Jung Mo Sung: sobre a entrevista de Clodovis Boff

A fé cristã nasce em Cristo, mas a teologia não é fé, é uma reflexão sistemática sobre a nossa experiência de fé. As melhores teologias são aquelas que não tomam o lugar da fé e nem deixam que esta tome o seu.

Artigo publicado na Adital em 11.03.2013.

Cristo e os pobres: sobre a entrevista de C. Boff na Folha – Jung Mo Sung

O jornal Folha de São Paulo publicou nesta segunda-feira, 11/03/2013, uma entrevista com Clodovis Boff criticando a Teologia da Libertação (TL) no contexto da eleição do novo papa (…) Vou propor algumas breves reflexões sobre 3 pontos da entrevista.

Uma das críticas que ele faz à TL é que suas correntes hegemônicas não teriam entendido “a primazia da libertação espiritual, perene, sobre a libertação social, que é histórica” e por preferir não entender essa distinção se degeneraram em ideologia. Como essa distinção está explicitada no livro “Teologia da Libertação” de Gutiérrez, é difícil imaginar quais seriam essas correntes hegemônicas. Em todo caso, uma das novidades da TL não foi negar ou afirmar a primazia da libertação espiritual sobre a histórica, mas propor uma nova forma de compreender a relação entre as duas. O que os principais teólogos/as da libertação sempre afirmaram é que, em situações de tanta injustiça e morte, a fé em Jesus se torna concreta, se encarna, na experiência espiritual de encontrar na face do pobre a face de Jesus, conforme nos ensina o evangelho de Mateus, cap. 25.

Isso nos leva a outra crítica C. Boff: “Jon Sobrino diz: ‘A teologia nasce do pobre’. Roma simplesmente responde: ‘Não, a fé nasce em Cristo e não pode nascer de outro jeito’. Assino embaixo.” Na forma como está escrito é facilmente perceptível que há dois temas em discussão: de onde nascem a teologia e a fé. É claro que a fé cristã nasce em Cristo, mas a teologia não é fé, é uma reflexão sistêmica sobre a nossa experiência de fé e, portanto, não necessariamente precisa começar com Cristo. Eu não sou especialista no pensamento de Sobrino, mas pelo que estudei dele posso afirmar que para ele o ponto de partida da reflexão teológica – que é diferente da fé – é o pobre enquanto nele encontramos a face de Cristo entre nós. Em outras palavras, o ponto de partida de teologia é a relação entre Cristo e o pobre (…)

Por fim, C. Boff diz: “O ‘cristianismo anônimo’ constituía uma ótima desculpa para, deixando de lado Cristo, a oração, os sacramentos e a missão, se dedicar à transformação das estruturas sociais” e endossa a afirmação de dom Rommer de que “Não basta fazer o bem para ser cristão. A confissão da fé é essencial”. Eu realmente tenho dificuldade em achar que alguém tenha usado a tese rahneriana de “cristianismo anônimo” como desculpa, mas concordo que não basta fazer o bem para ser cristão. Pois, isso negaria que um budista ou um ateu pudesse fazer o bem sendo budista ou ateu, sem querer ser cristão, muito menos cristão anônimo. Aliás, na parábola do “juízo final” (Mt 25) a identidade religiosa ou ideológica das pessoas nem entra em discussão.