Qual é o futuro da teologia? Para onde ela vai?

Em Notícias: IHU On-Line de 18/03/2010, leio:

O fascinante futuro da teologia

Publicamos aqui alguns trechos do artigo do teólogo espanhol José María Vigil, presente no último livro da série “Pelos muitos caminhos de Deus“, editados pela Associação de Teólogos e Teólogas do Terceiro Mundo. Esse último volume, em seu número 5, é intitulado “Rumo a uma teologia planetária“, abordando o diálogo e o entrecruzamento entre a teologia da libertação mundial e a teologia do pluralismo religioso. O artigo foi publicado na revista italiana Adista em 15/03/2010.

Vale a pena ler este texto que coloca questões importantes. E que termina perguntando:
Qual é o futuro da teologia? Para onde ela vai? Fecundado por tantos paradigmas novos e por tantas experiências em curso, o futuro da teologia é promissor e sedutor para quem se deixa fascinar por essa inquietação radical do ser humano, do ser humano religioso que sempre busca entender a sua própria religião. Sem dúvida, estamos em um tempo de mudança radical, de formas novas de teologia que não foram nem sonhadas. O futuro é de quem se arrisca apontando para essa tarefa de refundação teológica.

Mas que começa constatando:
Para alguns, a pergunta [Qual é o futuro da teologia? Para onde ela vai?] é inútil, porque a teologia seria sempre a mesma, uma teologia perene. E deveria ser assim também no futuro. Pelos séculos dos séculos. Ela deveria buscar, simplesmente, ser fiel à sua missão de sempre e de “custodiar fielmente o depósito da fé”. Mas essa visão estática não resiste à verificação histórica. Porque, na realidade, a teologia não fez nada mais do que mudar, evoluir, constantemente, desde o seu início. (…) Segundo a definição anselmiana, a teologia é “fides quaerens intellectum“, fé que quer compreender. “Fides“, aqui, não é a fé como uma entidade abstrata, sem sujeito… Quem quer compreender são os sujeitos crentes, que querem entender aquilo em que creem. Pois bem, com a mudança dos sujeitos crentes, geração após geração, em contextos históricos que em cada tempo são diversos, a sua busca de compreensão – “quaerens intellectum” – inevitavelmente evoluiu (…). Na última parte do século passado, as comunicações, as migrações, o turismo, a própria mundialização diversificaram enormemente as sociedades. A maior parte do globo se tornou pluricultural e plurirreligiosa. Desapareceram quase totalmente as sociedades homogêneas, monoculturais e monorreligiosas em que se podia fazer teologia no interior de uma única religião, sem compreender as perguntas que surgem das reivindicações de verdade de outras religiões (…). Antes ou depois, com maior ou menor consciência, os crentes querem finalmente compreender a relação da sua própria fé com os outros credos e reinterpretar as antigas respostas herdadas à luz desse pluralismo. É a teologia das religiões (nunca na história a teologia havia se colocado a questão das outras religiões), que depois se chamou teologia do pluralismo (que se pergunta: esse pluralismo é de fato ou de direito?) e que desemboca, enfim, na teologia pluralista: uma perspectiva nova, antes inimaginável na maior parte das religiões. Se na sociedade convivem, agora, inevitavelmente, muitas religiões (…), o crente não quer saber só da sua própria religião, mas quer saber também o que as outras dizem. A teologia responde não com a resposta única de uma só religião, mas com o leque de respostas que as diversas religiões fornecem, para que a pessoa possa se enriquecer com tudo isso. Nunca aconteceu algo semelhante na história da teologia: trata-se da teologia comparativa. Nesse contexto inter-religioso, são muitos os crentes – mesmo que ainda representem uma exceção – que têm uma experiência religiosa plural, que vivem a sua própria experiência religiosa em mais de uma religião. Têm um duplo pertencimento ou às vezes um pertencimento múltiplo. Obviamente, são muitos mais aqueles que acreditam que isso não seja possível ou que seja errado… e fazem bem ao não buscar experimentar. Mas o fato surpreendente daqueles que vivem um pertencimento múltiplo interpela a teologia com uma outra pergunta inédita: por que não deveria ser possível uma teologia inter-religiosa, multifé? A possível teologia inter-religiosa, apoiada por alguns, desprezada por outros, está aí, mesmo que em fase de experimentação.

