Bar Kokhba e a segunda guerra judaica contra Roma

POWELL, L. Bar Kokhba: The Jew Who Defied Hadrian and Challenged the Might of Rome. Barnsley: Pen & Sword Military, 2021, 336 p. – ISBN 9781783831852.

De um lado, Adriano, o governante cosmopolita do vasto Império Romano, então em seu apogeu, que alguns consideravam divino; do outro, Shim’on, um líder militar POWELL, L. Bar Kokhba: The Jew Who Defied Hadrian and Challenged the Might of Rome. Barnsley: Pen & Sword Military, 2021, 336 p. judeu em um distrito de uma província menor, que alguns acreditavam ser o Messias.

É também a história do choque de duas culturas. De um lado, o conquistador, procurando manter o controle de seu domínio duramente conquistado; do outro, o conquistado, buscando se libertar e estabelecer uma nova nação, Israel.

Durante o conflito que se seguiu – a Segunda Guerra Judaica* – a altamente motivada milícia judaica testou duramente o altamente treinado exército romano profissional. Os rebeldes resistiram ao ataque romano por três anos e meio.

Eles estabeleceram uma nação independente com sua própria administração, governada por Shim’on. O resultado desta disputa foi de grande consequência, tanto para o povo da Judeia quanto para o próprio judaísmo.

Então, quem era esse insurgente Shim’on conhecido hoje como Bar Kokhba? Como Adriano, o imperador romano que construiu a famosa Muralha no norte da Grã-Bretanha, respondeu ao desafiante? E como, em épocas posteriores, esse rebelde com uma causa se tornou um herói para os judeus da diáspora que ansiavam pela fundação de um novo Israel?

Uma resenha do livro pode ser lida aqui. Sobre a revolta de Bar Kokhba e as descobertas arqueológicas sobre esta época, leia aqui, aqui e aqui.

* A revolta de Bar Kokhba foi a segunda ou terceira guerra judaica contra Roma? Há historiadores que se referem a ela como a Segunda Guerra Judaica contra Roma, pois não contam a Guerra de Kitos, uma rebelião de judeus da diáspora contra Roma ocorrida nos anos 115-117 d.C. Já os historiadores que contam a Guerra de Kitos entre as guerras dos judeus contra Roma, a aquela, a de Kitos, chamam de Segunda Guerra Judaica e à de Bar Kokhba chamam de Terceira Guerra Judaica.

 

One was Hadrian, the cosmopolitan ruler of the vast Roman Empire, then at its zenith, who some regarded as divine; the other was Shim’on, a Jewish military leader in a district of a minor province, who some believed to be the ‘King Messiah’. It is also the tale of the clash of two ancient cultures. One was the conqueror, seeking to maintain control of its hard-won dominion; the other was the conquered, seeking to break free and establish a new nation: Israel.

During the ensuing conflict – the ‘Second Jewish War’ – the highly motivated Jewish militia sorely tested the highly trained professional Roman army. The rebels withstood the Roman onslaught for three-and-a-half years (AD 132 – 136). They established an independent nation with its own administration, headed by Shim’on as its president. The outcome of that David and Goliath contest was of great consequence, both for the people of Judaea and for Judaism itself.

So, who was this insurgent Shim’on known today as ‘Bar Kokhba’? How did Hadrian, the Roman emperor who built the famous Wall in northern Britain, respond to the challenger? And how, in later ages, did this rebel with a cause become a hero for the Jews in the Diaspora longing for the foundation of a new Israel in modern times? This book describes the author’s personal journey across three continents to establish the facts.

Lindsay Powell writes for Ancient Warfare magazine and his articles have also appeared in Military Heritage and Strategy and Tactics. He is author of the highly acclaimed Marcus Agrippa: Right-Hand Man of Caesar Augustus; Germanicus: The Magnificent Life and Mysterious Death of Rome’s Most Popular General and Eager for Glory: The Untold Story of Drusus the Elder, Conqueror of Germania, all published by Pen & Sword Books. His appearances include BBC Radio, British Forces Broadcasting Service and History Channel. He divides his time between Austin, Texas and Wokingham, England.

Uma história de Edom

CROWELL, B. L. Edom at the Edge of Empire: A Social and Political History. Atlanta: SBL Press, 2021, 510 p. – ISBN ‎ 9781628373066

O antigo Edom é mais conhecido como o vizinho do sudeste de Judá da Idade do Ferro, e aparece na Bíblia Hebraica como irmão de Israel ou como seu inimigo. EdomCROWELL, B. L. Edom at the Edge of Empire: A Social and Political History. Atlanta: SBL Press, 2021 at the Edge of Empire oferece uma abordagem interdisciplinar para a história do sul do Levante que combina evidências bíblicas, epigráficas e arqueológicas para reconstruir a história de um grupo de tribos nômades e trabalhadores em Wadi Faynan no que se refere à política posterior centrada em torno da cidade de Busayra nas montanhas do sul da Jordânia. Este é o primeiro livro a incorporar as evidências importantes das minas de cobre de Wadi Faynan em um relato abrangente da história de Edom, fornecendo um recurso fundamental para estudantes e estudiosos do Antigo Oriente Médio e da Bíblia Hebraica.

Brad Crowell é Professor de Estudos Religiosos na Departamento de Filosofia e Religião da Universidade Drake, em Des Moines, Iowa, USA.

 

Ancient Edom is best known as the southeastern neighbor of Iron Age Judah that appears in the Hebrew Bible either as Israel’s sibling or its reviled enemy. Edom at the Edge of Empire offers an interdisciplinary approach to southern Levantine history that combines biblical, epigraphic, archaeological, and comparative evidence to reconstruct the history of a collection of nomadic tribes and workers in the Wadi Faynan as it relates to the later polity centered around the city of Busayra in the mountains of southern Jordan. This is the first book to incorporate the important evidence from the Wadi Faynan copper mines into a comprehensive account of Edom’s history, providing a key resource for students and scholars of the ancient Near East and the Hebrew Bible.

