História de Israel na época bíblica

Este livro, com uma proposta didática, foi publicado originalmente em alemão. A primeira edição é de 2018 e a segunda edição, revisada, é de 2021.

Diz a autora no prefácio da segunda edição:

A primeira edição deste livro foi publicada em outubro de 2018 e reimpressa em março de 2019. Esta segunda edição foi completamente revisada, aumentada ePEETZ, M. O Israel Bíblico: História – Arqueologia – Geografia. São Paulo: Paulinas, 2022. atualizada para incluir a literatura mais recente (Die Erstauflage dieses Buchs ist im Oktober 2018 erschienen und wurde im März 2019 nachgedruckt. Die hier vorliegende zweite Auflage wurde durchgehend überarbeitet, ergänzt und aktualisiert sowie um die neueste Literatur erweitert).

PEETZ, M. O Israel Bíblico: História – Arqueologia – Geografia. São Paulo: Paulinas, 2022, 328 p. – ISBN 9786558081128.

Diz a autora na Introdução:

Este manual concentra-se na história de Israel na época bíblica. Trata do tempo a respeito do qual os livros bíblicos narram e expande-se ao tempo em que tais escritos surgiram – portanto, ao período de cerca de 2000 a.C. até por volta de 200 d.C. O objetivo do livro é, no âmbito destes mais de 2.200 anos, reconstruir, segundo o método histórico-crítico, a história de Israel, ou seja, entre outras coisas: não apenas recontar a descrição bíblica, mas ordená-la historicamente em comparação com outras fontes textuais e descobertas arqueológicas.

Neste livro, a história de Israel está dividida em oito épocas. Estes oito capítulos (A–H) orientam-se pelos três acontecimentos mais decisivos da história do Israel bíblico:

722 a.C. : A Assíria conquista o Reino do Norte, Israel. O reino de Israel deixa de existir
587 a.C. : A Babilônia subjuga o Reino do Sul, Judá, e destrói Jerusalém, juntamente com o templo. Começa o exílio babilônico
70 d.C.  : Os romanos destroem Jerusalém, juntamente com o templo

Contudo, em primeiro lugar, temos que perguntar: o que é a Bíblia? O que se quer dar a entender quando neste manual se fala de Israel? Em que espaço geográfico aconteceu a história do Israel bíblico e que fontes existem para traçar essa história do ponto de vista histórico-crítico?

Melanie PeetzO capítulo introdutório (1-4) esclarece estas perguntas fundamentais e, subsequentemente, oferece indicações a respeito da estrutura e da utilização deste manual (5).

Veja o Sumário do livro e leia a Introdução na amostra em pdf.

Melanie Peetz é doutora em Exegese do Antigo Testamento. Professora de Bíblia na Faculdade de Filosofia e Teologia Sankt Georgen, em Frankfurt, Alemanha.

Eles criam uma solidão e a chamam de paz: o domínio assírio na Palestina

FAUST, A. The Neo-Assyrian Empire in the Southwest: Imperial Domination and Its Consequences. Oxford: Oxford University Press, 2021, 400 p. – ISBN 9780198841630.

Usando uma abordagem de baixo para cima [a bottom-up approach], este livro utiliza as muitas informações ​​disponíveis na região da Palestina para reconstruir sua demografia e economia antesFAUST, A. The Neo-Assyrian Empire in the Southwest: Imperial Domination and Its Consequences. Oxford: Oxford University Press, 2021 das campanhas assírias e depois delas. Comparar esses dois instantâneos nos força a apreciar as transformações que a ocupação imperial trouxe em seu rastro e a repensar alguns conhecimentos aceitos sobre a natureza do controle assírio. Isto é seguido por uma análise das atividades assírias reais na região, e a realidade no sudoeste do Antigo Oriente Médio é então comparada com a de outras regiões. Essa comparação, mais uma vez, nos obriga a levar em conta as diferenças encontradas, resultando em uma melhor apreciação dos fatores que influenciaram a expansão imperial, as considerações que levaram à anexação e os métodos imperiais de controle, desafiando algumas antigas convenções sobre o desenvolvimento do império assírio. Isso leva a um exame do império assírio em comparação com outros antigos impérios do Antigo Oriente Médio, analisando a maneira como os impérios antigos controlavam províncias remotas. Rever o desenvolvimento dos antigos impérios expõe não apenas a natureza da dominação assíria, mas também uma das principais mudanças na
natureza do controle imperial na antiguidade.

 

Na introdução diz o autor:

Antes de mais nada devemos apresentar informações básicas do pesquisa acadêmica sobre os impérios em geral, sobre o império assírio e seu domínio no sudoeste do Antigo Oriente Médio e sobre as fontes de informação para este estudo (p. 1-31).

Depois disso é que ele apresenta a estrutura do livro nas p. 31-34.

O livro inclui os seguintes capítulos:

Capítulo 2 (‘Antes do Império: o Levante Sul no século VIII AEC’) estabelece as bases para a pesquisa. Para entender o impacto da dominação imperial assíria, é preciso reconstruir a realidade da região antes da chegada do império e, portanto, este capítulo descreve a florescente sociedade de meados do século VIII AEC, sua distribuição na região e a importância econômica das várias regiões.

O capítulo 3 (‘”Ai da Assíria, vara da minha ira”: a conquista assíria do sudoeste’) descreve brevemente a interação assíria com o sudoeste, desde os primeiros contatos no século IX AEC até as conquistas do último terço do século VIII AEC. No final deste século, toda a área estava, direta ou indiretamente, sob controle assírio. O norte estava dividido entre províncias assírias, enquanto o sul era composto principalmente por clientes semiautônomos.

O Capítulo 4 (‘Sob o Império: povoamento e demografia na fronteira sudoeste do Império Assírio no século VII AEC’) descreve o povoamento e a demografia no período de controle assírio. A comparação com as informações fornecidas no capítulo 2 nos permite estimar quais foram as consequências da presença imperial. A evidência mostra que as províncias do norte foram devastadas, enquanto o reino cliente prosperou e, além disso, pela primeira vez na história o sul floresceu mais do que o norte. O declínio dramático do norte é exemplificado também pelo grande número de nomes de lugares que foram esquecidos após as conquistas assírias. O capítulo termina com um apêndice sobre o significado demográfico das deportações.

O Capítulo 5 (‘Prosperidade, depressão e o Império: desenvolvimentos econômicos no sudoeste durante o século VII AEC’) reconstrói a economia da região durante o período do domínio assírio e a especialização econômica que tipificou esse período. O capítulo é acompanhado por dois apêndices, um sobre a importância das importações gregas do final do século VII para a compreensão dos padrões econômicos no período do domínio assírio, e o segundo revisando brevemente o desenvolvimento da indústria do azeite – um tópico que é proeminente em muitas discussões da economia imperial assíria – no tempo e no espaço. A evidência mostra que enquanto o sul (e Tiro) desenvolveu e participou do comércio internacional, as províncias não produziram muito excedente e não participaram de nenhum comércio significativo.

Capítulo 6 (‘Assírios no sudoeste? Administração e presença’) analisa as evidências relevantes para a presença real da administração ou indivíduos assírios na região, por exemplo, na forma de documentos administrativos assírios, edifícios assírios e muito mais. Uma vez identificadas, a natureza das evidências e sua distribuição são avaliadas para saber o quanto a administração estava envolvida no funcionamento do Levante Sul e onde ela operava. A evidência mostra que a administração era muito limitada, e os dados limitados vêm principalmente das periferias das províncias devastadas.

O Capítulo 7 (‘O Império no sudoeste: reconstruindo a atividade assíria nas províncias’) examina, à luz das informações fornecidas nos capítulos anteriores, a forma como o império operava nas províncias do sudoeste, incluindo a atividade dos governadores locais, a deportação de parte da população e a fixação de deportados estrangeiros. A evidência mostra que a maioria das províncias não tinha muita importância para as autoridades imperiais, que concentravam seus esforços nas fronteiras voltadas para os clientes florescentes.

O Capítulo 8 (‘Respostas locais ao Império: da resistência armada à integração’) é diferente dos capítulos anteriores, pois não se concentra no império e suas atividades, mas nas respostas locais ao seu domínio. Embora tais estudos tenham sido realizados em outros impérios, eles são um tanto raros em relação ao império assírio. O presente estudo de caso, no entanto, tem uma série de vantagens. Além do grande banco de dados arqueológico disponível, temos uma fonte textual única, refletindo a voz de (alguns dos) conquistados, ou seja, a Bíblia Hebraica. Notavelmente, a maioria dos textos de cenários imperiais, se é que existem, representam a visão imperial, e a Bíblia Hebraica, embora complexa como fonte histórica, fornece insights sobre as visões locais do domínio imperial. As linhas discretas de evidência nos permitem reconstruir as respostas locais ao domínio assírio em diferentes unidades políticas e por vários grupos dentro dessas unidades, desde a resistência armada, passando por formas mais sutis de resistência, até a cooperação, colaboração e até integração.

Avraham FaustO capítulo 9 (‘”Eles criam uma desolação e a chamam de paz”: reexaminando a natureza da paz imperial’) revisa o conceito de paz assíria que se tornou popular ao longo dos anos para descrever a economia próspera durante o período de controle assírio, quando não há guerras internas ou campanhas imperiais evidentes. As informações fornecidas nos capítulos anteriores, no entanto, colocam algumas dúvidas sobre a aplicabilidade do termo para o período em discussão, uma vez que as províncias do sudoeste foram devastadas, e apenas as regiões fora dos limites oficiais da Assíria prosperaram. Posteriormente, o capítulo reavalia não apenas a paz assíria, mas também o conceito geral de “paz imperial” que foi “importado” de Roma (a Pax Romana) para quase todos os contextos imperiais.

O capítulo 10 (‘Império planejado? Políticas imperiais e planejamento e a conquista do sudoeste’) usa as informações detalhadas disponíveis do sudoeste, que nem sempre se encaixam em várias generalizações sobre as políticas imperiais assírias (baseadas em estudos de outras províncias), para reavaliar essas máximas, e oferece algumas observações sobre as possíveis causas para os diferentes tratamentos e estratégias. O capítulo discute as várias considerações que podem ter influenciado o tratamento diferenciado (I) de diversas partes do império assírio (comparando diferentes províncias); e (II) de impérios em geral (por exemplo, comparando o tratamento das mesmas regiões ao longo do tempo). O capítulo conclui com uma nova análise do processo que levou à conquista da área e à anexação de sua parte norte pela Assíria, e da estratégia imperial assíria.

O capítulo final (‘Uma província longe demais? O Império assírio, sua fronteira sudoeste e a dinâmica da expansão, conquista e governo imperial’) analisa brevemente como se desenrolou o domínio imperial no sudoeste, quais foram as consequências das conquistas e o estabelecimento de províncias em grande parte da área, e os processos que ocorreram durante o século de domínio assírio. O capítulo revisa as principais conclusões do livro sobre a atividade imperial no sudoeste e as considerações que parecem ter orientado suas políticas em geral, e discute as implicações disso no estudo das estratégias imperiais em geral. Baseada nas diferenças de como os impérios neoassírio, neobabilônico e persa trataram suas províncias remotas, a última parte do capítulo discute as implicações desta pesquisa para o estudo do desenvolvimento histórico dos impérios, e da ‘revolução aquemênida’, que quebrou as limitações do tamanho dos impérios impostas pelas mentalidades imperiais anteriores.