E qual seria o perfil da teologia do futuro? José María Vigil arrisca o seguinte quadro:

“A maior parte das formas de teologia dos últimos tempos pode continuar, cada uma no nicho em que foi sistematizada. Mas a meu ver isso não impede que, na evolução da teologia, possa se descobrir uma direção, um sentido que indique um certo perfil previsível da teologia do futuro.

Na nossa modesta opinião, essa teologia teria as seguintes características:

:: Não será mais uma teologia que coloque muito o acento sobre o ‘teo’, porque aumentará sempre mais o conhecimento, em todas as latitudes, de que o teísmo é um modelo de compreensão/expressão da nossa concepção da divindade, não uma descrição certa e menos ainda imprescindível da ‘Realidade última’;

:: Não será, nem com muito entusiasmo, ‘logia’, porque nesse ponto já descobrimos em nível mundial as deficiências da unilateralidade do discurso racional que exalta o ‘logos’ a despeito de outras dimensões mais sutis do conhecimento humano;

:: Será confessional quando for útil – para o serviço teológico no interior de ministérios ou âmbitos de uma determinada religião, obviamente – mas também saberá ser, quando necessário, não confessional, ecumênica e supraconfessional, em função do público ao qual se dirige e do âmbito em que se inscreve;

:: Será, em todo o caso, pluralista, isto é, superará o complexo de superioridade religiosa do qual quase todas as religiões do mundo sofreram, um complexo que as levou a se considerarem diretamente divinas, a única religião válida do mundo. Ora, diante da evidência de que todas as religiões são lâmpadas da riqueza infinita da Realidade última, perceberão que o pluralismo religioso é o que foi ‘querido por Deus’, em vez de ser um mal a ser combatido;

:: Mesmo quando for confessional, certamente deverá ser, sempre mais, uma teologia comparativa: na sociedade plural, deverá se encarregar da palavra das outras religiões (…) mais do que permanecer dentro de restritos limites autorreferenciais;

:: Mas mais do que simplesmente comparativa, será muitas vezes inter-religiosa, interfé, intercrente, multirreligiosa, multifé… (é ainda prematuro um vocabulário definitivo). Mesmo que hoje ela pareça ser impossível para muitos, para outros ela é uma possibilidade já em curso. Não é absolutamente excepcional a experiência de dupla ou múltipla pertença religiosa, mesmo que para muitos isso seja inimaginável. Aqueles que a experimentam estão em condições de elaborar esse tipo de teologia, e já estão em curso experiências provisórias, mas promissoras;

:: Se poderá ser não confessional, é óbvio que ela poderá ser ‘laica’, não oficial, nem clerical, nem pertencente a alguma instituição religiosa: uma teologia fora da instituição, laica, civil, espiritual, humana. Quem souber abrir os olhos provavelmente descobrirá que essa teologia já está em curso e que abre caminho, muitas vezes sem esse nome. Não é uma teologia convencional, que trabalha de maneira confessional, mas sim uma teologia que pretende simplesmente ‘humanizar a humanidade’;

:: Desde os tempos da teologia da libertação, acredito que essa qualificação não é facultativa, mas essencial: não existe teologia se não for libertadora. Mas a velha forma de teologia da libertação deve ser fecundada – e já o está fazendo – com os novos paradigmas que a seguiram. Não pode continuar sendo exclusivista, como foi originariamente, não por vontade explícita, mas de maneira inconsciente. Não poderá nem ser tão antropocêntrica como foi, também involuntariamente: agora, deverá ser cosmo-biocêntrica, para humanizar a humanidade e o planeta, a partir de uma perspectiva de eco-justiça.

Qual é o futuro da teologia? Para onde ela vai?

Fecundado por tantos paradigmas novos e por tantas experiências em curso, o futuro da teologia é promissor e sedutor para quem se deixa fascinar por essa inquietação radical do ser humano, do ser humano religioso que sempre busca entender a sua própria religião.

Sem dúvida, estamos em um tempo de mudança radical, de formas novas de teologia que não foram nem sonhadas. O futuro é de quem se arrisca apontando para essa tarefa de refundação teológica”.