Brad Crowell is Professor of Religious Studies in the Department of Philosophy and Religion at Drake University.

Estudos sobre o Antigo Oriente Médio por Mario Liverani

LIVERANI, M. Historiography, Ideology and Politics in the Ancient Near East and Israel. Abingdon: Routledge, 2021, 338 p. – ISBN 9780367742485.LIVERANI, M. Historiography, Ideology and Politics in the Ancient Near East and Israel. Abingdon: Routledge, 2021

Neste volume, Niels Peter Lemche e Emanuel Pfoh apresentam uma antologia de estudos seminais de Mario Liverani, um dos mais importantes estudiosos do Antigo Oriente Médio. Esta coletânea contém 18 ensaios. Ela representa uma importante contribuição para os estudos bíblicos e do Antigo Oriente Médio, expondo as interpretações inovadoras de Liverani em muitos aspectos históricos e ideológicos da sociedade antiga. Os tópicos variam desde as cartas de Amarna e o épico ugarítico até as “origens” de Israel.

In this volume, Niels Peter Lemche and Emanuel Pfoh present an anthology of seminal studies by Mario Liverani, a foremost scholar of the Ancient Near East. This collection contains 18 essays, 11 of which have originally been published in Italian and are now published in English for the first time. It represents an important contribution to Ancient Near Eastern and Biblical Studies, exposing the innovative interpretations of Liverani on many historical and ideological aspects of ancient society. Topics range from the Amarna letters and the Ugaritic epic, to the ‘origins’ of Israel. Historiography, Ideology and Politics in the Ancient Near East and Israel will be an invaluable resource for Ancient Near Eastern and Biblical scholars, as well as graduate and post-graduate students.

O trabalho do escriba na antiguidade

AST, R. et alii (eds.) Observing the Scribe at Work: Scribal Practice in the Ancient World. Leuven: Peeters, 2021, XIV + 346 p. – ISBN 9789042942868.AST, R. et alii (eds.) Observing the Scribe at Work: Scribal Practice in the Ancient World. Leuven: Peeters, 2021

Os escribas são ao mesmo tempo fundamentais e invisíveis na maioria das sociedades anteriores à revolução tipográfica do século XV. Estão presentes em cada manuscrito, mas são, frequentemente, desconhecidos como figuras históricas. Este volume coleciona contribuições sobre o ofício do escriba, em diversas mídias, como papiros, tabuinhas e inscrições. E em várias sociedades antigas, abrangendo desde o antigo Oriente Médio e o Egito dos faraós até o mundo greco-romano e Bizâncio. Essas discussões do papel do escriba nas culturas pré-tipográficas contribuem para uma melhor compreensão de um dos principais impulsionadores dessas culturas, e iluminam o processo de transmissão do conhecimento e das tradições.

Scribes are paradoxically both central and invisible in most societies before the typographic revolution of the 15th century, witnessed by every manuscript, but often elusive as historical figures. The act of writing is a quotidian and vernacular practice as well as a literary one, and must be observed not only in the outputs of literary copyists or reports of their activities, but in the documents of everyday life. This volume collects contributions on scribal practice as it features on diverse media (including papyri, tablets, and inscriptions) in a range of ancient societies, from the Ancient Near East and Dynastic Egypt through the Graeco-Roman world to Byzantium. These discussions of the role and place of scribes and scribal activity in pre-typographic cultures both contribute to a better understanding of one of the key drivers of these cultures, and illuminate the transmission of knowledge and traditions within and between them.

Quer saber mais sobre Alexandre Magno?

Recomendo a leitura de

The best books on Alexander the Great recommended by Hugh Bowden – Five Books

Hugh Bowden, entrevistado por Benedict King no site Five Books, recomenda 5 livros sobre Alexandre Magno.Alexandre Magno (356-323 a.C.)

Diz a apresentação:

Alexandre Magno nunca perdeu uma batalha e fundou um império que se estendia do Mediterrâneo ao subcontinente indiano. Desde os primeiros tempos, os historiadores têm argumentado sobre a natureza de suas realizações e quais foram suas falhas, tanto como homem quanto como líder político. Aqui, Hugh Bowden, professor de história antiga no King’s College de Londres [desde 1989], escolhe cinco livros para ajudá-lo a entender as controvérsias, o homem por trás das lendas e por que as lendas assumiram as formas que assumiram.

Hugh Bowden é autor de livros como Classical Athens and the Delphic Oracle: Divination and Democracy, Mystery Cults in the Ancient World e Alexander the Great: A Very Short Introduction.

Hugh BowdenAliás, recomendo o site Five Books para vários outros temas. Os entrevistados são respeitados especialistas em suas áreas e a leitura de suas entrevistas são muito proveitosas.

Sobre Alexandre Magno, em minha História de Israel, confira aqui e aqui.

E, na sua opinião, qual foi a causa da morte de Alexandre Magno? Vote nesta enquete aqui.

Uma história da cidade de Babilônia

DALLEY, S. The City of Babylon: A History, c. 2000 BC – AD 116. Cambridge: Cambridge University Press, 2021, 396 p. – ISBN 978-1316501771.DALLEY, S. The City of Babylon: A History, c. 2000 BC – AD 116. Cambridge: Cambridge University Press, 2021

A história de dois mil anos de Babilônia mostra sua evolução de uma cidade-estado para o centro de um grande império do mundo antigo. Permaneceu uma cidade real sob os impérios da Assíria, Nabucodonosor, Dario, Alexandre Magno, os selêucidas e os partos. As muralhas da cidade foram declaradas como uma maravilha do mundo, enquanto seu zigurate ganhou fama como a torre de Babel. Os visitantes de Berlim podem admirar, no museu, sua Porta de Ishtar, e a suposta localização dos jardins suspensos é explicada. A adoração de seu deus principal, Marduk, se difundiu amplamente, enquanto seus escribas bem treinados transmitiram obras jurídicas, administrativas e literárias por todo o mundo antigo, algumas das quais são uma referência fundamental para o Antigo Testamento. Sua ciência também lançou as bases para a astronomia grega e árabe por meio de um milênio de observações astronômicas contínuas. Esta narrativa acessível e atualizada é feita por uma reconhecida especialista em Babilônia.

