. Mas, não nos enganemos: a sociedade brasileira não vive dentro da bolha do negacionismo. Ela conhece muito bem a dura realidade, sente na pele os desafios, escuta o que diz a ciência e assim defenderá o direito à vacina infantil, contra o SARS-CoV-2.

Certos disso, conclamamos governadores e prefeitos a não poupar esforços para que a imunização pediátrica avance rapidamente pelo país, em grandes mutirões, alcançando todas as crianças, e sem esquecer jamais das que vivem em condição de vulnerabilidade.

Conclamamos mães, pais, familiares e professores a exigir do Estado brasileiro o que é preciso neste momento, para garantir não só a saúde, mas o futuro dos mais jovens. E, por fim, mas não por último, conclamamos cidadãos e cidadãs a formar conosco um cinturão de lucidez no enfrentamento da pandemia, que esperamos ver superada. Como uma sociedade livre e democrática, construída sobre os pilares da ética, do bom senso e do bem comum, sairemos disso mais fortes.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB

Felipe Santa Cruz,
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB

José Carlos Dias,
presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns

Luiz Davidovich,
presidente da Academia Brasileira de Ciências – ABC

Paulo Jeronimo de Sousa,
presidente da Associação Brasileira de Imprensa – ABI

Renato Janine Ribeiro,
presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC

Fonte: CNBB – 22/01/2022

A arqueologia enterrou a Bíblia?

Li alguns capítulos do livro Has Archaeology Buried the Bible? de William G. Dever e percebi que ele faz uma clara e agradável síntese da História de Israel considerando as perspectivas arqueológicas das últimas décadas. Pode ser uma leitura proveitosa para muitos.

Resenha do livro de William G. Dever, Has Archaeology Buried the Bible? [A arqueologia enterrou a Bíblia?] por Jennie Ebeling, publicada em Bible History Daily em 12 de janeiro de 2022.

DEVER, W. G. Has Archaeology Buried the Bible? Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2020, X + 158 p. – ISBN ‎ 9780802877635.DEVER, W. G. Has Archaeology Buried the Bible? Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2020, X + 158 p.

Desde a morte de William F. Albright, o “pai” da arqueologia bíblica norte-americana, há cinquenta anos, os objetivos da pesquisa arqueológica em Israel e países vizinhos mudaram de modo radical. Isso se deve menos aos muitos desenvolvimentos tecnológicos na arqueologia de campo, eu argumentaria, e mais ao fato de que pouquíssimos arqueólogos profissionais que trabalham em Israel, Jordânia e em outros lugares hoje afirmam escavar com a Bíblia em uma mão e uma pá na outra. Albright e seus contemporâneos – a maioria deles estudiosos bíblicos protestantes e ministros ordenados – acreditavam que o valor principal (se não o único) do trabalho arqueológico na Terra Santa era fornecer confirmação física de eventos e personagens bíblicos. Os arqueólogos do século XXI, no entanto, se envolvem com uma ampla gama de questões históricas e antropológicas de maneira semelhante a seus colegas que trabalham em outras partes do mundo, onde a historicidade da Bíblia não entra na equação.

Como muitos estudiosos notaram, a arqueologia bíblica de estilo albrightiano começou a desaparecer na segunda metade do século XX, quando seus praticantes adotaram os padrões dos arqueólogos profissionais na América do Norte e na Europa. Além disso, muitos perceberam que a arqueologia falhou em oferecer evidências para a historicidade de certos eventos bíblicos cruciais que Albright e seus contemporâneos disseram que deveriam, como a migração de Abraão e Sara da Mesopotâmia para Canaã, a entrega da lei e da aliança a Moisés no Monte Sinai, o êxodo e a conquista israelita de Canaã, o estabelecimento da realeza divina em Israel e o desenvolvimento único e divinamente ordenado da religião e cultura do antigo Israel. Como a fé (para alguns) dependia da ocorrência ou não desses eventos, a incapacidade da arqueologia de fornecer provas físicas desses eventos levou à desilusão. Como, muitos se perguntavam, a arqueologia poderia informar sobre questões teológicas, dada a sua incapacidade de lançar luz sobre esses eventos centrais?

No entanto, o público continua profundamente interessado em saber como a arqueologia pode nos informar sobre o mundo da Bíblia. Os arqueólogos aproveitam esse interesse para aumentar o apoio financeiro e a conscientização, ao mesmo tempo em que se distanciam do tipo míope de arqueologia bíblica praticado há um século. E embora alguns arqueólogos americanos que trabalham na região possam apoiar suas crenças pessoais a partir de suas pesquisas, poucos provavelmente admitiriam escavar com o objetivo explícito de revelar lições morais e verdades pelas quais viver no século XXI. É isso o que torna o livro de William G. Dever “A arqueologia enterrou a Bíblia?” tão surpreendente.

