A casa de Herodes

CHILTON, B. The Herods: Murder, Politics, and the Art of Succession. Minneapolis: Fortress Press, 2021, 384 p. – ISBN ‎ 9781506474281.

Herodes, filho de Antípater, idumeu, foi nomeado rei da Judeia pelo Senado romano. Em 37 a.C. Herodes torna-se o senhor da Palestina. Casa-se com Mariana I, parenteCHILTON, B. The Herods: Murder, Politics, and the Art of Succession. Minneapolis: Fortress Press, 2021 de Aristóbulo II e Hircano II, entrando definitivamente para a família asmoneia. Herodes Magno governa o povo judeu durante 34 anos (37-4 a.C.).

Herodes luta com decisão para consolidar o seu poder. Isto significa, antes de mais nada, que ele elimina, através de assassinatos e intrigas várias, adversários seus, inclusive alguns membros de sua família – como esposa e filhos.

Consolidado o poder, constrói obras grandiosas na Judeia. Templos, teatros, hipódromos, ginásios, termas, cidades, fortalezas, fontes. Reconstrói totalmente o Templo de Jerusalém, a partir do inverno de 20-19 a.C.

Reconstrói Samaria, dando-lhe o nome de Sebaste, feminino grego de Augusto, em homenagem ao Imperador romano; constrói um importante porto, Cesareia Marítima; Mambré, lugar sagrado ligado a Abraão, recebe uma grande construção que o valoriza; fortalezas são reedificadas ou totalmente construídas como Alexandrium, Heródion, Massada, Maqueronte, Hircania etc. Jericó é embelezada e torna-se sua residência favorita.

Valorizando o culto, Herodes Magno ganha para si o povo. Construindo fortalezas, controla possíveis revoltas. Matando seus inimigos, seleciona seus herdeiros. Apoiando a cultura helenística, aparece diante do mundo. Servindo fielmente a Roma, conserva-se no poder.

Entretanto, Herodes não tem legitimidade judaica, pois descende de idumeus e sua mãe é descendente de árabe. Assim, por ser estrangeiro, não tem para com os judeus nenhuma relação de reciprocidade e sua legitimidade se funda na própria estrutura do poder exercido.

Quando vence os seguidores de Antígono, Herodes constrói uma estrutura de poder independente da tradição judaica:

. nomeia o sumo sacerdote do Templo: destitui os Asmoneus e nomeia um sacerdote da família sacerdotal babilônica e, mais tarde, da alexandrina
. exige de seus súditos um juramento que obriga a pessoa a obedecer às suas ordens em oposição às normas tradicionais; se a pessoa recusar o juramento, é perseguida
. interfere na justiça do Sinédrio
. manda vender os assaltantes e os revolucionários políticos capturados como escravos no exterior, sem direito a resgate
. a venda à escravidão e a execução pessoal (a morte) tornam-se normas comuns do arrendamento estatal.

Mas, se ele viola assim a tradição, como consegue legitimidade?

A estrutura de poder do Estado sob Herodes é bem diferente da estrutura da época dos Macabeus:

. o rei é legitimado como pessoa e não por descendência
. o poderio não se orienta pela tradição, mas pela aplicação do direito pelo senhor
. o direito à terra é transmitido pela distribuição: o dominador a dá ao usuário: é a “assignatio”
. a base filosófica helenística é que legitima o poder do rei, quando diz que o rei é “lei viva” (émpsychos nómos), em oposição à lei codificada, ou seja: o rei é a fonte da lei, porque ele é regido pelo “nous“: o rei tem função salvadora e, por isso, dá aos seus súditos uma ordem racional, através das normas do Estado.
. o poder militar de Herodes se baseia em mercenários estrangeiros que ficam em fortalezas ou em terras dadas aos mercenários (cleruquias) por ele (terras no vale de Jezrael), e nas cidades não judaicas por ele fundadas, a cujos cidadãos ele dá como posse o território que as rodeia, com os camponeses dentro.

Seus herdeiros: Arquelau, Herodes Antipas e Felipe.

Bruce Chilton, nascido em 1949, é especialista em cristianismo primitivo e em judaísmo. Ele é Professor de Religião no Bard College, Annandale-on-Hudson, New York. É autor de várias obras, algumas muito populares. Veja aqui.

 

Bruce Chilton (1949-)Until his death in 4 BCE, Herod the Great’s monarchy included territories that once made up the kingdoms of Judah and Israel. Although he ruled over a rich, strategically crucial land, his royal title did not derive from heredity. His family came from the people of Idumea, ancient antagonists of the Israelites.

Yet Herod did not rule as an outsider, but from a family committed to Judaism going back to his grandfather and father. They had served the priestly dynasty of the Maccabees that had subjected Idumea to their rule, including the Maccabean version of what loyalty to the Torah required. Herod’s father, Antipater, rose not only to manage affairs on behalf of his priestly masters, but to become a pivotal military leader. He inaugurated a new alignment of power: an alliance with Rome negotiated with Pompey and Julius Caesar. In the crucible of civil war among Romans as the Triumvirate broke up, and of war between Rome and Parthia, Antipater managed to leave his sons with the prospect of a dynasty.

Herod inherited the twin pillars of loyalty to Judaism and loyalty to Rome that became the basis of Herodian rule. He elevated Antipater’s opportunism to a political art. During Herod’s time, Roman power took its imperial form, and Octavian was responsible for making Herod king of Judea. As Octavian ruled, he took the title Augustus, in keeping with his devotion to his adoptive father’s cult of “the divine Julius.” Imperial power was a theocratic assertion as well as a dominant military, economic, and political force.

Herod framed a version of theocratic ambition all his own, deliberately crafting a dynastic claim grounded in Roman might and Israelite theocracy. That unlikely hybrid was the key to the Herodians’ surprising longevity in power during the most chaotic century in the political history of Judaism.

Bruce Chilton (born September 27, 1949) is Bernard Iddings Bell Professor of Religion at Bard College, former Rector of the Church of St John the Evangelist and formerly Lillian Claus Professor of New Testament at Yale University. He holds a PhD in New Testament from Cambridge University (St. John’s College). He has previously held academic positions at the Universities of Cambridge, Sheffield, and Münster.

Como Alexandre tornou-se “o Grande”?

A partir de 21 de outubro de 2022, a British Library em Londres sediará uma exposição intitulada Alexander the Great: The Making of a Myth (Alexandre, o Grande: a criação de um mito).

Filho de Filipe II da Macedônia e de sua esposa Olímpia, o histórico Alexandre nasceu em Pella, capital da Macedônia, em julho de 356 a.C. Em julho de 330 a.C ele haviaAlexandre Magno (356-323 a.C.) derrotado o exército persa, tornando-se, aos 25 anos, governante da Ásia Menor, faraó do Egito e sucessor de Dario III, o “Grande Rei” da Pérsia. Durante os sete anos seguintes, Alexandre criou um império que se estendia da Grécia, no oeste, até além do rio Indo, no leste – antes de sua morte precoce na Babilônia, aos 32 anos.

A exposição, no entanto, não é sobre história, mas a primeira de seu tipo a explorar 2.000 anos de narrativa e criação de mitos. Com objetos de 25 países em 21 idiomas, mostra como uma figura pode servir a tantos propósitos, criando narrativas compartilhadas de apelo universal. O Romance de Alexandre, composto originalmente em grego no século III d.C., estava no centro dessa narrativa. Mas as lendas também encontraram seu caminho na poesia épica e no drama e, mais recentemente, em romances, quadrinhos, filmes e videogames. Exemplos de tudo isso podem ser vistos na exposição.

De aproximadamente 140 objetos, cerca de 86 são das coleções da British Library. Para dar um gostinho do que está por vir, escolhi destacar alguns dos 37 itens de nossas próprias coleções asiáticas e africanas.

A exposição está organizada em seis seções baseadas na vida lendária de Alexandre. Após uma introdução, A Conqueror in the Making explora as diferentes versões das origens de Alexandre, sua educação pelo filósofo Aristóteles e Bucéfalo, seu fiel cavalo de guerra.