 

Stephanie M. DalleyThe 2000-year story of Babylon sees it moving from a city-state to the centre of a great empire of the ancient world. It remained a centre of kingship under the empires of Assyria, Nebuchadnezzar, Darius, Alexander the Great, the Seleucids and the Parthians. Its city walls were declared to be a Wonder of the World while its ziggurat won fame as the Tower of Babel. Visitors to Berlin can admire its Ishtar Gate, and the supposed location of its elusive Hanging Garden is explained. Worship of its patron god Marduk spread widely while its well-trained scholars communicated legal, administrative and literary works throughout the ancient world, some of which provide a backdrop to Old Testament and Hittite texts. Its science also laid the foundations for Greek and Arab astronomy through a millennium of continuous astronomical observations. This accessible and up-to-date account is by one of the world’s leading authorities.

Stephanie M. Dalley is a Retired Research Fellow in Assyriology, Faculty of Oriental Studies at Oxford. From 1979 to 2007, she taught Akkadian and Sumerian at the Oriental Institute, Oxford University, UK.

Tarefas para futuras pesquisas sobre História de Israel

Gostaria de sugerir algumas tarefas para futuras pesquisas históricas sobre o antigo Israel.

a) A história tradicional dos eventos continuará a ser importante no futuro. Não é dispensável de forma alguma. Precisamos de um quadro cronológico estável para KALIMI, I. (ed.) Writing and Rewriting History in Ancient Israel and Near Eastern Cultures. Wiesbaden: Harrassowitz, 2020conectar outros fatos com esse quadro. Também precisamos dele para trabalhos arqueológicos. A datação arqueológica absoluta na Idade do Ferro está sempre ligada a uma história de eventos. Até agora, não temos métodos de datação exatos para os períodos anteriores à cunhagem de moedas. A datação por carbono 14 e outros métodos não são realmente exatos. Eles têm uma variação de 50 anos para mais ou para menos. A diferença de cinquenta anos pode fazer com que um item específico seja datado na época salomônica ou na época omrida.

b) A história dos eventos não pode ser limitada apenas à região de Israel e Judá. Eventos históricos no Egito, Ásia Menor, Mesopotâmia, Grécia, Síria, Arábia e Transjordânia sempre influenciaram o desenvolvimento de Israel e Judá. O Levante sul não era uma ilha, sempre esteve muito ligado aos países vizinhos. Isso é até confirmado pela própria Bíblia. As elites intelectuais em Judá e Israel observavam com muita atenção a situação nos países vizinhos, como podem demonstrar os oráculos contra as nações nos livros dos profetas.

c) A história de Israel e Judá não pode ser isolada da história da religião e do desenvolvimento das ideias teológicas. Datar textos bíblicos torna-se cada vez mais problemático, e os estudiosos até evitam datar um texto. No entanto, a história sempre interage com os desenvolvimentos das concepções teológicas e da história da religião. Um passo importante na pesquisa histórica futura será ligar esses dois campos e entender mais claramente por que as elites intelectuais influenciadas por ideias teológicas ou ideológicas reagiram de uma maneira específica, e como as concepções religiosas e teológicas são influenciadas pelas mudanças históricas.

d) Condições naturais quase permanentes, chamadas por Fernand Braudel e outros de longue durée, são muito importantes para reconstruir a história. As condições da agricultura, recursos naturais, rotas comerciais e outros ajudam a compreender melhor os desenvolvimentos históricos. Os resultados arqueológicos podem ser combinados com uma longue durée. A título de exemplo, as instalações produtoras de óleo de oliva encontradas apenas no período calcolítico na área de Golã demonstram um interesse econômico específico durante este período. O mesmo é verdade para a Sefelá durante a Idade do Ferro, com muitas instalações de prensagem de óleo, especialmente em Tel Miqne.

e) As ciências naturais precisam estar mais no foco da pesquisa histórica. Notas baseadas na história do clima, como análise de pólen, dendroclimatologia ou pesquisa sobre estalactites, raramente são mencionadas em livros que tratam da História de Israel. Em relatórios de escavações, artigos sobre arqueobotânica, arqueozoologia e análise de metais são, entretanto, comuns. No entanto, ainda carecemos de estudos significativos combinando essas abordagens científicas para entender os hábitos alimentares regionais, o impacto da agricultura ou conexões comerciais baseadas na metalurgia, comércio de marfim, comércio de basalto e outros.

f) A arqueologia não apenas apresenta a história dos sítios, mas a arqueologia regional também pode demonstrar os desenvolvimentos históricos mais amplos. Geralmente, temos que considerar cada vez mais os desenvolvimentos regionais dentro de um país ou estado. Algumas regiões podem florescer durante um período específico por causa de seus centros econômicos e novos métodos de produção, enquanto outras ficarão para trás.

g) Além disso, ainda existem tópicos específicos quase esquecidos pelos arqueólogos como relevantes para a reconstrução da história. Ainda necessitamos de mais estudos tratando de equipamento e organização militar, desenvolvimentos arquitetônicos, infraestrutura comercial, artesanato e outros.

h) A história 2.0 deve ser, em minha opinião, o resultado de uma combinação de todos os campos importantes para reconstruir a história: exegese bíblica, linguística, filologia, epigrafia, teologia, arqueologia, história da religião, arquitetura, instituições sociais, comércio, economia, jurisdição, culto e diferentes campos das ciências naturais. Apenas uma equipe de pesquisadores trabalhando em conjunto e discutindo seus resultados será capaz de fazer tal programa de pesquisa. A verdadeira crise da pesquisa histórica sobre o antigo Israel é, a meu ver, uma crise produzida pela concentração principalmente na Bíblia como fonte. Se adicionarmos mais disciplinas para compreender melhor o desenvolvimento histórico, obteremos mais testemunhas para provar ou refutar uma teoria – assim como é exigido em Dt 19,15 que, no âmbito jurídico, diz: Uma única testemunha não é suficiente contra alguém, em qualquer caso de iniquidade ou de pecado que haja cometido. A causa será estabelecida pelo depoimento pessoal de duas ou três testemunhas.

