Alerta vermelho

Como escapar do fim do mundo

Leonardo Boff

Chegamos a um tal acúmulo de crises que, conjugadas, podem pôr fim a este tipo de mundo que nos últimos séculos o Ocidente impôs a todo o globo. Trata-se de uma crise de civilização e de paradigma de relação com o conjunto dos ecossistemas que compõem o planeta Terra, relação de conquista e de dominação. Não temos tempo para acobertamentos, meias-verdades ou simplesmente negação daquilo que está à vista de todos. O fato é que assim como está, a humanidade não pode continuar. Caso contrario, vai ao encontro de um colapso coletivo da espécie. É tempo de balanço face à catástrofe previsível.

Inspira-nos uma escola de historiadores bíblicos que vem sob o nome de escola deuteronomista, derivada do livro do Deuteronômio que narra a tomada de Israel e a entronização de chefes tribais (juízes). A escola refletiu sobre 500 anos da história de Israel, a idade do Brasil, fazendo uma espécie de balanço das várias catástrofes politicas havidas, especialmente, a do exílio babilônico. Segue um esquema, diria, quase mecânico: o povo rompe a aliança; Deus castiga; o povo aprende a lição e reencontra o rumo certo; Deus abençoa e faz surgir governantes sábios.

Usando um discurso secular, apliquemos, analogamente, o mesmo esquema à presente situação: a humanidade rompeu a aliança de harmonia com a natureza; esta a castigou com secas, inundações, tufões e mudanças climáticas; a humanidade tirou as lições destes cataclismos e definiu um outro rumo para o futuro; a natureza resgatada favorece o surgimento de governos que mantém a aliança originária de harmonia natureza-humanidade.

Ocorre que apenas uma parte deste esquema está sendo vivida: estamos tirando algumas lições dos transtornos globais. Muitos se dão conta de que temos que mudar os fundamentos da convivência humana e com a Terra, organismo vivo doente e incapaz de se autorregular. Essa mudança deve possuir uma função terapêutica: salvar a Terra e a Humanidade que se condicionam mutuamente. Outros, no entanto, querem continuar pela mesma rota que os conduziu ao desastre atual. O fato é que precisamos escutar aqueles que com consciência da situação nos estão oferecendo as melhores propostas. Eles não se encontram nos centros do poder decisório do Império. Estão na periferia, no universo dos pobres, aqueles que para sobreviver têm que sonhar, sonhos de vida e de esperança.

Uma destas vozes é de um indígena, o Presidente da Bolívia, Evo Morales. Ele escreveu, agora em novembro, uma carta aberta à Convenção da ONU sobre mudanças climáticas na Polônia. Escutando o chamado da Pacha Mama conclama:

“Necessitamos de uma Organização Mundial do Meio Ambiente e da Mudança Climática, a qual se subordinem as organizações comerciais e financeiras multilaterais, para promover um modelo distinto de desenvolvimento, amigável com a natureza e que resolva os graves problemas da pobreza. Esta organização tem que contar com mecanismos efetivos de implantação de programas, verificação e sanção para garantir o cumprimento dos acordos presentes e futuros… A humanidade é capaz de salvar o planeta se recuperar os princípios da solidariedade, da complementaridade e da harmonia com a natureza, em contraposição ao império da competição, do lucro e do consumismo dos recursos naturais.”

Evo Morales é indígena de um pais pobre. Temo que ele conheça o destino da triste história narrada pelo livro do Eclesiastes:”Um rei poderoso marchou sobre uma pequena cidade; cercou-a e levantou contra ela grandes obras de assédio. Havia na cidade um homem pobre, porém sábio que poderia ter salvo a cidade. Mas ninguém se lembrou daquele homem pobre porque a sabedoria do pobre é desprezada”(9,14-15). Que isso não se repita de novo.

Fonte: Jornal Grande Bahia – 29 de dezembro de 2008.

Comblin fala das acusações de Clodovis à TdL

As estranhas acusações de Clodovis Boff

José Comblin

Como vários amigos, fiquei estupefato quando li as acusações feitas por Clodovis Boff à teologia que ele chama de teologia de libertação. Não existe nenhuma instituição chamada teologia da libertação de tal modo que muitos podem perguntar-se se são da teologia da libertação ou não. A acusação feita à chamada teologia da libertação é totalmente indefinida. Clodovis não cita nomes e não dá nenhuma referência, nenhuma a obras de alguns autores que seriam incriminados. Não cita as páginas em que estão os erros. A acusação é a seguinte…

Leia o texto completo na Adital – dezembro de 2008

Leia Mais:
Teólogos em debate com Clodovis Boff
Quem é Comblin?

A tragédia de Gaza

 

 

Se Gaza cair, Cisjordânia cairá depois – Artigo de Sara Roy, Professora do Harvard’s Center for Middle Eastern Studies, publicado na London Review of Books – Carta Maior: 28/12/2008

O sítio de Gaza, por Israel, começou em 5 de novembro, um dia depois de Israel ter atacado a Faixa, ataque feito sem possibilidade de dúvida para pôr fim à trégua estabelecida em junho entre Israel e o Hamás. Embora os dois lados tenham violado antes o acordo, nunca antes acontecera qualquer violação em tão grande escala. O Hamás respondeu com foguetes, e desde então a violência não recrudesceu.

Com o sítio, Israel visa a dois principais objetivos. Um, reforçar a idéia de que os palestinos são problema exclusivamente humanitário, como pedintes, mendigos sem qualquer identidade política e, portanto, sem reivindicações políticas. Segundo, impingir a questão de Gaza, ao Egito.

Por isso, os israelenses toleram as centenas de túneis que há entre Gaza e o Egito, pelos quais começou a formar-se um setor comercial informal, embora cada vez mais regulado. A muito grande maioria dos habitantes da Faixa de Gaza vive em condições de miséria, com 49,1%, estatísticas oficiais, de desempregados. De fato, os habitantes de Gaza já sabem que está desaparecendo rapidamente, para todos, qualquer possibilidade real de emprego.

Dia 5/11, o governo de Israel fechou todas as vias de entrada e saída de Gaza. Comida, remédios, combustível, peças de reposição para as redes de energia, água e esgoto, adubo, embalagens, telefones, papel, cola, calçados e até copos e xícaras não entram nos territórios ocupados em quantidade suficiente, ou absolutamente não há.

Conforme relatórios da Oxfam, apenas 137 caminhões com alimentos entraram em Gaza no mês de novembro de 2008. Em média, 4,6 caminhões/dia; em outubro de 2008, entraram em média 123; em dezembro de 2005, 564. As duas principais organizações que levam comida a Gaza são a UNRWA, Agência de Ajuda Humanitária da ONU para os Refugiados Palestinos e o Oriente Médio; e a WFP, “Programa Alimento para o Mundo”. A UNRWA alimenta aproximadamente 750 mil palestinos em Gaza (cerca de 15 caminhões/dia de alimentos). Entre 5/11 e 30/11, só chegaram 23 caminhões, cerca de 6% do mínimo indispensável; na semana de 30/11, chegaram 12 caminhões, 11% do mínimo indispensável.

Durante três dias, em novembro, a UNRWA esteve totalmente desabastecida e 20 mil pessoas não receberam a única comida com que contam para matar a fome. Nas palavras de John Ging, diretor da UNRWA em Gaza, praticamente todos os atendidos pela organização dependem completamente do que recebem, seu único alimento. Dia 18/12, a UNRWA suspendeu completamente a distribuição de alimento, dos programas regulares e dos programas de emergência, por causa do bloqueio israelense.

A WFP enfrenta problemas semelhantes; conseguiu enviar apenas 35 caminhões, dos 190 previstos para atender as necessidades da Faixa de Gaza até o início de fevereiro de 2009 (mais seis caminhões conseguiram chegar a Gaza, entre 30/11 e 6/12). E não é só: a WFP é obrigada a pagar pelo armazenamento dos alimentos que não podem ser enviados a Gaza. Só em novembro, pagou 215 mil dólares. Se Israel mantiver o sítio a Gaza, a WFP terá de pagar mais 150 mil dólares pelo armazenamento dos alimentos, no mês de dezembro, dinheiro que deveria ser usado para auxiliar os palestinos, mas está entrando nos cofres de empresas israelenses de armazenamento.

A maioria das padarias comerciais em Gaza (30, de 47) foi obrigada a fechar as portas por falta de gás de cozinha. As famílias estão usando qualquer tipo de combustível que encontrem, para cozinhar. Como a FAO/ONU já informou, o gás é indispensável para manter aquecidos os criadouros de aves. A falta de gás e de rações, já levou à morte milhares de galinhas e frangos. Em abril, conforme a FAO, já praticamente não haverá galinhas e frangos em Gaza e para 70% dos palestinos, carne e ovos de galinha são a única fonte de proteína.

Bancos, impedidos por Israel de operar nos territórios ocupados, fecharam as portas dia 4/12. Num deles há um aviso, em que se lê: “Por decisão da Autoridade das Finanças na Palestina, o banco permanecerá fechado hoje, 4/12/2008, 5ª-feira, por falta de numerário. O banco só reabrirá quando voltar a receber moeda.”