Alexandre, o Grande: a criação de um mito será inaugurada em 21 de outubro. Será acompanhada por um livro com o mesmo título. Editado por Richard Stoneman, inclui nove ensaios de importantes estudiosos, juntamente com imagens e descrições dos itens da exposição.

Leia o texto completo.

 

From October 21, the British Library in London will host an exhibition titled “Alexander the Great: The Making of a Myth”. Son of Philip II of Macedon and his wife Olympias, the historical Alexander was born in Pella, capital of Macedon in July 356 BC. By July 330 BC he had defeated the Persian army, becoming, at the age of 25, ruler of Asia Minor, pharaoh of Egypt and successor to Darius III, the “Great King” of Persia. During the next seven years, Alexander created an empire that stretched from Greece in the west to beyond the Indus river in the east – before his early death in Babylon aged 32.

STONEMAN, R. ; NAWOTKA, K. ; WOJCIECHOWSKA, A. (ed.) The Alexander Romance: History and Literature. Gröningen: Barkhuis & Gröningen University Library, 2018The exhibition, however, is not about history, but the first of its kind to explore 2,000 years of storytelling and mythmaking. With objects from 25 countries in 21 languages, it shows how one figure could serve so many purposes, creating shared narratives of universal appeal. The Alexander Romance, composed originally in Greek in the third century AD, was at the heart of this storytelling. But legends also found their way into epic poetry and drama, and more recently into novels, comics, films and video games. You will see examples of all of these in the exhibition.

Out of approximately 140 objects, some 86 are from the British Library’s collections. To give a taste of what’s in store, I have chosen to highlight a few of the 37 exhibits from our own Asian and African collections.

The exhibition is arranged in six sections based around Alexander’s legendary life. After an introduction, A Conqueror in the Making explores the different versions of Alexander’s origins, his education by the philosopher Aristotle and Bucephalus, his faithful warhorse.

Alexander the Great: The Making of a Myth opens on 21 October. It will be accompanied by a book of the same title. Edited by Richard Stoneman, it includes nine essays by leading scholars together with images and descriptions of the exhibition items.

Fonte: Alexander the Great: The Making of a Myth – By Ursula Sims-Williams – Asian and African studies blog: 23 September 2022.

O texto pode ser lido também aqui.

Arqueologia e Bíblia no Congresso da ABIB 2022

CATENASSI, F. Z.; MARIANNO, L. D. (orgs.) História de Israel: Arqueologia & Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2022, 232 p. – ISBN 9786558081685.CATENASSI, F. Z.; MARIANNO, L. D. (orgs.) História de Israel: Arqueologia & Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2022, 232 p. - ISBN 9786558081685.

As últimas décadas foram testemunhas de mudanças fundamentais na área dos estudos bíblicos. Em boa medida, essas transformações foram influenciadas pelos avanços nos estudos de Arqueologia e História de Israel, os quais incidiram diretamente na Exegese e/ou na Teologia Bíblica.

O livro História de Israel: Arqueologia & Bíblia, organizado por Fabrizio Zandonadi Catenassi e Lília Dias Marianno, reúne as discussões sobre o tema em questão por ocasião do IX Congresso de Pesquisa Bíblica, organizado pela Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB), que acontece agora, de 23 a 26 de agosto de 2022.

Os autores dos capítulos se destacam, nacional e internacionalmente, por suas contribuições significativas para o conhecimento do antigo Israel e das nações vizinhas.

Leia uma amostra do livro clicando aqui.

Fabrizio Zandonadi Catenassi é doutor em Teologia (PUCPR) e professor na PUCPR. Integra a atual diretoria da ABIB. É editor-chefe da revista Estudos Bíblicos.

Lília Dias Marianno é doutora em Epistemologia e Teoria do Conhecimento (UFRJ). Filiada à ABIB. Preside a Eagle Gestão do Conhecimento.

Congresso da ABIB em 2022: História de Israel

História de Israel: Arqueologia e Bíblia é o tema do IX Congresso da ABIB, que terá lugar na Instituto Teológico São Paulo (ITESP), em São Paulo, de 23 a 26 de agosto deIX Congresso da ABIB em 2022 - História de Israel: Arqueologia e Bíblia 2022.

Com destaque para a participação de Norma Franklin, Professora de Arqueologia na Universidade de Haifa, Israel, e de Peter Dubovský, Professor de Antigo Testamento no Pontifício Instituto Bíblico, Roma, Itália.

Visite a página do Congresso. Há a opção de participação remota.

Lembro que o Congresso fora inicialmente planejado para 2020, mas a pandemia provocou seu adiamento.

Canaã no segundo milênio a.C.

GRABBE, L. L. The Dawn of Israel: History of the Land of Canaan in the Second Millennium BCE. London: T&T Clark, 2022, 320 p. – ISBN 9780567663214.

Neste volume que acompanha seu best-seller Ancient Israel: What Do We Know and How Do We Know It? Lester L. Grabbe discute a situação histórica dos principais povos eGRABBE, L. L. The Dawn of Israel: History of the Land of Canaan in the Second Millennium BCE. London: T&T Clark, 2022 impérios do Antigo Oriente Médio no segundo milênio a.C.: Babilônia, Assíria, Urartu, hititas, amorreus, egípcios.

Grabbe olha especialmente para a Palestina/Canaã na segunda metade do segundo milênio: final da Idade do Bronze e início da Idade do Ferro, o Novo Reino Egípcio, as cartas de Tell el-Amarna, os Povos do Mar, a questão do ‘êxodo’, os primeiros assentamentos na região montanhosa da Palestina e a primeira menção de Israel na estela de Merneptah.

O autor faz uso de recursos provenientes da arqueologia, das ciências sociais, das inscrições e do material iconográfico da região.

Quem é Lester L. Grabbe?

 

In this companion volume to his bestselling Ancient Israel: What Do We Know and How Do We Know It? Lester L. Grabbe provides the background history of the main ancient Near Eastern peoples and empires: Babylonia, Assyria, Urartu, Hittites, Amorites, Egyptians.

Grabbe’s focus is on Palestine/Canaan and covers the early second millennium, including the Middle Bronze Age and the Second Intermediate Period and Hyksos rule of Egypt. Grabbe also addresses the question of a ‘patriarchal period’.

The main focus of the book is on the second half of the second millennium: Late Bronze and early Iron Age, the Egyptian New Kingdom, the Amarna letters, the Sea Peoples, the question of ‘the exodus’, the early settlements in the hill country of Palestine, and the first mention of Israel in the Merenptah inscription. Archaeology and the contribution of the social sciences both feature heavily, as does inscriptional and iconographic material. As such this volume provides a fascinating portrayal of ancient Israel and this definitive work by one of the world’s leading biblical historians will be of interest to all students and scholars of biblical history.

 

Table of Contents

Abbreviations
Preface
Part I: Introduction
Chapter 1: Introduction
Chapter 2: The Third Millennium Context
Part II: Middle Bronze Age (c. 2000-1600 BCE)
Chapter 3: Ancient Near Eastern Context
Chapter 4: Syria and Palestine
Part III: Late Bronze Age (c. 1600-1200 BCE)
Chapter 5: Ancient Near Eastern Context, Including Syria
Chapter 6: Palestine/Canaan
Part IV: Early Iron Age (c. 1200-900 BCE)
Chapter 7: Ancient Near Eastern Context, Including Syria and Transjordan (1200-900 BCE)
Chapter 8: Palestine (1200-900 BCE)
Part V: Conclusions
Chapter 9: The Origins of Israel – A Holistic Approach
Bibliography
Index

Estudos Bíblicos 71, dos Biblistas Mineiros, está online

E, finalmente, depois de 21 anos, o número 71 da revista Estudos Bíblicos, publicado em 2001, está online.

Coordenado por Johan Konings, este número tem por título Israel e sua História.v. 19 n. 71 (2001): Estudos Bíblicos - Dossiê: Israel e sua história

Por que este número é importante?

Porque, na época, virou notícia, causando impacto pela novidade que trazia sobre as recentes mudanças na História de Israel.

Foi neste número de Estudos Bíblicos que publiquei meu artigo sobre A História de Israel na pesquisa atual.