 

Fonte: ZWICKEL, W. Perspectives on the Future of Biblical Historiography. In: KALIMI, I. (ed.) Writing and Rewriting History in Ancient Israel and Near Eastern Cultures. Wiesbaden: Harrassowitz, 2020, p. 43-44.

Sobre o autor, confira aqui.

 

VII. Summary: History 2.0

To sum up, I would like to suggest some goals for future historical work:

Wolfgang Zwickel - Johannes Gutenberg-University Mainz, Alemanhaa) The traditional history of events will continue to be important in the future. It is not dispensable at all. We need a stable chronological frame in order to connect other facts with this frame. We also need it for archaeological work. Absolute archaeological dating in the Iron Age is always linked to a history of events. Until now we do not have exact dating methods for the periods before minting coins. C14 and other methods are not really exact in our sense. They have a range of 50 years or so. Fifty-year difference can make a specific item be dated either to the Solomonic or to the Omride period!

b) History of events cannot be limited to the area of Israel and Judah alone. Historical events in Egypt, Asia Minor, Mesopotamia, Greece, Syria, Saudi-Arabia and Transjordan always influenced the development in Israel and Judah. The southern Levant was not an isolated insula but was always well connected with the neighboring countries. This is even confirmed by the Bible itself. Elites in Judah and Israel observed very carefully the situation in all other countries as the judgements on neighboring countries in the books of prophets may demonstrate.

c) History of Israel and Judah cannot be isolated from history of religion and the development of theological ideas. Dating biblical texts becomes more and more problematic, and scholars even avoid dating a text. Nevertheless, history always interacts with developments in theological conceptions and history of religion. An important step in future historical research will be to link these two fields and to understand more clearly why elites influenced by theological or ideological ideas reacted in a specific way, and how religious and theological conceptions are influenced by historical changes.

d) Nearly permanent natural conditions, called by Fernand Braudel and others as longue durée, are very important for reconstructing history. Conditions for agriculture, natural resources, trade routes and others help to understand historical developments much better. Archaeological results can be combined with a longue durée. As an example oil producing installations only found in the Chalcolithic period in the Golan area demonstrate a specific economical interest during this period. The same is true for the Shephelah during the Iron Age with plenty of oil pressing installations especially in Tel Miqne.

e) Natural sciences need to be more in the focus of historical reseach. Notes based on climate history like pollen analysis, dendroclimatology or research on stalactites are seldom referred to in books dealing with the History of Israel. In excavations reports, papers about archaeobotany, archaeozoology and metal analysis are meanwhile typical. However, we still lack significant studies combining these scientific approaches to understand regional food habits, impact of agriculture or trade connections based on metallurgy, ivory trade, basalt trade and others.

f) Archaeology not only presents history of sites, but landscape and regional archaeology can also demonstrate the historical developments of regions. Generally, we have to consider more and more the regional developments within a country or a state. Some regions may flourish during a specific period because of their economic centers and new methods of production, while others will drop behind.

g) Additionally, there are still specific topics being nearly forgotten by archaeologists as relevant topics for reconstructing history. We still require some studies dealing with military equipment and organization, architectural developments, trade infrastructure, handcraft and others.

h) History 2.0 must be in my opinion result in a combination of all fields being important for reconstructing history: Biblical exegesis, linguistic, philology, epigraphy, theology, archaeology, history of religion, architecture, social institutions, trade, economy, jurisdiction, cult and different fields of natural sciences. Only a group of researchers working closely together and discussing their results will be able to do such a research program. The actual crisis of historical research is, in my eyes, a crisis produced by the concentration on mostly the Bible as a source. If we add more disciplines to understand historical development better, we will get more witnesses to prove or disprove a theory – just as it is demanded in Deut 19:15.

Os fariseus

SIEVERS, J.; LEVINE, A.-J. (eds.) The Pharisees. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2021, 496 p. – ISBN 9780802879295.SIEVERS, J.; LEVINE, A.-J. (eds.) The Pharisees. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2021

Este livro traz os textos da Conferência Internacional Jesus e os fariseus – Uma reavaliação interdisciplinar, realizada pelo Pontifício Instituto Bíblico (PIB), em Roma, de 7 a 9 de maio de 2019, para comemorar o 110º Aniversário da Fundação do Instituto Bíblico, ocorrida em 7 de maio de 1909.

Leia mais sobre a conferência em Jesus e os fariseus.

Assista aos vídeos das palestras.