O Banco Mundial já antecipara que o sistema bancário em Gaza entraria em colapso se as restrições continuassem. Todo o fluxo de dinheiro para os programas foi suspenso, e a UNRWA suspendeu a assistência financeira a outros subprogramas, para os mais necessitados, dia 19/11. Também está paralisada a produção de livros didáticos e cadernos, porque não há papel, tinta de impressão e cola, em Gaza. Com isso, 200 mil estudantes serão afetados, ano que vem, no início das aulas.

Dia 11/12, o ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, enviou 25 milhões de dólares para o sistema bancário na Palestina, depois de um apelo do primeiro-ministro palestinense, Salaam Fayad; foi a primeira remessa, desde outubro. Não bastará nem para pagar o mês de salários atrasados dos 77 mil funcionários públicos de Gaza.

Dia 13/11, foi suspensa a operação da única estação de energia elétrica que opera em Gaza; as turbinas foram desligadas por absoluta falta de diesel industrial. As duas turbinas movidas a bateria ‘caíram‘ e não voltaram a funcionar dez dias depois, quando chegou um único carregamento de combustível. Cerca de 100 peças de reposição, encomendadas para as turbinas, estão há oito meses no porto de Ashdod, em Israel, a espera de que as autoridades da alfândega israelense as liberem. Agora, Israel começou a leiloar as peças não liberadas, porque permanecem há mais de 45 dias no porto. Tudo feito conforme a legislação de Israel.

Durante a semana de 30/11, 394 mil litros de diesel industrial foram liberados para a estação de produção de energia: aproximadamente 18% do mínimo que Israel está legalmente obrigado a fornecer. Foi suficiente apenas para fazer funcionar uma turbina, por dois dias, antes de a estação ser novamente fechada. A Gaza Electricity Distribution Company informou que praticamente toda a Faixa de Gaza ficará sem eletricidade por períodos que variarão entre 4 e 12 horas/dia. Em vários momentos, haverá mais de 65 mil pessoas sem eletricidade.

Nem mais uma gota de óleo diesel (para geradores e para transporte) foi entregue essa semana (como já acontece desde o início de novembro); nem de gás de cozinha. Os hospitais em Gaza estão operando, ao que parece, com diesel e gás recebido do Egito, pelos túneis; ao que se diz, são produtos administrados e taxados pelo Hamás. Mesmo assim, dois hospitais em Gaza estão sem gás de cozinha desde 23/11.

Além dos problemas diretamente causados pelo sítio israelense, há os problemas criados pelas divisões políticas entre a Autoridade Palestina na Cisjordânia e a Autoridade do Hamás, em Gaza. Por exemplo, a CMWU, que fornece água para a região costeira de Gaza, que não é controlada pelo Hamás, é financiada pelo Banco Mundial via a Autoridade Palestina para a Água (PWA) em Ramállah; o financiamento destina-se a pagar o combustível para as bombas do sistema de esgotos de Gaza.

Desde junho, a PWA tem-se recusado a liberar o dinheiro, aparentemente porque entende que o funcionamento dos esgotos beneficiaria o Hamás. Não sei se o Banco Mundial tentou alguma intervenção nesse processo, mas, por hora, a UNRWA está fornecendo o combustível necessário, embora não tenha orçamento para essa finalidade. A CMWU também pediu autorização a Israel para importar 200 toneladas de cloro; até o final de novembro recebeu apenas 18 toneladas suficiente para o consumo de uma semana de água clorada. Em meados de dezembro, a cidade de Gaza e o norte da Faixa só tinha água por seis horas, a cada três dias.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, as divisões políticas entre Gaza e a Cisjordânia também têm tido sério impacto sobre o abastecimento de remédios em Gaza. O ministério da Saúde da Cisjordânia (MOH) é responsável por comprar e distribuir quase todos os produtos farmacêuticos e cirúrgico-hospitalares usados em Gaza. E todos os estoques estão perigosamente baixos. No mês de novembro, várias vezes o ministério devolveu carregamentos recebidos por via marítima, por não haver espaço para armazenamento; apesar disso, nada tem sido entregue em Gaza, em quantidades suficientes. Na semana de 30/11, chegou a Gaza um caminhão com remédios e suprimentos médios, enviado pelo MOH em Ramállah; foi o primeiro, desde o início de setembro.

Está acontecendo aí, ante nossos olhos, a destruição de toda uma sociedade e nenhum clamor se ouve, além dos avisos da ONU, que são ignorados pela comunidade internacional.

A União Europeia anunciou recentemente que deseja estreitar relações com Israel, pouco depois de as autoridades israelenses terem declarado abertamente que preparam a invasão, em larga escala, da Faixa de Gaza e de terem apertado ainda mais o bloqueio econômico, com o apoio, já nada tácito, da Autoridade Palestina em Ramállah. Essa, vê-se, está colaborando com Israel, em várias medidas. Dia 19/12, o Hamás deu oficialmente por encerrada a trégua (que Israel declarou que estaria interessado em renovar), porque Israel não suspendeu (nem diminuiu) o bloqueio.

Por que, como, em que sentido, negar alimento e remédios à população de Gaza ajudaria a proteger os israelenses?

Por que, como, em que sentido, o sofrimento das crianças de Gaza – mais de 50% da população são crianças! – beneficiaria alguém?

A lei internacional e a decência humana exigem que essas crianças sejam protegidas. Se Gaza cair, a Cisjordânia cairá depois.

 

Relator da ONU se diz chocado com inação de comunidade internacional sobre Gaza

O relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para os Direitos Humanos nos Territórios Palestinos, Richard Falk, afirmou à BBC nesta terça-feira estar chocado pelo fato de a comunidade internacional não estar fazendo mais para pressionar Israel a interromper seus ataques à faixa de Gaza (…)

“Israel está cometendo uma série chocante de atrocidades usando armamentos modernos contra uma população indefesa, atacando uma população que já vem enfrentando um bloqueio severo por muitos meses e ignorando a possibilidade do restabelecimento de um cessar-fogo que a liderança do Hamas havia proposto”, afirmou Falk.

“Estou chocado pela incapacidade da comunidade internacional em tomar ações mais decisivas em resposta ao que está ocorrendo”, disse.

Para Falk, Israel já estava violando a lei internacional antes dos ataques, por conta de seu bloqueio à faixa de Gaza.

“O próprio bloqueio viola as duas obrigações mais fundamentais de um poder de ocupação. Primeiro, de não punir coletivamente a população civil, e, segundo, de garantir que a população do território ocupado tenha suprimentos de alimentos e medicamentos suficientes”, afirmou.

Para ele os bombardeios israelenses são “um ato de agressão incondicional contra uma população indefesa pela qual Israel tem responsabilidades especiais de acordo com as Convenções de Genebra e em relação às normas da ONU”.

Fonte: Folha Online – BBC Brasil: 30/12/2008

Josefo, a sociedade judaica e as origens cristãs

MASON, S. Josephus, Judea, and Christian Origins: Methods and Categories. Peabody, MA: Hendrickson, 2009, 464 p. – ISBN 9781598562545.

The book comprises eleven chapters in three parts:

  • Part I: Josephus, Interpretation and Historical Method
  • Part II: Josephus and Judaean Society
  • Part III: Josephus and Christian Origins

Da Introdução, que pode ser lida na página da Hendrickson, destaco:
The only reason to produce a new academic book is to contribute something coherent for scholarly reflection. In the past year I began to think that a number of my published and unpublished papers, on Josephus, Judean society, and Christian origins, had such a unifying theme and so could usefully be brought together in one volume. Driving my research for a number of years has been a set of questions related to historical and literary-interpretative methods, and the relationship between these two. What is history? What does it mean to read Josephus (or any other ancient narrative)? What is the relationship between reading the narrative and reconstructing the past —whether the past behind the story or the past represented by the text’s own existence as an artifact itself? (…) On the historical side of the ledger, one of my primary concerns has been with the appropriateness of our standard categories (…) The more that I have worked on the Eastern Mediterranean under Roman rule, the more I have become convinced that some of our most basic analytical categories, such as “religion,” “Judaism,” and even “gospel,” do not map onto ancient conceptions or language. And if they do not, what are the implications of that disparity for our analysis? What categories should we use instead? And so, I seemed to have in hand the promise of a coherent contribution: “methods and categories” in the study of Josephus, Judea, and Christian origins.

Steve Mason is Professor of History and Canada Research Chair in Greco-Roman Cultural Interaction at York University, Toronto. He is the author of Flavius Josephus on the Pharisees: A Composition-Critical Study (2001) and general editor of the twelve-volume series Flavius Josephus: Translation and Commentary.

Entrevista com Finkelstein em Sciences et Avenir

N. T. Wrong, em postagem de hoje em seu blog homônimo, chama a atenção para uma entrevista de Israel Finkelstein publicada na revista Sciences et Avenir, com data de 17 de dezembro de 2008.


Veja a entrevista aqui. Em francês.


