Criado em 7 de dezembro de 2005, Observatório Bíblico está comemorando hoje 17 anos de existência.
Carta da ABIB sobre projeto de lei que proíbe alterações ou acréscimos no texto da Bíblia
São Paulo, 1 de dezembro de 2022
Ilmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados
Arthur Lira (PP-AL)
Ref. Projeto que “proíbe alterações ou acréscimos no texto bíblico”
Pela presidência da ABIB (Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica), dirigimo-nos a Vossa Excelência para manifestar nossa inquietação sobre o projeto de Lei N° 4.606, de 2019, aprovado por esta respeitosa casa – ainda que em regime de urgência, conforme noticiado nos jornais no último dia 23 – proibindo alterações ou acréscimos na Bíblia.
Criada em 2004, durante um congresso que reuniu pesquisadores(as), professoras(es) e estudantes na área de estudo e pesquisa bíblica, das mais diversas confissões religiosas, a ABIB tornou-se o espaço privilegiado do pensamento crítico das hermenêuticas e exegeses bíblicas. E é mediante esse acervo de estudos que nos credenciamos para manifestar total desacordo com os termos e objetivos do citado projeto. Diante de tal proposta, questionamos:
1) Redigidos, originalmente, em hebraico e grego, e canonizados nos anos de 85 d.C., pelos sábios judeus reunidos na assembleia de Jâmmia, como é possível alterar, séculos depois, as páginas do AT (Antigo Testamento)? A mesma questão aplica-se aos textos do NT (Novo Testamento). A prática de Jesus de Nazaré foi essencial para o surgimento dos primeiros textos paulinos – surgidos entre os anos 54 a 64 d.C. – e, mais tarde acrescidos pelos evangelistas e líderes comunitários preocupados em preservar os ensinamentos expostos por Jesus de Nazaré.
2) O Art. 1° afirma: “Fica vedada qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada…”. Mediante tal propositura, perguntamos: quem será esta pessoa ou entidade capaz de fiscalizar essas possíveis alterações? Seria esta a mais nova atribuição da Câmara dos Deputados?
3) Sobre isso, questionamos igualmente: de qual Bíblia estamos falando? Para o Antigo Testamento há ao menos dois cânones (lista oficial de livros inspirados): o hebraico e o grego, com diferentes versões para os mesmos livros e, mesmo, passagens bíblicas, além de o cânon grego acrescentar livros que não se encontram no cânon hebraico. Devido a isso, as igrejas cristãs adotaram diferentes conjuntos de livros. As igrejas de tradição evangélica adotam o que se considera “cânon breve”; a Igreja Católica adota o “cânon médio”, com sete livros a mais que o cânon evangélico; as Igrejas de tradição ortodoxa adotam “cânon longo”, com outros cinco ou seis livros. Qual destes cânones – hebraico, grego, protestante-evangélico, católico ou ortodoxo – será o padrão para se estabelecer o que é “acrescentado” e o que é “retirado” da Bíblia? O projeto parece não levar em conta este fato ligado ao desenvolvimento histórico do cânon e que não pode ser eliminado por decreto.
4) Também não podem ser eliminadas por decreto as divergências entre os manuscritos que contêm as primeiras cópias dos livros sagrados. Deve-se levar em conta que não existe um único versículo bíblico que esteja com as mesmas palavras em todos os manuscritos. O processo de formação e desenvolvimento da Bíblia supõe, já desde os inícios, acréscimos, supressões e mudanças de palavras.
5) Nesta mesma linha, o fato de os originais terem sido escritos em hebraico e grego (para não falar também de aramaico, siríaco, copta, armeno, boairico e latim), a tradução de um texto bíblico é atividade extremamente complexa, pois a mesma palavra em grego ou hebraico pode (e, por vezes, deve) ser traduzida de mais de uma maneira para o português. Perguntamos: a Câmara de Deputados irá arbitrar também para cada uma das infinitas divergências e possibilidades de tradução e de interpretação de uma mesma palavra ou frase?
6) Nossas igrejas professam que a correta interpretação das Sagradas Escrituras conjuga um esforço pessoal de leitura, análise exegética – muitas vezes um esmerado trabalho de tradução dos textos originais encontrados em aramaico, hebraico, grego e latim, conjugados com a ação do Espírito Santo. Como é possível controlar a produção de um vasto campo hermenêutico?