O tema era pouco conhecido no Brasil e quase nunca debatido entre nós, embora já circulasse nos principais centros acadêmicos do mundo na década de 90 do século XX. Eu estava lendo sobre o assunto e o levei para as reuniões anuais dos Biblistas Mineiros. Após alguns debates, saiu a publicação.

Meu artigo começava assim:

A “História de Israel” está mudando. 0 consenso existente até meados da década de 70 do século XX foi rompido. A paráfrase racionalista do texto bíblico que constituía a base dos manuais de “História de Israel” não é mais aceita. A sequência patriarcas, José do Egito, escravidão, êxodo, conquista da terra, confederação tribal, império davídico-salomônico, divisão entre norte e sul, exílio e volta para a terra está despedaçado.

Este número da Estudos Bíblicos, com algumas modificações, foi, em seguida, publicado como livro pela Vozes: FARIA, J. de Freitas (org.) História de Israel e as pesquisas mais recentes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

Também com uma recepção extraordinária. O livro, porém, está esgotado.

Meu artigo até que ficou algum tempo online na página da Vozes, depois foi retirado. Mas uma versão mais atualizada do mesmo texto pode ser lida na Ayrton’s Biblical Page, onde também há outros textos que mostram como o debate vem acontecendo desde então. Confira, por exemplo, aqui, aqui, aqui e aqui.

Johan Konings escreveu no Editorial deste número:

Os últimos encontros dos “Biblistas Mineiros” giraram em torno da história e da historiografia de Israel. 0 ensejo foram as recentes publicações apresentadas por Airton da Silva neste número de Estudos Bíblicos. Por um lado, a história de Israel continua sendo apresentada como ela aparece nos escritos bíblicos – em meio a tentativas de esconder as contradições -, ou, então, como o construto erudito concebido em função da exegese histórico-crítica dos últimos séculos. Por outro lado, encontramos o minimalismo que só conhece uma história de Israel fragmentária, pescada principalmente nos documentos e vestígios extrabíblicos, ou até mesmo o niilismo radical em relação ao conhecimento histórico objetivo como tal.

Esta problemática não nos pode deixar indiferentes, ainda mais porque assistimos ao recrudescimento do fundamentalismo ou de maneiras afins de considerar os fatos mencionados na Bíblia como ocorridos tais quais e capazes de basear conclusões teóricas e práticas com valor de revelação divina. Mas também no âmbito de nossa releitura à luz da práxis libertadora o problema é relevante. Conhece-se a diversidade de reconstruções daquilo que pode ter sido o êxodo do Egito. Será que nossa releitura é uma leitura do fato, ou do sentido (melhor, dos sentidos) do fato que a Bíblia apresenta?

De qualquer maneira, não é possível ler a Bíblia sem ter uma visão de conjunto da apresentação bíblica da memória histórica de Israel. É a isso que visa o primeiro artigo desta publicação, um prospecto dos livros chamados “históricos ” (do Antigo Testamento), da mão de Johan Konings. Segue-se um artigo de Jaldemir Vitório mostrando a visão profética de Amós sobre um determinado momento da história de Israel, o “milagre econômico” de Jeroboão II. A seguir, Jacir de Freitas mostra a releitura “orante” da história de Israel nos Salmos, e Jacil Rodrigues de Brito explica o método com que a exegese rabínica faz suas interpretações dos elementos narrativos da Bíblia de Israel. Depois desses elementos, o leitor está preparado para se inteirar dos acima mencionados questionamentos metodológicos, apresentados por Airton da Silva.

0 cardápio é completado pelas recensões, que se referem a Jesus de Nazaré e seu “movimento”, ao evangelho de João e à novíssima tradução da Bíblia lançada pela CNBB no mês de julho.

História de Israel na época bíblica

Este livro, com uma proposta didática, foi publicado originalmente em alemão. A primeira edição é de 2018 e a segunda edição, revisada, é de 2021.

Diz a autora no prefácio da segunda edição:

A primeira edição deste livro foi publicada em outubro de 2018 e reimpressa em março de 2019. Esta segunda edição foi completamente revisada, aumentada ePEETZ, M. O Israel Bíblico: História – Arqueologia – Geografia. São Paulo: Paulinas, 2022. atualizada para incluir a literatura mais recente (Die Erstauflage dieses Buchs ist im Oktober 2018 erschienen und wurde im März 2019 nachgedruckt. Die hier vorliegende zweite Auflage wurde durchgehend überarbeitet, ergänzt und aktualisiert sowie um die neueste Literatur erweitert).

PEETZ, M. O Israel Bíblico: História – Arqueologia – Geografia. São Paulo: Paulinas, 2022, 328 p. – ISBN 9786558081128.

Diz a autora na Introdução:

Este manual concentra-se na história de Israel na época bíblica. Trata do tempo a respeito do qual os livros bíblicos narram e expande-se ao tempo em que tais escritos surgiram – portanto, ao período de cerca de 2000 a.C. até por volta de 200 d.C. O objetivo do livro é, no âmbito destes mais de 2.200 anos, reconstruir, segundo o método histórico-crítico, a história de Israel, ou seja, entre outras coisas: não apenas recontar a descrição bíblica, mas ordená-la historicamente em comparação com outras fontes textuais e descobertas arqueológicas.

Neste livro, a história de Israel está dividida em oito épocas. Estes oito capítulos (A–H) orientam-se pelos três acontecimentos mais decisivos da história do Israel bíblico:

722 a.C. : A Assíria conquista o Reino do Norte, Israel. O reino de Israel deixa de existir
587 a.C. : A Babilônia subjuga o Reino do Sul, Judá, e destrói Jerusalém, juntamente com o templo. Começa o exílio babilônico
70 d.C.  : Os romanos destroem Jerusalém, juntamente com o templo

Contudo, em primeiro lugar, temos que perguntar: o que é a Bíblia? O que se quer dar a entender quando neste manual se fala de Israel? Em que espaço geográfico aconteceu a história do Israel bíblico e que fontes existem para traçar essa história do ponto de vista histórico-crítico?

Melanie PeetzO capítulo introdutório (1-4) esclarece estas perguntas fundamentais e, subsequentemente, oferece indicações a respeito da estrutura e da utilização deste manual (5).

Veja o Sumário do livro e leia a Introdução na amostra em pdf.

Melanie Peetz é doutora em Exegese do Antigo Testamento. Professora de Bíblia na Faculdade de Filosofia e Teologia Sankt Georgen, em Frankfurt, Alemanha.

Eles criam uma solidão e a chamam de paz: o domínio assírio na Palestina

FAUST, A. The Neo-Assyrian Empire in the Southwest: Imperial Domination and Its Consequences. Oxford: Oxford University Press, 2021, 400 p. – ISBN 9780198841630.

Usando uma abordagem de baixo para cima [a bottom-up approach], este livro utiliza as muitas informações ​​disponíveis na região da Palestina para reconstruir sua demografia e economia antesFAUST, A. The Neo-Assyrian Empire in the Southwest: Imperial Domination and Its Consequences. Oxford: Oxford University Press, 2021 das campanhas assírias e depois delas. Comparar esses dois instantâneos nos força a apreciar as transformações que a ocupação imperial trouxe em seu rastro e a repensar alguns conhecimentos aceitos sobre a natureza do controle assírio. Isto é seguido por uma análise das atividades assírias reais na região, e a realidade no sudoeste do Antigo Oriente Médio é então comparada com a de outras regiões. Essa comparação, mais uma vez, nos obriga a levar em conta as diferenças encontradas, resultando em uma melhor apreciação dos fatores que influenciaram a expansão imperial, as considerações que levaram à anexação e os métodos imperiais de controle, desafiando algumas antigas convenções sobre o desenvolvimento do império assírio. Isso leva a um exame do império assírio em comparação com outros antigos impérios do Antigo Oriente Médio, analisando a maneira como os impérios antigos controlavam províncias remotas. Rever o desenvolvimento dos antigos impérios expõe não apenas a natureza da dominação assíria, mas também uma das principais mudanças na
natureza do controle imperial na antiguidade.

