CEARP: Aula Inaugural de 2010

No dia 27 de janeiro recebi uma comunicação do Secretário Geral do CEARP, Luiz Henrique Bugnolo, solicitando que, junto com os Professores Francisco de Assis Correia e Alfeu Piso, participasse da Aula Inaugural no dia 1 de fevereiro de 2010, fazendo uma memória do que vivemos ao longo dos 32 anos de existência do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto.

Airton José da Silva - Aula inaugural no CEARP, Brodowski, em 01.02.2010Por que nós três e por que agora? Em 2008 o Curso de Teologia completou 30 anos e o CEARP 40 anos. E nenhum evento fora realizado para comemorar as datas. E nós três? Por sermos os mais antigos professores em atividade no CEARP…

Alfeu declinou do convite, pela urgência do tempo. Francisco fez um histórico da instituição desde o seu início em 1968, quando ainda se chamava Curso de Preparação ao Presbiterato. Em 11 tópicos e com muita clareza, mostrou as várias etapas de constituição e funcionamento do CEARP até hoje, apontando, também, possíveis perspectivas para o futuro.

Eu, que só cheguei aqui em 1979, quando já começava o segundo ano de Teologia, limitei-me a este curso – nunca trabalhei na Filosofia – e fiz algo um pouco diferente, que chamei pretensiosamente, creio, de Fazer Teologia no CEARP Hoje. O que vou transcrever aqui é apenas um roteiro do que falei para Diretores, Professores e alunos da Teologia e Filosofia nos 25 minutos que me foram concedidos. Durante a fala, alguns aspectos foram mais desenvolvidos do que aparecem neste roteiro.

No final, após os testemunhos e/ou questões levantadas pelos presentes, nós três, Francisco, Alfeu e eu fomos homenageados pelo Diretor Geral do CEARP, Nilton Peres, que nos entregou placas comemorativas do evento.

 

Fazer Teologia no CEARP Hoje

Abordo três pontos:
. O que é próprio da Teologia
. Algumas características do mundo atual
. Onde se insere o CEARP neste processo

> Coloco um pressuposto: Uma Teologia que não aborda os problemas de sua época não serve para nada.

:: Teologia como discurso que tematiza as relações de homens e mulheres no tempo e no espaço com as epifanias de Deus. Donde, teologias – no plural – que:

. Caracterizam-se pelo uso de sistemas conceituais, trabalhando a partir de regras bem – ou razoavelmente bem – definidas

. Distinguem-se do discurso religioso, enquanto este é altamente simbólico e tem uma preocupação direta e imediatamente prática, como os discursos catequéticos, homiléticos, proféticos etc.

. Sendo mais eficazes quando são teorias sobre a Fé e não teorias da Fé – as Teologias devem procurar produzir conhecimento e não reconhecimento

. Concluindo-se, assim, que as melhores Teologias são aquelas que não tomam o lugar da Fé e nem deixam que esta tome o seu (cf. BOFF, Cl. Teologia e Prática: Teologia do Político e suas mediações. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1993, II parte, cap. III).

:: Mundo atual como mundo plural: talvez uma das mais marcantes características da chamada pós-modernidade:

. Realidade plural: pluralismo das sociedades, culturas, religiões

. Realidade contraditória: desigualdades econômicas, sociais, culturais

. Realidade fragmentada: pessoas integradas e pessoas marginalizadas – nações inteiras – até continentes

. Onde não é mais possível postular a centralidade da cultura ocidental e nem a sua supremacia

. E nem o cristianismo como religião superior ou o Cristo “em sua roupagem ocidental” como centro absoluto, em contraposição às demais mediações históricas consideradas como relativas

. A globalização realçou as diferenças, multiplicou os discursos, acirrou os enfrentamentos e tornou inadiáveis as alianças regionais como barreiras contra a avalanche do pensamento único do único Império

. Mundo que colocou em nossas telas, e delas saltou para nossas mentes e corações, a contingência do existir: as novas mídias nos fazem partilhar, quase em tempo real, as tragédias da natureza e da sociedade e nos dão a dimensão de nossa fragilidade e de nossa força.

. Paradoxo? Homens e mulheres sempre conseguiram, nos últimos 4 milhões de anos – desde Ardi, ou Ardipithecus ramidus, “símio do chão”, uma fêmea de hominídeo primitivo, que viveu há 4,4 milhões de anos – encontrar soluções para os problemas que enfrentaram.

:: Onde se insere, neste processo, o CEARP em seus trinta e poucos anos de existência?