7) Mais absurdo é pensar combater a “Intolerância Religiosa” – optamos por manter o destaque exposto no projeto –, com o frágil argumento de garantir “uma vez por todas, a inviolabilidade de sua redação e sua explanação pública no Brasil”, quando sabemos que qualquer tipo de intolerância ocorre por ignorância ou livre desejo de cometer tal ato violento e que só será superado por um processo contínuo de aprimoramento do sistema educacional.
8) Permita-nos, ainda, um último aceno. Ao recorrer ao texto de João 8,32 – “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará”, o projeto reedita a única hermenêutica condenada por todas as igrejas cristãs que se debruçam, há séculos, sobre as Escrituras e nelas encontram meios para manifestar, na sociedade brasileira e no mundo, os sinais do Reino de Deus, a saber: a leitura fundamentalista. Leitura essa, que prescinde dos contextos literários, históricos, filológicos e redacionais ao interpretar os textos bíblicos ao pé da letra, como se fossem palavras escritas, hoje, em algum órgão de imprensa!
Certos de estarmos abrindo um espaço de um frutuoso diálogo com esta Casa de Leis, provocado pela aprovação do referido projeto, subscrevemo-nos no desejo de colaborar para que as igrejas, alicerçadas nas páginas das Sagradas Escrituras, sigam colaborando na superação de todo e qualquer tipo de violência.
A carta é assinada por Antonio Carlos Frizzo, Presidente da Abib e por Kenner Terra, Secretário da Abib.
Faça o download da carta, em pdf, clicando aqui.
Biblical Studies Carnival 201
Seleção de postagens dos biblioblogs em novembro de 2022.
Biblical Studies Carnival 201 for November 2022
Trabalho feito por Phillip J. Long em seu blog Reading Acts.
Morreu E. P. Sanders (1937-2022)
Morreu, no dia 21 de novembro de 2022, o biblista norte-americano E. P. Sanders.
Estudioso do Novo Testamento, E. P. Sanders foi um dos principais teóricos da “Nova Perspectiva sobre Paulo”.
Veja aqui, aqui, aqui e aqui o que é a Nova Perspectiva sobre Paulo.
Von Rad e a literatura sapiencial
SANDOVAL, T. J. ; SCHIPPER, B. U. (eds.) Gerhard von Rad and the Study of Wisdom Literature. Atlanta: SBL Press, 2022, 476 p. – ISBN 9781628374490.
O estudo de Gerhard von Rad sobre a literatura sapiencial em Weisheit in Israel (1970) é considerado como um dos mais importantes da área. Mais de cinquenta anos depois de sua publicação, colaboradores de “Gerhard von Rad e e o estudo da literatura sapiencial” reavaliam o significado e as deficiências do trabalho do falecido estudioso e apontam novos métodos e perspectivas para os estudos da literatura sapiencial hoje.
Os colaboradores incluem George J. Brooke, Ariel Feldman, Edward L. Greenstein, Arthur Jan Keefer, Jennifer L. Koosed, Will Kynes, Christl M. Maier, Timothy J. Sandoval, Bernd U. Schipper, Mark Sneed, Hermann Spieckermann, Anne W Stewart, Raymond C. Van Leeuwen, Stuart Weeks e Benjamin G. Wright III.
Esta coleção de ensaios é leitura essencial não apenas para especialistas no estudo da literatura sapiencial, mas também para estudiosos e estudantes avançados da Bíblia hebraica em geral.
Gerhard von Rad’s study of biblical wisdom literature in Weisheit in Israel (1970) is widely regarded as one of the most important studies in the field of ancient Israelite wisdom literature. More than fifty years later, contributors to Gerhard von Rad and the Study of Wisdom Literature reevaluate the significance and shortcomings of the late scholar’s work and engage new methods and directions for wisdom studies today.
Contributors include George J. Brooke, Ariel Feldman, Edward L. Greenstein, Arthur Jan Keefer, Jennifer L. Koosed, Will Kynes, Christl M. Maier, Timothy J. Sandoval, Bernd U. Schipper, Mark Sneed, Hermann Spieckermann, Anne W. Stewart, Raymond C. Van Leeuwen, Stuart Weeks, and Benjamin G. Wright III.