 

Table of Contents

Prelude: Asking the Right Questions
1. What’s in a Name? Interpreting the Name “Pharisee” – Craig Morrison

Part One: Historical Reconstruction
2. In Search of the Origins of the Pharisees – Vasile Babota
3. Purity Concerns and Common Judaism in Light of Archaeology – Eric Meyers
4. Pharisaic Halakah as Emerging from 4QMMT – Vered Noam
5. Josephus’s Pharisees – Steve Mason
6. Paul, the Perfectly Righteous Pharisee – Paula Fredriksen
7. Pharisees and Sadducees Together in Matthew – Henry Pattarumadathil
8. Polemic against the Pharisees in Matthew 23 – Adela Yarbro Collins
9. Luke/Acts as a Source for the History of the Pharisees – Hermut Löhr
10. Pharisees in the Fourth Gospel and One Special Pharisee – Harold Attridge
11. The Shared Image of Pharisaic Law between the Gospels and Rabbinic Tradition – Yair Furstenberg
12. How Close Were Jesus and the Pharisees? – Jens Schröter
13. The Pharisees and the Rabbis: How Much Continuity? – Günter Stemberger

Part Two: Reception HistoryJesus e os fariseus - Uma reavaliação interdisciplinar - Conferência Internacional - 7 a 9 de maio de 2019
14. “Pharisees” and Early Christian Heresiology – Matthias Skeb
15. Pharisaios and Pharisaikos in the Greek Fathers: A Statistical Approach – Luca Angelelli
16. The Forgotten Pharisees – Shaye J. D. Cohen
17. The Perushim in the Understanding of the Medieval Jewish Sages – Abraham Skorka
18. The Pharisees in the Theology of Martin Luther and John Calvin – Randall Zachman
19. The Pharisees in Art – Angela La Delfa
20. A Brief, Personal History of the Oberammergau Passion Play – Christian Stückl
21. The Pharisees on Film – Adele Reinhartz
22. The Pharisees in Modern Scholarship – Susannah Heschel and Deborah Forger
23. The Pharisees as a Textbook Case: The Presentation of Pharisees in Catholic Religion Textbooks – Philip Cunningham

Part Three: Looking Toward the Future
24. Preaching and Teaching the Pharisees – Amy-Jill Levine
25. What Future for the Pharisees? – Massimo Grilli and Joseph Sievers

Address by Pope Francis

O mundo das origens de Israel, segundo Mario Liverani

LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008, p. 59-80.

Capítulo 2: A transição (século XII)LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008

Anotações de leitura

 

1. Uma crise multifatorial

Liverani começa o capítulo falando resumidamente das pesquisas sobre a ocupação da terra de Canaã e das principais teorias hoje existentes sobre as origens de Israel

Uma apresentação das teorias pode ser conferida em minha “História de Israel” online, no capítulo sobre as origens de Israel.
. a teoria da conquista
. a teoria da instalação pacífica
. a teoria da revolta
. a teoria da evolução pacífica e gradual

Mas, segundo Liverani este é um fenômeno complexo, e talvez uma só teoria não seja suficiente para explicar as origens de Israel. Ele propõe que os especialistas, deixando de contrapor uma a outra, deveriam utilizá-las todas “para compor um quadro multifatorial próprio de um fenômeno histórico complexo” (p. 60).

Há uma grande crise socioeconômica na Idade do Bronze Recente [Bronze Recente=1550-1150 a.C.].

Observo que Eric H. Cline, em 1177 B.C.: The Year Civilization Collapsed. Princeton: Princeton University Press, 2014, faz um ótimo estudo sobre o colapso das grandes civilizações do antigo Oriente Médio no Bronze Recente. Uma apresentação do livro pode ser conferida em 1177 a.C.: o ano em que a civilização entrou em colapso.

Esta crise durou cerca de 3 séculos, de 1500 a 1200 a.C., assim como também cerca de 3 séculos vai durar a construção de uma nova ordem, de 1200 a 900 a.C.

Mas o momento mais agudo da crise foi na primeira metade do século XII (1200-1150 a.C.).

 

2. Fatores climáticos e migrações

Uma severa crise climática na região do Saara fez com que tribos líbias entrassem no vale do rio Nilo à procura de pastagens e água aí pelo fim do século XIII e início do século XII a.C. Os faraós Merneptah e Ramsés III se vangloriam de tê-las combatido.

Também na Anatólia houve uma sequência de anos muito áridos no final do século XIII, com escassas precipitações, provocando uma grave carestia, como atestam textos hititas, ugaríticos, egípcios e a moderna dendrocronologia.

CLINE, E. H. 1177 B.C.: The Year Civilization Collapsed. Princeton: Princeton University Press, 2014A tudo isso se somou a pressão dos “povos do mar”, o fenômeno mais impressionante desta época.

Anoto que sobre os “povos do mar” é preferível consultar Eirc H. Cline, resumidamente, em 1177 a.C.: o ano em que a civilização entrou em colapso.

O resultado: Ugarit, Alashiya (Chipre) e toda uma série de reinos e cidades do Egeu, Anatólia, Síria e Palestina foram destruídos. “Todo o sistema político do Bronze Recente no Mediterrâneo oriental ruiu sob os golpes dos invasores” (p. 63).

E acrescenta Liverani: “Certamente, a crise socioeconômica de longa data, a crise demográfica em curso, a indiferença da população camponesa pela sorte dos palácios reais e as recentes carestias foram outros tantos fatores de fraqueza para o mundo siro-palestino diante dos invasores” (p. 63).

Um dos povos do mar é conhecido através de textos bíblicos: os filisteus, que ocuparam a faixa costeira da Palestina entre o Egito e a Fenícia.

Sobre os filisteus, consultar:
. 1177 a.C.: o ano em que a civilização entrou em colapso
. Os filisteus e a crise da idade do bronze
. DNA indica origem europeia dos filisteus

 

3. A queda do sistema regional

O quadro político da Palestina mudou muito com a queda do sistema regional que era estruturado pelos reinos de Hatti, Egito, Assíria e Babilônia.

O império hitita foi totalmente destruído, o Egito recuou de suas possessões na Ásia, Assíria e Babilônia encolheram.

Depois de séculos, a Palestina se viu livre de controle externo que lhe havia sido imposto pelo Egito a partir do faraó Tutmósis III (1479-1425 a.C.)