. O CEARP visto como estrutura de ensino (local de reprodução do saber), de pesquisa (produção do saber) e de extensão do saber (serviço à comunidade)

. Como aprendiz de Teólogo, vejo que o Curso de Teologia nos coloca três desafios:
– Aprender Teologia: apreender os conceitos básicos da área e ter o seu controle
– Fazer Teologia: todo cristão/ã faz alguma teologia quando produz um discurso religioso, mas um Curso de Teologia requer um nível mais rigoroso, exige o uso consciente de regras internas próprias do discurso teológico, herdadas da Tradição e solicitadas pela Comunidade e pelo Magistério atuais, sendo que Magistério e Teologia não estão em relação de subordinação, mas de colaboração, pois ambos estão subordinadas à Palavra e a Serviço do Povo de Deus
– Viver a Teologia: como biblista, considero como coisa séria a paixão pelo que se faz, com envolvimento total, em tempo integral; o construir o saber com método, com seriedade e rigor – sabedoria e ciência caminhando de mãos dadas; a consciência crítica que tenta se manter alerta e lúcida na rejeição do superado e no acompanhamento do que é proveitoso nas pesquisas mais recentes. Viver a Teologia como uma paixão profética! Como fazia o profeta Jeremias! Tenho desgosto e manifesto meu desapreço por uma Teologia morna e repetitiva, que olha apenas para si mesma e ignora a realidade ao seu redor. A volta aos fundamentos deveria ser para nos dar impulso, nos fortalecer face às novas situações, não para recriar um impossível passado e nele nos acomodarmos.

. Vejo, neste contexto, o CEARP com muita potencialidade, mas não totalmente desenvolvida. Muitas conquistas foram feitas nestes trinta e poucos anos, muitas iniciativas foram experimentadas com maior ou menor resultado, como seminários temáticos, revista, painéis, simpósios, palestras, melhoria significativa da biblioteca, das estruturas de ambiente e administração, semanas teológicas, semanas culturais, participação de professores em Congressos etc. Mas há – por razões internas e externas – certa estagnação, acomodação, discurso pronto, feito e satisfeito. Vejo que é preciso se lançar avante. Ousar. Sair do isolamento, da domus, do doméstico.

. Há muitas possibilidades: novas mídias, novos meios, novas produções: computadores, internet, blogs e páginas convencionais, revista eletrônica, seminários temáticos, ler e escrever, produzir, enfim.

. Ainda: debates com outras Faculdades de Teologia – questões como reconhecimento dos cursos de Teologia pelo MEC e suas consequências, a relação leigo/clero no campo do fazer teológico, a solidão teológica dos padres, o desafio das ciências e da cultura, as muitas vertentes da Teologia atual, a relação da Teologia com as Ciências da Religião, as conquistas (cada vez mais ameaçadas) do Vaticano II… São tarefas para muitos e para muito tempo.

. Como disse Kant, no início de sua fala, quando questionado sobre o significado da Aufklärung – O que são as Luzes? Sapere aude [Ouse saber]! Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento*!

* Confira o texto mais ampliado e o original alemão clicando aqui

> Este texto foi publicado em Cadernos do CEARP, Brodowski, n. 12, p. 11-14, 2021.

3 comentários em “CEARP: Aula Inaugural de 2010”

  1. Caro Prof. Airton.
    Parabéns pela sua exposição lúcida e instigante. Sua contribuição para a Teologia do Cearp muito aquece e enriquece um debate urgente.
    Cordialmente,
    João Madeira

  2. (…) "Pois bem, agora vem uma constatação importante, e que intriga cada vez mais a Igreja. Nós podemos nos valer do trabalho realizado por Lucas, Paulo, e todos quantos colaboram para colocar por escrito a mensagem de Jesus, a partir da maneira como esta mensagem vinha sendo acolhida nas comunidades cristãs. E continuar com a mesma formulação cultural que esses escritos deram ao Evangelho vivido e anunciado por Jesus.

    Mas, podemos também fazer como eles fizeram. Isto é, traduzir o Evangelho de Cristo numa roupagem mais adequada ao nosso tempo, na convicção de que a mensagem vivida e transmitida por Jesus de Nazaré é tão fecunda e tão permanente, que ela tem a força de fecundar também a realidade cultural de nossa época.

    Para nós que somos herdeiros da cultura greco-romana, em nosso mundo ocidental, poderia parecer ocioso este empreendimento. Mas ele se torna urgente e indispensável para outros contextos culturais diferentes do nosso, sobretudo das grandes culturas orientais, e do mundo indígena americano.

    Aí está o grande desafio de uma verdadeira inculturação do Evangelho. Depois de dois mil anos de sua recepção na cultura grega, a Igreja se depara com a ingente tarefa de fazer em outras culturas o que Lucas e Paulo fizeram para o mundo ocidental. Pois o Evangelho não pode ficar preso à roupagem ocidental que ele assumiu. No dizer do próprio Cristo, ele é fermento, tem a força de levedar outros trigos, possibilitando pães com outro sabor, que podem ser servidos em outras mesas. No momento em que os ocidentais parecem estar perdendo o apetite deste Pão da Vida, outros povos estão famintos da mesma verdade e do mesmo amor que Cristo testemunhou para toda a humanidade".

    Trecho final do artigo Cultura e fé, escrito por Dom Demétrio Valentini, Bispo de Jales, SP, e publicado na Adital em 23/10/2006.

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