This collection of essays is essential reading not only for specialists in wisdom studies but also for scholars and advanced students of the Hebrew Bible in general.
Timothy J. Sandoval is Associate Professor of Hebrew Bible at Brite Divinity School at Texas Christian University. He is the author of The Discourse of Wealth and Poverty in the Book of Proverbs (2005) and the coeditor of Petitioners, Penitents, and Poets: On Prayer and Praying in Second Temple Judaism (2020).
Bernd U. Schipper is professor of Hebrew Bible at the Faculty of Theology at the Humboldt-University of Berlin. He is the author of The Hermeneutics of Torah: Proverbs 2, Deuteronomy, and the Composition of Proverbs 1–9 (2021) and coeditor of Wisdom and Torah: The Reception of “Torah” in the Wisdom Literature of the Second Temple Period (2013).
Ayrton’s Biblical Page: 23 anos online
Criada em 10 de novembro de 1999, Ayrton’s Biblical Page está comemorando hoje 23 anos de existência.
Ayrton’s Biblical Page celebrates 23 years online.
Encontrada a primeira frase inteira escrita em cananeu
Arqueólogos israelenses encontram a primeira frase completa escrita em cananeu. Em um pente para remover piolhos.
Os piolhos eram uma praga na antiguidade, como são até hoje. Sabemos disso porque arqueólogos israelenses encontraram um pente para remoção de piolhos cananeu feito de marfim e que pode ser datado por volta de 1700 a.C.
Encontrado em 2017 na cidade de Laquis, o artefato tem 17 letras formando sete palavras em proto-cananeu: “Que esta presa arranque os piolhos do cabelo e da barba”.
O pente foi estudado por pesquisadores da Universidade Hebraica de Jerusalém, bem como da Universidade Adventista do Sul e da Universidade Lipscomb, ambas no Tennessee. O projeto foi dirigido pelos professores Yosef Garfinkel, Michael Hasel e Martin Klingbeil, e o pente foi limpo e preservado por Miriam Lavi.
Mas a inscrição foi notada apenas este ano pela pesquisadora Madeleine Mumcuoglu, da Universidade Hebraica de Jerusalém. A escrita foi decifrada pelo epigrafista Daniel Vainstub da Universidade Ben-Gurion em Be’er Sheva. Suas descobertas foram publicadas no Jerusalem Journal of Archaeology.
“O pente tem apenas 3 centímetros de comprimento e cada letra tem cerca de 2 a 3 milímetros de tamanho, e eles foram talhados muito superficialmente”, diz Garfinkel. “Sob luz normal, a inscrição não era visível. Mas depois de seis anos foi examinado novamente, talvez graças à luz lateral – e de repente a inscrição foi vista.”
O pente inscrito tem seis dentes grandes de um lado, para desembaraçar o cabelo ou a barba, e 14 dentes mais finos do outro lado que podem prender os parasitas e seus ovos, também conhecidos como lêndeas.
Quem poderia ter possuído um artefato como aquele na Idade do Bronze?
O marfim era um item de luxo. O marfim do pente provavelmente foi importado do Egito, sugerindo que o proprietário era rico, diz Garfinkel. “Teria sido como um diamante hoje, um item de luxo. Outros provavelmente também tinham pentes para remover piolhos, mas feitos de madeira que teria se deteriorado”, diz ele, acrescentando que o marfim, sendo osso, resistiu ao tempo. Outros pentes para piolhos foram encontrados em Laquis e em toda Canaã. Vinte foram encontrados em apenas um cemitério do Bronze Médio em Jericó, feitos de madeira.
Para ser claro, isso está longe de ser a primeira inscrição proto-cananeia encontrada em Israel: 10 foram encontradas apenas em Laquis, uma importante cidade-estado cananeia do segundo milênio a.C., a Idade do Bronze, até o início do período helenístico. Escrever em Laquis é “bem atestado” em vários períodos, observa o renomado epigrafista Christopher Rollston da George Washington University em Washington, DC, (que não esteve envolvido nesta pesquisa). Mas esta é a primeira frase cananeia completa.