 

Na introdução diz o autor:

Antes de mais nada devemos apresentar informações básicas do pesquisa acadêmica sobre os impérios em geral, sobre o império assírio e seu domínio no sudoeste do Antigo Oriente Médio e sobre as fontes de informação para este estudo (p. 1-31).

Depois disso é que ele apresenta a estrutura do livro nas p. 31-34.

O livro inclui os seguintes capítulos:

Capítulo 2 (‘Antes do Império: o Levante Sul no século VIII AEC’) estabelece as bases para a pesquisa. Para entender o impacto da dominação imperial assíria, é preciso reconstruir a realidade da região antes da chegada do império e, portanto, este capítulo descreve a florescente sociedade de meados do século VIII AEC, sua distribuição na região e a importância econômica das várias regiões.

O capítulo 3 (‘”Ai da Assíria, vara da minha ira”: a conquista assíria do sudoeste’) descreve brevemente a interação assíria com o sudoeste, desde os primeiros contatos no século IX AEC até as conquistas do último terço do século VIII AEC. No final deste século, toda a área estava, direta ou indiretamente, sob controle assírio. O norte estava dividido entre províncias assírias, enquanto o sul era composto principalmente por clientes semiautônomos.

O Capítulo 4 (‘Sob o Império: povoamento e demografia na fronteira sudoeste do Império Assírio no século VII AEC’) descreve o povoamento e a demografia no período de controle assírio. A comparação com as informações fornecidas no capítulo 2 nos permite estimar quais foram as consequências da presença imperial. A evidência mostra que as províncias do norte foram devastadas, enquanto o reino cliente prosperou e, além disso, pela primeira vez na história o sul floresceu mais do que o norte. O declínio dramático do norte é exemplificado também pelo grande número de nomes de lugares que foram esquecidos após as conquistas assírias. O capítulo termina com um apêndice sobre o significado demográfico das deportações.

O Capítulo 5 (‘Prosperidade, depressão e o Império: desenvolvimentos econômicos no sudoeste durante o século VII AEC’) reconstrói a economia da região durante o período do domínio assírio e a especialização econômica que tipificou esse período. O capítulo é acompanhado por dois apêndices, um sobre a importância das importações gregas do final do século VII para a compreensão dos padrões econômicos no período do domínio assírio, e o segundo revisando brevemente o desenvolvimento da indústria do azeite – um tópico que é proeminente em muitas discussões da economia imperial assíria – no tempo e no espaço. A evidência mostra que enquanto o sul (e Tiro) desenvolveu e participou do comércio internacional, as províncias não produziram muito excedente e não participaram de nenhum comércio significativo.

Capítulo 6 (‘Assírios no sudoeste? Administração e presença’) analisa as evidências relevantes para a presença real da administração ou indivíduos assírios na região, por exemplo, na forma de documentos administrativos assírios, edifícios assírios e muito mais. Uma vez identificadas, a natureza das evidências e sua distribuição são avaliadas para saber o quanto a administração estava envolvida no funcionamento do Levante Sul e onde ela operava. A evidência mostra que a administração era muito limitada, e os dados limitados vêm principalmente das periferias das províncias devastadas.

O Capítulo 7 (‘O Império no sudoeste: reconstruindo a atividade assíria nas províncias’) examina, à luz das informações fornecidas nos capítulos anteriores, a forma como o império operava nas províncias do sudoeste, incluindo a atividade dos governadores locais, a deportação de parte da população e a fixação de deportados estrangeiros. A evidência mostra que a maioria das províncias não tinha muita importância para as autoridades imperiais, que concentravam seus esforços nas fronteiras voltadas para os clientes florescentes.

O Capítulo 8 (‘Respostas locais ao Império: da resistência armada à integração’) é diferente dos capítulos anteriores, pois não se concentra no império e suas atividades, mas nas respostas locais ao seu domínio. Embora tais estudos tenham sido realizados em outros impérios, eles são um tanto raros em relação ao império assírio. O presente estudo de caso, no entanto, tem uma série de vantagens. Além do grande banco de dados arqueológico disponível, temos uma fonte textual única, refletindo a voz de (alguns dos) conquistados, ou seja, a Bíblia Hebraica. Notavelmente, a maioria dos textos de cenários imperiais, se é que existem, representam a visão imperial, e a Bíblia Hebraica, embora complexa como fonte histórica, fornece insights sobre as visões locais do domínio imperial. As linhas discretas de evidência nos permitem reconstruir as respostas locais ao domínio assírio em diferentes unidades políticas e por vários grupos dentro dessas unidades, desde a resistência armada, passando por formas mais sutis de resistência, até a cooperação, colaboração e até integração.

Avraham FaustO capítulo 9 (‘”Eles criam uma desolação e a chamam de paz”: reexaminando a natureza da paz imperial’) revisa o conceito de paz assíria que se tornou popular ao longo dos anos para descrever a economia próspera durante o período de controle assírio, quando não há guerras internas ou campanhas imperiais evidentes. As informações fornecidas nos capítulos anteriores, no entanto, colocam algumas dúvidas sobre a aplicabilidade do termo para o período em discussão, uma vez que as províncias do sudoeste foram devastadas, e apenas as regiões fora dos limites oficiais da Assíria prosperaram. Posteriormente, o capítulo reavalia não apenas a paz assíria, mas também o conceito geral de “paz imperial” que foi “importado” de Roma (a Pax Romana) para quase todos os contextos imperiais.

O capítulo 10 (‘Império planejado? Políticas imperiais e planejamento e a conquista do sudoeste’) usa as informações detalhadas disponíveis do sudoeste, que nem sempre se encaixam em várias generalizações sobre as políticas imperiais assírias (baseadas em estudos de outras províncias), para reavaliar essas máximas, e oferece algumas observações sobre as possíveis causas para os diferentes tratamentos e estratégias. O capítulo discute as várias considerações que podem ter influenciado o tratamento diferenciado (I) de diversas partes do império assírio (comparando diferentes províncias); e (II) de impérios em geral (por exemplo, comparando o tratamento das mesmas regiões ao longo do tempo). O capítulo conclui com uma nova análise do processo que levou à conquista da área e à anexação de sua parte norte pela Assíria, e da estratégia imperial assíria.

O capítulo final (‘Uma província longe demais? O Império assírio, sua fronteira sudoeste e a dinâmica da expansão, conquista e governo imperial’) analisa brevemente como se desenrolou o domínio imperial no sudoeste, quais foram as consequências das conquistas e o estabelecimento de províncias em grande parte da área, e os processos que ocorreram durante o século de domínio assírio. O capítulo revisa as principais conclusões do livro sobre a atividade imperial no sudoeste e as considerações que parecem ter orientado suas políticas em geral, e discute as implicações disso no estudo das estratégias imperiais em geral. Baseada nas diferenças de como os impérios neoassírio, neobabilônico e persa trataram suas províncias remotas, a última parte do capítulo discute as implicações desta pesquisa para o estudo do desenvolvimento histórico dos impérios, e da ‘revolução aquemênida’, que quebrou as limitações do tamanho dos impérios impostas pelas mentalidades imperiais anteriores.

Avraham Faust é Professor de Arqueologia na Universidade Bar-Ilan, Israel.

 

Nota sobre a frase do título

A frase do título está em um texto do Tácito, historiador romano (ca. 56 – ca.120 d.C.), que a atribui a Cálgaco. A citação diz, em latim: Auferre trucidare rapere falsis nominibus imperium, atque ubi solitudinem faciunt, pacem appellant (Agricola 30.4).

Poderia ser traduzida assim: Ao roubo, à matança, à pilhagem, eles dão o nome mentiroso de império; eles criam uma solidão e a chamam de paz.

De acordo com Tácito, Cálgaco foi um chefe da Confederação Caledônia que lutou contra o exército romano de Gnaeus Julius Agricola [sogro de Tácito] na Batalha de Mons Graupius no norte da Escócia em 83 ou 84 d.C. A única fonte histórica que o apresenta é esta obra, Agrícola, de Tácito.

Tácito escreveu um discurso que atribuiu a Cálgaco, dizendo que Cálgaco o proferiu antes da Batalha de Mons Graupius. A frase citada está neste discurso. Especialistas desconfiam, e muito, da veracidade do discurso.

