Leitura sociológica da Bíblia

Leitura sociológica da Bíblia. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 32, p. 74-84, 1991.

Este artigo quer ser um guia para o leitor na aplicação do método sociológico na leitura da Bíblia. Mas quer também discuti-lo, fundamentá-lo e abordar as dúvidas e críticas a tal leitura.

Procurei equilibrar a exposição teórica com exemplos de aplicação do método. E, desde já, um alerta: apesar do título estar no singular, não existe apenas uma leitura sociológica da Bíblia. Os enfoques são variados e as leituras são múltiplas.

Por outro lado, a leitura sociológica da Bíblia não pretende ser a única válida e possível. Ela é complementar a outras abordagens, das quais, muitas vezes, constitui o primeiro passo.

Após esta introdução, o artigo se articula assim:

1. O que é o discurso sociológico?

2. A Bíblia e a leitura sociológica
2.1. Algumas abordagens possíveis
2.2. A escolha da teoria sociológica
2.3. As tendências do pensamento sociológico

3. A leitura sociológica e outras leituras

4. Algumas dificuldades da leitura sociológica

Conclusão

 

A bibliografia utilizada foi a seguinte:

BERGER, P. Carisma e inovação religiosa. A localização social da profecia israelita. In: Profetismo. São Leopoldo: Sinodal, 1985, p. 86-106.
BOFF, C. Teologia e Prática: Teologia do Político e suas mediações. Petrópolis: Vozes, 1978.
COMBLIN, J. Sociologia das comunidades paulinas. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 25, p. 58-64, 1990.
DA SILVA, A. J. Do campo para a cidade: o Evangelho de Paulo. Vida Pastoral, São Paulo, n. 152, p. 13-18, 1990.
FERNANDES, F. A sociologia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1977.
GOTTWALD, N. K. As tribos de Iahweh: Uma sociologia da religião de Israel liberto, 1250-1050 a.C. São Paulo: Paulinas, 1986.
LÖWY, M. Ideologias e Ciência Social: Elementos para uma análise marxista. São Paulo: Cortez, 1985.
MADURO, O. Religião e luta de classes. Petrópolis: Vozes, 1981.
MARTINS, C. B. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1982.
MEEKS, W. A. The First Urban Christians: The Social World of the Apostle Paul. New Haven: Yale University Press, 1983.
TERRA, J. E. M. Como se lê a Bíblia na América Latina. Revista de Cultura Bíblica, São Paulo, n. 45/46, p. 40-56, 1988.
THEISSEN, G. Sociologia da cristandade primitiva: Estudos. São Leopoldo: Sinodal, 1987
THEISSEN, G. Sociologia do movimento de Jesus. Petrópolis/São Leopoldo: Vozes/Sinodal, 1989.

O Evangelho de Paulo

Do campo para a cidade: o Evangelho de Paulo. Vida Pastoral, São Paulo, n. 152, p. 13-18, 1990.

A partir da década de 1960 o Brasil entrou em acelerado processo de modernização. Isso foi uma consequência de seu ingresso ativo no mercado capitalista mundial. Rápidas mudanças começaram a ser feitas.

Uma delas, das mais importantes, consequência da industrialização, foi o crescimento urbano. As cidades aumentaram em número e cresceram enormemente em população. Os grandes centros sofreram o inchaço típico das concentrações industriais.

E isso colocou um problema para a prática pastoral, que se vê hoje obrigada a criar novos mecanismos, mais adequados ao mundo urbano. Na verdade, a Igreja estava acostumada a uma centenária pastoral rural. E enfrenta agora complicados problemas urbanos, para os quais as soluções tradicionais não são suficientes.

Motivados por essa problemática, talvez seja interessante verificarmos, nas origens do cristianismo, processo semelhante. O primeiro que se deu.

O evangelho foi anunciado por Jesus e seus seguidores imediatos em ambiente em eminentemente rural, que era o da Palestina do século I d.C. É o que podemos facilmente perceber na leitura dos evangelhos, onde o referencial das parábolas, dos milagres e de outros ensinamentos é o da roça, do gado, da terra. Mesmo quem morava nas cidades da Judeia ou da Galileia, cidades pequenas, vivia em permanente contato com o campo e seu universo de valores.

Além disso, é um evangelho pregado por judeus a judeus. O espaço geográfico e a mentalidade são restritos a um povo só e a uma nação apenas.