Avraham Faust é Professor de Arqueologia na Universidade Bar-Ilan, Israel.

 

Nota sobre a frase do título

A frase do título está em um texto do Tácito, historiador romano (ca. 56 – ca.120 d.C.), que a atribui a Cálgaco. A citação diz, em latim: Auferre trucidare rapere falsis nominibus imperium, atque ubi solitudinem faciunt, pacem appellant (Agricola 30.4).

Poderia ser traduzida assim: Ao roubo, à matança, à pilhagem, eles dão o nome mentiroso de império; eles criam uma solidão e a chamam de paz.

De acordo com Tácito, Cálgaco foi um chefe da Confederação Caledônia que lutou contra o exército romano de Gnaeus Julius Agricola [sogro de Tácito] na Batalha de Mons Graupius no norte da Escócia em 83 ou 84 d.C. A única fonte histórica que o apresenta é esta obra, Agrícola, de Tácito.

Tácito escreveu um discurso que atribuiu a Cálgaco, dizendo que Cálgaco o proferiu antes da Batalha de Mons Graupius. A frase citada está neste discurso. Especialistas desconfiam, e muito, da veracidade do discurso.

Sobre isto, conferir CAMPBELL, D. B. Mons Graupius AD 83: Rome’s battle at the edge of the world. Oxford: Osprey Publishing, 2010, p. 33-35. Este autor diz:

Era adequado ao estilo oratório de Tácito retratar Cálgaco discursando para seus guerreiros reunidos antes da batalha, então ele forneceu devidamente um emocionante discurso de 70 linhas para o chefe (Tacitus, Agricola 30-32). Outros escritores clássicos seguiram a mesma tradição de inventar discursos. Embora, como biógrafo de Agrícola, Tácito fosse obrigado a fornecer informações factuais sobre seu assunto, como escritor na tradição de Cícero e Salústio, ele era igualmente obrigado a produzir uma obra literária. É digno de nota que seu amigo, o jovem Plínio, emulava conscientemente elementos do Agrícola em seu próprio Panegírico para o imperador Trajano. Assim, podemos imaginar gerações inteiras de gramáticos romanos treinando seus jovens alunos com repetidas recitações do discurso de Cálgaco.

O discurso claramente não é uma declaração típica da estratégia caledoniana. No entanto, é interessante como uma afirmação do que um romano contemporâneo pensava que as observações de um estrangeiro poderiam ser, mesmo que estejam envoltas no estereótipo do bárbaro jactancioso. Pode, de fato, ter sido a opinião do próprio Tácito sobre o comportamento do exército romano, quando ele colocou na boca de Cálgaco a seguinte acusação: Ao roubo, à matança, à pilhagem, eles dão o nome mentiroso de império; eles criam uma solidão e a chamam de paz (Agricola 30.4).

“Hoje”, Tácito imagina Cálgaco dizendo, “marcará o início da liberdade para toda a Grã-Bretanha” (Agricola 30.1). Os 40 anos anteriores de ocupação romana viram outras batalhas travadas, mas agora, finalmente, os romanos chegaram ao fim do mundo. “Somos o último povo na terra e o último povo livre”, como o historiador A. R. Birley traduz um dos epigramas maravilhosamente concisos de Tácito (Agricola 30.3: nos terrarum ac libertatis extremos). Ele faz uma distinção entre os povos que, conquistados, mais tarde se revoltam, uma vez que tiveram tempo de lamentar sua submissão a Roma. “Lutaremos, vigorosos e indomáveis, pela liberdade e não pelo arrependimento” (Agricola 31.4). O que quer que Cálgaco tenha dito na véspera da batalha, podemos ter certeza de que o plano caledoniano era defender seus lares diante do imperialismo romano.

 

Using a bottom-up approach, this book utilizes the unparalleled information available from the region to reconstruct its demography and economy before the Assyrian campaigns, and after them. Comparing these two snapshots forces us to appreciate the transformations the imperial takeover brought in its wake, and to rethink some accepted wisdom on the nature of Assyrian control. This is followed with an analysis of the actual Assyrian activities in the region, and the reality in the southwest is then compared to that in other regions. This comparison, once again, forces us to account for the differences encountered, resulting in a better appreciation of factors influencing imperial expansion, the considerations leading to annexation, and the imperial methods of control, challenging some old conventions about the development of the Assyrian empire and its rule. This leads to an examination of the Assyrian empire in comparison to other ancient Near Eastern empires, analysing the way ancient empires controlled remote provinces. Reviewing the development of ancient empires exposes not only the nature of Assyrian domination, but also one of the major changes in the nature of imperial control in antiquity, and to what we call the Achaemenid revolution.

The Structure of the Book

Following this introduction, the book includes the following chapters.

Chapter 2 (‘Before the Empire: The Southern Levant in the 8th Century BCE’) lays the foundation for the research. In order to understand the impact of Assyrian imperial domination, one must reconstruct the reality on the ground before the arrival of the empire, and therefore this chapter describes the flourishing settlement of the mid-eighth century BCE, its distribution across the landscape, and the economic significance of the various regions.

Chapter 3 (‘Ah, Assyria, the Rod of My Anger’: The Assyrian Takeover of the Southwest’) briefly outlines the Assyrian interaction with the southwest, from the first contacts in the ninth century BCE to the conquests of the last third of the eighth. By the end of this century, the entire area was, directly or indirectly, under Assyrian control. The north was divided between Assyrian provinces, whereas the south was mostly comprised of semi-autonomous clients.

Chapter 4 (‘Under the Empire: Settlement and Demography in the Southwestern Margins of the Assyrian Empire in the Seventh Century BCE’) describes the settlement and demography in the period of Assyrian control. Comparison with the information provided in Chapter 2 allows us to estimate what were the consequences of the imperial takeover. The evidence shows that the provinces in the north were devastated, whereas the client kingdom prospered and, moreover, for the first time in history the south flourished more than the north. The dramatic decline in the north is exemplified also by the large number of place names that were forgotten following the Assyrian conquests. The chapter ends with an appendix on the demographic significance of deportations.

Chapter 5 (‘Prosperity, Depression, and the Empire: Economic Developments in the Southwest during the Seventh Century BCE’) reconstructs the economy of the region during the period of Assyrian rule, and the economic specialization that typified this period. The chapter is accompanied by two appendices, one on the importance of late seventh century Greek imports for understanding economic patterns in the period of Assyrian rule, and the second briefly reviewing the development of the olive oil industry—a topic that is prominent in many discussions of Assyrian imperial economy—in time and space. The evidence shows that while the south (and Tyre) developed and participated in international trade, the provinces did not produce much surplus, and did not take part in any significant trade.

Chapter 6 (‘Assyrians in the Southwest? The Evidence for Assyrian Administration and Presence’) reviews the relevant evidence for the actual presence of Assyrian administration or individuals in the region, for example in the form of Assyrian administrative documents, Assyrian buildings, and more. Once identified, the nature of the evidence and their distribution is assessed in order to learn how much administration was involved in the running of the Southern Levant, and where it operated. The evidence shows that administration was very limited, and the limited data comes mostly from the fringes of the devastated provinces.

Chapter 7 (‘The Empire in the Southwest: Reconstructing Assyrian Activity in the Provinces’) examines, in light of the information provided in the previous chapters, the way the empire operated in the southwestern provinces, including the activity of the local governors, the deportation of some of the population, and the settling of foreign deportees. The evidence shows that most of the provinces were not of much significance for the imperial authorities, which concentrated their efforts on the frontiers facing the flourishing clients.

Chapter 8 (‘Local Responses to the Empire: From Armed Resistance to Integration’) is different from previous chapters in that it focuses not on the empire and itsCAMPBELL, D. B. Mons Graupius AD 83: Rome’s battle at the edge of the world. Oxford: Osprey Publishing, 2010 activities, but rather on the local responses to its rule. While such studies were conducted on other empires, they are somewhat rare regarding the Assyrian empire. The present case study, however, has a number of advantages. In addition to the large archaeological database available, we have a unique textual source, reflecting the voice of (some of) the conquered, i.e. the Hebrew Bible. Notably, most imperial settings texts, if they exist at all, represent the imperial view, and the Hebrew Bible, as complex as it is as a historical source, provides insights into the local views of imperial rule. The discrete lines of evidence allow us to reconstruct the local responses to Assyrian rule in different political units, and by various groups within these units, from armed resistance, through subtler forms of resistance, to cooperation, collaboration, and even integration.

Chapter 9 (‘“They Make a Desolation and They Call it Peace”: Re-Examining the Nature of the Imperial Peace’) reviews the concept of Assyrian peace that became popular over the years to describe the prospering economy during the period of Assyrian control, when no internal wars or imperial campaigns are evident. The information provided in the previous chapters, however, casts some doubt on the applicability of the term for the period under discussion, since the provinces in the southwest were devastated, and only the regions outside the official boundaries of Assyria prospered. Subsequently, the chapter re-evaluates not only the pax Assyriaca, but also the general concept of ‘imperial peace’ which was ‘imported’ from Rome (the pax Romana) into almost all imperial contexts.

Chapter 10 (‘Empire by Design? Imperial Policies and Planning and he Conquest of the Southwest’) uses the detailed information available from the southwest, which does not always fit various generalizations regarding Assyrian imperial policies (based on studies from other provinces), to reevaluate these maxims, and offers some bservations regarding the possible causes for the different treatment and strategies. The chapter discusses the various considerations that might have influenced the differentiated treatment (i) of diverse parts of the Assyrian empire (by comparing different provinces); and (ii) of empires at large (e.g. by comparing the treatment of the same regions over time). The chapter concludes with a new analysis of the process which led to the conquest of the area and the annexation of its northern part by Assyria, and of the Assyrian imperial strategy.

The final chapter (‘A Province Too Far? The Assyrian Empire, Its Southwestern Margins, and the Dynamics of Imperial Expansion, Conquest, and Rule’) briefly reviews how imperial rule in the southwest unfolded, what were the consequences of the conquests and the establishment of provinces in large parts of the area, and the processes that took place during the century of Assyrian rule. The chapter reviews the main conclusions of the book concerning the imperial activity in the southwest, and the considerations that appeared to have guided its policies in general, and discusses the implications of this on the study of imperial strategies at large. Based on the differences in the ways the Neo-Assyrian, the Neo-Babylonian, and the Persian empires treated their remote provinces, the last part of the chapter discusses the implications of this research for the study of historical development of empires, and the ‘Achaemenid revolution’, which broke the limitations on the size of empires posed by earlier imperial mindsets.

As campanhas militares de Tiglat-Pileser III na Síria e na Palestina

Reli um interessante artigo de Peter Dubovský, professor do Pontifício Instituto Bíblico, sobre as campanhas de Tiglat-Pileser III, rei da Assíria, nos territórios da Síria e da Palestina, nos anos de 734-732 a.C.: “As campanhas militares de Tiglat-Pileser III em 734-732 a.C.: o contexto histórico de Is 7, 2Rs 15-16 e 2Cr 27-28”.