Sobre isto, conferir CAMPBELL, D. B. Mons Graupius AD 83: Rome’s battle at the edge of the world. Oxford: Osprey Publishing, 2010, p. 33-35. Este autor diz:

Era adequado ao estilo oratório de Tácito retratar Cálgaco discursando para seus guerreiros reunidos antes da batalha, então ele forneceu devidamente um emocionante discurso de 70 linhas para o chefe (Tacitus, Agricola 30-32). Outros escritores clássicos seguiram a mesma tradição de inventar discursos. Embora, como biógrafo de Agrícola, Tácito fosse obrigado a fornecer informações factuais sobre seu assunto, como escritor na tradição de Cícero e Salústio, ele era igualmente obrigado a produzir uma obra literária. É digno de nota que seu amigo, o jovem Plínio, emulava conscientemente elementos do Agrícola em seu próprio Panegírico para o imperador Trajano. Assim, podemos imaginar gerações inteiras de gramáticos romanos treinando seus jovens alunos com repetidas recitações do discurso de Cálgaco.

O discurso claramente não é uma declaração típica da estratégia caledoniana. No entanto, é interessante como uma afirmação do que um romano contemporâneo pensava que as observações de um estrangeiro poderiam ser, mesmo que estejam envoltas no estereótipo do bárbaro jactancioso. Pode, de fato, ter sido a opinião do próprio Tácito sobre o comportamento do exército romano, quando ele colocou na boca de Cálgaco a seguinte acusação: Ao roubo, à matança, à pilhagem, eles dão o nome mentiroso de império; eles criam uma solidão e a chamam de paz (Agricola 30.4).

“Hoje”, Tácito imagina Cálgaco dizendo, “marcará o início da liberdade para toda a Grã-Bretanha” (Agricola 30.1). Os 40 anos anteriores de ocupação romana viram outras batalhas travadas, mas agora, finalmente, os romanos chegaram ao fim do mundo. “Somos o último povo na terra e o último povo livre”, como o historiador A. R. Birley traduz um dos epigramas maravilhosamente concisos de Tácito (Agricola 30.3: nos terrarum ac libertatis extremos). Ele faz uma distinção entre os povos que, conquistados, mais tarde se revoltam, uma vez que tiveram tempo de lamentar sua submissão a Roma. “Lutaremos, vigorosos e indomáveis, pela liberdade e não pelo arrependimento” (Agricola 31.4). O que quer que Cálgaco tenha dito na véspera da batalha, podemos ter certeza de que o plano caledoniano era defender seus lares diante do imperialismo romano.

 

Using a bottom-up approach, this book utilizes the unparalleled information available from the region to reconstruct its demography and economy before the Assyrian campaigns, and after them. Comparing these two snapshots forces us to appreciate the transformations the imperial takeover brought in its wake, and to rethink some accepted wisdom on the nature of Assyrian control. This is followed with an analysis of the actual Assyrian activities in the region, and the reality in the southwest is then compared to that in other regions. This comparison, once again, forces us to account for the differences encountered, resulting in a better appreciation of factors influencing imperial expansion, the considerations leading to annexation, and the imperial methods of control, challenging some old conventions about the development of the Assyrian empire and its rule. This leads to an examination of the Assyrian empire in comparison to other ancient Near Eastern empires, analysing the way ancient empires controlled remote provinces. Reviewing the development of ancient empires exposes not only the nature of Assyrian domination, but also one of the major changes in the nature of imperial control in antiquity, and to what we call the Achaemenid revolution.

The Structure of the Book

Following this introduction, the book includes the following chapters.

Chapter 2 (‘Before the Empire: The Southern Levant in the 8th Century BCE’) lays the foundation for the research. In order to understand the impact of Assyrian imperial domination, one must reconstruct the reality on the ground before the arrival of the empire, and therefore this chapter describes the flourishing settlement of the mid-eighth century BCE, its distribution across the landscape, and the economic significance of the various regions.

Chapter 3 (‘Ah, Assyria, the Rod of My Anger’: The Assyrian Takeover of the Southwest’) briefly outlines the Assyrian interaction with the southwest, from the first contacts in the ninth century BCE to the conquests of the last third of the eighth. By the end of this century, the entire area was, directly or indirectly, under Assyrian control. The north was divided between Assyrian provinces, whereas the south was mostly comprised of semi-autonomous clients.

Chapter 4 (‘Under the Empire: Settlement and Demography in the Southwestern Margins of the Assyrian Empire in the Seventh Century BCE’) describes the settlement and demography in the period of Assyrian control. Comparison with the information provided in Chapter 2 allows us to estimate what were the consequences of the imperial takeover. The evidence shows that the provinces in the north were devastated, whereas the client kingdom prospered and, moreover, for the first time in history the south flourished more than the north. The dramatic decline in the north is exemplified also by the large number of place names that were forgotten following the Assyrian conquests. The chapter ends with an appendix on the demographic significance of deportations.

Chapter 5 (‘Prosperity, Depression, and the Empire: Economic Developments in the Southwest during the Seventh Century BCE’) reconstructs the economy of the region during the period of Assyrian rule, and the economic specialization that typified this period. The chapter is accompanied by two appendices, one on the importance of late seventh century Greek imports for understanding economic patterns in the period of Assyrian rule, and the second briefly reviewing the development of the olive oil industry—a topic that is prominent in many discussions of Assyrian imperial economy—in time and space. The evidence shows that while the south (and Tyre) developed and participated in international trade, the provinces did not produce much surplus, and did not take part in any significant trade.

Chapter 6 (‘Assyrians in the Southwest? The Evidence for Assyrian Administration and Presence’) reviews the relevant evidence for the actual presence of Assyrian administration or individuals in the region, for example in the form of Assyrian administrative documents, Assyrian buildings, and more. Once identified, the nature of the evidence and their distribution is assessed in order to learn how much administration was involved in the running of the Southern Levant, and where it operated. The evidence shows that administration was very limited, and the limited data comes mostly from the fringes of the devastated provinces.

Chapter 7 (‘The Empire in the Southwest: Reconstructing Assyrian Activity in the Provinces’) examines, in light of the information provided in the previous chapters, the way the empire operated in the southwestern provinces, including the activity of the local governors, the deportation of some of the population, and the settling of foreign deportees. The evidence shows that most of the provinces were not of much significance for the imperial authorities, which concentrated their efforts on the frontiers facing the flourishing clients.

Chapter 8 (‘Local Responses to the Empire: From Armed Resistance to Integration’) is different from previous chapters in that it focuses not on the empire and itsCAMPBELL, D. B. Mons Graupius AD 83: Rome’s battle at the edge of the world. Oxford: Osprey Publishing, 2010 activities, but rather on the local responses to its rule. While such studies were conducted on other empires, they are somewhat rare regarding the Assyrian empire. The present case study, however, has a number of advantages. In addition to the large archaeological database available, we have a unique textual source, reflecting the voice of (some of) the conquered, i.e. the Hebrew Bible. Notably, most imperial settings texts, if they exist at all, represent the imperial view, and the Hebrew Bible, as complex as it is as a historical source, provides insights into the local views of imperial rule. The discrete lines of evidence allow us to reconstruct the local responses to Assyrian rule in different political units, and by various groups within these units, from armed resistance, through subtler forms of resistance, to cooperation, collaboration, and even integration.

Chapter 9 (‘“They Make a Desolation and They Call it Peace”: Re-Examining the Nature of the Imperial Peace’) reviews the concept of Assyrian peace that became popular over the years to describe the prospering economy during the period of Assyrian control, when no internal wars or imperial campaigns are evident. The information provided in the previous chapters, however, casts some doubt on the applicability of the term for the period under discussion, since the provinces in the southwest were devastated, and only the regions outside the official boundaries of Assyria prospered. Subsequently, the chapter re-evaluates not only the pax Assyriaca, but also the general concept of ‘imperial peace’ which was ‘imported’ from Rome (the pax Romana) into almost all imperial contexts.