Pour Israël Finkelstein, dans Sciences et Avenir de décembre 2008, “les textes sacrés ne sont pas des comptes-rendus historiques”. Découvrez l’interview de Finkelstein dans S & A de décembre dans la suite de cette note (…) Propos recueillis à Megiddo par Bernadette Arnaud – Extrait de la revue Sciences et Avenir : 17 décembre 2008


Finkelstein Interview in Sciences et Avenir, December 2008

Tributo a Israel Finkelstein

FANTALKIN, A.; YASUR-LANDAU, A. (eds.) Bene Israel: Studies in the Archaeology of Israel and the Levant during the Bronze and Iron Ages in Honour of Israel Finkelstein. Leiden: Brill, 2008, xx + 247 p. – ISBN 9789004152823

Este livro é uma homenagem – um Festschrift – ao arqueólogo Israel Finkelstein, prestada, simbolicamente, por 12 de seus ex-alunos. Os ensaios abordam vários aspectos da arqueologia de Israel e do Levante durante as Idades do Bronze e do Ferro.

This collection of twelve papers, dedicated to Professor Israel Finkelstein, deals with various aspects concerning the archaeology of Israel and the Levant during the Bronze and Iron Ages. Although the area under discussion runs from southeastern Turkey (Alalakh) down to the arid zones of the Negev Desert, the main emphasis is on the Land of Israel. This collection provides the most recent evaluation of a number of thorny issues in Israeli archaeology during the Bronze and Iron Ages and specifically addresses chronology, state formation, identity, and agency. It offers, inter alia, a fresh look at the burial practices and iconography of the periods disscussed, as well as a re-evaluation of the subsistence economy and settlement patterns. This book is finely illustrated with more than sixty original drawings.

“…The twelve authors included here, a symbolic metaphor, represent in fact only a fraction of Israel’s many students. Professor Finklestein’s ongoing commitment to the training and guiding of students will no doubt continue to produce a steady flow of new archaeologists. More “Bene” and “Benot” Israel indeed.”

Os editores: Alexander Fantalkin, Universidade de Tel-Aviv, Israel, e Assaf Yasur-Landau, Universidade da Califórnia, Santa Cruz, USA.

Natal: mito de fundação ou manifesto político?

Natal: uma mitologia?

A revista Riforma, n° 49, 19-12-2008, publicação semanal dos evangélicos batistas, metodistas e valdenses italianos, trouxe em sua última edição uma carta de um de seus leitores questionando a credibilidade do Natal, que mais parece, segundo sua opinião, uma lenda, um “mito de fundação”. Questionado pelo leitor, o teólogo Paolo Ricca, colaborador da revista, mais adiante, responde à carta.

Eis o texto em italiano, que pode ser encontrado aqui.

Natale: una mitologia?

L’avvicinarsi della festività della nascita di Gesù mi offre argomento per alcune osservazioni su questo tema, nel quale scorgo, a mio modo di vedere, importanti percentuali di mitologia. La leggenda del Natale, infatti, è riportata da due evangelisti – Matteo e Luca – ma in modi così divergenti da escludersi a vicenda.

Secondo Matteo la nascita di Gesù avvenne durante l’ultimo anno del regno di Erode il grande, da cui la strage degli innocenti (ne sarebbe stato capace), la fuga in Egitto, ecc. Sempre secondo Matteo, l’annunciazione fu data in sogno a Giuseppe, ultimo discendente della stirpe regale di Davide. Secondo Luca, invece, la nascita avvenne quando la Giudea era già dominio romano (almeno 10 anni dopo) e quindi soggetta al censimento voluto dall’imperatore Ottaviano Augusto. Inoltre, secondo Luca, Giuseppe discenderebbe da una stirpe sacerdotale nella quale compaiono tutt’altri nomi.

Una cronologia esclude l’altra. Ma non basta, perché in entrambe sono presenti elementi mitici: annunciazione angelica a Maria (non a Giuseppe e non in sogno), parto verginale, cori angelici, nascita in una stalla vuota (Luca), adorazione dei Magi guidati da una stella (Matteo) che va a fermarsi sopra la casa (non stalla) della natività. Tutte cose che fanno pensare a «miti di fondazione» come la leggenda di Romolo e Remo per la fondazione di Roma. Infatti le divergenze sopra dette sottraggono attendibilità storica ai racconti della natività e fanno pensare a una leggenda.

La cosa, di per sé, non avrebbe molta importanza (gli evangelisti Marco e Giovanni non ne parlano neppure) poiché quello che conta è il contenuto dell’insegnamento di Gesù, non le circostanze della sua nascita. Stiamo però attenti a non prendere per oro colato tutto ciò che dicono gli evangeli, nei quali, come ho detto, è presente anche una percentuale di mitologia (contraddittoria per di più).

Gradirei sapere se il prof. Ricca condivide o meno le mie osservazioni. Sergio Bilato – Verona

 

Condivido senz’altro le osservazioni del nostro lettore sulle divergenze notevoli (egli non le elenca neppure tutte!) tra le due tradizioni evangeliche sulla nascita di Gesù,Paolo Ricca - nasceu em 1936 contenute rispettivamente nei capitoli 1 e 2 di Matteo e nei capitoli 1 e 2 di Luca. A questi ultimi bisogna aggiungere la genealogia di Gesù collocata da Luca subito dopo il racconto del battesimo (3, 23-38), mentre in Matteo si trova proprio all’inizio della sua narrazione (1, 1-15): le due genealogie sono anch’esse molto diverse. Concordo anche, almeno in parte, con i dubbi del nostro lettore sulla attendibilità storica di questi «evangeli – o racconti – dell’infanzia» (come vengono chiamati dagli studiosi), non però nel senso di un dubbio radicale su tutto ciò che vi si trova, ma nel senso che in essi «l’interesse teologico domina su quello storico», come scriveva Giovanni Miegge già nel 1951. Questo significa che quei capitoli non mirano tanto a fornire dati storici accurati sulle circostanze e il luogo della nascita di Gesù, quanto piuttosto ad affermare due verità costitutive della fede dei primi cristiani: la prima è l’ascendenza davidica di Gesù, quindi la sua messianicità espressa nell’appellativo «Figlio di Davide» con il quale egli è spesso salutato dalla folla; la seconda è la divinità originaria della sua persona fin dalla nascita, quindi la sua qualità di «Figlio di Dio» (oltre che di Maria), acquisita non dopo il battesimo, o dopo la risurrezione, ma posseduta già nel concepimento.

Il lettore dell’evangelo dovrà dunque cercare in quei capitoli il loro significato teologico piuttosto che l’esattezza storica dei fatti narrati. Condivido infine l’osservazione del nostro lettore secondo cui i «racconti dell’infanzia» contengono alcuni elementi leggendari (egli dice «mitici»), a patto però che in questo caso per «leggenda» non s’intenda semplicemente «cosa inventata, non vera, puro prodotto dell’immaginazione», ma s’intenda l’elaborazione poetica di un fatto storico – la nascita di Gesù – elaborazione che non necessariamente deforma il dato storico, ma può metterne in luce aspetti nascosti. Non condivido invece il giudizio complessivo del nostro lettore sui «racconti dell’infanzia» nei quali egli ravvisa «importanti percentuali di mitologia» – se, come immagino, egli intende con questo termine un puro prodotto della fantasia religiosa dei primi cristiani, privo di qualunque consistenza storica, un «mito di fondazione» come quello di Romolo e Remo.

No, non credo che i «racconti dell’infanzia» siano un mito di fondazione. Perché no? Perché essi contengono almeno tre dati fondamentali sicuramente storici, e niente affatto mitici o leggendari.

(1) Il primo è il fatto che Gesù è nato, cioè «Gesù» non è un nome simbolico creato dalla primissima comunità cristiana per esprimere un suo progetto o una sua speranza, ma è il nome di una persona in carne e ossa, vissuta e morta in Palestina nei primi anni Trenta della nostra era. Ma dove è nato Gesù? Qui le tradizioni evangeliche sono diverse. I «racconti dell’infanzia» lo fanno nascere a Betlemme e questa tradizione non è del tutto priva di plausibilità storica. Ma è più verosimile che Gesù sia nato a Nazareth, indicata da Marco come la sua «patria» (6, 1), cioè, presumibilmente, il suo luogo di origine: lo conferma l’aggettivo «Nazareno» con il quale viene abitualmente chiamato.

(2) Il secondo dato sicuramente storico, e niente affatto mitico o leggendario, contenuto nei «racconti dell’infanzia» è l’identità dei genitori di Gesù: Giuseppe e Maria. Su questo non ci sono dubbi, qui non c’è posto per nessuna invenzione. Non è invece chiaro, nei testi evangelici, la natura della paternità di Giuseppe nei confronti di Gesù. Secondo le due genealogie (su questo sono concordi) si giunge a Gesù attraverso Giuseppe, che quindi è suo «padre». Ma in che senso? In senso fisico? Sembra di no, dato che Maria è costantemente designata come «vergine» o come «ragazza non sposata»: il termine greco ha i due significati, che però, nel quadro della società ebraica di allora, indicano la stessa realtà e implicano entrambi l’assenza di un rapporto sessuale prima della nascita di Gesù. Giuseppe è dunque «padre» di Gesù nel senso di una paternità legale, adottiva, non in quello di una paternità fisica.