Esta época e este tema muito me interessam, pois trato do assunto, no que diz respeito a Israel, em três disciplinas: Literatura Profética, ao falar dos profetas do século VIII a.C.; Literatura Deuteronomista, ao tratar do contexto da Obra Histórica Deuteronomista; e História de Israel, naturalmente, ao tratar do reino de Israel norte na segunda metade do século VIII a.C.

O que se segue abaixo é um resumo do artigo, bem simplificado, quase como se fossem notas de leitura. O artigo, em inglês, pode ser lido online aqui ou pode-se fazer o download do texto em pdf aqui.

DUBOVSKY, P. Tiglath-pileser III’s Campaigns in 734-732 B.C.: Historical Background of Isa 7; 2 Kgs 15-16 and 2 Chr 27-28. Biblica, Vol. 87, No. 2 (2006), pp. 153-170.

O artigo está dividido em três partes: a primeira reconstrói o percurso das campanhas de Tiglat-Pileser III em 734-732 a.C., a segunda investiga a logística destasPeter Dubovský campanhas militares e a terceira avalia os resultados destas campanhas.

O objetivo do artigo é, a partir das ações de Tiglat-Pileser III, avaliar as consequências políticas e religiosas para os reinos de Israel e Judá na segunda metade do século VIII a.C.

Fontes e contexto histórico

Fontes

Os documentos que temos sobre as campanhas de Tiglat-Pileser III no Levante são de dois tipos: bíblicos e assírios.

Os textos bíblicos avaliam o impacto das campanhas de Tiglat-Pileser III sobre o reino de Israel norte (2Rs 15,29-31) e sobre o reino de Judá (2Rs 15,32-16,20;Is 7,1-25;2Cr 27,1-28,27).

Os textos assírios estão em três Anais de Tiglat-Pileser III (18,23,24), três inscrições sumárias (4,9,13), um Cânon Epônimo (Cb) e várias cartas (2064, 2417, 2430, 2686, 2715, 2716, 2766, 2767).

Além dos textos assírios, há relevos de Nimrud, capital assíria, com cenas destas campanhas. E há dados arqueológicos provenientes de Israel.

Contexto histórico

Parte deste contexto histórico é descrito nos livros de História de Israel como a guerra siro-efraimita, ou seja, uma invasão de Judá por Damasco e Samaria.

É que já em 738 a.C. Israel começara a pagar tributo a Tiglat-Pileser III, quando governava, em Samaria, Menahem. Contudo, grupos antiassírios assassinaram Pecahia, filho e sucessor de Menahem, e Pecah, que subiu ao poder, associou-se a Rasin, rei de Damasco, para enfrentar a interferência assíria na região. Desta campanha deveria participar Acaz, rei de Jerusalém, que ao se recusar, teve seu território e seu governo ameaçado com uma invasão de Judá por Pecah e Rasin. Acreditando não poder se defender sozinho, Acaz chamou em seu socorro o rei assírio Tiglat-Pileser III. Assim relatam as fontes bíblicas.

Muitos autores defendem, entretanto, que a invasão de Judá por Damasco e Samaria teve como motivação primeira a ocupação de territórios judaítas na Transjordânia e não se configurava inicialmente como uma rebelião antiassíria. Do mesmo modo a motivação da Fenícia e dos filisteus seria a expansão comercial na costa mediterrânea através do controle de portos e rotas comerciais.

Porém, qualquer que tenha sido a motivação desta aliança regional, esta articulação por uma independência econômica pode ter sido vista pela Assíria como uma ameaça aos seus interesses na região, pois todos os governantes da Transjordânia ao Mediterrâneo estavam unidos em uma coalizão que controlava os portos e as maiores rotas comerciais da região.

Como dissemos, segundo os textos bíblicos, Judá vê este movimento dos vizinhos como ameaça ao seu território e pede a ajuda de Tiglat-Pileser III. Vale porém observar que tal pedido de ajuda não é mencionado nas fontes assírias.

1. Reconstrução da campanha assíria em três fases

O avanço assírio na região pode ser visto em três fases: costa, Transjordânia, região central.

1. A primeira parte da campanha assíria foi dirigida à região filisteia. Gaza era o centro da resistência. Tiglat-Pileser avançou ao longo da região costeira da Síria e da Fenícia, capturou Tiro e seu rei acabou reconhecendo a soberania assíria. Por outro lado, enquanto o exército assírio avançava em direção a Gaza, o rei da cidade a abandonou, fugindo para o Egito.

2. A segunda fase da campanha assíria levou a um primeiro ataque a Damasco e à conquista da Transjordânia. As fontes indicam que Tiglat-Pileser venceu os arameus em batalha, porém foi incapaz de capturar Damasco. Mas ele atacou e destruiu várias cidades da região de Damasco e ocupou o sul da Síria e norte da Transjordânia. Entre os inimigos vencidos deve ser contabilizada também a rainha árabe Samsi, que participava da coalizão.

3. A terceira fase da campanha levou à conquista da Galileia, de Israel e de Damasco. Esta fase está documentada tanto pelas fontes assírias quanto pelas fontes bíblicas. A população da Galileia foi deportada e um grande saque foi feito na Galileia. Em Samaria, Oseias, governante pró-assírio, substituiu o rei Pecah, que foi assassinado. Por isso, Samaria foi poupada. Finalmente, Tiglat-Pileser III atacou e conquistou Damasco, executando seu rei Rezin. Então, ele estabeleceu seu quartel-general em Damasco, onde recebeu a homenagem de seus vassalos. Inclusive de Acaz, rei de Judá.

2. A logística das campanhas de Tiglat-Pileser III

Tiglat-Pileser III (745-727 a.C.)Tudo indica que o sucesso de Tiglat-Pileser III se deve a um cuidadoso planejamento desta ofensiva.

Em primeiro lugar ele não ataca, de início, os centros de poder na região, Damasco e Samaria, mas toma primeiro a região costeira. Para um exército fortemente baseado na cavalaria e em carros de combate, esta região plana lhe permitiu um rápido avanço das tropas. Em seguida ele enfraquece Damasco, ao destruir as cercanias da capital e as plantações da região, criando, assim, uma situação de escassez de alimentos para os arameus. Nesta mesma ocasião, ele realiza um ataque surpresa contra as forças árabes da Transjordânia, submetendo a região inteira, o que incluiu também Edom, Moab e Amon. Toda esta região começou a pagar tributo para a Assíria.

Deste modo, ele criou um semicírculo formado pelos territórios de seus aliados (Gaza, Judá, Edom, Moab, Amon e Galaad), isolando a coalizão de seu maior suporte, o Egito, que ficou sem nenhuma rota para poder interferir na região. O resultado foi que os maiores centros da região, Damasco e Samaria, ficaram totalmente isolados e a coalizão se desfez.

Esta estratégia não era nova. Já fora usada por Tiglat-Pileser III antes disso em outra região, e será usada novamente por seu filho, e um de seus sucessores, Sargão II.

 

3. O resultado das campanhas de Tiglat-Pileser III

Por causa da grande instabilidade em que estava o Antigo Oriente Médio nesta época, Tiglat-Pileser III sabia que se deixasse os territórios sem ocupação após a conquista, ele teria perdido os resultados alcançados. Assim, algumas medidas foram tomadas, como:

Deportações: embora a lista detalhada de deportados esteja corrompida nos Anais de Tiglat-Pileser III, muitos pesquisadores consideram razoável o número total de 13.520 pessoas, sendo a maioria destas pessoas provenientes da Síria, de Israel e dos árabes da rainha Samsi. Dezenas de pequenas cidades na Síria e em Israel foram destruídas. Em Israel, por exemplo, a arqueologia documentou a destruição de Hasor, Dan, Tel Kinneret, Betsaida, Bet-shean, Tel Hadar, Meguido, Yoqneam, Aco, Dor e de outras localidades.

Tributos: Tiglat-Pileser III se apossou de 80 talentos de ouro e 2800 talentos de prata [um talento pesava cerca de 34 kg], além das propriedades dos reis Hiram, de Tiro, Hanunu, de Gaza, e da rainha Samsi, dos árabes. E de alguns outros milhares de proprietários das regiões conquistadas.

Reorganização administrativa: Tiglat-Pileser III incorporou à Assíria todos os territórios dos arameus, nomeando um governador assírio para a província de Damasco. Em Israel os assírios se apossaram da maior parte do país, constituindo as províncias de Dor (na costa), Meguido (Galileia) e Galaad (Transjordânia). Samaria e Jerusalém permaneceram com seus reis nativos: Oseias, em Samaria e Acaz, em Jerusalém. Mas agora eram reis vassalos da Assíria que pagavam tributos e se submetiam às ordens de Tiglat-Pileser III.

Conclusão

Assim termina Peter Dubovský seu artigo:

Esta revisão das consequências das campanhas de Tiglat-Pileser III indica que os assírios usaram vários meios para manter o território sob seu controle. A destruição das cidades, pesados tributos e pilhagem de regiões inteiras debilitaram economicamente a região. Embora os números de deportados sejam imprecisos, a deportação em massa dos habitantes locais por Tiglat-Pileser III e sua substituição por exilados de outras partes do Império enfraqueceram a resistência local. Finalmente, a reorganização administrativa fortaleceu o controle assírio e manteve a corte real em Nimrud informada regularmente sobre os desenvolvimentos mais recentes no Levante. Assim, a combinação de logística sofisticada com boa administração era um dos pré-requisitos do controle assírio bem-sucedido do Levante.

Peter Dubovský é professor de exegese do Antigo Testamento no Pontifício Instituto Bíblico, Roma. Foi nomeado Reitor do Bíblico, pelo Papa Francisco, em 11 de setembro de 2023.

O mito da prostituição sagrada

BIRD, Ph. A. Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah. University Park: Eisenbrauns, 2019, 512 p. – ISBN 9781575069814.

Trechos da resenha escrita por Jessie DeGrado, Excavating the Myth of Sacred Prostitution, publicada em Orientalia, Roma, vol. 90, fasc. 1, p. 133-138, 2021.BIRD, Ph. A. Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah. University Park: Eisenbrauns, 2019

A ambiciosa monografia de Phyllis Bird, Harlot or Holy Woman? A Study of Hebrew Qedešah [Prostituta ou mulher consagrada? Um estudo sobre qedeshah na Bíblia Hebraica], é muito mais do que uma análise lexicográfica do termo hebraico qedeshah (da mesma raiz do acádico qadishtu).

A obra traça mais de dois milênios de história interpretativa para revelar como os biblistas dos séculos XIX e XX passaram a entender o termo hebraico como o exemplo prototípico da prostituta sagrada. Ao longo da monografia, Bird reforça o trabalho de estudiosos que recentemente lançaram dúvidas sobre a existência da prostituição cultual na antiguidade.

Os três primeiros capítulos traçam o desenvolvimento da ideia de prostituição sagrada, com especial atenção às suas manifestações no discurso pós-iluminista. Bird mostra como os estudiosos europeus combinaram um cânone informal de fontes do mundo clássico com a etnografia colonial para imaginar um mundo de práticas sexuais “primitivas” e ritos de fertilidade – dos quais a prostituição sagrada é apenas um exemplo.