A inscrição também contém a representação mais antiga conhecida da letra “sin”, que em hebraico hoje é pronunciada da mesma forma que “samekh”, ou a letra “s”, mas tinha um som diferente.
Rollston confirma que, em sua opinião, a escrita é de fato escrita cananeia primitiva, acrescentando: “Esta é uma inscrição maravilhosa, tanto por causa do conteúdo da inscrição quanto pelo objeto sobre o qual está escrita: um pente”.
Israeli Archaeologists Find First Whole Sentence Written in Canaanite. On a Lice Comb
(…) Israeli archaeologists have found a Canaanite lice comb made of elephant ivory around 3,700 years ago.
Found in 2017 in the biblical city of Lachish, the artifact joins the pantheon of ancient combs assumed to be for lice that have been found up and down the Holy Land. But this one is different.
This one bears the earliest sentence ever found in Israel, seven words in the world’s first alphabet, archaic proto-Canaanite: “May this tusk root out the lice of the hair and the beard.”
(…)
The comb was unearthed and studied by researchers from the Hebrew University of Jerusalem, as well as from Southern Adventist University and Lipscomb University, both in Tennessee. The project was directed by professors Yosef Garfinkel, Michael Hasel and Martin Klingbeil, and the comb was cleaned and preserved by Miriam Lavi.
But the exhortation was noticed only this year by research associate Madeleine Mumcuoglu at Hebrew University. The writing was deciphered by semitic epigraphist Daniel Vainstub of Ben-Gurion University in Be’er Sheva. Their findings were published in the Jerusalem Journal of Archaeology.
“The whole thing is just 3 centimeters [1.2 inches] long and each letter is about 2 to 3 millimeters in size, and they were very shallowly incised,” Garfinkel says. ”Under ordinary light the inscription wasn’t visible. But after six years it was examined again, maybe thanks to light from the side – and suddenly the inscription was observed.”
The inscribed comb has six big teeth on one side, to untangle hair or a beard, and 14 finer teeth on the other side that could snag the parasites and their eggs, aka nits, Mumcuoglu reported in 2008. All the teeth were broken in antiquity and the middle of the comb became eroded, maybe because it had been gripped tightly while being dragged through the offending locks.
The source material, tusk, was determined through analysis by Prof. Rivka Rabinovich of Hebrew University and Prof. Yuval Goren of Ben-Gurion University. Who might have owned an artifact like that in the Bronze Age?
Then as now, ivory was a luxury item. Earlier this year archaeologists excavating in Jerusalem found small ivory panels that would have adorned expensive, possibly royal, furniture.
The ivory for the comb was likely imported from Egypt, suggesting that the infested owner was wealthy, Garfinkel says. “It would have been like a diamond today, a crème de la crème luxury item. Others likely had lice combs too, but made of wood that would have decayed,” he says, adding that the ivory, being bone, weathered the ages.
(…)
To be clear, this is far from the first proto-Canaanite inscription found in Israel: 10 have been found just at Lachish, a major Canaanite city-state from the second millennium B.C.E., the Bronze Age, to the early Hellenistic period. Writing at Lachish is “nicely attested” from various periods, notes the renowned epigrapher Christopher Rollston of George Washington University in Washington, D.C., (who was not involved in this research). But this is the first actual Canaanite sentence, says Vainstub.
The inscription also contains the earliest known representation of the letter “sin”, which in hebrew today is pronounced the same as “samekh”, or the letter “s” but then had a different sound, Vainstub explains. Today the ancient sin persists only among some peoples in southern Arabia, he adds.
How did he interpret the words for louse, hair and beard? Canaanite has significant similarities with the most ancient stratum of biblical-era Hebrew, for one thing. “The first word is the root natash which serves like in Hebrew – to root out,” he explains. The Canaanite word for hair is se’ar, the same as in all semitic languages. Beard is zakat, similar to the Hebrew zakan. Though at about 3,700 years old, the Canaanite comb predates the Israelites’ arrival by centuries.
Rollston confirms that in his opinion, the writing is indeed early Canaanite script, adding: “This is a wonderful inscription, both because of the content of the inscription as well as the object upon which it is written: a comb”.
