Sobre as ações simbólicas no livro de Ezequiel

A Bíblia Hebraica apresenta uma forma muito especial de narrativa caracterizada por pessoas, muitas vezes profetas, representando visualmente as mensagens de Iahweh em vez de apresentá-las verbalmente. Os estudiosos têm ficado intrigados com o fenômeno bizarro destas ações simbólicas, tentando compreender o seuSALEMI, S. A Linguistic-Theological Exegesis of Ezekiel as Môphēt: “I Have Made You a Sign” (Ezekiel 12:6). Leiden: Brill, 2024 significado e propósito. Essas ações constituem uma forma de comunicação não verbal. São dispositivos retóricos e figurativos, movimentos corporais, gestos, comportamentos e paralinguagem com finalidade interativa e comunicativa.

Há inúmeras interpretações do fenômeno das ações simbólicas. Elas têm sido consideradas, por exemplo, como: performances dramáticas e analógicas de ações que serão empreendidas num momento futuro; um fenômeno sociológico e comunicativo; atos de poder para legitimar e autenticar o status de um profeta; previsão de algo ainda não conhecido ou acontecido; uma forma de teatro de rua que chama a atenção através de ações visuais; meios não-verbais retóricos de persuadir; recursos visuais usados ​​para ilustrar a pregação profética; profecias de ação; profecias não verbalizadas; e ilustrações ou dramatizações dos oráculos subjacentes de Iahweh. No caso de Ezequiel, elas moldam a sua identidade profética, permitindo-lhe embarcar num ministério muito distinto.

Estas ações, ou comportamentos, receberam diversas definições diferentes, dadas por autores que estudaram o assunto: “ações dramáticas” (Stacey), “profecia promulgada” e “teatro de rua” (Lang, Matthews), “atos proféticos” (actes prophétiques, Amsler), “atos ou feitos de poder” (Overholt, Long), “ações de demonstração” (Demonstrationshandlungen, Lang), “pantomima” (Schökel), “atos proféticos de analogia” (prophetischen Analogiehandlungen, Ott).

Vamos usar o termo ‘ações simbólicas’, pois esta expressão representa melhor o caráter dessas ações. Sem inserir nenhum significado específico, apontam o que significam principalmente as ações: simbolizar, visualizar e tornar tangíveis os oráculos de Iahweh.

O livro de Ezequiel contém pelo menos vinte ações simbólicas realizadas pelo profeta, onze das quais ocorrem antes da partida da Glória de Iahweh nos capítulos 9–11, e nove após a sua partida. Entretanto, a lista de ações que podem ser consideradas simbólicas não encontra acordo entre os estudiosos. Além disso, estas ações são definidas e compreendidas de diferentes maneiras pelos estudiosos.

A lista é baseada na compreensão das ações simbólicas em Ezequiel como performances e comportamentos que são observáveis ​​e comunicativos. São atividades de certa forma analógicas, de caráter visual e demonstrativo, com a finalidade de atrair a atenção, incitar à reflexão, capazes de significar o que ainda não está visível e levar uma mensagem ou apontar para um acontecimento, uma pessoa ou outra coisa.

Cada ação simbólica em Ezequiel tem, geralmente, uma espécie de descrição no livro e, às vezes, uma explicação do seu significado, mais ou menos específica, mais ou menos detalhada. Portanto, a primeira interpretação é interna aos textos. No entanto, muitas vezes, o estranho comportamento do profeta não encontra uma explicação clara no texto.

Geralmente, o fenômeno da ação simbólica aborda o cerco de Jerusalém, que se aproxima, o exílio, a destruição do Templo e a decisão irrevogável de Iahweh de punir Israel pelas mãos dos inimigos. Aponta para a angústia produzida pela escassez de alimentos e água durante o cerco, para a deportação para um país estrangeiro, para a prisão e a contaminação. Jerusalém ficará acorrentada, profanada e desolada, envolta em desespero. Ao mesmo tempo, aponta para a esperança de restauração, particularmente do Templo.

Ações simbólicas antes da partida da Glória de Iahweh (descrição/interpretação interna): o rolo a ser comido (2,8–3,3/3,4–9); a tristeza do profeta sentado por 7 dias (3,10–15/3,16–21); o profeta fica mudo (3,22-26/3,27); o tijolo cercado (4,1–3/nenhuma); deitado de lado (4,4-6/nenhum); o braço nu e as cordas (4,7-8/nenhuma); cozinhar alimentos sobre excrementos (humanos) (4,9–12.15/4,13–17); a espada afiada e o corte do cabelo (5,1–4/5,5–17); o comportamento estranho (bater palmas e bater o pé) (6,11/6,12–14); fazendo uma corrente (7,23/7,24–27); cavar um buraco e olhar dentro dele (8,7–11/8,12–18) (nota 70).

Ações simbólicas após a partida da Glória de Iahweh (descrição/interpretação interna): o exílio do profeta e a bagagem (12,1–6/12,7–16); comer pão e beber água com tremor e angústia (12,18/12,19–20); gemer de tristeza (21,6/21,7); bater palmas enquanto profetiza (21,14-16/21,17); os dois caminhos (21,18–20/21,21–27); a anotação da data (24,1-2/nenhuma); a panela fervendo (24,3–5/24,6–14); a morte da esposa (24,15–17/24,18–27); os dois pedaços de madeira (37,15–17/37,18–28) (nota 71).

A narrativa das ações simbólicas de Ezequiel é de fato muito dramática e também interativa. Visa usar a vida do profeta como meio de instruir, alertar, convencer e surpreender o povo de Israel em relação às intenções e à justiça de Iahweh. A interação de Ezequiel tanto com a casa de Israel quanto com Iahweh visualiza o relacionamento entre essas duas partes. Ezequiel é muito mais do que apenas um executor de ações simbólicas. Ele é a atuação de Iahweh para construir uma mensagem teologicamente coerente para a casa de Israel no horizonte da esperança futura de restauração.

