:: Como o profeta Amós, Padre José Comblin incomodava – Carlos Mesters: Adital – 29/03/2011
Padre José Comblin morreu. Um bispo o criticou, como: “Comblin, homem cansado e pessimista”. O pessoal das Comunidades por onde ele andava não o chamava de Comblin, mas sim de “Padre José”. Padre Comblin incomodava as pessoas de poder, mas era amado pelos pobres que o acolhiam carinhosamente como Padre José. Padre José Comblin nasceu na Bélgica nos anos 20 do século passado e nos anos 50 veio trabalhar e anunciar a Boa Nova aqui no Brasil. O profeta Amós era de Judá no Sul e foi trabalhar e anunciar a Boa Nova de Deus em Israel no Norte, no santuário de Betel. Amasias, o sacerdote de Betel, não gostou e denunciou o profeta junto ao rei Jeroboão, dizendo que já não se podia tolerar as palavras de Amós. E mandou dizer ao próprio Amós: “Ó, seu profeta, vá embora daqui. Retire-se para sua terra Judá. Vá ganhar sua vida por lá com suas profecias. Mas não me venha mais fazer suas profecias aqui em Betel, pois isto aqui é o santuário do Rei e o templo do Rei”. Amós mandou dizer: “Eu não sou profeta nem filho de profeta. Sou camponês, criador de gado e cultivador de sicômoros. Foi Javé que me tirou de trás do rebanho e me ordenou, ‘Vá profetizar ao meu povo Israel’!” (Amós 7,10-15). Como o profeta Amós, Padre José Comblin incomodava aos homens do poder no tempo da ditadura e foi expulso várias vezes. Incomodava também aos que exercem o poder na Igreja. Alguns deles chegaram a dizer que já não se podia tolerar as coisas que ele dizia, e eles proibiram a fala dele várias vezes em vários lugares. Como o profeta Amós, Padre José, ele mesmo, nunca se apresentou como profeta. Ele se apresentava como ser humano cristão e sacerdote, cumpridor fiel do seu dever. Posso testemunhar: convidado para falar nas comunidades e nos grupos do CEBI, Padre José convencia as pessoas pela simplicidade do seu jeito de conversar e dialogar, pelo testemunho da sua sinceridade e profundidade de vida e pela quantidade enorme de informações de que dispunha para confirmar as coisas que dizia e as denúncias que fazia. Mesmo ausente ele continua presente. Como o profeta Amós, “seu corpo foi sepultado em paz, mas o seu nome viverá através das gerações” (Eclo 44,14). Eternamente grato.
:: Lições que aprendi com Pe Comblin: liberdade e a história — Jung Mo Sung: Adital – 28/03/2011
O falecimento do Pe Comblin nos faz enfrentar uma realidade inevitável: a primeira geração (provavelmente a mais criativa e rigorosa) da teologia da libertação está aos poucos chegando ao limite da vida. Uma forma de homenagear pessoas como Comblin é continuar a tarefa de uma reflexão crítica séria comprometida com a causa dos pobres e também de divulgar o seu pensamento para novas gerações de estudante de teologia ou de agentes pastorais. Pensando nisso é que resolvi escrever este pequeno texto. Mas é uma tarefa muito difícil escrever em uma página o que significou a pessoa e a obra de Pe Comblin para as igrejas cristãs na América Latina e também para muitos não cristãos que conheceram, por ex., o seu livro “A ideologia de segurança nacional”. Por isso, eu quero simplesmente compartilhar algumas idéias de Comblin que me marcaram nos últimos 30 anos. Se há uma palavra que marcou a minha leitura da vastíssima obra de Comblin é a liberdade. Ele disse: “Segundo a Bíblia, a liberdade é mais do que uma qualidade, um atributo de ser humano: é a própria razão de ser de humanidade.” E a afirmação de Paulo de Tarso, “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou (Gal 5,1)” pode ser visto como o mote que guiou a sua obra. Esta busca de liberdade, que impulsiona a luta pela libertação, não pode ser confundida com uma visão moderna burguesa da liberdade. “Não é livre aquele que diz que faz o que quer, mas, na realidade, não sabe resistir à pressão dos desejos”, tornando-se escravo dos objetos que excitam o seu desejo.” Nestes casos, a liberdade pressupõe a libertação dos desejos individuais e a sua realização no assumir o serviço e a causa em favor dos mais pobres (…) Para Comblin lutar pela libertação e uma vida de liberdade não é lutar por um mundo sem mal, pois não é possível vivermos a liberdade sem a possibilidade do mal e do pecado. Deus fez o mundo tal que o pecado é uma possibilidade inevitável. Por isso, ele retoma um texto bíblico muito citado por Juan Luis Segundo, “Já estou chegando e batendo à porta. Quem ouvir minha voz e abrir a porta, eu entro em sua casa e janto com ele, e ele comigo” (Ap 3,20) e diz: “Se ninguém abrir, Deus aceita a derrota sabendo que sua criação fracassou. Deus criou um mundo que podia fracassar.” Essas palavras mostram uma característica de Comblin que sempre admirei: a sua coragem profética de dizer coisas que podem contrariar nossos desejos românticos, desejos que nos levam para fora da história humana e do ser humano real. Assim, ele cumpriu com a sua obra um dos propósitos da teologia da libertação: ser uma reflexão crítica sobre o mundo idolátrico e também sobre a nossa religiosidade e experiência de fé, a serviço da liberdade-libertação dos mais pobres.