Neste livro, o prolífico e franco arqueólogo, que desempenhou um papel importante na independência da arqueologia bíblica das preocupações confessionais de seus primeiros praticantes, afirma corajosamente que as descobertas arqueológicas podem servir como guias morais. Além de seu valor para iluminar o mundo bíblico em geral e o antigo Israel em particular, argumenta William G. Dever, a arqueologia pode ajudar os leitores modernos a “encontrar coisas em que ainda podem acreditar ao ler a Bíblia – coisas pelas quais não precisam oferecer desculpas” (p. 144).

Em vez de relatar o fracasso da arqueologia em revelar a verdade bíblica, como o título sugere de maneira divertida, William G. Dever valoriza o perfil da arqueologia na interpretação bíblica e na crença religiosa. Neste volume conciso e claramente escrito, William G. Dever tem o cuidado de não afirmar que a Bíblia Hebraica é uma base essencial para os valores morais, mas também argumenta que continua a ser a principal fonte de autoridade para a maioria no mundo ocidental. A meu ver, se não devemos rejeitar a Bíblia por completo como fonte de lições morais devido aos seus muitos elementos problemáticos (genocídio, misoginia, racismo, homofobia etc.), devemos lê-la criticamente com novos olhos usando o conhecimento desenterrado por arqueólogos da geração recente.

William G. Dever (nascido em 27 de novembro de 1933 em Louisville, Kentucky)Dever ilustra ao longo do livro como as descobertas arqueológicas oferecem um retrato mais autêntico do antigo Israel em toda a sua complexidade e diversidade, lançando luz sobre a vida cotidiana dos não-elites, que compunham 99% de sua população – dando voz àqueles “que dormem na terra poeirenta” (Dn 12,2). As descobertas arqueológicas, argumenta William G. Dever, revolucionaram nossa compreensão da Bíblia, embora não da maneira que Albright e outros imaginaram um século atrás. Os leitores podem determinar por si mesmos se esse novo entendimento enriquece suas vidas espirituais, oferecendo respostas a perguntas que os primeiros arqueólogos bíblicos nem pensariam em fazer.

Jennie Ebeling é Professora Associada de Arqueologia na Universidade de Evansville. Sua pesquisa se concentra em tecnologias alimentares antigas e mulheres em Canaã e no antigo Israel. Ela codirigiu a Expedição Jezreel.

 

Fifty years since the death of William F. Albright, the “father” of American biblical archaeology, the aims of archaeological research in Israel and the surrounding areas have changed almost beyond recognition. This is due less to the many technological developments in field archaeology, I would argue, and more to the fact that very few professional archaeologists working in Israel, Jordan, and elsewhere today claim to dig with the Bible in one hand and a spade in the other. Albright and his contemporaries—most of them Protestant biblical scholars and ordained ministers—believed that the primary (if not sole) value of archaeological work in the Holy Land was to provide physical confirmation of biblical events and people. Twenty-first century archaeologists, however, engage with a broad range of historical and anthropological questions in a similar way to their colleagues working in other parts of the world, where the historicity of the Bible doesn’t enter the equation.

As many scholars have noted, Albrightian-style biblical archaeology began to fade away in the second half of the 20th century, as its practitioners adopted the standards of professional archaeologists in North America and Europe. In addition, many came to realize that archaeology had failed to offer evidence for the historicity of certain pivotal biblical events that Albright and his contemporaries had said it would: the migration of Abraham and Sarah from Mesopotamia to Canaan, the giving of the law and covenant to Moses at Mt. Sinai, the Exodus and Israelite conquest of Canaan, the establishment of divine kingship in Israel, and the unique and divinely ordained development of ancient Israel’s religion and culture. Since faith (for some) was dependent upon whether or not these events had actually occurred, archaeology’s inability to provide physical proof of these events led to disillusionment. How, many wondered, could archaeology inform on theological questions given its failure to shed light on these central events?

Meanwhile, the public remains keenly interested in how archaeology can inform on the world of the Bible. Archaeologists leverage this specialized interest to raise financial support and awareness while also distancing themselves from the narrow kind of biblical archaeology practiced a century ago. And although some American archaeologists working in the region might find their personal beliefs supported by their research, few would likely admit to digging with the explicit goal of revealing moral lessons and truths by which to live in the 21st century. This is what makes William G. Dever’s recent book Has Archaeology Buried the Bible? so surprising.

In this book, the prolific and outspoken archaeologist who played an important role in orienting biblical archaeology away from the concerns of its early parochialJennie R. Ebeling practitioners boldly asserts that archaeological discoveries can serve as moral guides. In addition to its value for illuminating the biblical world in general and ancient Israel in particular, Dever argues, archaeology can help modern readers “find things that they can still believe in reading the Bible—things for which they need to offer no apologies” (p. 144).

