Susin: III Fórum Mundial de Teologia e Libertação

Fórum Mundial de Teologia e Libertação e novos ‘lugares teológicos’

Em preparação ao Fórum Mundial de Teologia e Libertação, a ser realizado em Belém, PA, [de 21 a 25 de janeiro de 2009] iniciamos a publicação de uma série de artigos e entrevistas sobre o tema. Hoje publicamos o artigo de Luiz Carlos Susin, frei capuchinho, professor de Teologia da PUC-RS.

 

Para os primeiros que pensaram um Fórum Mundial de Teologia soava desafiante o slogan cunhado nas primeiras edições do Fórum Social Mundial: Outro Mundo é Possível. Em termos teológicos, trata-se de um desafio de ordem “escatológica”, que tem ressonâncias de esperança no Reino de Deus. Mas soaria como utópico castelo de cartas do desejo e da imaginação se não se pudesse ter algum lugar de seus sinais e alguém dedicado a esses sinais. Seriam os movimentos e organizações sociais presentes no Fórum Social Mundial, com os relatos de suas práticas, um “sinal” de outro mundo possível? Haveria algo de messiânico nesses sujeitos históricos frágeis, mas em muitos que se propunham a alternativas ao Fórum Econômico Mundial de Davos?

Essas perguntas começaram a ter caráter de afirmações quando uma pesquisa entre os participantes da terceira edição do Fórum Social Mundial revelou que em torno de 60% dos participantes portavam motivações de ordem espiritual, inclusive com raízes em tradições religiosas, para se dedicarem aos movimentos e organizações sociais. A partir de então o Fórum Social Mundial contou com um novo espaço, o de Cosmovisões e Espiritualidades.

Evidentemente, um Fórum é um tempo curto de encontros, de trocas, de debates. Não é ele mesmo um lugar para se deter. Mas é revelador, agregador e inspirador de muita energia e generosidade. Reflete as lutas por justiça, as aspirações de paz e convivência plural sem indiferença, enfim tem um sabor de “revelação”. De Deus mesmo todos os grandes místicos e teólogos nos avisaram que só se podem fazer afirmações indiretas, mediadas pela precariedade histórica de gente de carne e osso. O “lugar teológico” é o espaço indicador de Deus na precariedade humana. João, por exemplo, diz na forma de refrão: “Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele”. Ora, a experiência amorosa é, portanto, um “lugar teológico”. Quanto mais maduro é o amor, maior a experiência de Deus. O que dizer então desta generosidade sem exigência de reciprocidade, a fundo perdido, por um mundo justo e amoroso?

Isso nos coloca dentro da discussão atual sobre o método da Teologia da Libertação e seus lugares teológicos, de modo especial o “pobre”, um lugar evangelicamente privilegiado pela pureza do amor irrestrito e irrecíproco de Deus. Tradicionalmente, os lugares teológicos preferenciais foram a Escritura, portanto os textos sagrados e canônicos, e o Magistério eclesial, da hierarquia e dos grandes teólogos. Ora, o texto e a instituição, inclusive a instituição da doutrina, do dogma, fazem parte de um mundo chamado “Igreja” que teve plausibilidade nos séculos de cristandade, quando sociedade e Igreja coincidiam. Hoje não coincidem mais, e ao ficar com os lugares teológicos tradicionais, encurtamos o lugar de revelação divina e de redenção humana. Por isso, cresceu a consciência de que os lugares antes considerados secundários, como a história tecida de acontecimentos humanos, a sabedoria dos povos, enraizada em diferentes tradições, inclusive religiosas, tornam-se mais importantes como “lugar teológico”.

E assim estamos em pleno pluralismo: cultural, religioso, teológico. Um grande desafio é a conjugação da identidade com o pluralismo. Por isso, mesmo no interior da Teologia da Libertação, alguns teólogos avançam em direção ao pluralismo de forma decidida, enquanto outros chamam fortemente a atenção para o problema de identidade. Entre os últimos, no Brasil, contamos com Clodovis Boff. No entanto, “o círculo é a festa do pensamento” (Heidegger), e a circularidade pode evitar tanto o relativismo no interior do pluralismo como o fundamentalismo no interior da afirmação de identidade. De qualquer forma, é certo que um Fórum de diálogo e de debate é o lugar mais sadio para ensaiar a integração dos que logicamente parecem opostos.

Fonte: IHU On-Line: 06/01/2009