No capítulo 4, Bird retoma as fontes clássicas que tradicionalmente têm sido usadas para justificar a existência da prostituição sagrada. Suas conclusões coincidem em grande parte com as da pesquisa de Stephanie Budin, de 2008, sobre fontes da antiguidade tardia. As duas demonstram que as fontes clássicas não são relatos em primeira mão das práticas cultuais reais, nem sequer se alinham com as noções vitorianas de prostituição sagrada utilizadas para sustentar tal ideia. Em vez disso, os exemplos clássicos consistem em contos fantasiosos, muitos dos quais dependem de Heródoto e todos foram retoricamente elaborados para retratar o “outro” como incivilizado.

O Capítulo 5 examina as evidências do Antigo Oriente Médio relevantes para a compreensão do papel social do hebraico qedeshah. Bird trata mais de sessenta referências ao nu.gig/qadishtu em textos acádicos, bem como discute evidências ugaríticas pertencentes ao funcionário cultual {qdsh}, a ser vocalizado qadishu. Esta extensa pesquisa está atenta às diferenças diacrônicas e geográficas na prática do culto, e o leitor interessado também pode encontrar a análise de Bird do nu-gig em textos sumérios do terceiro milênio entre os apêndices do volume (“Apêndice C”, 433-453).

A análise de Bird contribui para o crescente consenso acadêmico de que o acádico qadishtu era um funcionário do culto e não uma prostituta. Mais significativo, ela vai além de uma associação fácil do qadishtu com a “religião das mulheres” ou “fertilidade”; de fato, como observa Bird, nenhum dos textos que descrevem as ações rituais dos qadishtus faz qualquer menção à fertilidade ou preocupações relacionadas. Assim, enquanto cartas e contratos da antiga Babilônia mostram que os qadishtus frequentemente trabalhavam como amas-de-leite, Bird mostra que seu papel social e vida profissional mais amplos não podem ser reduzidos a preocupações de reprodução ou fertilidade.

Armada com a evidência cognata, Bird retorna no capítulo 6 para as poucas atestações bíblicas dos lexemas qedeshah e qadesh na Bíblia Hebraica. Ela argumenta que, como a qadishtu, a qedeshah serviu como oficiante de culto. Com base na atestação do lexema em Os 4,14, Bird argumenta que as qedeshot eram bem conhecidas pelo público israelita da época (ou seja, não era uma instituição estrangeira ou construção literária) e principalmente associadas a santuários locais ao ar livre em Israel e Judá durante o século VIII a.C. Bird sugere que a associação da qedeshah com locais de culto periféricos pode explicar as proibições deuteronômicas e deuteronomistas posteriores aos funcionários qedeshah e qadesh (embora ela veja o último grupo como uma construção literária posterior, criada em analogia ao substantivo feminino). Nesta análise, Bird enfrenta uma das peculiaridades do lexema hebraico qedeshah: toda vez que a palavra ocorre, ela está com o hebraico zonah (prostituta). Bird sugere que a associação de qedeshah com a prostituição resultou de uma situação social real, em que as qedeshot se voltaram para a prostituição como forma de ganhar dinheiro após a abolição dos santuários locais*.

* Nota: O vocábulo zanah é usado quase uma centena de vezes no AT. Desta raiz deriva taznût, “fornicação” (22 vezes, sendo usado só em Ez 16 e 23), zenûnîm, “prostituição” (11 vezes), zenût, “prostituição” (9 vezes) e zônâh, “prostituta”. Encontramos ainda o vocábulo qadêsh (pl. qedêshim, fem. qedêshah e seu pl. qedeshôt), derivado do verbo qadash, “santificar”, “ser santo”, para indicar homens ou mulheres ligados a santuários ou divindades.

(…)

Em um estudo que abrange mais de cinco mil anos de história, certamente haverá algo de interesse para todos os leitores. A meu ver, a maior contribuição do volume não está no tratamento das fontes antigas (por mais ricas que sejam esses capítulos), mas na escavação do mito da prostituta sagrada no pensamento pós-iluminista. A análise de Bird das construções da prostituição sagrada do século XVIII e início do século XIX revela uma constelação de interesses e preocupações relacionados que são claramente informados pelas motivações econômicas do colonialismo e uma narrativa iluminista do progresso humano.

Bird explicitamente extrai as suposições evolutivas de estudiosos como Jacques-Antoine Dulaure (1755-1835), C. Staniland Wake (1835-1910) e John Lubbock (1834-1913). Os três estudiosos realizam pesquisas etnográficas de explorações coloniais europeias na Ásia, África e Américas como um meio de desvendar a lógica por trás da prostituição sagrada na antiguidade. Os estudiosos também incorporam sua compreensão da “prostituição sagrada” em um discurso mais amplo sobre o papel da fertilidade nas sociedades e religiões antigas.

Tanto Wake quanto Lubbock fazem referência explícita à teoria da evolução de Darwin. Além disso, embora Lubbock não tenha subscrito a filosofia racial do “darwinismo social”, seu trabalho evidencia uma crença em um tipo de evolução social. Essa visão compartilha muito em comum com seu primo mais explicitamente racista. Em particular, Wake e Lubbock identificam explicitamente as comunidades na Ásia e na África Ocidental como “primitivas” e, portanto, um locus apropriado de comparação para o mundo antigo.

Bird contextualiza o trabalho do agora infame James Frazer à luz dessa história. Assim como Budin, ela ressalta que Frazer não é o ponto de partida para a compreensão do mito da prostituição sagrada na virada do século XX. Em vez disso, Frazer representa uma destilação e popularização de um discurso que já era difundido nos círculos intelectuais europeus. Como a de seus antecessores, a obra de Frazer se baseia na confluência de duas correntes de pensamento: primeiro, baseia-se em um fluido “cânone” de textos clássicos que ostensivamente fazem referência à prostituição sagrada; segundo, faz referência a fenômenos semelhantes entre os “selvagens” modernos. A análise de Bird mostra, assim, que a obra de Frazer está inserida em um discurso mais amplo sobre ritos de fertilidade entre grupos antigos e contemporâneos.

Essa observação torna o trabalho de Bird interessante para quem estuda como a história política moderna afetou nossa reconstrução do passado. Embora Bird não se envolva diretamente em estudos pós-coloniais, suas conclusões são diretamente pertinentes a esse campo.

Em sua obra agora clássica, Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, Edward Said (1978) trata muitas das mesmas questões – incluindo o impulso de usar as populações modernas da Ásia e do Oriente Médio como uma janela para o passado.

Da mesma forma, estudiosos que trabalham em estudos pós-coloniais e teoria racial crítica destacam como uma obsessão com a sexualidade dos corpos morenos permeia tanto o discurso acadêmico quanto o público.

No caso do Oriente Médio em particular, Mahmudul Hassan, Isra Ali e Mayanthi Fernando, entre outros, exploraram recentemente como as visões orientalistas do Oriente Médio codificam uma visão profundamente paradoxal de gênero e sexualidade. Por um lado, as mulheres do Oriente Médio são vistas como especialmente reprimidas, vivendo vidas enclausuradas entre outras mulheres, longe da companhia dos homens. Por trás do véu, porém, as mulheres são figuradas carnalmente, como objetos de gratificação sexual e fantasia colonial. Embora esses tipos de pressupostos tenham suas raízes na dominação colonial, eles persistem até hoje, às vezes involuntariamente reciclados pelo discurso feminista americano e europeu.

Explorar a relação entre o orientalismo e o mito da prostituição sagrada revela o significado contínuo do trabalho de Bird. Seu livro mostra como o mito da prostituição sagrada está inserido em um discurso mais amplo sobre fertilidade e a sexualidade descontrolada das mulheres do Oriente Médio – e esse pode ser o legado duradouro do trabalho.

Nos anos em que Bird levou para escrever um livro tão abrangente quanto Harlot or Holy Woman, o campo mudou significativamente. Em particular, a construção da prostituição sagrada não está mais em voga. No entanto, as duas vertentes interpretativas mais amplas que Bird identifica continuam. Os estudos da religião das mulheres ainda apresentam um foco proeminente nos corpos das mulheres e nas capacidades reprodutivas, e eles continuam a usar a etnografia de forma acrítica – recorrendo ao retrato de um “Oriente” estático e imutável que foi usado para justificar o colonialismo europeu. O trabalho de Bird, portanto, tem um papel importante a desempenhar à medida que trabalhamos para desmantelar as suposições não declaradas que continuam a dificultar o trabalho sobre gênero no antigo Oriente Médio.

 

Em texto anterior ao livro que estamos apresentado, Phyllis Bird, no capítulo Lucian’s Last Laugh: The Origins of “Sacred Prostitution” at Byblos, do livro AUGUSTIN, M.; NIEMANN, H. M. (eds.) “My Spirit at Rest in the North Country” (Zechariah 6.8): Collected Communications to the Xxth Congress of the International Organization for the Study of the Old Testament, Helsinki 2010. Frankfurt: Peter Lang, 2011, p. 203-212, diz:

Phyllis Ann Bird (nascida em 1934) O relato de Heródoto sobre o “costume” babilônico que exigia que toda mulher uma vez na vida se oferecesse a um estranho no templo de Afrodite (Milita) (História 1.199) era tão conhecido na Europa do século XVIII que Voltaire poderia usá-lo como um caso de teste para uma regra geral de credibilidade histórica.

Foi também o texto fundacional para uma ideia de “prostituição religiosa (ou sagrada)” entendida como uma característica da “religião oriental”, que se baseava em relatos de autores clássicos e patrísticos sobre as práticas religiosas e sexuais de outros, ideia que reuniu uma variedade de práticas distintas em uma variedade de terras e culturas.

O que é descrito como prostituição sagrada nesta literatura de comentário cultural é uma construção europeia, identificada por uma expressão que não tem contrapartida linguística em nenhuma das culturas onde foi identificada. É inútil, portanto, tentar verificar ou refutar sua existência através de estudos dos textos antigos.

O que me interessa neste artigo é a natureza dos relatos antigos usados ​​na construção do conceito moderno. Entre esses, o relato de Luciano de Samósata [ca. 120 – depois de 180 d.C.] sobre a prática em Biblos é fundamental – pelo menos para os estudiosos bíblicos interessados ​​no ambiente religioso do antigo Israel.

É fundamental porque é a única fonte de prostituição sagrada na Síria/Fenícia antes dos relatórios do século IV d.C. de Eusébio e Atanásio. É também o único texto que liga a prostituição sagrada ao culto de um “deus que morre e ressuscita”, que foi central para a noção de um “culto da fertilidade” agrícola que dominou a visão dos estudiosos bíblicos sobre a religião “cananeia”, seguindo Sir James George Frazer – embora Frazer não faça referência à prostituição sagrada em seu tratamento do culto de Adônis em Biblos. O relato de Luciano sobre o culto em Biblos, lido ao lado de seu relato sobre o templo em Sídon, também é significativo para a questão das origens fenícias do culto cipriota de Afrodite, onde a prostituição em homenagem à deusa parece mais claramente situada.

Phyllis Ann Bird (nascida em 1934) é uma pioneira nos estudos feministas da Bíblia. Ela é professora emérita de Interpretação do Antigo Testamento no Seminário Teológico Evangélico Garrett, Evanston, Illinois.

Jessie DeGrado é professor de Estudos do Antigo Oriente Médio na Universidade de Michigan, Ann Arbor, MI.

Existia prostituição sagrada em Israel?

Provavelmente não. Nem em Israel, nem no Antigo Oriente Médio e nem na Grécia.