Chapter 10 (‘Empire by Design? Imperial Policies and Planning and he Conquest of the Southwest’) uses the detailed information available from the southwest, which does not always fit various generalizations regarding Assyrian imperial policies (based on studies from other provinces), to reevaluate these maxims, and offers some bservations regarding the possible causes for the different treatment and strategies. The chapter discusses the various considerations that might have influenced the differentiated treatment (i) of diverse parts of the Assyrian empire (by comparing different provinces); and (ii) of empires at large (e.g. by comparing the treatment of the same regions over time). The chapter concludes with a new analysis of the process which led to the conquest of the area and the annexation of its northern part by Assyria, and of the Assyrian imperial strategy.

The final chapter (‘A Province Too Far? The Assyrian Empire, Its Southwestern Margins, and the Dynamics of Imperial Expansion, Conquest, and Rule’) briefly reviews how imperial rule in the southwest unfolded, what were the consequences of the conquests and the establishment of provinces in large parts of the area, and the processes that took place during the century of Assyrian rule. The chapter reviews the main conclusions of the book concerning the imperial activity in the southwest, and the considerations that appeared to have guided its policies in general, and discusses the implications of this on the study of imperial strategies at large. Based on the differences in the ways the Neo-Assyrian, the Neo-Babylonian, and the Persian empires treated their remote provinces, the last part of the chapter discusses the implications of this research for the study of historical development of empires, and the ‘Achaemenid revolution’, which broke the limitations on the size of empires posed by earlier imperial mindsets.

As campanhas militares de Tiglat-Pileser III na Síria e na Palestina

Reli um interessante artigo de Peter Dubovský, professor do Pontifício Instituto Bíblico, sobre as campanhas de Tiglat-Pileser III, rei da Assíria, nos territórios da Síria e da Palestina, nos anos de 734-732 a.C.: “As campanhas militares de Tiglat-Pileser III em 734-732 a.C.: o contexto histórico de Is 7, 2Rs 15-16 e 2Cr 27-28”.

Esta época e este tema muito me interessam, pois trato do assunto, no que diz respeito a Israel, em três disciplinas: Literatura Profética, ao falar dos profetas do século VIII a.C.; Literatura Deuteronomista, ao tratar do contexto da Obra Histórica Deuteronomista; e História de Israel, naturalmente, ao tratar do reino de Israel norte na segunda metade do século VIII a.C.

O que se segue abaixo é um resumo do artigo, bem simplificado, quase como se fossem notas de leitura. O artigo, em inglês, pode ser lido online aqui ou pode-se fazer o download do texto em pdf aqui.

DUBOVSKY, P. Tiglath-pileser III’s Campaigns in 734-732 B.C.: Historical Background of Isa 7; 2 Kgs 15-16 and 2 Chr 27-28. Biblica, Vol. 87, No. 2 (2006), pp. 153-170.

O artigo está dividido em três partes: a primeira reconstrói o percurso das campanhas de Tiglat-Pileser III em 734-732 a.C., a segunda investiga a logística destasPeter Dubovský campanhas militares e a terceira avalia os resultados destas campanhas.

O objetivo do artigo é, a partir das ações de Tiglat-Pileser III, avaliar as consequências políticas e religiosas para os reinos de Israel e Judá na segunda metade do século VIII a.C.

Fontes e contexto histórico

Fontes

Os documentos que temos sobre as campanhas de Tiglat-Pileser III no Levante são de dois tipos: bíblicos e assírios.

Os textos bíblicos avaliam o impacto das campanhas de Tiglat-Pileser III sobre o reino de Israel norte (2Rs 15,29-31) e sobre o reino de Judá (2Rs 15,32-16,20;Is 7,1-25;2Cr 27,1-28,27).

Os textos assírios estão em três Anais de Tiglat-Pileser III (18,23,24), três inscrições sumárias (4,9,13), um Cânon Epônimo (Cb) e várias cartas (2064, 2417, 2430, 2686, 2715, 2716, 2766, 2767).

Além dos textos assírios, há relevos de Nimrud, capital assíria, com cenas destas campanhas. E há dados arqueológicos provenientes de Israel.

Contexto histórico

Parte deste contexto histórico é descrito nos livros de História de Israel como a guerra siro-efraimita, ou seja, uma invasão de Judá por Damasco e Samaria.

É que já em 738 a.C. Israel começara a pagar tributo a Tiglat-Pileser III, quando governava, em Samaria, Menahem. Contudo, grupos antiassírios assassinaram Pecahia, filho e sucessor de Menahem, e Pecah, que subiu ao poder, associou-se a Rasin, rei de Damasco, para enfrentar a interferência assíria na região. Desta campanha deveria participar Acaz, rei de Jerusalém, que ao se recusar, teve seu território e seu governo ameaçado com uma invasão de Judá por Pecah e Rasin. Acreditando não poder se defender sozinho, Acaz chamou em seu socorro o rei assírio Tiglat-Pileser III. Assim relatam as fontes bíblicas.

Muitos autores defendem, entretanto, que a invasão de Judá por Damasco e Samaria teve como motivação primeira a ocupação de territórios judaítas na Transjordânia e não se configurava inicialmente como uma rebelião antiassíria. Do mesmo modo a motivação da Fenícia e dos filisteus seria a expansão comercial na costa mediterrânea através do controle de portos e rotas comerciais.

Porém, qualquer que tenha sido a motivação desta aliança regional, esta articulação por uma independência econômica pode ter sido vista pela Assíria como uma ameaça aos seus interesses na região, pois todos os governantes da Transjordânia ao Mediterrâneo estavam unidos em uma coalizão que controlava os portos e as maiores rotas comerciais da região.

Como dissemos, segundo os textos bíblicos, Judá vê este movimento dos vizinhos como ameaça ao seu território e pede a ajuda de Tiglat-Pileser III. Vale porém observar que tal pedido de ajuda não é mencionado nas fontes assírias.

1. Reconstrução da campanha assíria em três fases

O avanço assírio na região pode ser visto em três fases: costa, Transjordânia, região central.

1. A primeira parte da campanha assíria foi dirigida à região filisteia. Gaza era o centro da resistência. Tiglat-Pileser avançou ao longo da região costeira da Síria e da Fenícia, capturou Tiro e seu rei acabou reconhecendo a soberania assíria. Por outro lado, enquanto o exército assírio avançava em direção a Gaza, o rei da cidade a abandonou, fugindo para o Egito.

2. A segunda fase da campanha assíria levou a um primeiro ataque a Damasco e à conquista da Transjordânia. As fontes indicam que Tiglat-Pileser venceu os arameus em batalha, porém foi incapaz de capturar Damasco. Mas ele atacou e destruiu várias cidades da região de Damasco e ocupou o sul da Síria e norte da Transjordânia. Entre os inimigos vencidos deve ser contabilizada também a rainha árabe Samsi, que participava da coalizão.

3. A terceira fase da campanha levou à conquista da Galileia, de Israel e de Damasco. Esta fase está documentada tanto pelas fontes assírias quanto pelas fontes bíblicas. A população da Galileia foi deportada e um grande saque foi feito na Galileia. Em Samaria, Oseias, governante pró-assírio, substituiu o rei Pecah, que foi assassinado. Por isso, Samaria foi poupada. Finalmente, Tiglat-Pileser III atacou e conquistou Damasco, executando seu rei Rezin. Então, ele estabeleceu seu quartel-general em Damasco, onde recebeu a homenagem de seus vassalos. Inclusive de Acaz, rei de Judá.

2. A logística das campanhas de Tiglat-Pileser III

Tiglat-Pileser III (745-727 a.C.)Tudo indica que o sucesso de Tiglat-Pileser III se deve a um cuidadoso planejamento desta ofensiva.

Em primeiro lugar ele não ataca, de início, os centros de poder na região, Damasco e Samaria, mas toma primeiro a região costeira. Para um exército fortemente baseado na cavalaria e em carros de combate, esta região plana lhe permitiu um rápido avanço das tropas. Em seguida ele enfraquece Damasco, ao destruir as cercanias da capital e as plantações da região, criando, assim, uma situação de escassez de alimentos para os arameus. Nesta mesma ocasião, ele realiza um ataque surpresa contra as forças árabes da Transjordânia, submetendo a região inteira, o que incluiu também Edom, Moab e Amon. Toda esta região começou a pagar tributo para a Assíria.