(3) Il terzo dato sicuramente storico, e per nulla mitico o leggendario, contenuto nei «racconti dell’infanzia» è l’ebraicità di Gesù. Questi racconti, pur con tutte le loro grosse differenze (hanno però anche alcuni importanti punti in comune), provengono dalle stesso ambiente giudeo-cristiano, e perciò sono pieni di reminiscenze bibliche. Matteo interpreta vari passi dell’Antico Testamento come profezie degli avvenimenti che hanno preceduto e accompagnato la nascita di Gesù (1, 23; 2, 6.15.17); in Luca 1 e 2 invece l’Antico Testamento è presente quasi in ogni riga dei cantici di Maria, di Zaccaria e di Simeone. I due racconti sono quindi fortemente impregnati di spiritualità ebraica e descrivono bene l’ambiente religioso e sociale nel quale Gesù è nato e cresciuto. La sua patria, la Galilea, era malvista dalle autorità romane perché terra politicamente irrequieta, e dalle autorità religiose di Gerusalemme perché semipagana. La famiglia di Gesù però, come il resto della popolazione ebraica della regione, partecipava alle feste e liturgie del Tempio di Gerusalemme e coltivava la pietà degli anawim, i «poveri d’Israele». L’ebraicità di Gesù, fortemente sottolineata dai «racconti dell’infanzia», è fondamentale per capire la sua missione e la sua persona.

C’è dunque molta storia in questi racconti, ma c’è anche molta teologia e molta poesia. La teologia l’ho già indicata: annunciare che Gesù è il Figlio di Davide e come tale il Messia (Matteo), e che è «concepito di Spirito santo» e come tale Figlio di Dio (Luca). In fondo, i due racconti dell’infanzia non dicono altro che quello che dirà l’intera narrazione evangelica e che diranno Paolo (Romani 1, 3: Gesù Figlio di Davide) e Giovanni (Gesù Figlio di Dio). Ma lo dicono all’inizio, quasi come preludio o ouverture dell’evangelo, raccontando il fatto storico della nascita di Gesù in forme poetiche e con finalità teologiche. Non parlerei dunque di «mitologia», ma di teologia e poesia intrecciate a un nucleo storico fondamentale.

Giustamente il nostro lettore osserva che gli evangelisti Marco e Giovanni non parlano della nascita di Gesù. Per Marco l’evangelo comincia non con la nascita, ma con il battesimo di Gesù nel Giordano (1, 9-11). Giovanni si limita a dichiarare che «la Parola è stata fatta carne», senza precisare né come né dove. Nella sua narrazione, Maria compare per la prima volta alle nozze di Cana, al capitolo 2: il fatto di aver dato alla luce Gesù viene totalmente ignorato. Perché questo doppio silenzio? La ragione principale sembra essere questa: per quanto fondamentale, la nascita di Gesù non è, di per sé, un atto salvifico. Sono la sua morte e la sua risurrezione che salvano, non la sua nascita. Anche l’apostolo Paolo non dà alcun rilievo e non attribuisce alcun significato particolare alla nascita di Gesù, che egli menziona una sola volta, en passant, nella lettera ai Galati, dove parla di Gesù «nato da donna» (4, 4). L’importanza che la festa del Natale ha acquistato nel culto e nella pietà cristiana e che continua a mantenere anche nel nostro tempo così largamente secolarizzato, è sproporzionata rispetto al posto che la nascita di Gesù occupa nel Nuovo Testamento.

Del resto, come è noto, i primi cristiani non festeggiavano il Natale, anche perché né Matteo né Luca ci permettono di stabilire la data di nascita di Gesù. L’indicazione di Luca secondo cui, nella notte in cui Gesù nacque, dei pastori «stavano nei campi e facevano di notte la guardia al loro gregge», supponendo che sia attendibile, fa pensare a un periodo che va da marzo-aprile fino a novembre. Altre indicazioni non ci sono. Anche questo dimostra lo scarso interesse dei primi cristiani per la nascita di Gesù. Per loro, l’unico «giorno del Signore» era la domenica, cioè il giorno della risurrezione, non quello della nascita.

Ma allora, come mai è nato (tardivamente) il Natale? E perché è stato fissato al 25 dicembre? A queste domande risponde un volumetto del prof. Oscar Cullmann apparso nel lontano 1947, intitolato Il Natale nella chiesa antica e pubblicato in versione italiana curata dal pastore Franco Sommani già nel 1948. Eccone i dati essenziali.

[a] La prima traccia di una celebrazione del Natale di cui ci sia pervenuta notizia si trova nell’ambito di una scuola cristiana gnostica (quindi non ortodossa), quella di Basilide, fiorita dal 120 al 140 dopo Cristo. Il 6 gennaio di ogni anno Basilide e i suoi seguaci festeggiavano non già la nascita di Gesù, bensì il suo battesimo, nel quale ebbe luogo la sua «manifestazione» o «apparizione» come «Figlio di Dio», essendo così chiamato, e quindi costituito, dalla voce celeste. «Apparizione» in greco si dice epifanéia, da cui proviene il termine epifania, che cade appunto il 6 gennaio. Ma perché il 6 gennaio? Perché il quel giorno aveva luogo una festa pagana del dio Eone figlio della vergine Kore, collegata anche ai poteri speciali attribuiti alle acque del Nilo. Basilide volle sostituire la feste pagana con una festa cristiana: il vero Figlio di Dio, Cristo, manifestato come tale al battesimo, al posto del dio Eone, e le acque del giordano al posto di quelle del Nilo.

[b] La Chiesa d’Oriente, pur condannando Basilide per le sue dottrine gnostiche, adottò la sua festa, abbinando però alla memoria del battesimo di Gesù anche quella della sua nascita: questa si celebrava nella notte tra il 5 e il 6 gennaio, mentre il giorno 6 si celebrava il battesimo. Possediamo una liturgia del Natale (nascita e battesimo) dell’inizio del IV secolo.

[c] Dall’Oriente la festa del Natale si spostò in Occidente, e qui la festa della nascita venne fissata il 25 dicembre, dissociandola da quella del battesimo che continuò a essere celebrata il 6 gennaio. Perché il 25 dicembre? Per la stessa ragione per la quale Basilide aveva scelto il 6 gennaio per celebrare il battesimo di Gesù, e cioè per sostituire una festa pagana. Qui la festa era quella del dio Sole, cara – sembra – tra gli altri all’imperatore Costantino, che la cristianizzò sostituendo il dio Sole con il «vero sole», Cristo. La festa del dio Sole era celebrata il 25 dicembre, ed ecco perché il nostro Natale cade in quella data.

Come si vede, la storia della festa di Natale è piuttosto complessa, per non dire complicata. Il racconto evangelico del Natale è invece limpido, lineare (nelle due diverse versioni di Matteo e di Luca), e straordinariamente bello, di una bellezza non solo poetica, ma spirituale. Per questo il Natale è diventato la festa cristiana più amata e più universalmente celebrata di tutte. È anche, ahimé, la più mondanizzata. Questo però non è un motivo sufficiente per non celebrarla, è piuttosto un motivo per celebrarla bene, cioè in semplicità d’animo e consapevolezza di fede, conservando la capacità di stupirci davanti alla grandezza di Dio diventato per amore nostro così piccolo (le sue vie non sono le nostre vie) e cercando di festeggiare non noi stessi (i nostri affetti, la gioia di rivedersi, riabbracciarsi e trascorrere insieme bei momenti conviviali), ma Gesù che è venuto a cercarci, per essere lui la via della nostra vita.

Tratto dalla rubrica Dialoghi con Paolo Ricca del settimanale Riforma del 19 dicembre 2008.

 

BORG, M. J.; CROSSAN, J. D. O primeiro Natal: O que podemos aprender com o nascimento de Jesus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008Por outro lado, acaba de sair em português o livro de BORG, M. J.; CROSSAN, J. D. O primeiro Natal: O que podemos aprender com o nascimento de Jesus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, 304 p. – ISBN 9788520921470.

Original inglês: The First Christmas: What the Gospels Really Teach About Jesus’s Birth. New York: HarperOne, 2007, 272 p. – ISBN 9780061430701

Para os autores, “o tema comum por trás das narrativas [do nascimento e infância de Jesus] é a rejeição do projeto imperial de Roma, que dominava um quarto da população do planeta na época, em favor de um projeto alternativo para a humanidade, representado por Jesus e seu evangelho. ‘As histórias do primeiro Natal são, em geral, anti-imperiais. Em nosso contexto, isso significa afirmar, seguindo as histórias da natividade, que Jesus é o Filho de Deus (e o imperador não é), que Jesus é o Salvador do mundo (e o imperador não é), que Jesus é o Senhor (e o imperador não é), que Jesus é o caminho para a paz (e o imperador não é)’, escrevem os autores”, explica Reinaldo José Lopes na reportagem Histórias bíblicas de Natal têm viés político, diz pesquisa, publicada no G1 em 22/12/2008 – 09h32.