Em meu texto Notas sobre a pesquisa do livro de Oseias no século XX, onde resumo dois artigos de Brad E. Kelle, se lê:

A interpretação mais duradoura das imagens de Oseias 1–3 [o casamento do profeta com a prostituta Gomer], que alcançou apoio quase unânime durante vários períodos do século XX, compreende o discurso como se referindo a um conflito religioso generalizado no Israel do século VIII a.C. entre o javismo e o baalismo, e como simbolizando a apostasia de Israel através de alguma forma de culto a Baal (…) Dado que virtualmente todas as interpretações cultuais de Oseias 1–3 ligam esses capítulos de alguma forma a um suposto baalismo ativo nos dias de Oseias, os estudos frequentemente consideram as metáforas do texto como fontes para reconstruir a história da religião israelita.

Esse estudo histórico-religioso chamou a atenção da academia e passou de um consenso relativamente estável em meados do século XX para um estado de debateFARAONE, C. A.; McCLURE, L. K. (eds.) Prostitutes and Courtesans in the Ancient World. Madison, Wisconsin: University of Wisconsin Press, 2006. fragmentado na primeira década do século XXI. As questões mais importantes dizem respeito às definições adequadas de Baal e baalismo em relação à linguagem e às imagens de Oseias.

A suposta prática da prostituição cultual formou o exemplo mais marcante de tais interpretações de fertilidade de Oseias 1–3. Estudiosos extraíram evidências para essa prática principalmente de textos proféticos e escritores clássicos como Heródoto, e sugeriram que as imagens sexuais de Oseias retratam Israel como literalmente envolvido em tais rituais para Baal.

Desde a década de 80, no entanto, estudiosos têm desafiado quase todos os aspectos das evidências literárias e arqueológicas comumente citadas para esta prática em geral, e sua relevância para o estudo de Oseias 1–3 em particular. O consenso atual parece ser que a noção de uma instituição de prostituição cultual fornecendo o contexto para textos como Oseias 2 não pode mais ser sustentada sem grande cautela.

Esses desenvolvimentos relativos à noção específica de prostituição cultual são representativos das mudanças que ocorreram nas duas últimas décadas em relação à ideia geral de um culto sexual literal de Baal como a chave para a interpretação religiosa das metáforas de Oseias. Praticamente todos os ‘ritos de fertilidade’ propostos por eruditos anteriores (prostituição cultual, defloração ritual, promiscuidade sexual em festivais baalistas etc.) estão sob suspeita, e o consenso acadêmico afastou-se significativamente do conceito geral de práticas cultuais sexualizadas como pano de fundo para uma interpretação religiosa de Oseias 1–3.

Embora a falta de evidência de um culto sexualizado de Baal nos dias de Oseias tenha levado a maioria dos estudiosos a abandonar as interpretações cultuais de fertilidade de Oseias 1–3, a leitura dominante desses capítulos continua a ver o culto generalizado e não sexual de Baal no Israel do século VIII a.C. como a chave interpretativa para as metáforas do texto. Assim, enquanto as metáforas da fornicação e do adultério podem não se referir à atividade sexual literal, elas servem como metáforas negativas descrevendo o culto de Israel a Baal.

Contudo, de acordo com as recentes mudanças no estudo da história da religião israelita, a interpretação religiosa de Oseias 1–3 tornou-se mais complexa do que a noção de um simples conflito entre o javismo e o baalismo. Algumas abordagens recentes, por exemplo, identificam o pano de fundo das metáforas de Oseias não como o abandono de Iahweh por Baal por parte de Israel, mas como a prática sincrética de misturar ou identificar Iahweh com Baal.

Resumindo, a interpretação religiosa dominante das metáforas de Oseias 1–3 toma muitas formas na pesquisa atual, incluindo um conflito entre os deuses rivais Iahweh e Baal, o culto de numerosas divindades locais (os baalim), o sincretismo de Iahweh e Baal no culto israelita, e a presença de formas “não-ortodoxas” do javismo como parte da religião “popular”. Essas várias reconstruções, em oposição às leituras literais do início do século XX, representam a principal forma atual da interpretação religiosa da linguagem e das imagens de Oseias.

 

No livro Prostitutes and Courtesans in the Ancient World. Madison, Wisconsin: University of Wisconsin Press, 2006, organizado por Christopher A. Faraone e Laura K. McClure, no capítulo Sacred Prostitution in the First Person (p. 77-92), escrito por Stephanie L. Budin, leio:

Este capítulo reconsidera as evidências da prostituição sagrada no corpus clássico. Toma como ponto de partida as mais recentes pesquisas do Antigo Oriente Médio que mostram que a prostituição sagrada nunca existiu naquela região, mas sim que esta é uma ideia fabricada com base em alegações feitas por autores clássicos e erros de tradução por estudiosos da terminologia cultual.

Em vez de ver a prostituição sagrada como uma realidade histórica, considero a sugestão do biblista Robert A. Oden Jr. em The Bible Without Theology: The Theological Tradition and Alternatives to It. Chicago: University of Illinois Press, 1999, de que era uma acusação, um motivo literário usado por uma sociedade para denegrir outra, e testo essa sugestão contra a noção de relatos em primeira mão da prostituição sagrada, segundo a qual uma sociedade relata a existência da prostituição sagrada em seu próprio tempo e cultura.

Por isso, o título do capítulo A prostituição sagrada na primeira pessoa. Se uma sociedade reivindica livremente a prostituição sagrada como uma de suas próprias instituições culturais, a hipótese do motivo literário acusatório deve ser abandonada.

No entanto, como a evidência mostrará, não há, de fato, relatos em primeira mão conhecidos de prostituição sagrada no mundo antigo. Esses exemplos aparentes do mundo clássico são interpretações errôneas de autores clássicos ou, como acontece com as evidências do Antigo Oriente Médio, traduções errôneas de certa terminologia. No final, a evidência apoia a ideia de que a prostituição sagrada nunca existiu no mundo antigo.

O que é “prostituição sagrada”?

Stephanie Lynn BudinComo se entende atualmente, a prostituição sagrada no mundo antigo era a venda do corpo de uma pessoa para fins sexuais, onde uma parte, ou a totalidade, do dinheiro recebido por essa transação era destinada a uma divindade. No Antigo Oriente Médio essa divindade é geralmente entendida como Ishtar ou Astarte e na Grécia era Afrodite.

Pelo menos três tipos distintos de prostituição sagrada são registrados nas fontes clássicas.

1. Uma delas é a venda da virgindade em homenagem a uma deusa. Nosso primeiro testemunho de tal prática está registrado em Heródoto 1.199:

A instituição mais indecorosa dos babilônios é a seguinte: todas as mulheres habitantes da região devem ir a um templo de Afrodite uma vez na vida e ter relações sexuais com um desconhecido. Muitas delas, orgulhosas por causa de sua opulência, consideram indigno misturar-se com as outras mulheres e vão até as proximidades do templo em carruagens cobertas, em cujo interior permanecem, com numerosos serviçais à sua volta. Em sua maioria as mulheres agem da maneira seguinte: ficam sentadas no recinto de Afrodite com uma coroa de corda na cabeça. Há uma multidão delas, umas chegando, outras saindo, e são estendidas cordas em todas as direções no local onde as mulheres ficam esperando os homens, para que estes possam circular e as escolham. Depois de uma mulher sentar-se naquele lugar, não voltará à sua casa antes de um estranho lhe haver lançado dinheiro nos joelhos e de ter tido relações sexuais com ele fora do templo. Lançando o dinheiro, o homem tem que dizer as seguintes palavras: “Chamo-te em nome da deusa Milita” (Milita é o nome dado pelos assírios a Afrodite). A importância em dinheiro pode ser qualquer uma, e a mulher nunca se recusa; ela não tem esse direito, pois aquele dinheiro se torna sagrado; ela segue o primeiro homem que lhe joga qualquer dinheiro, sem rejeitar nenhum. Depois de ter relações com tal homem ela volta à casa, pois terá cumprido suas obrigações sagradas para com a deusa; posteriormente, por mais dinheiro que se lhe ofereça não se consegue seduzi-la. As mulheres belas e bem proporcionadas não demoram a voltar para suas casas; as feias, porém, esperam muito tempo sem poder cumprir a obrigação imposta por essa instituição, e há algumas que ficam lá durante três e até quatro anos. Em certos lugares da ilha de Chipre existe um costume praticamente idêntico a esse. (HERÓDOTO História. Tradução do Grego, Introdução e Notas de Mário da Gama Kury. Brasília/DF: Universidade de Brasília, 1985, 1.199)

2. Um segundo tipo de prostituição sagrada envolve mulheres (e homens?) que são prostitutas profissionais e que pertencem a uma divindade ou ao santuário de uma divindade. Assim Estrabão (6.2.6) diz de Érix, na Sicília: “Habitada também é Érix, uma colina elevada, possuindo um santuário altamente honrado de Afrodite em tempos antigos repletos de hieródulas que muitos da Sicília e de outros lugares dedicaram em cumprimento de votos. Mas agora, assim como o próprio assentamento, o santuário também está despovoado, e a maioria dos corpos sagrados foi embora.”

3. Finalmente, há referências a um tipo temporário de prostituição sagrada, onde as mulheres (e homens?) ou são prostitutas por um período limitado de tempo antes de se casarem ou apenas se prostituem durante certos rituais.

Um exemplo do primeiro vem de Estrabão (14.11.16): “Os medos e armênios reverenciam muito todos os costumes sagrados dos persas, e os armênios especialmente os da [deusa] Anaïtis, dedicando templos em várias regiões e especialmente Akilisenê. Lá eles dedicam escravos e escravas. Isso não é nada notável, mas as pessoas mais ilustres dedicam até filhas solteiras, para quem é costume, tendo sido prostitutas (kataporneutheisais) por muito tempo na presença da deusa, para serem casadas, ninguém desdenhando viver com elas em casamento”.

Um exemplo deste último está registrado em Luciano (De Dea Syria 6): “[As mulheres de Biblos] raspam suas cabeças, assim como os egípcios quando Ápis morre. As mulheres que se recusam a fazê-lo pagam esta pena: por um único dia ficam oferecendo sua beleza à venda. O mercado, no entanto, está aberto apenas para estranhos e o pagamento se torna uma oferta a Afrodite”.

Teorias além da meramente econômica passaram a ser associadas ao conceito de prostituição sagrada, muitas vezes envolvendo noções de fertilidade ou casamento sagrado.

Assim escreveu J. L. McKenzie em seu estudo sobre a prostituição sagrada na Bíblia: “A prática da prostituição no Antigo Oriente Médio parece não ter sofrido nenhuma censura moral e era comum. Uma característica peculiar da cultura mesopotâmica e cananeia era a prostituição ritual. Ao templo da deusa da fertilidade (Inanna, Ishtar, Astarte) foram anexados bordéis servidos por mulheres consagradas que representavam a deusa, o princípio feminino da fertilidade” (McKENZIE, J. L. verbete Prostitution. In Dictionary of the Bible, Milwauke, 1965, 700).

No entanto, a definição mais simples de prostituição sagrada que uso aqui é a econômica, pela qual uma divindade receberia o dinheiro pago para comprar ou alugar o corpo da prostituta.