Deste modo, ele criou um semicírculo formado pelos territórios de seus aliados (Gaza, Judá, Edom, Moab, Amon e Galaad), isolando a coalizão de seu maior suporte, o Egito, que ficou sem nenhuma rota para poder interferir na região. O resultado foi que os maiores centros da região, Damasco e Samaria, ficaram totalmente isolados e a coalizão se desfez.

Esta estratégia não era nova. Já fora usada por Tiglat-Pileser III antes disso em outra região, e será usada novamente por seu filho, e um de seus sucessores, Sargão II.

 

3. O resultado das campanhas de Tiglat-Pileser III

Por causa da grande instabilidade em que estava o Antigo Oriente Médio nesta época, Tiglat-Pileser III sabia que se deixasse os territórios sem ocupação após a conquista, ele teria perdido os resultados alcançados. Assim, algumas medidas foram tomadas, como:

Deportações: embora a lista detalhada de deportados esteja corrompida nos Anais de Tiglat-Pileser III, muitos pesquisadores consideram razoável o número total de 13.520 pessoas, sendo a maioria destas pessoas provenientes da Síria, de Israel e dos árabes da rainha Samsi. Dezenas de pequenas cidades na Síria e em Israel foram destruídas. Em Israel, por exemplo, a arqueologia documentou a destruição de Hasor, Dan, Tel Kinneret, Betsaida, Bet-shean, Tel Hadar, Meguido, Yoqneam, Aco, Dor e de outras localidades.

Tributos: Tiglat-Pileser III se apossou de 80 talentos de ouro e 2800 talentos de prata [um talento pesava cerca de 34 kg], além das propriedades dos reis Hiram, de Tiro, Hanunu, de Gaza, e da rainha Samsi, dos árabes. E de alguns outros milhares de proprietários das regiões conquistadas.

Reorganização administrativa: Tiglat-Pileser III incorporou à Assíria todos os territórios dos arameus, nomeando um governador assírio para a província de Damasco. Em Israel os assírios se apossaram da maior parte do país, constituindo as províncias de Dor (na costa), Meguido (Galileia) e Galaad (Transjordânia). Samaria e Jerusalém permaneceram com seus reis nativos: Oseias, em Samaria e Acaz, em Jerusalém. Mas agora eram reis vassalos da Assíria que pagavam tributos e se submetiam às ordens de Tiglat-Pileser III.

Conclusão

Assim termina Peter Dubovský seu artigo:

Esta revisão das consequências das campanhas de Tiglat-Pileser III indica que os assírios usaram vários meios para manter o território sob seu controle. A destruição das cidades, pesados tributos e pilhagem de regiões inteiras debilitaram economicamente a região. Embora os números de deportados sejam imprecisos, a deportação em massa dos habitantes locais por Tiglat-Pileser III e sua substituição por exilados de outras partes do Império enfraqueceram a resistência local. Finalmente, a reorganização administrativa fortaleceu o controle assírio e manteve a corte real em Nimrud informada regularmente sobre os desenvolvimentos mais recentes no Levante. Assim, a combinação de logística sofisticada com boa administração era um dos pré-requisitos do controle assírio bem-sucedido do Levante.

Peter Dubovský é professor de exegese do Antigo Testamento no Pontifício Instituto Bíblico, Roma. Foi nomeado Reitor do Bíblico, pelo Papa Francisco, em 11 de setembro de 2023.

O mito da prostituição sagrada

BIRD, Ph. A. Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah. University Park: Eisenbrauns, 2019, 512 p. – ISBN 9781575069814.

Trechos da resenha escrita por Jessie DeGrado, Excavating the Myth of Sacred Prostitution, publicada em Orientalia, Roma, vol. 90, fasc. 1, p. 133-138, 2021.BIRD, Ph. A. Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah. University Park: Eisenbrauns, 2019

A ambiciosa monografia de Phyllis Bird, Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah [Prostituta ou mulher consagrada? Um estudo sobre qedeshah na Bíblia Hebraica], é muito mais do que uma análise lexicográfica do termo hebraico qedeshah (da mesma raiz do acádio qadishtu).

A obra traça mais de dois milênios de história interpretativa para revelar como os biblistas dos séculos XIX e XX passaram a entender o termo hebraico como o exemplo prototípico da prostituta sagrada. Ao longo da monografia, Bird reforça o trabalho de estudiosos que recentemente lançaram dúvidas sobre a existência da prostituição cultual na antiguidade.

Os três primeiros capítulos traçam o desenvolvimento da ideia de prostituição sagrada, com especial atenção às suas manifestações no discurso pós-iluminista. Bird mostra como os estudiosos europeus combinaram um cânone informal de fontes do mundo clássico com a etnografia colonial para imaginar um mundo de práticas sexuais “primitivas” e ritos de fertilidade – dos quais a prostituição sagrada é apenas um exemplo.

No capítulo 4, Bird retoma as fontes clássicas que tradicionalmente têm sido usadas para justificar a existência da prostituição sagrada. Suas conclusões coincidem em grande parte com as da pesquisa de Stephanie Budin, de 2008, sobre fontes da antiguidade tardia. As duas demonstram que as fontes clássicas não são relatos em primeira mão das práticas cultuais reais, nem sequer se alinham com as noções vitorianas de prostituição sagrada utilizadas para sustentar tal ideia. Em vez disso, os exemplos clássicos consistem em contos fantasiosos, muitos dos quais dependem de Heródoto e todos foram retoricamente elaborados para retratar o “outro” como incivilizado.

O Capítulo 5 examina as evidências do Antigo Oriente Médio relevantes para a compreensão do papel social do hebraico qedeshah. Bird trata mais de sessenta referências ao nu.gig/qadishtu em textos acádios, bem como discute evidências ugaríticas pertencentes ao funcionário cultual {qdsh}, a ser vocalizado qadishu. Esta extensa pesquisa está atenta às diferenças diacrônicas e geográficas na prática do culto, e o leitor interessado também pode encontrar a análise de Bird do nu-gig em textos sumérios do terceiro milênio entre os apêndices do volume (“Apêndice C”, 433-453).

A análise de Bird contribui para o crescente consenso acadêmico de que o acádio qadishtu era um funcionário do culto e não uma prostituta. Mais significativo, ela vai além de uma associação fácil do qadishtu com a “religião das mulheres” ou “fertilidade”; de fato, como observa Bird, nenhum dos textos que descrevem as ações rituais dos qadishtus faz qualquer menção à fertilidade ou preocupações relacionadas. Assim, enquanto cartas e contratos da antiga Babilônia mostram que os qadishtus frequentemente trabalhavam como amas-de-leite, Bird mostra que seu papel social e vida profissional mais amplos não podem ser reduzidos a preocupações de reprodução ou fertilidade.

Armada com a evidência cognata, Bird retorna no capítulo 6 para as poucas atestações bíblicas dos lexemas qedeshah e qadesh na Bíblia Hebraica. Ela argumenta que, como a qadishtu, a qedeshah serviu como oficiante de culto. Com base na atestação do lexema em Os 4,14, Bird argumenta que as qedeshot eram bem conhecidas pelo público israelita da época (ou seja, não era uma instituição estrangeira ou construção literária) e principalmente associadas a santuários locais ao ar livre em Israel e Judá durante o século VIII a.C. Bird sugere que a associação da qedeshah com locais de culto periféricos pode explicar as proibições deuteronômicas e deuteronomistas posteriores aos funcionários qedeshah e qadesh (embora ela veja o último grupo como uma construção literária posterior, criada em analogia ao substantivo feminino). Nesta análise, Bird enfrenta uma das peculiaridades do lexema hebraico qedeshah: toda vez que a palavra ocorre, ela está com o hebraico zonah (prostituta). Bird sugere que a associação de qedeshah com a prostituição resultou de uma situação social real, em que as qedeshot se voltaram para a prostituição como forma de ganhar dinheiro após a abolição dos santuários locais*.

