O Caim que em nós desabrochou

Em putrefação está a cultura nacional pelo envenenamento de parte de suas fontes de elite: a cultura jurídica, o debate político e a cultura da informação. O péssimo é que, tal como os políticos costumam absolver seus pares, é mínima a probabilidade de que juízes ou professores ou jornalistas reconheçam a responsabilidade que lhes toca nessa podridão. São castas auto-imunes.

A violência usurpou a democracia – Wanderley Guilherme dos Santos: Carta Maior 15/02/2014

“Há algo de podre na política brasileira. O discurso do ódio contaminou a cultura. A violência física que assusta não é mais condenável do que a degradação pela palavra. Introduzido durante os debates da Ação Penal 470, a televisão propagou Brasil a fora o escárnio como argumento, a salivação como prova irrefutável e a falta de compostura de alguns magistrados como aparte retórico (…)

Com linguajar de estilo maneirista, as capas fúnebres do Supremo Tribunal Federal esculacharam quanto quiseram os réus da Ação Penal 470 perante uma audiência nacional (…) E continuam, buscando proibir que sejam depositários da solidariedade de cidadãos e cidadãs em pleno gozo de seus direitos civis e políticos. Não podendo oficialmente matá-los ou bani-los, apostam impor-lhes o ostracismo. É o discurso da vingança impotente movido a ódio.

O estímulo ao linguajar desabrido e ao julgamento apressado e irrecorrível encontrou na já virulenta blogosfera a ecologia apropriada para reprodução cancerosa. Com a ferramenta do anonimato e a indulgência prévia a qualquer desvario, o Caim em nós desabrochou com velocidade sônica. A filosófica vontade de morte, a definição humana de um ser para morte, revela-se menos conceitual e inocente na real inclinação para matar. A internet veicula milhares de assassinatos virtuais e de convocatórias à destruição. Sem não mais do que o subterfúgio de códigos primários, quando muito, ações predatórias são incentivadas a qualquer título. É total o descompasso entre avanço social e econômico do País e as toscas bandeiras eventualmente desfraldadas (…)

Sim, há algo de podre na política brasileira, mas enganam-se os que presumem que a podridão esteja só no Legislativo ou que de lá provenha. Para essa há remendos que asseguram a sobrevivência democrática. Em putrefação está a cultura nacional pelo envenenamento de parte de suas fontes de elite: a cultura jurídica, o debate político e a cultura da informação”.

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