 

4. A crise dos palácios

Na Palestina, o sistema dos palácios foi destruído e, com ele, desabam as estruturas administrativas, artesanais e comerciais.Batalha naval dos egípcios contra os povos do mar em imagem de Medinet Habu

Diz Liverani: “Muitos palácios reais e cidades palestinas do Bronze Recente foram destruídos durante as invasões ou depois delas: a relação seria longa. Praticamente todos os sítios arqueológicos pesquisados apresentam um quadro de destruição situado no início do século XII” (p. 68).

Como as destruições não estão “assinadas”, várias hipóteses já foram levantadas para explicar o fenômeno, entre elas: povos do mar, tribos proto-israelitas, intervenções egípcias, guerras locais, revolta de camponeses.

Mas o importante é o quadro de conjunto: “Um quadro de destruição geral da instituição palatina e, portanto, de um tipo de reino baseado na centralidade do palácio” (p. 68). Somente uns poucos núcleos de urbanização ficaram intocados pela crise.

Com a redução do tamanho do núcleo palatino, cidades sobreviventes viram povoados (vilas). “A redução é óbvia: basta tirar de uma cidade do Bronze Recente o palácio real, as habitações dos altos funcionários e da aristocracia militar, as oficinas dos artesãos, os arquivos e as escolas para obter uma grande vila semelhante às outras (p. 69).

 

5. O crescimento do elemento tribal

À destruição do sistema palatino segue-se um processo de sedentarização de tribos pastoris, documentado nos novos assentamentos do Ferro I. “À crise do palácio, com suas relações hierárquicas, serviu de contrapeso a consolidação da tribo, com suas relações de parentesco” (p. 70).

Nos povoados consolidam-se grupos de parentesco estáveis, formando unidades territoriais. É o que chamamos de clã. Grupos vizinhos se unem, formando o que chamamos convencionalmente de tribos. Matrimônios cruzados, necessidades de defesa, relações de trabalho, relações de hospitalidade, por exemplo, fortalecem estes laços.

Liverani observa que todas as relações sociais são apresentadas segundo o modelo genealógico: “O nome da vila é (ou pelo menos é assim interpretado) o do chefe de que todos os habitantes descendem por ramos familiares. E todos os epônimos das vilas serão considerados os filhos ou talvez os netos do epônimo tribal” (p. 70). Um epônimo é um fundador real ou mítico de uma família, clã, tribo, dinastia ou cidade e que lhe dá seu nome.

Mas é um modelo artificial: as vilas e as famílias são aparentadas não porque têm um único antepassado comum, mas porque se tornaram parentes através de matrimônios cruzados.

O fato é que assentamentos agrupados por este sistema de parentesco tomam uma dimensão tal que podem se apresentar como alternativa ao sistema político palatino. Este é um fenômeno documentado também na Síria, não é exclusivo da Palestina.

Portanto, a crise leva a uma nova ordem baseada na solidariedade de parentesco.

 

6. A mudança tecnológica

Esta época é marcada por inovações tecnológicas de grande impacto:
. a fabricação de ferramentas e armas de ferro, material mais resistente e mais fácil de ser obtido do que o bronze
. o alfabeto substitui a escrita cuneiforme e torna a escrita mais acessível a um grupo maior de usuários
. a domesticação do camelo e do dromedário e seu uso como animal de carga amplia o comércio
. o uso do cavalo como montaria muda as táticas de guerra
. a navegação em alto-mar é aprimorada
. a agricultura em região montanhosa se torna possível com a construção de terraços que evitam a erosão dos terrenos
. a água é recolhida e guardada em cisternas impermeabilizadas

Escavações no cemitério filisteu de AscalonLiverani, entretanto, nos alerta de que “esse conjunto de inovações não se desenvolveu de repente nem ao mesmo tempo: algumas técnicas foram se firmando progressivamente no tempo (ferro, alfabeto), outras eram recorrentes no tempo (socalcos, cisternas), outras ocorreram mais tarde (sistemas hídricos montanhosos) (…), mas todas juntas caracterizam o período do Ferro em relação ao período do Bronze e devem ser levadas em consideração para compreender a diferente ordem territorial e a diferente cultura material” (p. 78).

O resultado, como notado mais à frente, nas p. 81-82 desta mesma obra, é o crescimento do número de assentamentos nas montanhas, que saltam de 29 sítios no Bronze Recente para 254 no Ferro I na Cisjordânia e de 32 para 218 na Transjordânia.

 

7. Horizontes ampliados

Ocorre a ampliação e a homogeneização no uso do território. Diz Liverani: “Na Palestina foi se configurando uma nova ocupação territorial que se estendeu aos planaltos e às estepes semiáridas, bem diferente da ocupação do Bronze Recente, toda concentrada somente nas áreas facilmente utilizáveis para a agricultura” (p. 78).

Quanto aos assentamentos: cidades menores, povoados (vilas) em crescimento.

Assim a Palestina se vê no centro de uma rede de vias e trocas comerciais de longa distância, tanto na costa mediterrânea como na Transjordânia.

Entretanto a região montanhosa fica à margem deste processo, pois é rodeada, mas não cruzada, pela principais vias por onde circulam as mercadorias.

A invenção da conquista, segundo Mario Liverani

LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008, p. 331-355.

Capítulo 14 – Sobreviventes e estranhos: a invenção da conquistaLIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008

Mario Liverani faz uma demolição radical da conquista narrada no livro de Josué. Ele desmantela, ponto por ponto, a conquista de Josué.

Ele diz, por exemplo:

:. Sobre a conquista:
A história narrada no livro de Josué não somente não é confiável ao reconstruir uma mítica “conquista” do século XII, mas nem sequer é confiável ao reconstruir os episódios do regresso dos séculos VI-V. É um manifesto utópico que pretende dar força a um projeto de regresso que naqueles termos jamais se verificou (p. 333).

La storia narrata nel libro di Giosuè non solo non è attendibile nel ricostruire una mitica «conquista» del XII secolo, ma non è neppure attendibile nel ricostruire le vicende del rientro del VI-V secolo. È un manifesto utopico che intende dar forza ad un progetto di rientro che in quei termini non si è mai verificato.