(…)
To be clear, several inscriptions in proto-Canaanite have been found to date, including 10 in Lachish itself, but all had only isolated letters or two or three words. One vessel, the “Lachish ewer” (found in 1934), bears drawings of animals and trees, and some writing; it seems to date to the late 13th century B.C.E. A shard with letters found at Lachish came from of a pot imported from Cyprus about 3,500 years ago and inked in Canaan.
Unlike the exhortation to the god against parasites, it’s too incomplete to hazard a guess at what it said. Other examples of proto-Canaanite writing were found at Gezer and Shechem.
Fonte: Haaretz – By Ruth Schuster: Nov 9, 2022.
A casa de Herodes
CHILTON, B. The Herods: Murder, Politics, and the Art of Succession. Minneapolis: Fortress Press, 2021, 384 p. – ISBN 9781506474281.
Herodes, filho de Antípater, idumeu, foi nomeado rei da Judeia pelo Senado romano. Em 37 a.C. Herodes torna-se o senhor da Palestina. Casa-se com Mariana I, parente de Aristóbulo II e Hircano II, entrando definitivamente para a família asmoneia. Herodes Magno governa o povo judeu durante 34 anos (37-4 a.C.).
Herodes luta com decisão para consolidar o seu poder. Isto significa, antes de mais nada, que ele elimina, através de assassinatos e intrigas várias, adversários seus, inclusive alguns membros de sua família – como esposa e filhos.
Consolidado o poder, constrói obras grandiosas na Judeia. Templos, teatros, hipódromos, ginásios, termas, cidades, fortalezas, fontes. Reconstrói totalmente o Templo de Jerusalém, a partir do inverno de 20-19 a.C.
Reconstrói Samaria, dando-lhe o nome de Sebaste, feminino grego de Augusto, em homenagem ao Imperador romano; constrói um importante porto, Cesareia Marítima; Mambré, lugar sagrado ligado a Abraão, recebe uma grande construção que o valoriza; fortalezas são reedificadas ou totalmente construídas como Alexandrium, Heródion, Massada, Maqueronte, Hircania etc. Jericó é embelezada e torna-se sua residência favorita.
Valorizando o culto, Herodes Magno ganha para si o povo. Construindo fortalezas, controla possíveis revoltas. Matando seus inimigos, seleciona seus herdeiros. Apoiando a cultura helenística, aparece diante do mundo. Servindo fielmente a Roma, conserva-se no poder.
Entretanto, Herodes não tem legitimidade judaica, pois descende de idumeus e sua mãe é descendente de árabe. Assim, por ser estrangeiro, não tem para com os judeus nenhuma relação de reciprocidade e sua legitimidade se funda na própria estrutura do poder exercido.
Quando vence os seguidores de Antígono, Herodes constrói uma estrutura de poder independente da tradição judaica:
. nomeia o sumo sacerdote do Templo: destitui os Asmoneus e nomeia um sacerdote da família sacerdotal babilônica e, mais tarde, da alexandrina
. exige de seus súditos um juramento que obriga a pessoa a obedecer às suas ordens em oposição às normas tradicionais; se a pessoa recusar o juramento, é perseguida
. interfere na justiça do Sinédrio
. manda vender os assaltantes e os revolucionários políticos capturados como escravos no exterior, sem direito a resgate
. a venda à escravidão e a execução pessoal (a morte) tornam-se normas comuns do arrendamento estatal.
Mas, se ele viola assim a tradição, como consegue legitimidade?
A estrutura de poder do Estado sob Herodes é bem diferente da estrutura da época dos Macabeus:
. o rei é legitimado como pessoa e não por descendência
. o poderio não se orienta pela tradição, mas pela aplicação do direito pelo senhor
. o direito à terra é transmitido pela distribuição: o dominador a dá ao usuário: é a “assignatio”
. a base filosófica helenística é que legitima o poder do rei, quando diz que o rei é “lei viva” (émpsychos nómos), em oposição à lei codificada, ou seja: o rei é a fonte da lei, porque ele é regido pelo “nous“: o rei tem função salvadora e, por isso, dá aos seus súditos uma ordem racional, através das normas do Estado.
