O Sepulcro Esquecido de Jesus: linguagem e ideologia

A linguagem molda a visão e o pensamento dos seres humanos e, simultaneamente, molda a concepção que eles têm de si mesmos e de seu mundo. A linguagem vista assim é motivo de debate e de conflito, pois onde está a linguagem está também a ideologia. A linguagem é um ato dentro de relações sociais, diz ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4. ed. Campinas: Pontes, 1996. Portanto, há a confrontação de sentidos e os significados estão num processo de interação.

Falamos sempre de algum lugar. Em nossa fala há também nossa posição no mundo. Mostramos onde estamos quando falamos. Não somos neutros, sempre estamos defendendo nossa posição no mundo. Nosso discurso é cheio de significações. Com nossa linguagem criamos, interpretamos e deciframos significações de forma lógica, racional, conceitual ou mítica e simbólica.

Há o discurso cotidiano ou a linguagem do senso comum, o discurso ideológico, o discurso político, o discurso religioso, o discurso cientifico etc. A análise desses discursos revela os sentidos e significados, mas esta análise também não é neutra. Ela passa pelo discurso de quem interpreta, pela sua concepção de mundo, de ser humano, de sociedade etc. Interpretar o dizer, tanto falado como escrito, é uma tarefa de tornar compreensível aquilo que requer uma explicação ou tradução. Numa tradução fazemos suposições, críticas, por vezes simplificações, e até mesmo distorcemos algumas asserções. Portanto, é necessário um exercício constante de interrogação sobre nossas críticas e suposições.

Orlandi, A linguagem e seu funcionamento, p. 135 nos diz que “Nas situações acadêmicas, tem-me parecido que o não dito, isto é, a margem do dizer que é constituída pela relação com o que foi dito, é que acaba sendo mais fecunda. Porque faz parte da incompletude e se faz desejo”. Assim, o que um autor não diz em um texto torna-se objeto de desejo daqueles que o interpretam. Conseqüentemente, o intérprete coloca no texto aquilo que é o seu modo de ver o texto. Desta maneira, o texto interpretado já não é somente o texto do autor, mas sim, o texto do autor e do intérprete. As idéias se mesclam e se transformam em outras idéias.

Quando queremos tornar compreensível uma teoria, somos orientados pelo modo como ela está expressa. No entanto, a interpretação é um modo de dizer algo que passa pela compreensão daquilo que foi dito e do nosso modo de ver as coisas. Os dados que um cientista interpreta passa pela visão que ele tem dos dados. Numa interpretação literária ou interpretação de uma teoria, há algumas regras que devemos considerar: por exemplo, o texto e o contexto. Precisamos ver como foi escrito este texto, ou seja, qual a abordagem que o autor utiliza para formular sua teoria. Ele sempre fala de algum lugar para alguém e fala de um determinado contexto histórico. Quando vamos ler a teoria, precisamos considerar estes elementos na sua construção. Se uma teoria foi construída a partir de um referencial das ciências da natureza, por exemplo, ela deve ser lida dentro dos referenciais destas ciências, levando em conta a época, os acontecimentos e interesses do momento em que foi escrita.

Nada impede que lancemos outros olhares sobre um conceito ou uma teoria, porém, sem perder de vista que cada teoria é escrita em um determinado momento e com interesses que podem ser diversos daqueles que estamos interpretando. Quando lemos a partir de nossos interesses algo que um autor disse, podemos incorrer em erros hermenêuticos, pois nossa leitura pode não corresponder ao que ele quis dizer. É o que dissemos que ele disse que pode estar errado, mas, em nossa interpretação podemos também avançar a partir das idéias originais. Uma teoria pode levar a outra.

O que dizemos ganha vida, espessura, faz história e traz conseqüências. Podemos provocar o debate, alargar ou restringir os enunciados. Quando teorizamos sobre algo, passamos por esse processo. Quando estamos lendo uma obra literária, entramos no mundo do autor, mas entramos com nossos sentimentos, idéias e desejos. Quando lemos uma teoria científica, nem sempre entramos no mundo do autor, é mais comum interpretarmos com o nosso olhar e nossa visão de mundo, o que foi escrito num outro momento e com outra concepção de mundo.

>>Texto escrito por Rita de Cassia da Silva em sua tese de doutorado. Publicado sob permissão.

SILVA, R. C. Saberes Construtivistas de professores do ensino fundamental: alguns equívocos e seus caminhos. Tese de Doutorado. Araraquara, 2005.

Rita de Cassia da Silva é Psicóloga pela PUC-Campinas, SP, e Doutora em Educação pela UNESP de Araraquara, SP.