A política de Israel “vidas em troca de terra” é roubo. Puro e simples
“Israel rouba terra, os palestinianos perdem terra; é assim que funciona. É assim desde 1948, e é assim que continuará a ser”, escreve Robert Fisk, jornalista, em artigo publicado pelo jornal The Independent e reproduzido pelo sítio Esquerda.net, 09-09-2014.
Eis o artigo.
E foi assim que mais uma fatia da terra palestiniana foi pelo cano abaixo. Mais uns 400 hectares de terra palestiniana foram roubados pelo governo de Israel – porque… “apropriação” é roubo, não? – e o mundo já deu as desculpas de sempre. Os norte-americanos consideraram o roubo “contraproducente” para a paz, o que provavelmente menos vigoroso do que a sua reação caso o México roubasse 400 hectares de terra do Texas e resolvesse construir ali casas para os seus emigrantes ilegais nos EUA. Mas, não. Foi na “Palestina” (as aspas são mais necessárias do que nunca) e Israel conseguiu continuar a roubar, embora não nesta escala – este foi o maior roubo de terra em 30 anos, desde que foi assinado o Acordo de Oslo em 1993.
O aperto de mão entre Rabin-Arafat, as promessas e transferências de territórios e retiradas militares, e a determinação de deixar tudo o que é importante (Jerusalém, refugiados, o direito de retorno) para o fim, até que todos confiassem tanto uns nos outros que a coisa seria facílima – não surpreende que o mundo tenha feito descer sobre os dois a sua generosidade financeira. Mas o recente roubo de terras não apenas reduz a “Palestina”, também mantém o círculo de concreto armado no entorno de Jerusalém para manter os palestinianos bem distantes, tanto da capital, que é suposto partilharem com israelitas, como de Belém.
Foi instrutivo saber que o conselho israelita judeu Etzion, que administra os colonatos ilegais na Cisjordânia, considerou que este roubo é um castigo pelo assassinato de três adolescentes israelenses em junho. “O objetivo dos assassinatos dos três jovens foi semear o medo entre nós, interromper a nossa vida quotidiana e questionar o nosso direito [sic] à terra”, anunciou o conselho Etzion. “A nossa resposta é reforçar a colónia”. Deve ser a primeira vez que a terra na “Palestina” é confiscada sem serem convocados argumentos relativos à segurança nacional ou a autoridade pessoal de Deus, mas sim vingança.
Assim se cria um precedente interessante. Se a vida de um israelita inocente – cruelmente ceifada – vale cerca de 130 hectares de terra, a vida de um palestiniano inocente – também cruelmente ceifada – vale a mesma porção de terra. E se metade, que seja, dos 2.200 palestinos mortos em Gaza no mês passado – e esse é um número conservador – fossem inocentes, nesse caso os palestinianos teriam agora, presumivelmente, direito a 132.000 hectares de terras israelitas; na realidade, muito mais. E por mais “contraproducente” que isto seja, com certeza os EUA não aprovariam. Israel rouba terra, os palestinianos perdem terra; é assim que funciona. É assim desde 1948, e é assim que continuará a ser.
Nunca haverá uma “Palestina”, e o mais recente roubo de terra é apenas mais um ponto acrescentado no livro das consternações que os palestinianos têm de ler, enquanto os seus sonhos de terem um Estado se vão diluindo. Nabil Abu Rudeineh, porta-voz do “presidente” palestiniano Mahmoud Abbas, afirmou que o seu líder e as forças moderadas na Palestina tinham sido “apunhalados pelas costas” pela decisão dos israelitas, o que é dizer pouco. Abbas tem as costas completamente apunhaladas, de cima a baixo. E o que esperava ele quando escreveu um livro sobre as relações entre palestinianos e israelitas em que não escreveu nem uma única vez, uma que fosse, a palavra “ocupação”? O que significa que voltamos ao velho jogo. Abbas não pode negociar com ninguém a menos que fale pelo Hamas ou pela Autoridade Palestiniana. Como Israel sabe. Como os EUA sabem. Como a União Europeia sabe. Mas cada vez que Abbas tenta construir um governo de unidade nacional, todos nós gritamos que o Hamas é uma organização “terrorista”. E Israel argumenta que não pode conversar com uma organização “terrorista” que exige a destruição de Israel – ainda que Israel costumasse conversar muito com Arafat e, naqueles dias, tenha ajudado o Hamas a construir mais mesquitas em Gaza e na Cisjordânia, para servirem como contrapeso ao Fatah e a todos os outros então “terroristas” lá de Beirute.
Claro, se Abbas fala só por si, então Israel diz o que já disse: que se o Abbas não fala por Gaza, Israel não tem com quem negociar. Mas isso realmente ainda interessa? Devia existir uma manchete especial em todos os artigos deste género: “Adeus, Palestina”.
Fonte: IHU – 12 setembro 2014