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:: Comblin: Bastão de Deus que fustiga os acomodados — José Lisboa Moreira de Oliveira: Adital – 28/03/2011
Estou acompanhando o que se anda dizendo nos últimos dias sobre o nosso irmão teólogo José Comblin. Houve quem tentou até se compadecer dele dizendo que já passou dos oitenta e chegou a insinuar que ele está meio “gagá”. E por está gagá, coitadinho, passou a dizer umas coisas fora de lugar, fazendo umas afirmações pessimistas, vendo o horizonte escuro, tendo uns ataques de “alucinação”, enxergando coisas que não existem, falando mal da hierarquia da Igreja e assim por diante. Todas essas coisas me fizeram imediatamente pensar nos profetas de todos os tempos. Também eles, quando começaram a falar sem meios-termos, a “dar nomes aos bois”, a colocar o dedo em certas feridas, foram logo acusados de serem visionários, lunáticos, inimigos da religião e do rei (…) Também Jesus, o profeta por excelência, não escapou da fúria dos poderosos (…) Não. Comblin não está gagá, não está louco, não está tomado de pessimismo e nem tão pouco de derrotismo. Comblin é um dos poucos profetas que ainda temos na Igreja dos nossos dias. Infelizmente em tempos de exílio eclesial, como o que estamos vivendo atualmente, é rara a figura do profeta (…) O profeta é o bastão de Deus que fustiga os acomodados. E onde há profetas verdadeiros e autênticas profecias há incômodo e mal-estar para muita gente (…) Comblin é um autêntico teólogo e como tal não se contenta em ficar repetindo o que os outros já disseram. Não é teólogo-papagaio e nem faz teologia de corte, apenas repetindo frases do Catecismo ou de documentos da Igreja para agradar a cúpula eclesiástica, receber elogios ou até compensações, como, por exemplo, uma roupa roxa ou avermelhada. Comblin faz teologia de verdade, ousando dizer o que ninguém diz, propondo alternativas para o que aí está, apontando caminhos que podem ser trilhados. Como teólogo-profeta mostra que certos modelos atuais de Igreja estão carcomidos pelo tempo e por vícios seculares e não dizem mais nada para a humanidade que sonha com outro mundo possível e com uma comunidade eclesial que, de fato, seja sinal desse novo mundo (…) Comblin é um profeta que possui sensibilidade para perceber o que está acontecendo. E por isso fala sem medo e sem falsas contenções. Ele, enquanto ancião, é um verdadeiro modelo para as novas gerações de cristãos e de cristãs.