Rather than recount archaeology’s failure to reveal biblical truth as the title playfully suggests, Dever elevates archaeology’s profile in biblical interpretation and religious belief. In this concise and clearly written volume, Dever is careful not to claim that the Hebrew Bible is an essential basis for moral values, but he also argues that it remains the primary source of authority for most in the Western world. In my view, if we are not to reject the Bible altogether as a source of moral lessons due to its many problematic elements (genocide, misogyny, racism, homophobia, etc.), then we must read it critically with new eyes using knowledge unearthed by archaeologists of the recent generation.

Dever illustrates throughout the book how archaeological discoveries offer a more authentic portrait of ancient Israel in all its complexity and diversity by shedding light on the everyday lives of the non-elites, who comprised 99 percent of its population—giving voice to those “who sleep in the dust” (Daniel 12:2). Archaeological discoveries, Dever argues, have brought about a revolution in our understanding of the Bible, although not in the way that Albright and others envisioned a century ago. Readers can determine for themselves if this new understanding enriches their spiritual lives by offering answers to questions that early biblical archaeologists would not have even thought to ask.

Jennie Ebeling is Associate Professor of Archaeology at the University of Evansville. Her research focuses on ancient food technologies and women in Canaan and ancient Israel. She co-directed the Jezreel Expedition.

Literatura Deuteronomista 2022

Lecionar Literatura Deuteronomista é um desafio e tanto. Enquanto as questões da formação do Pentateuco são discutidas há séculos, a noção da existência de uma Obra Histórica Deuteronomista (= OHDtr) só foi formulada muito recentemente, como se pode ver aqui.

Além disso, há dois problemas com a disciplina: carga horária exígua para estudar textos de livros tão complexos como, por exemplo, Josué ou Juízes – a disciplina tem apenas 2 horas semanais durante o primeiro semestre do segundo ano de Teologia – e uma bibliografia ainda insuficiente em português. Há excelente debate acadêmico hoje, contudo está em inglês e alemão, principalmente.

Para completar, prefiro estudar o livro do Deuteronômio aqui e não no Pentateuco, também por duas razões: a disciplina Pentateuco já é por demais sobrecarregada e o Deuteronômio é a chave que abre o significado da OHDtr. Por isso, ele faz muito sentido aqui.

Por outro lado, há uma integração muito grande da Literatura Deuteronomista com três outras disciplinas bíblicas: com a História de Israel, naturalmente; com a Literatura Profética, irmã gêmea; com o Pentateuco, através do elo deuteronômico.

I. Ementa
O contexto da Obra Histórica Deuteronomista. O Deuteronômio: análise de textos teológicos e leitura comentada do Código Deuteronômico. O livro de Josué e o problema das origens de Israel. O livro dos Juízes. Os livros de Samuel. Os livros dos Reis.

II. Objetivos
Pesquisar a arquitetura, as ideias basilares e a teologia da Literatura Deuteronomista como uma obra globalizante, e de cada um de seus livros, a fim de dar fundamentos para sua interpretação e atualização.

III. Conteúdo Programático
1. O contexto da Obra Histórica Deuteronomista
2. O Deuteronômio
3. O livro de Josué
4. O livro dos Juízes
5. Os livros de Samuel
6. Os livros dos Reis

IV. Bibliografia
Básica
FINKELSTEIN, I. ; SILBERMAN, N. A. A Bíblia desenterrada: A nova visão arqueológica do antigo Israel e das origens dos seus textos sagrados. Petrópolis: Vozes, 2018.

RÖMER, T. A chamada história deuteronomista: Introdução sociológica, histórica e literária. Petrópolis: Vozes, 2008.

SKA, J.-L. Introdução à leitura do Pentateuco: chaves para a interpretação dos cinco primeiros livros da Bíblia. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2014.

Complementar
DA SILVA, A. J. O Código Deuteronômico: levantamento de dados. Post publicado no Observatório Bíblico em 25.06.2020.

DA SILVA, A. J. O contexto da Obra Histórica DeuteronomistaEstudos Bíblicos, Petrópolis, n. 88, p. 11-27, 2005. Disponível na Ayrton’s Biblical Page. Última atualização: 12.01.2022.

DA SILVA, A. J. O problema das origens de Israel e o livro de Josué. In: LOPES, J. R.; SILVANO, Z. A; VITÓRIO, J. (orgs.) Josué: “Nós serviremos ao Senhor” (Js 24,15). São Paulo: Paulinas, 2022 (no prelo).

GONZAGA DO PRADO, J. L. A invasão/ocupação da terra em Josué: duas leituras diferentesEstudos Bíblicos, Petrópolis, n. 88, p. 28-36, 2005.

LIVERANI, M. Para além da Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008.