Acontece que, cerca de dez anos após a morte de Jesus, o evangelho já era fortemente anunciado em outros países e para outros povos. Quem começou este processo foram os “helenistas”, judeus nascidos no exterior, segundo At 11,19-26. Saindo de Jerusalém, eles pregaram o evangelho aos gentios de Antioquia. Com sucesso. Antioquia, com seus 500 mil habitantes, era uma das maiores cidades do Império Romano.

Mas quem assumiu com maior determinação esta nova tarefa de anunciar o evangelho aos gentios foi Paulo de Tarso. Durante toda a sua vida, cerca de trinta anos de atividade apostólica, ele percorreu as cidades mais importantes da Ásia Menor e da Grécia anunciando o evangelho de Jesus Cristo.

Foi um passo decisivo na história da jovem Igreja, que se espalhou progressivamente por todo o Império Romano. Enfim: o evangelho acabou dando mais certo fora do que dentro da Palestina.

Acompanhando os passos de Paulo, é essa passagem que queremos examinar. Passagem do evangelho de um ambiente nacional, judaico e rural, a Palestina, para um ambiente universal, greco-romano e urbano, as cidades do Império Romano.

Vamos desenvolver o tema em três momentos, perguntando-nos a propósito dessa passagem do evangelho do ambiente palestino para o mundo greco-romano:

  • Quais foram as causas dessa passagem?
  • Como foi feita essa passagem?
  • Qual era a finalidade dessa passagem?

Esta é a introdução do artigo. Os itens acima têm os seguintes títulos:

1. Paulo, chamado para ser apóstolo
1.1. Eu sou de Tarso, cidade célebre
1.2. Quem não quer trabalhar também não há de comer
1.3. O que era para mim lucro eu o tive como perda

2. Expus-lhes o evangelho que prego entre os gentios
2.1. Saudai a Igreja que se reúne em vossa casa
2.2. Como bom arquiteto, lancei o fundamento
2.3. Não há entre vós muitos poderosos, nem muitos nobres

3. O homem é justificado pela fé, sem as obras da Lei
3.1. Não há judeu nem grego: vós sois um só em Cristo Jesus
3.2. Quem ama o outro cumpriu a Lei

A leitura pode continuar na página da Vida Pastoral clicando aqui.

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Leituras da Bíblia no Brasil ontem e hoje I

Notas sobre alguns aspectos da leitura da Bíblia no Brasil hoje. REB, Petrópolis, v. 50, n. 197, p. 117-137, 1990.

Fato incontestável é a redescoberta da Bíblia e o seu uso constante por todas as igrejas cristãs no Brasil, hoje.

Este artigo se propõe refletir sobre algumas das muitas leituras feitas nos últimos anos. Um levantamento completo abrangeria muito mais. As limitações de quem escreve impõem, contudo, restrições objetivas e necessárias. Por isso, permaneço (quase que) só no âmbito católico e brasileiro. Embora suponha que alguns dados mencionados possam ser encontrados em outras igrejas e outros países latino-americanos.

O assunto se dispõe em três partes – descrição, análise e perspectivas -, procurando responder, deste modo, a três questões:

  • como se lê a Bíblia hoje?
  • por que se lê a Bíblia hoje?
  • para que se lê a Bíblia hoje?

O artigo desenvolve os seguintes itens:
1. Como se lê a Bíblia hoje?
1.1. E, finalmente, a Bíblia chega ao Brasil
1.2. À procura do melhor texto
1.3. Dos livros da Bíblia à Bíblia dos livros
1.4. A mediação hermenêutica necessária
1.5. Ler a vida com a ajuda da Bíblia

2. Por que se lê a Bíblia hoje?
2.1. A opção pelos pobres
2.2. A opção pela classe média

3. Para que se lê a Bíblia?
3.1. Da Bíblia à Sociedade: passagem para o Político
3.2. Da Bíblia à Igreja: permanência no Religioso

Conclusão

Este artigo foi reproduzido, de maneira mais resumida, na Ayrton’s Biblical Page: Ler a Bíblia no Brasil Hoje.