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:: José Comblin: Maestro visionario – Carmelo Alvarez: ALC – 28/03/2011
El correo electrónico es un medio eficaz para mantenernos en contacto con amigos entrañables. Y muchas veces nos comparte noticias muy buenas. Esta noche Guillermo Meléndez y José Oscar Beozzo nos comparten una noticia que entristece y conmueve. El gran maestro y visionario José Comblin nos ha dejado para morar en predios de eternidad. En la gran casa de Dios está. No me queda la más mínima duda. No recuerdo el lugar exacto en que lo conocí en esta Latinoamérica “ancha y ajena”, para servirnos de esa frase de Don Ciro Alegría. Una cosa sí recuerdo y recordaré, su erudición. Era un maestro en el más pleno y auténtico sentido de la palabra. Se me antoja pensar que una razón fundamental para esa vocación magisterial era su profunda admiración por el maestro Jesús, a quien dedicó algunos escritos sencillos, buscando esa savia que el caminante de Galilea nos trató de comunicar. Y conversaba, Don José, con autoridad y conocimiento de los evangelios, las parábolas, los discursos de Jesús y todas sus enseñanzas, con reverencia. Siempre aplicando el desafío ético y la contextualización en nuestra propia vocación de aquello que Jesús nos quiso enseñar. Don José fue un escritor prolífico, claro, incisivo y polémico. Dotado de una gran inteligencia y bien formado en la ciencias sociales y naturales, se dedicó a iluminar conciencias e incitar a pensar correctamente y buscar la verdad. La gama de su producción literaria es de por sí impresionante, desde temas bíblicos hasta los teológicos, sociales y políticos, pasando por la historia. ¡Y nos deja perplejos y agradecidos por esa disciplina tan esmerada y bien cultivada! ¿Cómo no agradecer un libro tan claro y pedagógico como El Espíritu Santo y la liberación? Es una fuente esencial para un tema fundamental. Así podríamos mencionar Cristo y el Apocalipsis y su comentario a los Filipenses. Otros cientos de artículos sobre los más variados temas enriquecen su obra magna y erudita. Don José Comblin no sólo fue un gran maestro, sino que abrió caminos, trazó un trillo de provocaciones e intuiciones en la caminada teológica latinoamericana, que lo hacen un teólogo de la liberación cruza-fronteras, abriendo espacios para el diálogo y la crítica seria y ponderada. Además, fue un teólogo popular, del pueblo y con el pueblo. Proveyó una teología laica liberadora que lo llevó a encarnarse en la situación de las comunidades de base, compartiendo el pan y el vino; las penurias y las alegrías del campesinado brasileño. Lo mismo hizo en Chile y Ecuador. En muchas ocasiones compartió en Centroamérica con seminaristas, comunidades de base y universidades. Entonces, aparecía el visionario incomodador de dictadores y jerarcas religiosos conservadores. Su pensamiento profético y sus propuestas muchas veces heterodoxas y avanzadas, lo colocaban frente a esas autoridades en franco desafío, pagando el precio con la marginación, el exilio y la relegación. Pero Don José sabía medir riesgos y asumirlos con integridad evangélica. Creo no equivocarme, si le entendí bien, que no le interesó regatear poderes ni buscar posiciones acomodaticias. Tal vez, fue todo lo contario: Buscó incesantemente el camino del discipulado en discernimiento y humildad, con profunda ternura cristiana. Se le notaba en su rostro. Sus pausas en el conversar, con una sonrisa diáfana y dulce, proveía el espacio para compartir, aprender y sentirse uno desafiado. Sólo he de relatar una experiencia que me ayudó a valorar este profeta-visionario. El Centro Antonio de Valdivieso de Nicaragua programaba unas Semanas Teológicas que llegaron a ser un verdadero espacio para la reflexión, el análisis y las propuestas más desafiantes. Recuerdo que en la jornada de 1990 nos invitaron a Don José Comblin y a este servidor a compartir dichas conferencias, girando el tema general sobre los proyectos evangelizadores en Latinoamérica. A Don José le tocaba la perspectiva católica y a mí la protestante. La jornada incluía simposios y trabajo en grupos, en una dinámica de debate abierto muy fructífero. En lo personal me resultaba fascinante sentarme a conversar con Don José pues él deseaba compartir sus enfoques y saber los míos antes y después de cada intervención. Mirando hacia atrás en la distancia y el tiempo, fui profundamente impactado por aquellas conversaciones, y guardo con gratuidad la sabiduría que me compartió. Hubo un momento de celebración litúrgica en la Semana Teológica, allá en el Centro Valdivieso. Recuerdo vivamente que un sacerdote hondureño tomó la guitarra y comenzó a enseñarnos un cántico muy popular en las comunidades de base en Honduras. Y quedaron grabadas para siempre este mensaje tan evangélico que me confirma la tesitura espiritual de Don José Comblin. A él también le emocionó cuando lo cantamos: Jesucristo me dejó inquieto, su palabra me llenó de luz. Y jamás yo pude ver al mundo sin sentir, aquello que sintió Jesús. Gracias, Don José, digno siervo de Jesucristo en su pueblo. Su estela luminosa se ha quedado con nosotros y nosotras. Prometemos recordar con alguna frecuencia lo que nos enseñó y compartió. Su sabiduría nos ha conmovido y desafiado.