. o poder militar de Herodes se baseia em mercenários estrangeiros que ficam em fortalezas ou em terras dadas aos mercenários (cleruquias) por ele (terras no vale de Jezrael), e nas cidades não judaicas por ele fundadas, a cujos cidadãos ele dá como posse o território que as rodeia, com os camponeses dentro.
Seus herdeiros: Arquelau, Herodes Antipas e Felipe.
Bruce Chilton, nascido em 1949, é especialista em cristianismo primitivo e em judaísmo. Ele é Professor de Religião no Bard College, Annandale-on-Hudson, New York. É autor de várias obras, algumas muito populares. Veja aqui.
Until his death in 4 BCE, Herod the Great’s monarchy included territories that once made up the kingdoms of Judah and Israel. Although he ruled over a rich, strategically crucial land, his royal title did not derive from heredity. His family came from the people of Idumea, ancient antagonists of the Israelites.
Yet Herod did not rule as an outsider, but from a family committed to Judaism going back to his grandfather and father. They had served the priestly dynasty of the Maccabees that had subjected Idumea to their rule, including the Maccabean version of what loyalty to the Torah required. Herod’s father, Antipater, rose not only to manage affairs on behalf of his priestly masters, but to become a pivotal military leader. He inaugurated a new alignment of power: an alliance with Rome negotiated with Pompey and Julius Caesar. In the crucible of civil war among Romans as the Triumvirate broke up, and of war between Rome and Parthia, Antipater managed to leave his sons with the prospect of a dynasty.
Herod inherited the twin pillars of loyalty to Judaism and loyalty to Rome that became the basis of Herodian rule. He elevated Antipater’s opportunism to a political art. During Herod’s time, Roman power took its imperial form, and Octavian was responsible for making Herod king of Judea. As Octavian ruled, he took the title Augustus, in keeping with his devotion to his adoptive father’s cult of “the divine Julius.” Imperial power was a theocratic assertion as well as a dominant military, economic, and political force.
Herod framed a version of theocratic ambition all his own, deliberately crafting a dynastic claim grounded in Roman might and Israelite theocracy. That unlikely hybrid was the key to the Herodians’ surprising longevity in power during the most chaotic century in the political history of Judaism.
Bruce Chilton (born September 27, 1949) is Bernard Iddings Bell Professor of Religion at Bard College, former Rector of the Church of St John the Evangelist and formerly Lillian Claus Professor of New Testament at Yale University. He holds a PhD in New Testament from Cambridge University (St. John’s College). He has previously held academic positions at the Universities of Cambridge, Sheffield, and Münster.
Os magos
EYKEL, E. V. The Magi: Who They Were, How They’ve Been Remembered, and Why They Still Fascinate. Minneapolis: Fortress Press, 2022, 248 p. – ISBN 9781506473734.
George Tyrrell (1861-1909) dizia que a busca pelo Jesus histórico não passava de estudiosos olhando para um poço para ver seus próprios reflexos. Jesus é a imagem espelhada daqueles que o estudam. Um fenômeno semelhante acompanha a busca dos magos históricos, aqueles viajantes misteriosos que vieram do Oriente, seguindo uma estrela até Belém.
Neste trabalho, o historiador Eric Vanden Eykel ajuda os leitores a entender melhor os magos e os intérpretes antigos e modernos que tentaram estudá-los. Ele mostra como, de meros doze versículos do Evangelho de Mateus, nasceu uma variada e vasta tradição literária e artística. O livro examina o nascimento da história dos magos, seus enriquecimentos, enfeites e expansões na escrita apócrifa e na pregação cristã primitiva, suas expressões artísticas em catacumbas, ícones e pinturas e seu legado moderno em romances, poesia e música.
O livro explora o fascínio que a história dos magos provoca nos leitores antigos e modernos e o que o legado da história dos magos nos diz sobre seus contadores de histórias e sobre nós mesmos.
Eric M. Vanden Eykel é Professor de Estudos Religiosos no Ferrum College, Blue Ridge, Virgínia, USA.
George Tyrrell insisted that the quest for the historical Jesus was no more than scholars staring into a well to see their own reflections staring back. Jesus is the mirror image of those who study him. A similar phenomenon accompanies the quest for the historical Magi, those mysterious travelers who came from theEast, following a star to Bethlehem.