:. Sobre os povos vencidos:
Extermina-se quem não existe – e o fato de não existirem demonstra que foram exterminados (p. 339).

Si stermina chi non c’è – e il fatto che non ci sia dimostra che lo si è sterminato.

:. Sobre o propósito do autor:
Legitimação arquetípica da posse da terra de Canaã (p. 339).

Legittimazione archetipica del possesso della terra di Canaan.

 

Algumas anotações de leitura:

1. As etapas do regresso

Os “pactos” ou “promessas” de Iahweh a Abraão e a Moisés correspondem aos editos dos reis persas no nível jurídico: fornecem a legitimação para o regresso e a posse da terra. As tradições patriarcais podiam ser invocadas como prefigurações de uma primeira presença no país, mas também podiam ser invocadas pelos remanescentes como como modelo de convivência entre grupos diversos e complementares. Assim, as tradições patriarcais fornecem, segundo Liverani, um modelo “fraco” de regresso do exílio, com pequenos grupos que ocupam espaços da terra de Yehud sem maiores conflitos com as populações locais.

Mas este não é o único modelo: a narrativa da conquista, como aparece no livro de Josué, fornece um modelo “forte” de regresso do exílio, permitindo a eliminação das populações estranhas no território de Yehud. Este modelo, defendido por grupos de linha dura, propagandeava um fechamento em relação aos povos “estranhos”.

Mas como ter-se-ia dado o regresso do exílio? Possivelmente nem “fraco” nem “forte” apenas. De modo algum unitário, mas complexo e lento. Agora, um evento militar que teria varrido o território está fora de questão.

A volta não é apenas da Babilônia, como se costuma pensar. A realidade é mais complexa e caótica. Há refugiados também no Egito, nos territórios palestinos antes ocupados pela Assíria e na Transjordânia. Os grupos que voltam do exílio têm motivações e interesses diversos. Voltam aos poucos, é preciso pensar em um regresso escalonado no tempo. Um cenário possível: grupos de pessoas amparadas financeiramente pelos que decidiram ficar na diáspora, mas que apoiam uma reocupação da terra judaíta.

Os textos sinalizam um grupo liderado por Sasabassar; outro liderado por Zorobabel e Josué, que pode ter vindo em 521 a.C., segundo ano de Dario I; outros grupos na época de Artaxerxes, 446 a.C., quando se mencionam Esdras e Neemias; outros mais tarde ainda. Mas, em nenhuma circunstância, aconteceu uma “conquista” do território na volta do exílio.

Por isso, “a história narrada no livro de Josué não somente não é confiável ao reconstruir uma mítica ‘conquista’ do século XII, mas nem sequer é confiável ao reconstruir os episódios do regresso dos séculos VI-V. É um manifesto utópico que pretende dar força a um projeto de regresso que naqueles termos jamais se verificou” (p. 333).

 

2. A Palestina no período dos aquemênidas

Um quadro dos assentamentos na época dos aquemênidas, especialmente no século V a.C., mostra uma faixa costeira mais densamente habitada e uma população bem ativa no comércio e na política local, em oposição a uma rala população na região montanhosa, que é a do assentamento judaico, o Yehud.

Estimativas arqueológicas sugerem uma pequena população judaíta, na região montanhosa, com cerca de 12 mil pessoas entre 550-450 a.C. e com cerca de 17 mil pessoas entre 450-330 a.C. Na região de Samaria: cerca de 42 mil pessoas.

Por que este quadro? Claramente a administração persa investiu na zona costeira da Palestina e, especialmente, da Fenícia, mais estratégica, construindo fortalezas, centros administrativos, urbanística planejada e instalações portuárias, deixando o interior montanhoso ir em frente com seus próprios recursos.

 

3. Os povos intrusos

A terra para onde regressam os descendentes dos exilados estava ocupada por vários grupos, como os que, escapando das deportações, nunca saíram de suas terras, os deportados de outras proveniências, os assentados durante o período assírio, as populações limítrofes que se deslocaram ou se expandiram para a terra.

Com a história de uma antiga conquista que elimina os povos residentes tenta-se negar o direito destes vários grupos à terra.

Os povos citados nesta antiga conquista originária são cananeus, heteus , amorreus, ferezeus, heveus e jebuseus.

Esses povos, com exceção dos cananeus, são fictícios, enquanto os povos reais da época do Ferro I [Ferro I=1150-900 a.C.], como fenícios, filisteus, edomitas, moabitas, amonitas, arameus e árabes não são mencionados.

Por que o destaque dado aos cananeus e por que é o único não anacrônico no final do Bronze Recente [Bronze Recente=1550-1150 a.C.]? Por ser um termo genérico, sem característica etnolinguística e unidade política, usado para as populações da região de Canaã, como o fazem os testemunhos egípcios.

Essas listas de supostos povos pré-israelitas, com exceção dos cananeus, não têm ligação alguma com a realidade histórica da Palestina, seja no século XIII (conquista), seja no século V (reocupação da terra pelos sobreviventes do exílio).

Ou seja: “extermina-se quem não existe – e o fato de não existirem demonstra que foram exterminados” (p. 339).

 

4. A fórmula do êxodo

“Outro elemento fundamental na legitimação arquetípica da posse da terra de Canaã, ao lado da teoria dos povos intrusos, é o da chegada de fora e da conquista armada, em cumprimento da promessa divina. As sagas sobre os ‘Patriarcas’ forneciam uma legitimação insuficiente, já que muito remota e localizada somente em alguns lugares-símbolo (os túmulos, as árvores sagradas). Um protótipo bem mais poderoso da conquista do país é posto em prática com a história do êxodo (ṣē’t, e outras formas de yāṣā’ ‘sair’) do Egito, sob a guia de Moisés, e da conquista armada, sob a guia de Josué” (p. 339).

