Judaísmo e Helenismo II

Judaísmo e Helenismo: resistência e submissão. Cadernos do Cearp, Ribeirão Preto, n. 2, p. 32-33, 1994.

Na sociedade israelita tradicional as relações sociais são reguladas pelo sistema de parentesco. As famílias se agrupam numa formação hierarquizada de tipo patriarcal conhecida como mishpaha (= clã). A reprodução das famílias, a posse da terra, a defesa das propriedades, as festas cultuais e a memória coletiva, por exemplo, são organizadas no interior da estrutura clânica, gerando forte coesão social e intensa solidariedade entre seus membros.

Teologicamente, esta estrutura se expressa no tema do êxodo, que é o caminho do Egito para a terra de Israel, mas que também é a passagem da escravidão para a liberdade, caracterizada na destruição de uma engrenagem de opressão e na construção de uma sociedade soberana e solidária.

Porém, com o restabelecimento do domínio estrangeiro a partir do exílio, este projeto social vai se encontrar num tremendo impasse. Especialmente a partir dos domínios grego e romano que helenizam inexoravelmente a Palestina.

Em 332 a.C. o macedônio Alexandre Magno anexa a Palestina ao seu império. Mas morre pouco depois e seus generais travam acirrada luta pela sucessão. O distrito de Judá pertencerá a senhores diversos até 301 a.C., quando será controlado pelos Ptolomeus, reis macedônios que governam a partir de Alexandria, no Egito.

A partir de 198 a.C. a Palestina passa para o domínio dos Selêucidas, reis macedônios que governam a partir de Antioquia, na Síria.

A aristocracia judaica sente-se prejudicada, no seu processo de enriquecimento, pela limitação imposta pelas leis judaicas que continuam em vigor. Aproveitando momento favorável, negocia com os Selêucidas a implantação dos valores e do modo de vida gregos na região da Judeia. A lei judaica é abolida e a prática do judaísmo é proibida. Os judeus fiéis à tradição são perseguidos e mortos.

Isto provoca um levante armado de sacerdotes e camponeses, que, chefiados pelos Macabeus, conseguem tomar o poder no século II a.C.  Durante 79 anos a Judeia será independente e governada pelos Macabeus, que concentram em suas mãos os poderes político, militar e religioso.

A breve e conturbada independência da Judeia encontra seu fim quando o general Pompeu anexa a Roma, em 63 a.C., os territórios do decadente reino selêucida.

A pesquisa em andamento* quer exatamente enfocar qual é a relação entre a Religião e a Sociedade neste contexto específico do judaísmo entre 332 a.C. (anexação da Judeia por Alexandre) e 63 a.C. (anexação da Judeia por Roma).

Como acontecia a resistência e a submissão à nova realidade grega através da mesma religião judaica? O que faz o judaísmo ser o que é? Sua força não viria do papel simbólico da religião que cria identidade através da diferença?

E uma questão muito próxima a nós: como podem as tradições e práticas religiosas de um povo servir como instrumento de resistência à dominação imperialista e classista hoje?

O estudo se desenvolve em duas partes: na primeira abordo a questão histórica em cinco capítulos: a conquista de Alexandre, o governo dos Ptolomeus, a helenização promovida pelos Selêucidas, a resistência dos Macabeus e a independência por eles conseguida até a chegada de Roma.

Na segunda parte, abordo em cinco capítulos, os instrumentos da helenização (tais como o exército, a pólis, a língua grega comum, os cultos reais e o ginásio), a visão grega dos judeus, a visão judaica dos gregos, a apocalíptica e os essênios.

Gostaria de salientar estes dois últimos elementos: o pensamento apocalíptico, tendência presente em variados grupos, como assideus, fariseus, essênios e cristãos é de grande importância para a compreensão da produção bíblica deste período; o outro é mais específico, estranho e fascinante: é o caso dos essênios que desenvolvem uma teologia mais elaborada, recentemente descoberta em Qumran.

Enfim, uma chave de leitura: frequentemente, o helenismo, consequência das conquistas de Alexandre, tem sido lido como uma fusão de culturas e um processo glorioso que favoreceu o desenvolvimento da dominante cultural ocidental via Império Romano e seus herdeiros. Prefiro enfocar o helenismo como um processo imperialista grego, depois romano, que descaracterizou as culturas orientais dominadas, gerando variadas formas de resistência do povo sofrido daquele tempo naqueles países.

* Esta pesquisa, que foi concluída, deveria ter sido publicada em livro, mas isto nunca aconteceu. Entretanto, o material foi publicado, de maneira dispersa, em meu site – na História de Israel e nos artigos – e em artigos na revista Estudos Bíblicos da Vozes.

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Judaísmo e Helenismo I

Judaísmo e Helenismo: resistência e submissão – O ambiente do querigma cristão. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 39, p. 10-19, 1993.

Na sociedade israelita tradicional as relações sociais são reguladas pelo sistema de parentesco. As famílias se agrupam numa formação hierarquizada de tipo patriarcal conhecida como mishpaha (= clã). A reprodução das famílias, a posse da terra, a defesa das propriedades, as festas cultuais e a memória coletiva, por exemplo, são organizadas no interior da estrutura clânica, gerando forte coesão social e intensa solidariedade entre seus membros.

Teologicamente, esta estrutura se expressa no tema do êxodo, que é o caminho do Egito para a terra de Israel, mas que também é a passagem da escravidão para a liberdade, caracterizada na destruição de uma engrenagem de opressão e na construção de uma sociedade soberana e solidária.

Porém, com o restabelecimento do domínio estrangeiro a partir do exílio, este projeto social vai se encontrar num tremendo impasse. Especialmente a partir dos domínios grego e romano que helenizam inexoravelmente a Palestina.

Minha proposta é a de observar este processo para situarmos melhor o ambiente judeu-helenista no qual a mensagem cristã é anunciada pela primeira vez.

Isto pode ser feito em três momentos:

  1. a história de 586 a.C. a 135 d.C.
  2. o processo de helenização visto nos seus aspectos de submissão e resistência
  3. o estudo de dois casos: o da apocalíptica e o dos essênios*.

O artigo prossegue com os seguintes itens:

1. De Babel a Roma: a história
1.1. O domínio persa
1.2. O domínio grego
1.3. O domínio romano

2. Judaísmo e Helenismo face a face: o processo
2.1. Leis étnicas x leis políticas
2.2. O bloqueio da solidariedade

3. A apocalíptica e os essênios: a busca de alternativas
3.1. A apocalíptica, filha e herdeira da profecia
3.2. Os essênios, comunidade da nova aliança

Conclusão

* Sobre a apocalíptica, confira o artigo Apocalíptica: busca de um tempo sem fronteiras. Sobre os essênios, confira o artigo Os essênios: a racionalização da solidariedade.

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