In this work, ancient historian and scholar Eric Vanden Eykel helps readers better understand both the Magi and the ancient and modern interpreters who have tried to study them. He shows how, from a mere twelve verses in the Gospel of Matthew, a varied and vast literary and artistic tradition was born. The Magi examines the birth of the Magi story;its enrichments, embellishments, and expansions in apocryphal writing and early Christian preaching;its artistic expressions in catacombs, icons, and paintings and its modern legacy in novels, poetry, and music.
Throughout, the book explores the fascination the Magi story elicits in both ancient and modern readers and what the legacy of the Magi story tells us about its storytellers–and ourselves.
Eric M. Vanden Eykel is associate professor of religion and the Forrest S. Williams Teaching Chair in the Humanities at Ferrum College. He is the author of But Their Faces Were Looking Up: Author and Reader in the Protoevangelium of James (2016) and is a general editor of the Journal for Interdisciplinary Biblical Studies. He lives in Roanoke, Virginia.
Sobre a tradução da Bíblia
BARTON, J. The Word: On the Translation of the Bible. London: Penguin, 2022, 320 p. – ISBN 9780241448816.
A Bíblia é considerada universal e especial, a fonte de verdades fundamentais inscritas em palavras exatas e sagradas. Durante grande parte da história do judaísmo e quase a totalidade do cristianismo, no entanto, os crentes entenderam esmagadoramente as escrituras não nas línguas em que foram escritas pela primeira vez, mas sim em suas próprias – em tradução.
Este livro examina como santos, estudiosos e intérpretes desde os tempos antigos até o presente produziram versões da Bíblia na linguagem de seus dias, mantendo-se fiéis ao original. Explica os desafios que eles negociaram, desde pequenas ambiguidades textuais até a amplitude de estilo e diferenças gritantes na forma e pensamento entre os primeiros escritos e os mais recentes, e expõe a influência que eles têm em algumas das questões mais profundas da fé: a natureza de Deus, a existência da alma e a possibilidade de sua salvação.
Lendo dezenas de traduções ao lado de seus antigos antecedentes hebraicos e gregos, John Barton traça a migração de palavras e ideias bíblicas através das fronteiras linguísticas, iluminando os significados originais, bem como as formas como foram reformulados. ‘Os tradutores têm estado entre os principais agentes na mediação da mensagem da Bíblia’, escreve ele, ‘até mesmo na formação do que é essa mensagem’.
The Bible is held to be both universal and specific, the source of fundamental truths inscribed in words that are exact and sacred. For much of the history of Judaism and almost the entirety of Christianity, however, believers have overwhelmingly understood scripture not in the languages in which it was first written but rather in their own – in translation.
This book examines how saints, scholars and interpreters from ancient times down to the present have produced versions of the Bible in the language of their day while remaining true to the original. It explains the challenges they negotiated, from minute textual ambiguities up to the sweep of style and stark differences in form and thought between the earliest writings and the latest, and it exposes the bearing these have on some of the most profound questions of faith: the nature of God, the existence of the soul and possibility of its salvation.
Reading dozens of renderings alongside their ancient Hebrew and Greek antecedents, John Barton traces the migration of biblical words and ideas across linguistic borders, illuminating original meanings as well as the ways they were recast. ‘Translators have been among the principal agents in mediating the Bible’s message,’ he writes, ‘even in shaping what that message is.’ At the separation of Christianity from Judaism and Protestantism from Catholicism, Barton demonstrates, vernacular versions did not only spring from fault lines in religious thinking but also inspired and moulded them. The product of a lifetime’s study of scripture, The Word itself reveals the central book of our culture anew – as it was written and as we know it.
John Barton was the Oriel and Laing Professor of the Interpretation of Holy Scripture at the University of Oxford from 1991 to 2014 and since 1973 has been a serving priest in the Church of England. He is the author of numerous books on the Bible, co-editor of The Oxford Bible Commentary and editor of The Cambridge Companion to Biblical Interpretation. He was elected a Fellow of the British Academy in 2007 and is a Corresponding Fellow of the Norwegian Academy of Science and Letters.