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Por que milagres? O caso dos pães em Marcos

Por que milagres? O caso da multiplicação do pães. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 22, p. 43-53, 1989.*

Hoje, quando ouvimos dizer que aconteceu um milagre, o que pensamos? Pensamos logo na excepcionalidade do fato, no extraordinário da ocorrência, no impossível que se tornou possível por alguma força estranha, um mecanismo oculto, além da nossa compreensão, um poder sobrenatural que, por alguma razão, se manifestou. Ou duvidamos da coisa toda.

Nesta costumeira definição de milagre pode o leitor observar que o ponto de referência é a violação do modo natural das coisas acontecerem. Pois o milagre é visto como algo acima ou contra as leis que regem o mundo e as nossas vidas. As oposições em jogo esclarecem o raciocínio: excepcional x normal, extraordinário x ordinário, impossível x possível, estranho x comum, oculto x conhecido, sobrenatural x natural.1

Para as pessoas que professam alguma crença religiosa, o milagre, estando do lado do sobrenatural, está do lado de Deus ou dos seus intermediários, em oposição ao  mundo natural dos homens. É visto, neste caso, como uma intervenção divina vinda de fora, alterando a ordem natural dos acontecimentos.

E na Bíblia? Será essa a noção de milagre? Será que a visão corrente de mundo na época de Jesus, por exemplo, coincide com a de hoje? Por que será que naquele tempo havia tanto milagre e hoje não? O que é milagre na Bíblia?

O desafio que lanço ao leitor é o seguinte: lermos juntos o milagre da multiplicação dos pães, de Mc 6,30-44, para entendermos o texto e, talvez, respondermos a algumas destas perguntas.

Para isto, creio que devemos fazer cinco coisas:

1. A primeira é uma leitura de Mc 6,30-44. Mas não aquela leitura mal acostumada, onde vemos tudo o que está em nossa cabeça, mas não se enxerga uma linha do próprio texto. E é preciso ler mais de uma vez. Já disse R. Barthes, um especialista no assunto: “Aqueles que não releem são obrigados a ler sempre e em todos os textos a mesma história”.2

2. Em seguida leremos mais cinco textos, onde aparecem os outros relatos da multiplicação dos pães. No próprio Marcos e nos outros evangelhos. Aí, já estaremos com muitos elementos para abordarmos o texto pela comparação dos vários modos de contar de cada evangelista.

3. Agora é a hora certa de se perguntar a Marcos por que ele contou este episódio neste lugar do Evangelho e não em outro. Afastando-nos um pouco e olhando de longe, verificaremos o plano geral do Evangelho de Marcos e o contexto em que está o milagre em questão.

4. Por falar em milagre, é bem possível que houvesse naquele tempo uma maneira costumeira de contar um fato desse tipo, diferente, por exemplo, do modo de contá-lo hoje em dia. Ver isso pode ser nossa quarta tarefa.

5. Mas agora não podemos mais parar. É preciso perguntar imediatamente: o que se esconde por trás deste modo de contar? Ou, qual é o recado que Marcos quer dar à sua comunidade e ao seu leitor?

Só então é que talvez possamos descobrir o sentido do texto para nós, leitores a quase dois mil anos de distância. Vamos lá?

O artigo tem os seguintes itens:

  1. Qual é o assunto do texto?
  2. Os outros relatos de multiplicação dos pães
  3. Quem é Jesus?
  4. Jesus fez mesmo o milagre?
  5. O recado de Marcos

Notas:
* Uma primeira versão deste texto foi publicada em Vida Pastoral, São Paulo, n. 120, p. 2-8, 1985. Veja o artigo, na íntegra, aqui. Esta versão na Estudos Bíblicos amplia a da Vida Pastoral.

1. WEISER, A. O que é milagre na Bíblia: Para você entender os relatos dos Evangelhos. São Paulo: Paulinas, 1978, p. 12-13, resume muito bem este aspecto, quando diz: “A característica básica a partir da qual se designa alguma coisa por milagre é o elemento excepcionalidade. Mas as opiniões divergem quando se trata de definir em que consiste esta excepcionalidade: para alguns basta somente que o fato aconteça de modo inesperado, enquanto para outros o grau de excepcionalidade exigido para que haja milagres só se verifica quando o fato não pode ser explicado pela ciência. O que se observa, portanto, em primeiro plano, é que se toma a lei natural de modo mais ou menos consciente como ponto de referência”

2. BARTHES, R. S/Z. Torino: Einaudi, 1973, p. 20.

O artigo tem 15 notas de rodapé.

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