O ministério simbólico profético de Ezequiel como môphēt (= sinal) representa o meio de Iahweh contar à casa de Israel sobre sua justiça, relacionamento, proximidade e como lidar com o drama do cerco de Jerusalém, a destruição do Templo, o exílio e a esperança de restauração.

Fonte: Trechos de SALEMI, S. A Linguistic-Theological Exegesis of Ezekiel as Môphēt: “I Have Made You a Sign” (Ezekiel 12:6). Leiden: Brill, 2024, capítulo 2: O fenômeno das ações simbólicas.

O capítulo 2 tem 90 notas de rodapé. Elas foram omitidas aqui.

 

The Hebrew Bible presents a very particular form of narrative characterized by people, often prophets, enacting YHWH’s messages rather than verbally presenting them. Scholars have puzzled over the bizarre phenomenon of these symbolic actions, trying to understand their meaning and purpose. These actions are a non-verbal form of communication. They are rhetorical and figurative devices, bodily movements, gestures, behaviours, and paralanguage with an interactive and communicative purpose. These actions, or behaviours, have received several different definitions: “dramatic actions” (Stacey), “enacted prophecy” and “street theatre” (Lang, Matthews), “prophetic acts” (actes prophétiques, Amsler), “acts or deeds of power” (Overholt, Long), “demonstration actions” (Demonstrationshandlungen, Lang), “pantomime” (Schökel), “prophetic acts of analogy” (prophetischen Analogiehandlungen, Ott). I prefer to use interchangeably the terms ‘symbolic actions,’ or ‘sign acts,’ (e.g., used in important commentaries such as those of Zimmerli and Block), because I consider these expressions as a better representation of the character of these actions. Without inserting any specific meaning, they point to what the actions mainly mean: to symbolize, visualize, and make tangible the oracles of YHWH (p. 16-17).

I consider that the book of Ezekiel contains at least twenty symbolic actions performed by the prophet, eleven of which occur before the departing of the ‫כבוד‬ of YHWH in chapters 9–11, and around two thirds of this figure, namely nine, after the departure of it. The list of actions that may be considered symbolic, also broadly in the various books of the Hebrew Bible, does not find agreement among scholars. As previously seen, the actions are defined and understood in different ways (p. 29).

My list is based on my understanding of symbolic actions in Ezekiel as all those performances and behaviours which are observable in nature and communicative in value. They are somehow analogic activities of a visual and demonstrative character with the purpose of attracting attention, prompting to reflect, capable of signifying what is not yet visible and carrying a message or pointing to an event, a person, or something else. Within this conceptual frame is my investigation of Ezekiel as ‫מופת‬.

Each symbolic action in Ezekiel has, generally, a sort of description in the book and, at times, an explanation of its meaning, more or less specific, more or less detailed. Therefore, the first interpretation is internal to the texts. However, often, the strange behaviour of the prophet does not find a clear explanation within the text. Valuable exegetical and hermeneutical work has been done by various scholars on each of Ezekiel’s symbolic actions. Generally, the symbolic action phenomenon addresses the coming siege of Jerusalem, the exile, the destruction of the temple, the unchangeable decision of YHWH to punish Israel through the hands of enemies. It points to the anguish produced by the scarcity of food and water during the siege, to the deportation into a foreign country, to imprisonment and defilement. Jerusalem will be left in chains, profaned and desolated, wrapped in despair. At the same time, it points to the hope of restoration, particularly of the temple, which is foreseen as the greatest aspiration of YHWH (p. 30-31).

Symbolic Actions before the departure of the ‫כבוד‬ (description/internal interpretation): The scroll to be eaten (2:8–3:3/3:4–9); The sadness of the prophet seated for 7 days (3:10–15/3:16–21); The prophet becomes dumb (3:22–26/3:27); The tile and the iron plate (4:1–3/none); Lying on his sides (4:4–6/none); The naked arm and the cords (4:7–8/none); Cooking food over (human) excrements (4:9–12,15/4:13–17); A sharp knife and the hair (5:1–4/5:5–17); A strange behaviour (clapping hands and stamping the foot) (6:11/6:12–14); Making a chain (7:23/7:24–27); Digging a hole to look into it (8:7–11/8:12–18) (p. 29, nota 70).

Symbolic actions after the departure of the ‫כבוד‬ (description/internal interpretation): The exile of the prophet and the baggage (12:1–6/12:7–16); Bread and water with trembling (12:18/12:19–20); Moan with grief (21:6/21:7); Clapping of hands while prophesying (21:14–16/21:17); The two ways (21:18–20/21:21–27); The writing of the date (24:1–2/none); The boiling pot (24:3–5/24:6–14); Wife’s death (24:15–17/24:18–27); The two pieces of wood (37:15–17/37:18–28) (p. 29, nota 71).

The symbolic actions narrative of Ezekiel is indeed very dramatic as well as interactive. It aims at using the life of the prophet as a means of instructing, warning, convincing, and amazing the people of Israel regarding YHWH’s intentions and justice. Ezekiel’s interaction with both the house of Israel and with YHWH visualizes the relationship between these two parties. Ezekiel is much more than just a performer of symbolic actions; he is YHWH’s performance to construct a theologically coherent message for the house of Israel in the horizon of the future hope of restoration.

Ezekiel’s prophetic symbolic ministry as ‫מופת‬ represents YHWH’s means of telling the house of Israel of his justice, relationship, closeness and how to cope with the drama of the siege of Jerusalem, the destruction of the temple, the exile, and the hope of restoration (p. 33).

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