A natureza da evidência

A evidência para a prostituição sagrada pode ser dividida em duas categorias separadas: referências diretas à instituição no corpus clássico e referências implícitas no corpus do Antigo Oriente Médio.

1. As referências diretas e clássicas, como os exemplos acima, referem-se inequivocamente a mulheres que vendem seus corpos por sexo, que são “sagradas” ou que entregam o dinheiro que ganham a uma divindade. As palavras usadas para descrevê-las são hetairai (cortesãs), scorta (prostitutas) e kataporneuo (prostituir). Em suma, sua(s) ocupação(ões) são expressas claramente nos textos.

2. As referências implícitas no corpus do Antigo Oriente Médio são mais difíceis de analisar, pois as alegações da existência de prostitutas sagradas dependem da tradução de palavras que não são tão evidentes quanto o grego hetaira. As pessoas mais comumente referidas como prostitutas sagradas são os qadesh e as qedeshah da Bíblia; no corpus cuneiforme, as funcionárias identificadas como prostitutas sagradas incluem a entum, naditum, qadishtum, ishtaritum, kulmashitum, enquanto os kezertu e os funcionários masculinos assim rotulados são os kalbu, assinnu kurgarru e kulu’u. Em suma, quase todas as funcionárias de cultos femininos reconhecíveis na Mesopotâmia foram marcadas como prostitutas sagradas, incluindo aquelas sacerdotisas cujos equivalentes masculinos não foram reconhecidos como tendo uma função sexual. Ninguém, por exemplo, jamais acusou o en (senhor) de prostituição.

Mais adiante, na p. 83 e seguintes, após questionar as evidências utilizadas pelos autores para confirmar a existência da prostituição sagrada no Antigo Oriente Médio, diz a autora:

Os novos dados forçam uma reconsideração da prostituição sagrada no mundo antigo. Até os dias de hoje supunha-se que a prostituição sagrada fosse um aspecto da religião do Antigo Oriente Médio, muitas vezes associado aos cultos de Ishtar e Astarte, que se espalharam para as partes do mundo clássico que tinham estreitas afinidades com o Antigo Oriente Médio, especialmente a Fenícia. Assim, a crença geral nas prostitutas sagradas da antiga Corinto, ou da Lócrida italiana, ou da Érix siciliana. No entanto, diante do fato de que a prostituição sagrada nunca existiu no Antigo Oriente Médio, simplesmente devemos reavaliar nossas opiniões sobre sua existência no mundo clássico.

Assim, certas questões inevitáveis vêm à tona: se a prostituição sagrada não existia no Antigo Oriente Médio, ela existia no mundo clássico? Se não, sobre o que Heródoto, Estrabão e até mesmo os primeiros Padres da Igreja estavam escrevendo? E, talvez o mais importante, qual é a origem da nossa compreensão moderna da prostituição sagrada?

 

Deixo este texto, que continua, e passo a outro, mais desenvolvido, da mesma autora:

BUDIN, S. L. The Myth of Sacred Prostitution in Antiquity. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, 384 p. – ISBN 9780521880909.

Diz a autora na Introdução/Capítulo 1:

A prostituição sagrada nunca existiu no Antigo Oriente Médio ou no Mediterrâneo. Este livro apresenta as evidências que levam a essa conclusão. Também reconsidera osBUDIN, S. L. The Myth of Sacred Prostitution in Antiquity. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. vários dados literários que deram origem ao mito da prostituição sagrada e oferece novas interpretações do que eles podem realmente significar em seus contextos antigos. Espero que isso encerre um debate que está presente em vários campos da academia há cerca de três décadas.

O que é a prostituição sagrada, também conhecida como prostituição cultual? Há, como se pode imaginar de um tema que tem sido objeto de estudo há séculos e objeto de debate há décadas, várias respostas diferentes para essa pergunta.

[Depois de citar quatro definições encontradas em publicações modernas, a autora diz]: Quatro definições diferentes trouxeram à tona várias noções diferentes, embora nem sempre conflitantes, do que era a prostituição sagrada.

. Era algum tipo de ritual de defloração pré-nupcial.

. Era a prostituição de escravos para benefício econômico dos templos.

. Era a prostituição de sacerdotes e sacerdotisas permanentes ou temporários como prática cultual.

. Era um ritual de fertilidade, administrado pela organização do templo.

Pelo menos parte dessas fantasias e variações na definição vêm das diferentes fontes de prostituição sagrada na antiguidade. Como veremos nos próximos capítulos, algumas das fontes parecem se referir a uma classe profissional de prostitutas sagradas (por exemplo, as tabuinhas cuneiformes), enquanto outros parecem se referir à prostituição ocasional de mulheres que, em seu cotidiano, não são prostitutas (por exemplo, Heródoto).

(…)

O que é importante lembrar, no entanto, é que a prostituição sagrada não existia.

E o texto continua.

Stephanie Lynn Budin é uma historiadora norte-americana que trabalha com gênero, religião, sexualidade e iconografia na Grécia antiga e no Antigo Oriente Médio.

Sugiro a leitura de uma resenha da obra. Por exemplo, a escrita por Kiara Beaulieu, publicada em Past Imperfect 15 (2009), Universidade de Alberta, Canadá: DOI: https://doi.org/10.21971/P79P4H

Para compreender as características de Heródoto, recomendo a leitura de GALLO, R. Mito e história nas ‘Histórias’: a narrativa de Heródoto. Rónai – Revista de Estudos Clássicos e Tradutórios, v. 1, n. 1, p. 16–29, 2015, Juiz de Fora. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/ronai/article/view/23055.

Recomendo ainda a leitura de ANAGNOSTOU-LAOUTIDES, E.; CHARLES, M. B. Herodotus on Sacred Marriage and Sacred Prostitution at Babylon. Kernos, 31, p. 9-37, 2018. Disponível em https://journals.openedition.org/kernos/2653.

História de Israel II 2022

Este curso de História de Israel II compreende 2 horas semanais, com duração de um semestre, o segundo dos oito semestres do curso de Teologia. Os alunos recebem os roteiros de todas as minhas disciplinas do ano em curso nos formatos pdf e html. Os sistemas de avaliação e aprendizagem seguem as normas da Faculdade e são, dentro do espaço permitido, combinados com os alunos no começo do curso.

I. Ementa
O exílio babilônico. A época persa e as conquistas de Alexandre. Os Ptolomeus governam a Palestina. Os Selêucidas: a helenização da Palestina. Os Macabeus I: a resistência. Os Macabeus II: a independência. O domínio romano: da intervenção de Pompeu à revolta de Bar-Kosibah.

II. Objetivos
Oferece ao aluno um quadro coerente da História de Israel e discute as tendências atuais da pesquisa na área. Constrói uma base de conhecimentos histórico-sociais necessários ao aluno para que possa situar no seu contexto a literatura bíblica veterotestamentária produzida no período.

III. Conteúdo Programático
1. O exílio babilônico

2. O judaísmo pós-exílico

2.1. O domínio persa

2.2. O domínio grego

2.3. O domínio romano

IV. Bibliografia

Básica
FINKELSTEIN, I. ; SILBERMAN, N. A. A Bíblia desenterrada: a nova visão arqueológica do antigo Israel e das origens dos seus textos sagrados. Petrópolis: Vozes, 2018.

LIVERANI, M. Para além da Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008.

MAZZINGHI, L. História de Israel das origens ao período romano. Petrópolis: Vozes, 2017.

Complementar
DA SILVA, A. J. História de Israel. Disponível na Ayrton’s Biblical Page. Última atualização: 10.01.2022.

GERSTENBERGER, E. S. Israel no tempo dos persas: séculos V e IV antes de Cristo. São Paulo: Loyola, 2014.

HORSLEY, R. A. Arqueologia, história e sociedade na Galileia: o contexto social de Jesus e dos Rabis. São Paulo: Paulus, 2000 [2a. reimpressão: 2017].

KIPPENBERG, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judeia: estudo sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo: Paulus, 1997. Resumo publicado em Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 120, p. 413-434, 2013 e disponível na Ayrton’s Biblical Page. Última atualização: 12.02.2021.

STEGEMANN, W. Jesus e seu tempo. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2013.

História de Israel I 2022

Este curso de História de Israel I compreende 2 horas semanais, com duração de um semestre, o primeiro dos oito semestres do curso de Teologia. Os alunos recebem os roteiros de todas as minhas disciplinas do ano em curso nos formatos pdf e html. Os sistemas de avaliação e aprendizagem seguem as normas da Faculdade e são, dentro do espaço permitido, combinados com os alunos no começo do curso.

I. Ementa
Noções de geografia do Antigo Oriente Médio. As origens de Israel: as principais tentativas de explicação. A monarquia tributária israelita: os governos de Saul, Davi, Salomão, o reino de Judá e o reino de Israel.

II. Objetivos
Oferece ao aluno um quadro coerente da História de Israel e discute as tendências atuais da pesquisa na área. Constrói uma base de conhecimentos histórico-sociais necessários ao aluno para que possa situar no seu contexto a literatura bíblica veterotestamentária produzida no período.

III. Conteúdo Programático
1. Noções de geografia do Antigo Oriente Médio

2. As origens de Israel

3. A monarquia tributária israelita

3.1. Os governos de Saul, Davi e Salomão

3.2. O reino de Israel

3.3. O reino de Judá

IV. Bibliografia
Básica
FINKELSTEIN, I. ; SILBERMAN, N. A. A Bíblia desenterrada: a nova visão arqueológica do antigo Israel e das origens dos seus textos sagrados. Petrópolis: Vozes, 2018.

LIVERANI, M. Para além da Bíblia: história antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008.

MAZZINGHI, L. História de Israel das origens ao período romano. Petrópolis: Vozes, 2017.

Complementar
DA SILVA, A. J. História de Israel. Disponível na Ayrton’s Biblical Page. Última atualização: 10.01.2022.

DONNER, H. História de Israel e dos povos vizinhos. 2v. 7. ed. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2017.

FINKELSTEIN, I. O reino esquecido: arqueologia e história de Israel Norte. São Paulo: Paulus, 2015.

GOTTWALD, N. K. As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto, 1250-1050 a.C. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004.

KAEFER, J. A. A Bíblia, a arqueologia e a história de Israel e Judá. São Paulo: Paulus, 2015 [2. reimpressão: 2021].

Livro de Finkelstein sobre Esdras, Neemias e Crônicas em português

FINKELSTEIN, I. Realidades asmoneias subjacentes aos livros de Esdras, Neemias e Crônicas: Perspectivas arqueológicas e históricas. São Paulo: Paulinas, 2021, 272 p. – ISBN 9786558080626.

Os períodos persa e helenista encontram-se no centro dos debates atuais em torno da datação dos textos bíblicos. Nesta coleção de estudos, Israel Finkelstein esboça umFINKELSTEIN, I. Realidades asmoneias subjacentes aos livros de Esdras, Neemias e Crônicas: Perspectivas arqueológicas e históricas. São Paulo: Paulinas, 2021 argumento inteiramente apoiado em dados arqueológicos para uma data mais tardia do que a tradicionalmente defendida para partes dos livros de Esdras, Neemias e Crônicas. Finkelstein trata de tópicos chaves tais como a lista dos repatriados, a construção da muralha de Jerusalém, os adversários de Neemias, as genealogias tribais e a expansão territorial de Judá no Segundo Livro das Crônicas. Ele postula que as realidades geográficas e históricas ocultas por trás de pelo menos partes desses livros ajustam-se ao período asmoneu no final do século II a.C. Seis ensaios publicados anteriormente são complementados por mapas, material arqueológico atualizado e referências a recentes publicações em torno dos tópicos em questão.