* Nota: O vocábulo zanah é usado quase uma centena de vezes no AT. Desta raiz deriva taznût, “fornicação” (22 vezes, sendo usado só em Ez 16 e 23), zenûnîm, “prostituição” (11 vezes), zenût, “prostituição” (9 vezes) e zônâh, “prostituta”. Encontramos ainda o vocábulo qadêsh (pl. qedêshim, fem. qedêshah e seu pl. qedeshôt), derivado do verbo qadash, “santificar”, “ser santo”, para indicar homens ou mulheres ligados a santuários ou divindades.

(…)

Em um estudo que abrange mais de cinco mil anos de história, certamente haverá algo de interesse para todos os leitores. A meu ver, a maior contribuição do volume não está no tratamento das fontes antigas (por mais ricas que sejam esses capítulos), mas na escavação do mito da prostituta sagrada no pensamento pós-iluminista. A análise de Bird das construções da prostituição sagrada do século XVIII e início do século XIX revela uma constelação de interesses e preocupações relacionados que são claramente informados pelas motivações econômicas do colonialismo e uma narrativa iluminista do progresso humano.

Bird explicitamente extrai as suposições evolutivas de estudiosos como Jacques-Antoine Dulaure (1755-1835), C. Staniland Wake (1835-1910) e John Lubbock (1834-1913). Os três estudiosos realizam pesquisas etnográficas de explorações coloniais europeias na Ásia, África e Américas como um meio de desvendar a lógica por trás da prostituição sagrada na antiguidade. Os estudiosos também incorporam sua compreensão da “prostituição sagrada” em um discurso mais amplo sobre o papel da fertilidade nas sociedades e religiões antigas.

Tanto Wake quanto Lubbock fazem referência explícita à teoria da evolução de Darwin. Além disso, embora Lubbock não tenha subscrito a filosofia racial do “darwinismo social”, seu trabalho evidencia uma crença em um tipo de evolução social. Essa visão compartilha muito em comum com seu primo mais explicitamente racista. Em particular, Wake e Lubbock identificam explicitamente as comunidades na Ásia e na África Ocidental como “primitivas” e, portanto, um locus apropriado de comparação para o mundo antigo.

Bird contextualiza o trabalho do agora infame James Frazer à luz dessa história. Assim como Budin, ela ressalta que Frazer não é o ponto de partida para a compreensão do mito da prostituição sagrada na virada do século XX. Em vez disso, Frazer representa uma destilação e popularização de um discurso que já era difundido nos círculos intelectuais europeus. Como a de seus antecessores, a obra de Frazer se baseia na confluência de duas correntes de pensamento: primeiro, baseia-se em um fluido “cânone” de textos clássicos que ostensivamente fazem referência à prostituição sagrada; segundo, faz referência a fenômenos semelhantes entre os “selvagens” modernos. A análise de Bird mostra, assim, que a obra de Frazer está inserida em um discurso mais amplo sobre ritos de fertilidade entre grupos antigos e contemporâneos.

Essa observação torna o trabalho de Bird interessante para quem estuda como a história política moderna afetou nossa reconstrução do passado. Embora Bird não se envolva diretamente em estudos pós-coloniais, suas conclusões são diretamente pertinentes a esse campo.

Em sua obra agora clássica, Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, Edward Said (1978) trata muitas das mesmas questões – incluindo o impulso de usar as populações modernas da Ásia e do Oriente Médio como uma janela para o passado.

Da mesma forma, estudiosos que trabalham em estudos pós-coloniais e teoria racial crítica destacam como uma obsessão com a sexualidade dos corpos morenos permeia tanto o discurso acadêmico quanto o público.

No caso do Oriente Médio em particular, Mahmudul Hassan, Isra Ali e Mayanthi Fernando, entre outros, exploraram recentemente como as visões orientalistas do Oriente Médio codificam uma visão profundamente paradoxal de gênero e sexualidade. Por um lado, as mulheres do Oriente Médio são vistas como especialmente reprimidas, vivendo vidas enclausuradas entre outras mulheres, longe da companhia dos homens. Por trás do véu, porém, as mulheres são figuradas carnalmente, como objetos de gratificação sexual e fantasia colonial. Embora esses tipos de pressupostos tenham suas raízes na dominação colonial, eles persistem até hoje, às vezes involuntariamente reciclados pelo discurso feminista americano e europeu.

Explorar a relação entre o orientalismo e o mito da prostituição sagrada revela o significado contínuo do trabalho de Bird. Seu livro mostra como o mito da prostituição sagrada está inserido em um discurso mais amplo sobre fertilidade e a sexualidade descontrolada das mulheres do Oriente Médio – e esse pode ser o legado duradouro do trabalho.

Nos anos em que Bird levou para escrever um livro tão abrangente quanto Harlot or Holy Woman, o campo mudou significativamente. Em particular, a construção da prostituição sagrada não está mais em voga. No entanto, as duas vertentes interpretativas mais amplas que Bird identifica continuam. Os estudos da religião das mulheres ainda apresentam um foco proeminente nos corpos das mulheres e nas capacidades reprodutivas, e eles continuam a usar a etnografia de forma acrítica – recorrendo ao retrato de um “Oriente” estático e imutável que foi usado para justificar o colonialismo europeu. O trabalho de Bird, portanto, tem um papel importante a desempenhar à medida que trabalhamos para desmantelar as suposições não declaradas que continuam a dificultar o trabalho sobre gênero no antigo Oriente Médio.

 

Em texto anterior ao livro que estamos apresentado, Phyllis Bird, no capítulo Lucian’s Last Laugh: The Origins of “Sacred Prostitution” at Byblos, do livro AUGUSTIN, M.; NIEMANN, H. M. (eds.) “My Spirit at Rest in the North Country” (Zechariah 6.8): Collected Communications to the Xxth Congress of the International Organization for the Study of the Old Testament, Helsinki 2010. Frankfurt: Peter Lang, 2011, p. 203-212, diz:

Phyllis Ann Bird (nascida em 1934) O relato de Heródoto sobre o “costume” babilônico que exigia que toda mulher uma vez na vida se oferecesse a um estranho no templo de Afrodite (Milita) (História 1.199) era tão conhecido na Europa do século XVIII que Voltaire poderia usá-lo como um caso de teste para uma regra geral de credibilidade histórica.

Foi também o texto fundacional para uma ideia de “prostituição religiosa (ou sagrada)” entendida como uma característica da “religião oriental”, que se baseava em relatos de autores clássicos e patrísticos sobre as práticas religiosas e sexuais de outros, ideia que reuniu uma variedade de práticas distintas em uma variedade de terras e culturas.

O que é descrito como prostituição sagrada nesta literatura de comentário cultural é uma construção europeia, identificada por uma expressão que não tem contrapartida linguística em nenhuma das culturas onde foi identificada. É inútil, portanto, tentar verificar ou refutar sua existência através de estudos dos textos antigos.

O que me interessa neste artigo é a natureza dos relatos antigos usados ​​na construção do conceito moderno. Entre esses, o relato de Luciano de Samósata [ca. 120 – depois de 180 d.C.] sobre a prática em Biblos é fundamental – pelo menos para os estudiosos bíblicos interessados ​​no ambiente religioso do antigo Israel.

É fundamental porque é a única fonte de prostituição sagrada na Síria/Fenícia antes dos relatórios do século IV d.C. de Eusébio e Atanásio. É também o único texto que liga a prostituição sagrada ao culto de um “deus que morre e ressuscita”, que foi central para a noção de um “culto da fertilidade” agrícola que dominou a visão dos estudiosos bíblicos sobre a religião “cananeia”, seguindo Sir James George Frazer – embora Frazer não faça referência à prostituição sagrada em seu tratamento do culto de Adônis em Biblos. O relato de Luciano sobre o culto em Biblos, lido ao lado de seu relato sobre o templo em Sídon, também é significativo para a questão das origens fenícias do culto cipriota de Afrodite, onde a prostituição em homenagem à deusa parece mais claramente situada.

Phyllis Ann Bird (nascida em 1934) é uma pioneira nos estudos feministas da Bíblia. Ela é professora emérita de Interpretação do Antigo Testamento no Seminário Teológico Evangélico Garrett, Evanston, Illinois.

Jessie DeGrado é professor de Estudos do Antigo Oriente Médio na Universidade de Michigan, Ann Arbor, MI.