Leia o texto completo.

Paulo de Tarso: tema de capa da IHU On-Line

Paulo de Tarso: a sua relevância atual

Este é o tema de capa da edição 286 da IHU On-Line, publicada ontem, 22/12/2008.
As entrevistas:

  • Hermann Häring: Paulo, o universalismo e a Ética Mundial
  • Alain Gignac: A redescoberta de Paulo pela pós-modernidade
  • Rémi Brague: Antecipando os slogans da modernidade
  • Jean-Claude Eslin: O universalismo paulino
  • Jerome Murphy O’Connor: Paulo: um novo sentido para a igreja de hoje
  • Maria Clara Bingemer: Paulo e a Carta aos Romanos: a Igreja e a Sinagoga
  • Diane Kuperman: Fraternidade judaico-cristã: a busca pelo diálogo
  • Eduardo Pedreira: Um plantador de igrejas

Veja todas as edições da IHU On-Line.

II Simpósio de Teologia da PUC-Rio aborda Paulo

O II Simpósio Internacional de Teologia da PUC-Rio acontecerá de 31/3/2009 a 02/4/2009 e terá como tema Paulo Apóstolo, diante do Judaísmo e do Helenismo.

Fazem palestras ou participam de debates especialistas como: Florentino García Martínez (Lovaina), Edgard Leite Ferreira Neto (UERJ), Milton Schwantes (UMESP), Jesus Hortal Sanchez (PUC-Rio), Romano Penna (Roma), Johan Konings (FAJE-BH), Cláudia Andréa Prata Ferreira (UFRJ), Henrique Fortuna Cairus (UFRJ), Dom José Antônio Peruzzo (Bispo de Palmas – PR), André Leonardo Chevitarese (UFRJ), Marta Braga (UCP) e Ricardo Lengruber (BENNETT).

Paulo de Tarso: um mestre que faz pensar?

A redescoberta de Paulo pela pós-modernidade. Entrevista especial com Alain Gignac

Alain Gignac é enfático ao dizer que a redescoberta de Paulo de Tarso pela pós-modernidade se dá em dois sentidos. “Paulo alimenta a (pós)modernidade, e esta permite redescobrir Paulo”. Um mestre que faz os filósofos ocidentais pensarem, mesmo os ateus. “Para todos esses filósofos, a leitura das cartas foi determinante como catalisador de seu próprio pensamento – que não se situava necessariamente na linha de Paulo e, mesmo seguidamente se opunha a ele”. E Paulo nos confronta na época de individualismo e consumismo exacerbados em que vivemos, provoca Gignac: “Na história da literatura, trata-se do primeiro escritor a se expressar em ‘eu’ com tal força. Mas o ‘eu’ de Paulo é livre e inscrito em uma comunidade, não é individualista e isolado, nem escravo e alienado”.

Enquanto forem ligadas, suas cartas continuarão nos forçando a refletir. Por isso, “não há momento propício para ler Paulo, mas ao contrário, a leitura de Paulo pode criar um momento propício, o momento capaz de criar o novo”. Analisando as críticas de Nietzsche a Paulo, Gignac aponta que o filósofo alemão “dissocia Jesus e Paulo para opô-los e para atacar o apóstolo se servindo de um Jesus que lhe convém”. E completa: “O cristianismo não está fundado em Jesus, mas no Cristo – ou seja, uma interpretação pascal da vida e da morte de Jesus”. A respeito da morte na cruz, o teólogo destaca que Paulo sabe que esta é uma “morte vergonhosa, mas ele está longe de dizer que se trata de uma morte gloriosa. Paulo não exclui o sofrimento nem o escândalo da morte. Sua retórica não visa à sublimação, mas marca fortemente o paradoxo”.

Gignac é professor assistente na Faculdade de Teologia e Ciências da Religião da Universidade de Montreal, do Canadá, desde 1999, onde leciona Novo Testamento. Especializado no corpus paulino, ele interessa-se pelos métodos de análise sincrônica (retórica, estrutural, narratológica e intertextual) e os seus impactos hermenêuticos. A sua investigação Ler a Carta aos Romanos hoje, subvencionada pelo governo canadense, propõe-se reler os romanos com estes métodos, mas também sobre o horizonte do questionamento moderno/pós-moderno: como o escrito paulino propõe uma identidade e um agir no seu leitor? De sua produção acadêmica, citamos Juifs et chrétiens à l’école de Paul de Tarse. Enjeux identitaires et éthiques d’une lecture de Rm 9-11 (coll Sciences bibliques 9, Montréal, Médiaspaul, 1999, 342 p.). A entrevista foi concedida por e-mail, com exclusividade à IHU On-Line. Os subtítulos são nossos.

 

A entrevista

IHU On-Line – Como a leitura das Cartas aos Romanos propõe uma identidade e um agir em seus leitores?

Alain Gignac – Para além dos efeitos retóricos, as cartas de Paulo se apresentam como um discurso que constrói a realidade. Constantemente, Paulo trabalha dois eixos que devem se coordenar: identidade e agir, indicativo e imperativo, visão do mundo e valores que se ligam uns aos outros: “Eis o que sois – o que somos! Agis em conseqüência”. Este jogo de linguagem pode ser analisado sobre dois planos: a enunciação e os enunciados.

Sobre o plano da enunciação, o leitor é convidado a tomar partido, em um jogo de pronomes particularmente perigoso. Há um “eu” (1a pessoa) que se dirige a um “tu” ou a um “vós” (2a pessoa, singular ou plural) em relação a um terceiro ao mesmo tempo ausente e muito presente: Cristo (que ocupa o lugar da 3a pessoa). Para complicar as coisas, “eu” se faz algumas vezes solidário de “vós” e passa assim ao “nós”. Ainda que se saiba, historicamente, que “vós” corresponde aos destinatários de Paulo (as comunidades que ele fundou), não impede que o leitor que abre o texto hoje seja influenciado por este dispositivo enunciativo. Ainda que ele possa resistir, ele é interpelado a se sentir concernido por este “vós”, ainda mais que o “eu” que toma a palavra o faz com grande intensidade. Ao longo das cartas, o “eu” paulino busca expressar a força, a profundidade do pertencimento de “vós” ao Cristo: “Vós estais em Cristo, viveis em Cristo, o Cristo está em vós”. Isto revela a intensidade. Em outras palavras, o leitor é conduzido pela enunciação do texto a identificar-se com este tipo de retrato-falado de “vós” que se constrói pouco a pouco ao longo da leitura. Ora, se o “eu” que se exprime nas cartas indica a “vós o que eles são, este “eu” não se constrange de lhes formular uma série de imperativos, de recomendações, de sugestões para balizar seu agir.

Novidade da experiência cristã

No plano dos enunciados, Paulo procura falar da novidade da experiência cristã. Como falar da inédita novidade da ressurreição com velhas palavras, gastas? Paulo não tem vocabulário adequado para descrever o que deve descrever. A partir dos materiais extraídos da cultura do século I, das escrituras judaicas e das tradições orais das primeiras comunidades cristãs ele vai criar uma nova linguagem. Isto feito, ele vai ainda contribuir para a construção de uma nova identidade para seus interlocutores. Por assim dizer, Paulo retrabalha o material, o desconstrói e compõe assim uma nova mensagem.

Romanos 3,21-26 é um bom exemplo do procedimento. Esta passagem fala da justificação pela fé. Paulo encadeia quatro metáforas saídas de quatro registros diferentes: 1) Registro jurídico: a justiça de Deus se manifesta sem a lei, fora da lei. Esta primeira metáfora é também um oxymore, pois uma justiça é inconcebível sem uma lei. A justiça de Deus é estranha, ela se situa para além de nossas concepções humanas da justiça. Ainda mais que, para ouvidos gregos, “ser justificado” tem conotações de condenação (equivalente à expressão francesa “passar em justiça”), enquanto que em Romanos 3, 21-26, isto se torna sinônimo de salvação; 2) Registro litúrgico: esta manifestação da justiça é análoga (ao mesmo tempo semelhante e diferente) ao ritual do Yom Kippour descrito em Levítico 16. A morte de Jesus funciona como um rito anual de renovação da aliança inscrito no Antigo Testamento, enquanto o Grande padre irrigava o arco da aliança de sangue; 3) Registro socioeconômico: a justiça de Deus revelada pela fidelidade de Jesus até a sua morte lembra a alforria do escravo pelo seu dono. Paulo utiliza um exemplo comum da vida cotidiana na Antiguidade para descrever a ação de Deus em relação a “vós”. Metaforicamente, a identidade cristã é descrita como uma libertação da escravatura; 4) Registro da contabilidade: a justiça de Deus perdoa os erros como um banqueiro perdoaria repentinamente a dívida de alguém que se tornou superendividado.