Livro em formato digital apenas. Leia trechos no Google Livros. Sobre o original, em inglês, publicado em 2018, veja uma apresentação aqui.

Apresentação à edição brasileira – Por José Ademar Kaefer

Durante uma conferência em São Paulo em 2019, Israel Finkelstein disse o seguinte: “Quando vejo a comunidade acadêmica sentada tranquilamente, como sapos em uma lagoa a coaxar harmoniosamente, concluo que alguma coisa está errada. Vou, então, e jogo uma pedra na água e causo um alvoroço geral”. É isso literalmente o que este livro faz.

Israel Finkelstein é um arqueólogo de larga e bem-sucedida experiência. Apesar de coordenar escavações em diversos sítios e em diferentes regiões, tem como base de suas pesquisas o Tel Megiddo. Finkelstein faz arqueologia crítica, não no sentido de desfazer o que outros concluíram ou de chamar a atenção sobre si, mas de perguntar a razão das coisas e se elas realmente são o que aparentam ser. Também é um pesquisador sensível, capaz de mudar de opinião diante das evidências. Seu histórico não está preso a instituições ou ideias. Seu profundo conhecimento da arqueologia e seu acesso ao material arqueológico dos diferentes sítios possibilitam-lhe uma leitura diferenciada também dos textos bíblicos, campo ao qual tem-se dedicado mais amplamente nos últimos anos.

(…)

A falta de evidências arqueológicas dos períodos persa e helenista antigo/primitivo

Como é sabido, costuma-se situar muita produção bíblica no chamado período do domínio persa (538-332 a.C.). No entanto, temos pouca, ou quase nenhuma informação de Judá desse período. Na Bíblia, os únicos livros que tratam explicitamente do contexto persa são os livros de Esdras e Neemias. Contudo, as informações históricas em ambos os livros são confusas e contraditórias, por isso sua consistência é questionável. Também não temos evidências arqueológicas, extrabíblicas, desse período, tais como monumentos, artefatos, escritos etc., praticamente nada. A pequena exceção são os papiros de Elefantina. Por isso, afirma Finkelstein, a comunidade acadêmica corre um sério risco de não sair de uma argumentação circular.

Também não há comprovação de atividade literária desse período em Judá. Existem evidências de atividade literária do final da monarquia (século VII a.C.), como mostram as análises feitas nos óstraca de Arad, onde se comprovou a existência de cinco a seis mãos diferentes na grafia. Depois a escrita desaparece e só volta a aparecer no período helenista tardio, século II a.C., durante o reinado asmoneu. Ou seja: entre a destruição de Jerusalém (587 a.C.) e o surgimento do estado asmoneu (134 a.C.) não há evidência de atividade literária extrabíblica na Judeia. Isso não pode ser ignorado quando se trata de estudar os textos bíblicos, afirma Finkelstein.

Jerusalém

Outra questão a considerar é o resultado das escavações da antiga Jerusalém, hoje quase toda ela rodeada pela muralha turco-otomana construída por Solimão, o Magnífico (sultão de 1520 a 1566). Acredita-se que a Jerusalém dos períodos persa (538-332 a.C.) e helenista antigo/primitivo (332-134 a.C.) ocupou a mesma área da Jerusalém dos reinados de Davi e Salomão, século X a.C., hoje em dia denominada de “Cidade de Davi”. O curioso é que em ambos os casos não há remanescentes arquitetônicos, nem templo, muralha, palácio ou grandes edifícios. Isso coloca os dois períodos num mesmo plano. Do período persa e helenista antigo/primitivo, somente poucos e pequenos pedaços de cerâmica foram encontrados. O que representa ser uma comprovação de que a Jerusalém desse período existia, mas era muito pobre.

As escavações atuais, como a que está sendo conduzida no Givati Parking Lot, costumam encontrar certa abundância de cerâmica dos períodos bizantino, romano tardio, romano antigo/primitivo e helenista tardio, mas não dos períodos helenista antigo/primitivo e persa. Nas escavações, após o estrato helenista tardio, segue logo o estrato da Idade do Ferro II tardia (século VII a.C.). Os estratos do período helenista antigo/primitivo e persa faltam, não existem. Há um vazio arqueológico. Esta ausência costuma ser atribuída à erosão ou às reconstruções da cidade por séculos. Mas, diz Finkelstein, pisos e muralhas não podem desaparecer no ar. Se assim fosse, também não se deveria encontrar remanescentes de outros períodos.

A Jehud Parvak do período persa

Outra polêmica levantada por este livro é o tamanho da província de Judá (Jehud Parvak) do período persa. Não sabíamos até há pouco tempo qual era o seu tamanho aproximado. Após um estudo coordenado por Oded Lipschits, da Universidade de Tel Aviv, isso ficou mais claro. Lipschits e sua equipe fizeram um levantamento do número e das localidades onde foram encontrados os selos Jehud Parvak, impressos nas alças dos potes de cerâmica, os quais eram utilizados para a coleta do tributo persa. Isso possibilitou saber até onde ia o território da província de Judá. O que se descobriu foi que 85% dos selos foram encontrados nos arredores de Jerusalém, principalmente em Ramat Rahel, um centro de coleta de tributo que distava 4 km de Jerusalém. E 90%, se incluir Masfa (Tell en-Nasbeh), que dista cerca de 10 km de Jerusalém, na região de Benjamim. Em conclusão: a Judeia do período persa parece que correspondia a um território muito mais reduzido do que se imaginava.

O contexto de Esdras, Neemias e Crônicas

Israel Finkelstein (nascido em 1949)Para o estudo do contexto dos livros de Esdras, Neemias e 1 e 2 Crônicas, Finkelstein aborda alguns textos considerados centrais nestes livros, particularmente aqueles que se caracterizam pelo seu conteúdo geográfico. Por exemplo, Ne 3, que trata da reconstrução da muralha de Jerusalém e menciona vários grupos, de diferentes locais, que participaram da construção ou se opuseram a ela. Primeiro, Finkelstein é categórico em afirmar que não existe muralha do período persa. A muralha que alguns afirmam ser do período persa não é arqueologia séria. Tal muralha é seguramente a do período asmoneu, que praticamente segue a mesma linha da muralha destruída pelos babilônios em 587 a.C. A menção ao número de portões e de torres da muralha citado no texto é o mesmo da muralha asmoneia. Outra questão é a referência aos locais, como Betsur e Gabaon/Gibeon, que o texto faz. Segundo Finkelstein, esses locais não tinham assentamento no período persa e helenista antigo/primitivo. Talvez tivessem um pequeno assentamento, mas sem importância. Portanto, para Finkelstein, a realidade descrita em Ne 3 não corresponde de nenhum modo ao período persa, mas ao período asmoneu.

Outro problema é a menção aos inimigos de Neemias (Ne 2,19 e 4,1.7-8). Finkelstein pergunta: Por que a pequena comunidade nascente de Jerusalém conflitaria com Samaria, que fica longe no norte, com Amon, que fica do outro lado do Jordão, com Azoto/Asdode, que fica junto ao mar Mediterrâneo, e com os árabes no sul, todos povos tão distantes de Jerusalém? Para ele, estas são as direções das conquistas asmoneias do segundo século a.C., com João Hircano: norte, leste, oeste e sul.

Nesse mesmo plano se encontra a lista dos repatriados (Esd 2,1-70 e Ne 7,6-72). Os locais mencionados nesses textos, nos quais os repatriados foram assentados, não revelam presença humana nos períodos persa e helenista antigo/primitivo. Revelam presença humana nos períodos da Idade do Ferro II e helenista tardio. Mas não nos períodos persa e helenista antigo/primitivo. Talvez em alguns locais possa ter havido atividade fraca, mas na maioria não houve nenhuma. Ademais, a lista das localidades mencionadas abrange um território muito amplo, de Hebron a Siquém e da Sefelá até a Transjordânia. Essa dimensão não coaduna com a área demarcada pela presença dos selos Jehud, assunto abordado anteriormente. Ou seja: ela não representa o território da província de Judá (Jehud Parvak) do período persa. Por outro lado, ela é correspondente à expansão asmoneia do século II a.C. O interessante é que na lista das cidades conquistadas por Roboão, apresentada pelo cronista (2Cr 11,5-12.23), há um acréscimo em relação a 1Rs 12,21-24;14,21-31, onde ele se inspirou. Curiosamente, este acréscimo são as cidades fortificadas conquistadas pelos asmoneus.

Enfim, Finkelstein não discorda de que haja um núcleo (memória) antigo/primitivo nos livros de Esdras, Neemias e 1 e 2 Crônicas. No entanto, para ele, os três livros contêm amplo material do período asmoneu, que retrata a realidade do referido período, e os três têm a mão do cronista.

Tal é o lago de águas agitadas no qual este livro nos lança.

Obs.: as três notas de rodapé foram omitidas. A grafia hasmoneus, com h, no texto da tradução brasileira, foi, aqui, modificada para asmoneus, sem o h.

Ensaios de historiografia bíblica: novo livro de Israel Finkelstein

FINKELSTEIN, I. Essays on Biblical Historiography: From Jeroboam II to John Hyrcanus I. Tübingen: Mohr Siebeck, 2022, IX + 592 p. – ISBN 9783161608537.

Este volume é uma coleção de artigos e novos ensaios de Israel Finkelstein que oferece um roteiro para reconstruir a evolução da historiografia bíblica ao longo de 700FINKELSTEIN, I. Essays on Biblical Historiography: From Jeroboam II to John Hyrcanus I. Tübingen: Mohr Siebeck, 2022 anos, começando com Israel no início do século VIII a.C. e terminando nos dias dos Macabeus no final do século II a.C. O livro tem 30 capítulos, a maioria dos quais publicados na forma de artigos, principalmente nos últimos anos. Somente dez deles foram publicados antes de 2015. Sete capítulos tem coautoria e, nesses casos, o nome do coautor aparece sob o título.

Ênfase especial é dada:
. às tradições israelitas do norte que começaram a ser escritas a partir de Jeroboão II
. à chegada dessas tradições em Judá após a conquista de Israel pela Assíria
. à ideologia judaica do século VII a.C.
. às necessidades de legitimidade dos Macabeus nos dias de João Hircano

A análise é baseada nas mais recentes descobertas arqueológicas, na exegese dos textos bíblicos e em registros do antigo Oriente Médio.

Israel Finkelstein diz na Introdução:

Vinte anos atrás, publiquei meu livro (junto com Neil A. Silberman) A Bíblia desenterrada: A nova visão arqueológica do antigo Israel e das origens dos seus textos sagrados, que se concentrava na historiografia bíblica dos dias do rei Josias de Judá.

Desde então, dei dois passos significativos – um para trás e outro para a frente.