Mario Liverani (nascido em Roma, em 1939)Saída (êxodo) não implica necessariamente deslocamento físico, mas saída de uma dependência política. Textos do Bronze Recente nas regiões da Síria e da Fenícia, por exemplo, indicam deslocamentos de soberania que não implicam nenhum deslocamento físico das populações envolvidas, mas sim o deslocamento da fronteira política.

Esta linguagem metafórica, porém, fica mais dramática, e passa a significar uma situação concreta, quando os assírios operaram as deportações cruzadas dos dominados no final do século VIII a.C. Liverani calcula que esta prática assíria de “deportação cruzada” de populações, envolveu, ao longo de três séculos, algo como 4 milhões e meio de pessoas no antigo Oriente Médio (cf. p. 193).

A fórmula do êxodo (algo como: Eu [Iahweh] vos fiz sair do Egito para vos fazer habitar nesta terra que vos dei) vai ser ligada a outras fórmulas, como a transumância pastoril patriarcal entre o Sinai e o delta do Nilo e o trabalho forçado dos hapiru nos empreendimentos dos raméssidas no Egito.

Isso faz do êxodo uma história de fundação do povo e do novo êxodo uma saída da diáspora assíria e babilônica. Observe-se que o Israel do êxodo reflete um povo formado, mostrando um quadro muito mais da volta do exílio do que das origens de Israel.

 

5. Moisés, o deserto e os itinerários

Falando da travessia do deserto, Liverani faz um paralelo entre a narrativa de Êxodo-Números e a volta dos descendentes dos exilados da Babilônia, concluindo que a narrativa do êxodo é apenas uma metáfora da difícil travessia da Babilônia para Yehud. Ao tratar das murmurações do povo contra Moisés e do relato dos exploradores da terra de Canaã, ele diz:

“Em ambos os casos, o povo se pergunta se não terá sido um erro dar ouvidos a Moisés (= aos sacerdotes), abandonar o Egito (= Babilônia), para procurar uma terra mais dura e difícil, habitada por populações hostis e violentas. É claro que os dois motivos, da sedição e dos exploradores, refletem debates que devem ter acontecido entre quem propugnava o retorno e quem manifestava perplexidade ou sem dúvida preferia ficar numa terra de exílio que se mostrara habitável e próspera” (p. 344).

Ele conclui também que a descrição do itinerário do Egito a Canaã seguido por Israel, além de artificial, serve principalmente para criar uma ambiente adequado para a inserção de normas legais que têm outras origens e momentos. Pois observa-se que quase todas as leis são, em sucessivas redações destes textos, inseridas, em algum momento, entre a saída do Egito e a entrada em Canaã.

 

6. O difícil assentamento

Ao partir do pressuposto de que a narrativa da conquista de Josué foi construída para servir de modelo para a reconquista do território por parte dos sobreviventes do exílio na época persa, a figura de Josué deve ser lida também como um modelo para os chefes que guiaram os sobreviventes da Babilônia para Yehud. Será coincidência chamar-se o líder sacerdotal desta volta também Josué?

Liverani também trata das dificuldades enfrentadas por Neemias para reconstruir as muralhas de Jerusalém. Dizem os livros de Esdras e Neemias que uma coalização de líderes da região tentou de todos os modos impedir a reconstrução das muralhas, alegando que a história de Jerusalém era uma história de rebeldia e isso era prejudicial aos interesses persas na região.

 

7. Josué e a “guerra santa”

A narrativa das conquistas de Josué, na visão de Liverani, reúne três diferentes sagas – as conquistas do centro, sul e norte de Canaã – para passar a ideia de uma conquista total. Os descendentes dos exilados eram, e não podia ser diferente, apenas de Judá e de Benjamin, apenas duas das doze tribos. Ao passar a ideia de uma conquista ampliada e total do território, os redatores estão defendendo uma solução extremista na reconstrução do território de Yehud.

O maior testemunho disso é a ideia do hérem, “anátema”, ou guerra santa de extermínio, defendida pelos redatores deuteronomistas. Exterminada a população, suas cidades, casas e campos, já prontos, ficam à disposição dos recém-chegados. Liverani vê nisso o reflexo da realidade assíria de deportações cruzadas, aqui utilizada, como modelo utópico na relação do povo “eleito” com os povos “estranhos”. Modelo nunca realizado por Israel nem em suas origens nem em seu regresso do exílio. Que, como já se viu, não era o único modelo existente. Assim, mais uma vez, o texto nos fornece muito mais informações sobre a ideologia de quem o formulou, do que sobre acontecimentos históricos.

 

8. Paisagem e etiologia

“Além de ocupada por povos-fantasma, destinados à eliminação física para dar lugar aos recém-chegados, a Palestina estava também constelada de cidades em ruína que se prestavam a narrativas ‘etiológicas’ que explicassem esse estado ruinoso, mediante a ação de antigos heróis” (p. 350). Há muitas ocorrências de etiologia: “e (tal está assim) até o dia de hoje” – Js 4,9;5,9;6,25;7,26;8,28-29;9,27;10,27 etc.

Há uma chave litúrgica na apresentação de alguns fatos, como a tomada de Jericó (Js 6), a travessia do Jordão (Js 3-5). Além do que, cidades de Jericó e Ai não podem ter sido conquistadas nesta época, pois Jericó foi destruída no século XIV a.C. e não há indícios de destruição nos séculos XIII-XII a.C., nem de reocupação; Ai (= ruína) também já fora destruída muito tempo antes, no III milênio.

E há compromisso e convivência, pois nem todos os grupos “estranhos” foram eliminados. Há grupos que exigem histórias arquetípicas de assimilação, sendo típico o caso dos gabaonitas (Js 9), podendo ser a citação de um grupo submisso à corveia para o santuário de Jerusalém na época pós-exílica.