Esta sucessão de metáforas tem um efeito estranho, ainda que sejam tiradas da linguagem de pessoas comuns. As quatro imagens se encadeiam rapidamente e se entrechocam. Elas dizem todas a mesma coisa e, ao mesmo tempo, não são perfeitamente compatíveis entre elas. Provocam um curto-circuito que convida a refletir, a se questionar e a redefinir, diante da nossa concepção de Deus. Para construir uma identidade nova (ou renovada), é preciso antes desconstruir a identidade primeira.

IHU On-Line – Qual é o principal desafio em ler Paulo de Tarso?

Alain Gignac – O principal desafio é ler Paulo tomando um distanciamento em relação às grandes leituras do passado, como a leitura luterana e a sua justificação pela fé – sem, todavia jogar esta herança na lixeira. Podemos ler o texto de Paulo sem um parâmetro preconcebido que aplica ao pé da letra uma dogmática ou uma ideologia predefinida? Podemos fazer de Paulo não um mestre de pensamentos prontos, mas um mestre que faz pensar? De toda forma, Paulo não tem um bom vocabulário, como eu disse acima. Ele é o primeiro cristão a colocar palavras sobre a sua fé, e precisa tudo reinventar. Além do mais, procura responder aos problemas concretos que vivem as comunidades. Não se trata de um teórico ou alguém que vive na abstração. Paulo de Tarso responde a perguntas difíceis – mas não tem as respostas. Tenta encontrá-las, mas chega somente a vestígios parciais. Seu pensamento se constrói e se elabora diante de nós. Não é fácil entendê-lo. A “imperfeição” pode provocar certas frustrações, mas pode tornar-se uma maravilhosa escola. Como podemos fazer o mesmo trabalho criativo, para reinventar o vocabulário cristão possível de expressar hoje a identidade cristã? E como articular esta identidade com um agir de transformação?

Confesso aqui, tomando consciência de meus propósitos, que há talvez uma perspectiva (pós)moderna na minha resposta: minha preocupação em entender o questionamento de Paulo, aceitando antecipadamente que tudo não será coerente, que não poderei encontrar um centro em sua teologia, que não terei a resposta perfeita para as minhas questões sobre o humano e sobre Deus lendo Paulo…

Para ilustrar o que eu exprimo aqui, pode-se novamente retornar aos Romanos 3, 21-26 – um texto- chave de Paulo e da história da interpretação. As quatro metáforas utilizadas por Paulo, das quais somente uma é verdadeiramente tirada de sua formação teológica farisaica (referência ao Yom Kippur), foram soldadas juntas, chocadas violentamente, homogeneizadas. E elas deram origem a uma linguagem teológica: justificação, sacrifício expiatório, redenção, perdão dos pecados, palavras que transportam agora com elas sua bagagem de conceitualidade. Como ler imagens de Paulo, não mais como uma linguagem técnica teológica, que acreditamos captar de imediato, mas em sua vivacidade original? Como redescobrir o choque que sua amálgama constitui? Como perceber com acuidade que o texto procura primeiro dizer… que ele não sabe como dizê-lo? Eis todo um desafio.

IHU On-Line – Podemos falar em uma redescoberta de Paulo de Tarso pela pós-modernidade?

Alain Gignac – Esta descoberta se faz em dois sentidos. Paulo alimenta a (pós)modernidade, e esta permite redescobrir Paulo. Um livro recentemente publicado no quadro dos trabalhos do Romans Through History and Cultures Seminar(1) é esclarecedor a este respeito. De um lado, pensadores, no movimento direto ou não da (pós)modernidade, lêem as cartas de Paulo – os nomes mais marcantes são Jacob Taubes, Slavoj Žižek, Giorgio Agamben, Alain Badiou. O mínimo que se pode dizer é que estes autores muito perspicazes e muito penetrantes – que têm a sorte de não terem feito estudos em teologia (!) – nos fazem redescobrir Paulo! De um lado, utilizam-se muito do pensamento de um Jean-François Lyotard (2) ou de um Jacques Derrida, (3) ou ainda da filosofia do processo (process philosophy) para reler-se de outra forma as cartas de Paulo.

Por que se fala de redescoberta? Talvez por que há um eclipse (passageira) após a Segunda Guerra mundial? Na época em que o marxismo e depois o estruturalismo ocupavam toda a cena? Todavia, os “novos” leitores de Paulo não são tão inovadores, uma vez que eles se inscrevem em uma longa tradição a exemplo de John Locke, (4) Friedrich Nietzsche, Soren Kierkegaard, (5) Max Weber (6) ou Martin Heidegger.(7) Os filósofos ocidentais, mesmo ateus, leram Paulo em seu tempo. Para todos esses filósofos, a leitura das cartas foi determinante como catalisador de seu próprio pensamento – que não se situava necessariamente na linha de Paulo e, mesmo seguidamente se opunha a ele. Isso prova que Paulo é um mestre… que faz pensar!

IHU On-Line – Em entrevista anterior à nossa revista, o senhor equipara Paulo a Agostinho, (8) Kant (9) e Hegel (10) como um dos fundadores do Ocidente. Quais são suas maiores contribuições a nós, homens e mulheres que vivem a pós-modernidade e suas contradições?

Alain Gignac – Começando a refletir sobre a sua questão, percebo que seria necessário um livro para respondê-la. Eu levantaria brevemente quatro pontos: ética, antropologia teologal, universalismo, ecologia.

Primeiramente, em uma época de individualismo e de consumismo exacerbados, Paulo nos confronta. Na história da literatura, trata-se do primeiro escritor a se expressar em “eu” com tal força. Mas o “eu” de Paulo é livre e inscrito em uma comunidade, não é individualista e isolado, nem escravo e alienado. Paulo é radical e exigente: a liberdade é preciosa e não poderia ser vendida. Além disso, todas as exortações paulinas convergem a isso: tudo o que se faz deve edificar, construir o indivíduo e a comunidade – indissociáveis. Creio então que a ética de Paulo seria uma herança a ser adotada – apesar de sua má reputação, Paulo não é um moralista, mas um liberal.

Em segundo lugar, creio também que sua concepção segundo a qual somos filho e filha de Deus, amados pelo criador do universo e co-herdeiros do Cristo – e então que podemos fazer esta experiência da filiação, que é a experiência do sopro de vida (espírito santo) em nós –, esta concepção é simplesmente revolucionária. Esta experiência de participar da própria vida de Deus funda também a fraternidade humana. Poder-se-ia repensar os direitos do homem (tão seguidamente desrespeitados) à luz de Paulo?

Em terceiro lugar, creio que a palavra de Paulo ainda não está ultrapassada: “Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3, 28).

Em quarto lugar, nesta época de desequilíbrio ecológico e de aquecimento climático, é preciso reler a passagem, em Romanos 8, em que Paulo afirma a interdependência entre a humanidade e o cosmos, dos quais ele compara os sofrimentos a um trabalho de gestação.

IHU On-Line – Por que considera Paulo o maior pensador messiânico de todos os tempos?

Alain Gignac – Não sou o autor desta ideia: trata-se mais precisamente do tema de Agamben, que tem uma visão bastante especial, pós-comunista, do messianismo, na linha de Walter Benjamin. (11) Agamben “descristologisa” o messianismo de Paulo, o esvazia do alcance experiencial (crer no Cristo aderir ao Messias, lhe dar a sua fé), para manter somente a estrutura. Para Agamben, o messianismo é uma postura e uma atitude política. É claro, minha leitura “messiânica” de Paulo é a de um teólogo, e não a de um filósofo. Para mim, Paulo é o primeiro que articulou uma cristologia – um discurso sobre Jesus Messias. Para o Apóstolo, a morte/ressurreição do Cristo constitui o pivô da história do mundo, do momento chave em que tudo se transforma em que se manifesta a justiça de Deus, no qual a idade de uma nova criação advém e substitui a idade antiga. Se tivéssemos somente os evangelhos, nossa reflexão sobre o Cristo seria amputada. Paulo é o primeiro pensador messiânico – foi nisso que ele contribui para fundar a Igreja.

IHU On-Line – Poderia explicar por que a nossa época seria o momento propício para compreender Paulo, e por que ele seria um dos textos maiores para compreender nossa época ?

Alain Gignac – Trata-se novamente de uma intuição (ou mesmo de uma obsessão) de Agamben: alguns momentos da história permitem melhor captar e atualizar as potencialidades de um texto. Nossa época seria a primeira a poder realmente captar a complexidade decisiva do pensamento paulino. Ora, isto é ou pretensioso ou milenarista. Acredito mais que o sentido de um texto, ou seja, sua orientação, está sujeito ao longo das idades e em função das épocas, a interpretações múltiplas, ou mesmo infinitas. Estas interpretações se acumulam e valorizam sem cessar as potencialidades de um texto do qual não se tinha tomado consciência até então. Cada geração pode então reler Paulo com proveito – e de fato, releu-se Paulo há 20 séculos. Por que não a nossa geração? Mas não temos o monopólio da interpretação correta de Paulo!