Meu passo para trás é que agora vejo o início da historiografia bíblica como um reflexo das realidades e ideologia do Reino do Norte na primeira metade do século VIII a.C. Esta é uma grande mudança na minha percepção cronológica e temática. Cronologicamente, este passo para trás “fecha” a lacuna entre as fases iniciais da história de Israel e Judá e a primeira composição dos textos bíblicos. Tematicamente, ele explica a incorporação de textos do Norte na Bíblia do Sul e lança luz sobre o surgimento de conceitos centrais no texto, como a Conquista de Canaã e a Monarquia Unida.

No passo à frente, refiro-me ao meu interesse pela historiografia bíblica mais recente – os livros de Esdras, Neemias e Crônicas. Diferente da maioria dos estudos atuais, que datam sua composição nos períodos persa e/ou helenístico inicial, sugiro que eles sejam entendidos como uma representação da ideologia territorial dos Macabeus no final do século II a.C.

O leitor deve notar que, devido à minha ênfase nas primeiras composições israelitas do norte e no período dos Macabeus, a fase mais importante da historiografia bíblica – Judá do final do século VII a.C. – está um tanto sub-representada. Isso pode ser remediado com uma releitura de A Bíblia desenterrada.

 

Israel Finkelstein (nascido em 1949)This volume is a collection of articles and new essays by Israel Finkelstein that offers an outline for reconstructing the evolution of biblical historiography over 700 years, starting with Israel in the early eighth century BCE and ending with the days of the Hasmoneans in the late second century BCE. Special emphasis is given to North Israelite traditions which were committed to writing in the days of Jeroboam II; to the arrival of these traditions in Judah after the takeover of Israel by Assyria; to Judahite ideology of the seventh century BCE; and to the legitimacy needs of the Hasmoneans in the days of John Hyrcanus. The analysis is based on the most recent archaeological discoveries, biblical exegesis and ancient Near Eastern records. The book consists of 30 chapters, most of which were published as articles, mainly in recent years (only three were published before 2010, only seven before 2015). Seven of these chapters were co-authored and in these cases the name of the co-author appears under the title.

From the Introduction:

Twenty years ago, I published my book (together with Neil A. Silberman) The Bible Unearthed: Archaeologyʼs New Vision of Ancient Israel and the Origin of Its Sacred Texts, which focused on biblical historiography in the days of King Josiah of Judah. Since then, I have taken two significant steps – one backward and one forward. My step backward is that I now see the beginning of biblical historiography as reflecting the realities and ideology of the Northern Kingdom in the first half of the 8th century BCE. This is a major change in my perception both chronologically and thematically. Chronologically, it “closes” the gap between early phases in the history of Israel and Judah and the first composition of biblical texts. Thematically, it explains the incorporation of Northern texts in the Southern Bible and sheds light on the emergence of central concepts in the text, such as the Conquest of Canaan and the United Monarchy. In the step forward I refer to my interest in late biblical historiography – the Books of Ezra, Nehemiah and Chronicles. To differ from the conventional wisdom of recent scholarship, which locates their composition in the Persian and/or early Hellenistic periods, I suggest they be understood as representing the territorial ideology of the Hasmoneans in the late 2nd century BCE. The reader should note that because of my emphasis on early North Israelite and Hasmonean compositions, the most important phase in biblical historiography – Judah of the late 7th century – is somewhat under-represented; this can be remedied by reverting to The Bible Unearthed.

Kara Cooney e o poder dos faraós

Os faraós foram indiscutivelmente os melhores de todos os tempos em apresentar um regime autoritário como bom, puro e moral. Essa é a ideia subjacente que precisa ser detonada primeiro, porque ainda acreditamos nela hoje.

Um livro

COONEY, K. The Good Kings: Absolute Power in Ancient Egypt and the Modern World. Washington, D.C.: National Geographic Society, 2021, 400 p. – ISBNCOONEY, K. The Good Kings: Absolute Power in Ancient Egypt and the Modern World. Washington, D.C.: National Geographic Society, 2021 9781426221965.

Uma entrevista

Renomada egiptóloga diz que é hora de parar de romantizar o Egito antigo – UCLA Newsroom – Alison Hewitt: 6 de dezembro de 2021

Em ‘The Good Kings’, Kara Cooney, da UCLA, traça paralelos entre o poder dos faraós e regimes autoritários atuais.

Pirâmides, faraós e deuses egípcios antigos encantaram muitos, mas é hora de pararmos de romantizar as armadilhas do autoritarismo, de acordo com Kara Cooney da UCLA.

Cooney é professora de egiptologia e arqueologia da UCLA e autora de best-sellers (“The Woman Who Would Be King”, 2014, e “When Women Ruled the World,” 2019). Em seu último livro, ela admite que seu fascínio pelo Egito antigo azedou – tanto que agora ela se descreve como uma “egiptóloga em recuperação”. A admiração acrítica dos faraós que continuou até os dias atuais, ela escreve, é um legado dos esforços dos antigos governantes para manipular a forma como eram percebidos e até serviu como uma base narrativa e cultural sustentando o autoritarismo moderno.

“Quantos de nós tivemos obsessões profundas com o mundo antigo – eu simplesmente amo os templos egípcios! Eu adoro a mitologia grega! – isso são realmente sintomas de um vício contínuo ao poder masculino que simplesmente não podemos abandonar? ” Cooney escreve.

“Os bons reis: poder absoluto no antigo Egito e no mundo moderno”, publicado pela National Geographic, traça paralelos diretos entre os governantes de 3.000 anos atrás e os tiranos modernos. Nele, Cooney descreve como os faraós criaram um argumento moral convincente para o poder que continua a enganar as pessoas hoje, e que está diretamente ligado ao atual aumento do autoritarismo.

Cooney explora as armadilhas dos sistemas patriarcais que prejudicam mulheres e homens, e ela argumenta convincentemente que a sociedade está duplicando os padrões históricos que levaram repetidamente a colapsos de poder. Só que desta vez, ela observa, a mudança climática alterou as regras de recuperação.

Cooney é Diretora do Departamento de Línguas e Culturas do Oriente Médio da UCLA. Em uma entrevista para a UCLA Newsroom, ela fala sobre as lições que as narrativas egípcias antigas podem oferecer à luz dos desafios sociais que o mundo enfrenta em 2021.

Leia a entrevista.

Sobre o livro, recomendo aguardarmos uma resenha de um especialista na área. Por outro lado, lendo as resenhas dos leitores na página da Amazon, vejo tanto elogios quanto críticas ferozes. O que é de se esperar, pois lida com um tema político sensível, os regimes autoritários modernos.

Tal empreendimento é cheio de armadilhas. Por isso, o que me interessa mesmo é saber se seu método de aproximação do antigo com o moderno tem consistência. Gostaria de conhecer sua “competência hermenêutica”, saber se a autora conseguiu, no livro, se situar a igual distância tanto da metafísica do sentido (positivismo) quanto da pletora das significações (biscateação).

 

Renowned Egyptologist says it’s time to stop romanticizing ancient Egypt – UCLA Newsroom – Alison Hewitt: December 6, 2021

In ‘The Good Kings,’ UCLA’s Kara Cooney draws parallels between pharaohs and present-day authoritarians

Pyramids, pharaohs and ancient Egyptian gods have entranced many, but it’s time we stopped romanticizing the trappings of authoritarianism, according to UCLA’s Kara Cooney.

Cooney is a UCLA professor of Egyptology and archaeology and already a bestselling author (“The Woman Who Would Be King,” 2014, and “When Women Ruled the World,” 2019). In her latest book, she admits that her fascination with ancient Egypt has soured — so much so that she now describes herself as a “recovering Egyptologist.” The uncritical admiration of the pharaohs that has continued to the present day, she writes, is a legacy of the ancient rulers’ efforts to manipulate how they were perceived, and has even served as a narrative and cultural foundation propping up modern authoritarianism.

“How many of us have had deep obsessions with the ancient world — I just love Egyptian temples! I adore Greek mythology! — that are really symptoms of an ongoing addiction to male power that we just can’t kick?” Cooney writes.

“The Good Kings: Absolute Power in Ancient Egypt and the Modern World,” published by National Geographic, draws direct parallels between the rulers of 3,000 years ago and modern tyrants. In it, Cooney describes how the pharaohs created a compelling moral argument for power that continues to mislead people today, and which is linked directly to the current rise of authoritarianism.

Cooney explores the pitfalls of patriarchal systems that harm women and men alike, and she convincingly argues that society is duplicating the historical patterns that have repeatedly led to power collapses. Only this time, she notes, climate change has altered the rules of recovery.

Cooney is chair of UCLA’s Department of Near Eastern Languages and Cultures. In an interview with UCLA Newsroom, she talks about what lessons ancient Egyptian narratives might offer in light of the societal and social challenges the world faces in 2021.

Why are the pharaohs of ancient Egypt still so relevant thousands of years later?

Pharaohs open themselves up to social justice discussions. The hard thing is that the pharaohs were arguably the best ever at presenting an authoritarian regime as good and pure and moral. That’s the underlying idea that needs to be popped first, because we still buy into it today. Concepts of patriarchal society, extraction of natural resources for profit, exploitation, overwork, misogyny and more all came pouring out of the Egyptian narrative.

We’re still living in those narratives. We may tell ourselves we’re too smart to be fooled, but the idea of modern exceptionalism is a fake-out. We’re still just as prone to the fears of an early death or a lack of prosperity. We’re just as superstitious and god fearing.

All those vulnerabilities make us very, very easy marks for authoritarian regimes if we don’t think critically and understand the tools they are wielding over us.

What do you hope people take away from the book?

I wanted to give readers a playbook, in a sense, for what could come next from a historian’s perspective, and why the patriarchy is not the only way of running a system. The patriarchy is destroying itself. It’s happening. And we need to be there, anti-patriarchically, to rebuild something that better protects us all from the abuses of power.

You write that you see signs that the patriarchy is leading society toward a collapse, repeating a pattern that has occurred throughout history. But you also note that climate change will interrupt the cycle in a big way. What can we learn about what comes next by studying the rise and fall of ancient Egyptian regimes?

The patriarchy rises and falls in cycles, collapsing and rebuilding. But the thing that’s haunting authoritarian regimes now is that the Earth is not allowing that cycle anymore. The Earth is not allowing the ongoing extractive, consumptive, unequal hoarding that defines those regimes, because it’s unsustainable, and that unsustainability is now the undoing of the patriarchy.

We’ve had smaller-scale climate change for thousands of years; think of cities wiped away by deforestation that led to mudslides. The difference now is the scale. Now it’s global. The patriarchy sows the seeds for its own destruction again and again before coming back in a vicious cycle, but the difference this time is global climate change threatens to make this the final cycle.

I’m not a soothsayer, but from my 10,000-year view of history, I see two paths. It could be more patriarchy for another 500 years until the planet is truly dead, and then that’s it; that’s the end of the story. But I think we will flirt with patriarchy and mess with it for another 200-some years, and then we will find our way through to something sustainable and different.

Kara Cooney is Professor of Egyptian Art and Architecture at UCLA and chair of its Department of Near Eastern Languages and Cultures. Her academic work focuses on death preparations, social competition, and gender studies. She appeared as a lead expert in the popular Discovery Channel special The Secrets of Egypt’s Lost Queen and produced and wrote Discovery’s Out of Egypt. The author of When Women Ruled the World (2018) and The Woman Who Would be King (2014), Cooney lives in Los Angeles, CA.