As cartas de Paulo constituem um grande texto? Neste aspecto, desconfio de mim mesmo, pois um crente acha o texto bíblico… inspirador. As cartas de Paulo possuem um poder intrínseco, ou se vêem investidas pelo leitor deste poder? Tudo é a ambivalência da noção de “clássico”: isto supõe uma seleção que, ao mesmo tempo, se impõe a nós e continua apesar de tudo arbitrária. Um clássico (o que se lê em classe… como leitura escolar obrigatória) será uma fonte, se o abrirmos. Um livro que não se lê, tenha ele tido o maior poder de subversão do mundo, continuará morto, à espera de ser atualizado.

Cartas que nos forçam a refletir

As cartas de Paulo, enquanto forem lidas (pois podem cessar de serem lidas: o que é um clássico pode cair em abandono), saberão nos sacudir, nos confrontar, nos forçar a refletir. A história da interpretação antes de nós mostra isso amplamente. Não há momento propício para ler Paulo, mas, ao contrário, a leitura de Paulo pode criar um momento propício, o momento capaz de criar o novo. Por quê?

Essencialmente por três razões – provavelmente interligadas. Primeiramente, a temporalidade paulina é construída sobre o modo do kairós que surge e vem interromper o chronos (cronologia): Bultmann (12) o salientou bem (e, paradoxalmente, cada um a sua maneira, Badiou e Agamben). O “agora” e o “doravante” são muito fortes em Paulo e colocam constantemente o leitor diante da urgência de uma decisão. (Mais uma vez, pode-se reler Romanos 3, 21-26, que começa por um sonoro “mas agora”.) Em segundo lugar, há um poder, uma veemência em Paulo – mas sou talvez influenciado pelo meu status de crente, para quem se trata de um texto canônico de referência. A poesia, a retórica, a implicação impetuosa de uma personalidade excepcional: parece-me que o texto paulino possui uma grande eficácia performativa. Em terceiro lugar, as cartas paulinas – e é provavelmente a razão pela qual os cristãos as conservaram – mantêm a marca da experiência da ressurreição.

IHU On-Line – Qual é seu parecer sobre a acusação de Nietzsche a Paulo de que ele deturpou o ensinamento de Cristo?

Alain Gignac – Não sou um especialista em Nietzsche, mas, à maneira do filósofo alemão, permitam-me jogar com as palavras. De sua parte, não se trata de uma maledicência (fundamentada), mas de uma calúnia (inventada). Nietzsche dissocia Jesus e Paulo para opô-los e para atacar o apóstolo se servindo de um Jesus que lhe convém. Nietzsche fabrica uma imagem de Jesus para, em seguida, provar sua tese segundo a qual Paulo inventou uma forma religiosa aberrante, o cristianismo, que toma o exato contrapé do ensinamento do fundador, do qual Paulo se proclama, no máximo da desonestidade, o mensageiro. Sobre isso, duas coisas. De um lado, para o apóstolo, Jesus não é uma mensagem, um ensinamento, um conjunto de valores mais ou menos humanistas, mas uma experiência (isto, Badiou entendeu melhor do que Nietzsche). Nós nos lembraríamos da personalidade e da sabedoria de Jesus, se os primeiros cristãos não tivessem feito a experiência de um encontro libertador do Vivo? Por outro lado, Nietzsche não soube ver que as cartas de Paulo são o eco do ensinamento de Jesus de Nazaré – mesmo se este é citado somente em caso raro (e, nestes casos raros, jamais de maneira muito clara, inclusive). O amor fraterno, a doçura, o ideal de perfeição evangélica que impulsiona o humano para o alto sem esmagá-lo sob uma moral do dever – tudo isto é muito presente em suas cartas.

IHU On-Line – Nessa perspectiva, qual sua posição sobre a pretensa teologia do ressentimento que Paulo teria fundado?

Alain Gignac – Para responder corretamente sua questão, ser-me-ia necessário reler Nietzsche. Pelo que sei, esta imagem forte do ressentimento classifica o cristianismo como uma religião de ódio. Desconhecendo o ensinamento de Jesus, os cristãos teriam desejado vingar não somente a sua morte, mas também a sua própria exclusão (diante dos Judeus, do Império etc.) Eles não teriam compreendido as motivações que animavam Jesus na aceitação de seu destino. As conseqüências deste ressentimento teriam sido a exaltação da pequenez e a fuga do mundo.

Parece-me que Nietzsche erra totalmente o seu alvo. Não reconheço Paulo na caricatura que ele faz. Além disso, ele ataca Paulo ou o cristianismo de seu tempo? Na minha leitura, Paulo não é nem raivoso nem animado pela vingança. Como Jesus, ele está ao lado dos excluídos e dos fracos (o que não agrada Nietzsche). Paulo não foge para um outro mundo: ao contrário, este mundo de Deus já é vivido. A ressurreição não é para amanhã, ele é hoje no centro de nossa existência.

Entretanto, o filósofo alemão apontou um ponto extremamente importante: “São Paulo desloca simplesmente o centro da gravidade de toda a existência, por de trás desta existência – na ‘mentira’ de Jesus ‘ressuscitado’” (O anticristo, § 42). A ressurreição está bem no centro da cristologia de Paulo – mas não se trata de uma fuga da vida presente, mas de sua transfiguração do interior! Se ele contesta tão fortemente Paulo, é porque o leu atentamente. E quem sabe por que vê nele um rival? Em Paulo, tudo passa pelo prisma da morte/ ressurreição – a cruz, por assim dizer. Então, tudo está “desfigurado”. Mais uma vez, jogando com as palavras, Paulo não tem necessidade de desfigurar o ensinamento de Jesus. O Cristo que ele propõe está desfigurado, uma vez que ele passou pela cruz – como ele lembra rudemente em Gálatas (3,1).

IHU On-Line – Essas críticas poderiam ser compreendidas como uma forma de apreendermos o cristianismo em sua versão mais primordial, sem a interferência paulina?

Alain Gignac – Sim, há uma interferência “paulina” entre nós e Jesus de Nazaré, e mesmo entre nós e a experiência pascal fundadora, mas ela é inevitável. Nós conhecemos Jesus somente através do testemunho situado e orientado dos primeiros cristãos – como Paulo. Neste sentido, creio que não há forma mais primordial do cristianismo que aquela que nos transmite, em sua diversidade plural, o Novo Testamento. A busca histórica pode tentar reconstruir, fora dos textos, o Jesus histórico ou a vivência dos primeiros cristãos em Jerusalém ou na Galiléia, mas isso continua sendo uma construção hipotética… e muito (demais) seguidamente sujeita ao “imaginário” do historiador (ou do filósofo). Paulo está também no princípio do cristianismo! Ele se torna cristão no máximo cinco anos após a morte de Jesus. Seria mais justo, ao invés de buscar como uma miragem uma versão “primordial” de um cristianismo puro e não deformado, de valorizar o pluralismo dos cristianismos durante o século I – ou seja, a diversidade das correntes na Igreja primitiva. Pode-se criticar Paulo, mas não se pode acusá-lo de deformar o cristianismo, de desfigurá-lo. A identidade cristã passa pela Páscoa.

Formulado de outra forma: o cristianismo não está fundado em Jesus, mas no Cristo – ou seja, uma interpretação pascal da vida e da morte de Jesus. Podem-se ver outras interpretações da experiência pascal, paralelas a de Paulo, que nos agradam mais, mas não há cristianismo primordial – somente figuras do Cristo concorrentes e finalmente contemporâneas à da desenvolvida por Paulo.

IHU On-Line – Como compreender que a morte na cruz, então a mais ignominiosa que se podia conceber, foi interpretada por Paulo como uma morte gloriosa, sublime, e assim difundida, segundo critica Nietzsche?

Alain Gignac – Paulo não fala da cruz gloriosa. Ao contrário, ele insiste sobre o escândalo da imagem desfigurada do Cristo. A proclamação messiânica de um messias crucificado é uma loucura. Sobre este assunto, é preciso reler os quatro primeiros capítulos da Primeira Carta aos Coríntios (que Nietzsche cita inclusive três vezes em O anticristo, §45: O filósofo, do âmbito da sabedoria humana, é verdadeiramente escandalizado por esta loucura que está no seio da predicação paulina). Paulo é consciente de que se trata de uma morte vergonhosa, mas ele está longe de dizer que se trata de uma morte gloriosa. Paulo não exclui o sofrimento nem o escândalo da morte. Sua retórica não visa à sublimação, mas marca fortemente o paradoxo. A argumentação repousa então sobre uma premissa: todo o mundo está de acordo que a cruz é uma aberração, uma derrota, ou até mesmo o sinal de uma maldição divina (como lembra Paulo em Gálatas 3, 10). Todavia, foi Deus quem ressuscitou este messias, o Cristo (Rm 1, 3-4). Em 1 Co 1-4, Paulo não fala imediatamente de ressurreição. Será preciso esperar o Capítulo quinze para que ele o faça (1 Co 15). Para ele, morte e ressurreição estão ligadas (Rm 6, 1-5): a cruz fica sem sentido sem a ressurreição, mas esta torna-se triunfal e desconecta da realidade se esquecermos a cruz. Os cristãos têm dificuldade de manter o equilíbrio: a cruz pode ser exaltada e tender ao masoquismo (e, este ponto, Nietzsche tem sem dúvida razão, em sua suspeita extrema), e a ressurreição pode tender ao apologético (“olhai como a mensagem do evangelho é forte e sublime…”).

Mais uma vez, Nietzsche é um leitor perspicaz. Ele tem razão em salientar a insistência de Paulo sobre a cruz e ele tem o direito, em nome de sua lógica, de rejeitar a linguagem paulina. Mas, ele está errado em chamar Paulo de desonesto, ou até mesmo de manipulador. Ao contrário, Paulo é honesto e consciente do escândalo de sua pregação. Se o apóstolo não pode fazer de outro modo, é porque seu discurso repousa sobre a experiência da ressurreição: a despeito do triunfo da morte, a vida o levou. Ao próprio lugar onde a força do pecado pareceu levá-lo, a justiça de Deus triunfou (Rm 8, 1-4). Para além das aparências, Paulo não tem escolha, uma vez que se trata de dar conta de sua experiência, de atestar e de testemunhar, e não de provar. Isto também Badiou compreendeu bem, melhor do que Nietzsche. O que distinguirá sempre o filósofo do apóstolo é justamente esta experiência. A ressurreição não é justamente uma dedução, um raciocínio, mas um encontro que se impõe a um sujeito que crê.

Notas

1.- ODELL-SCOTT, DAVID, dir. (2007), Reading Romans with Contemporary Philosophers and Theologians (Romans Through History and Cultures, 7), New York, T.&T. Clark (Romans Through History and Cultures, 7). (Nota do autor).

2.- Jean-François Lyotard (1924-1998): filósofo francês, autor de uma filosofia do desejo e significado representante do pós-modernismo. Escreveu, entre outros, A fenomenologia (Lisboa: Edições 70, 1954), O inumano: considerações sobre o tempo (Lisboa: Estampa, 1990), Heidegger e `os judeus` (Lisboa: Instituto Piaget, 1999) e A condição pós-moderna (8ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004).

3.- Jacques Derrida (1930-2004): filósofo francês, criador do método chamado desconstrução. Seu trabalho é associado, com freqüência, ao pós-estruturalismo e ao pós-modernismo. Entre as principais influências de Derrida encontram-se Sigmund Freud e Martin Heidegger. Entre sua extensa produção, figuram os livros Gramatologia (São Paulo: Perspectiva, 1973), A farmácia de Platão (São Paulo: Iluminuras, 1994), O animal que logo sou (São Paulo: UNESP, 2002), Papel-máquina (São Paulo: Estação Liberdade, 2004) e Força de lei (São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007). Dedicamos a Derrida a editoria Memória da IHU On-Line edição 119, de 18-10-2004. (Nota da IHU On-Line).

4.- John Locke (1632-1704): filósofo inglês, predecessor do Iluminismo, que tinha como noção de governo o consentimento dos governados diante da autoridade constituída, e, o respeito ao direito natural do homem, de vida, liberdade e propriedade. Com David Hume e George Berkeley era considerado empirista. (Nota da IHU On-Line).

5.- Soren Kierkegaard (1813-1855): filósofo existencialista dinamarquês. Alguns de seus livros foram publicados sob pseudônimos: Víctor Eremita, Johannes de Silentio, Constantín Constantius, Johannes Climacus, Vigilius Haufniensis, Nicolás Notabene, Hilarius Bogbinder, Frater Taciturnus y J, Anticlimacus. Filosoficamente, faz uma ponte entre a filosofia de Hegel e aquilo que viria a ser o existencialismo. Kierkegaard negou tanto a filosofia hegeliana de seu tempo, bem como aquilo que classificava como as formalidades vazias da igreja dinamarquesa. Boa parte de sua obra dedica-se à discussão de questões religiosas como a naturaza da fé, a instituição da igreja cristã, a ética cristã e a teologia. Autor de O conceito de ironia (1841), Temor e tremor (1843) e O desespero humano (1849). A respeito de Kierkegaard, confira a entrevista “Paulo e Kierkegaard”, realizada com o Prof. Dr. Álvaro Valls, da Unisinos, na edição 175, de 10-04-2006, da IHU On-Line. (Nota da IHU On-Line).

6.- Maximillion Weber (1864-1920): sociólogo alemão, considerado um dos fundadores da Sociologia. Ética protestante e o espírito do capitalismo (Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2004) é uma das suas mais conhecidas e importantes obras. Cem anos depois, a IHU On-Line dedicou-lhe a sua 101ª edição, de 17-05-2004. De Max Weber o IHU publicou os Cadernos IHU em formação nº 3, 2005, chamado Max Weber – o espírito do capitalismo. Em 10-11-2005, o professor Antônio Flávio Pierucci ministrou a conferência de encerramento do I Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia, promovido pelo IHU, intitulada Relações e implicações da ética protestante para o capitalismo. (Nota da IHU On-Line).

7.- Martin Heidegger (1889-1976): filósofo alemão. Sua obra máxima é O ser e o tempo (1927). A problemática heideggeriana é ampliada em Que é metafísica? (1929), Cartas sobre o humanismo (1947), Introdução à metafísica (1953). Sobre Heidegger, a IHU On-Line publicou na edição 139, de 2-05-2005, o artigo O pensamento jurídico-político de Heidegger e Carl Schmitt. A fascinação por noções fundadoras do nazismo. Sobre Heidegger, confira as edições 185, de 19-06-2006, intitulada O século de Heidegger, e 187, de 3-07-2006, intitulada Ser e tempo. A desconstrução da metafísica, disponíveis para download no sítio do IHU (www.unisinos.br/ihu). Confira, ainda, o nº 12 do Cadernos IHU em formação, intitulado Martin Heidegger. A desconstrução da metafísica.

8.- Aurélio Agostinho (354-430): Conhecido como Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho, bispo católico, teólogo e filósofo. É considerado santo pelos católicos e doutor da doutrina da Igreja.

9.- Immanuel Kant (1724-1804): filósofo prussiano, considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna, representante do Iluminismo, indiscutivelmente um dos seus pensadores mais influentes da Filosofia. Kant teve um grande impacto no Romantismo alemão e nas filosofias idealistas do século XIX, tendo esta faceta idealista sido um ponto de partida para Hegel. A IHU On-Line número 93, de 22-03-2004, dedicou sua matéria de capa à vida e à obra do pensador. Também sobre Kant foi publicado este ano o Cadernos IHU em formação número 2, intitulado Emmanuel Kant – Razão, liberdade, lógica e ética. Os Cadernos IHU em formação estão disponíveis para download na página www.unisinos.br/ihu do Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Kant estabeleceu uma distinção entre os fenômenos e a coisa-em-si (que chamou noumenon), isto é, entre o que nos aparece e o que existiria em si mesmo. A coisa-em-si (noumenon) não poderia, segundo Kant, ser objeto de conhecimento científico, como até então pretendera a metafísica clássica. A ciência se restringiria, assim, ao mundo dos fenômenos, e seria constituída pelas formas a priori da sensibilidade (espaço e tempo) e pelas categorias do entendimento.

10.- Friedrich Hegel (1770-1831): filósofo alemão idealista. Como Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, tentou desenvolver um sistema filosófico no qual estivessem integradas todas as contribuições de seus principais predecessores. Sua primeira obra, A fenomenologia do espírito, tornou-se a favorita dos hegelianos da Europa continental no séc. XX. Sobre Hegel, confira a edição especial nº 217 de 30-04-2007, intitulada Fenomenologia do espírito, de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1807-2007), em comemoração aos 200 anos de lançamento dessa obra. Sobre Hegel, confira, ainda, a edição 261 da IHU On-Line, de 09-06-2008, Carlos Roberto Velho Cirne-Lima. Um novo modo de ler Hegel. (Nota da IHU On-Line).

11.- Walter Benjamin (1892-1940): filósofo alemão crítico das técnicas de reprodução em massa da obra de arte. Foi refugiado judeu alemão e, diante da perspectiva de ser capturado pelos nazistas, preferiu o suicídio. Um dos principais pensadores da Escola de Frankfurt. (Nota da IHU On-Line).

12.- Rudolf Karl Bultmann (1884-1976): teólogo luterano alemão nascido em Wiefelstede, Oldenburg, que propôs uma interpretação do Novo Testamento da Bíblia apoiada em conceitos de uma filosofia existencialista. Iniciou como professor sobre sua especialidade, o Novo Testamento (1916), em Breslau, Giessen e Marburg. Nessa cidade tomou contato com Martin Heidegger e a filosofia existencialista, que influenciou seu pensamento posterior. Morreu em Marburg, então Alemanha Ocidental. Seu primeiro livro foi Jesus (1926) e e sua mais famosa obra foi Das Evangelium des Johannes (1941). Na edição 114, de 06-09-2004, a revista IHU On-Line na publicou um debate sobre a obra Teologia do Novo Testamento, com a participação de Nélio Schneider e Johan Konings. (Nota da IHU On-Line).

 

Fonte: IHU – 20 dezembro 2008