A Teologia e seu papel na sociedade brasileira

Recebi ontem, 14 de abril de 2008, alarmante e-mail do Presidente da SOTER, Dr. Afonso Maria Ligorio Soares.

O fato é que muita gente, teólogos inclusive, não está ciente do que vem ocorrendo nos bastidores do Congresso Nacional quando o assunto é Teologia. Ao noticiar em 18 de março passado, no post Para onde vai a Teologia no Brasil? o absurdo que se articula, vi que muita gente se surpreendeu… Observo que os sublinhados no e-mail são meus.

O e-mail:

  • Reunião: A Teologia e seu papel na sociedade – mudanças em curso no MEC e no Congresso Nacional
  • Convocação: Diretoria nacional da SOTER e seu Conselho Regional em São Paulo
  • Quem: Diretores, Coordenadores e Docentes de Faculdades e Institutos de Teologia do Estado de São Paulo
  • Quando: dia 14 de maio de 2008
  • Local: sede da Editora Paulinas – Rua Pedro de Toledo 164, 1º andar, ao lado do Metrô Santa Cruz, em São Paulo-SP.
  • Horário: das 9h às 13h.

São Paulo, 8 de abril de 2008

Prezado colega Diretor/Coordenador/Conselheiro/,

Em nome da Diretoria nacional da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER) e de seu Conselho Regional em São Paulo, gostaríamos de convidá-lo para uma reunião com os diretores de Faculdades e Institutos de Teologia do Estado de São Paulo no próximo dia 14 de maio, quarta-feira. A diretoria da Editora Paulinas gentilmente aceitou sediar esse evento em suas dependências, na Rua Pedro de Toledo 164, 1º andar, ao lado do Metrô Santa Cruz, em São Paulo-SP.

Pensamos em um primeiro encontro de uma manhã, das 9h às 13h. O que nos motiva a tal iniciativa é, em primeiro lugar, retomar a mobilização dos Institutos de Teologia paulistas, de forma a criar um espírito de partilha e mútuo crescimento entre nossas instituições de ensino. Em segundo lugar, move-nos a urgência de alguns acontecimentos que exigem de nós um maior esclarecimento e uma tomada de posição sobre os rumos a serem seguidos.

Ocorre que o papel da teologia na sociedade e seu lugar na academia e no serviço às comunidades estão prestes a sofrer sérios revezes [sublinhado meu], a menos que possamos estar atentos e unidos nesse momento. No âmbito acadêmico (MEC, Capes, CNPq), sentimos sinais de retrocesso e de desqualificação da Teologia como saber acadêmico [sublinhado meu]; no âmbito político, como tem saído na imprensa, há dois projetos tramitando no Congresso Nacional (um no Senado e outro na Câmara) sobre a regularização da profissão de teólogo e a criação de certo “Conselho Federal de Teólogos”; além destes, também foi entregue ao Sen. Pedro Simon um projeto que altera a lei sobre a figura dos “mediadores de conflito” (que hoje são: os psicólogos, os psiquiatras e os assistentes sociais) para aí incluir o profissional diplomado em curso válido de teologia.

Tais projetos, se aprovados, alterarão sensivelmente o reconhecimento civil dos cursos de teologia e dos profissionais neles formados. Na pior das hipóteses, Instituições tradicionais como a Igreja Católica e as Protestantes históricas correm o risco de nem mesmo poder deliberar sobre o que é teologia e quem é o teólogo em suas agremiações [sublinhado meu].

É por isso que entendemos ser muito importante que sua Instituição se faça representar nessa reunião – o diretor, os membros do Conselho e/ou coordenadores dos cursos de Teologia, ou alguém por eles indicado. Sua participação irá contribuir para uma maior aproximação entre nossas instituições e facilitar uma colaboração mais efetiva em vista do fortalecimento da presença pública da Teologia na sociedade, na academia e nas igrejas.
Contando com sua compreensão e participação, despedimo-nos na certeza de podermos encontrá-lo nesta próxima ocasião.

Dr. Afonso Maria Ligorio Soares – Presidente da SOTER
E-mail: soter@soter.org.br

Ano Paulino na Vida Pastoral

O número 260 da revista Vida Pastoral – maio-junho de 2008 – é dedicado ao Ano Paulino.

Os artigos:

  • Anúncio papal do Ano Paulino – Homilia de Bento XVI
  • Libertar Paulo! – José Bortolini
  • O apóstolo Paulo e a comunicação – Valdir José de Castro
  • Liberdade com responsabilidade: ética cristã nos escritos de São Paulo – Darci Luiz Marin

O Ano Paulino foi instituído por Bento XVI para comemorar os dois mil anos do nascimento de Paulo. Começa em 28 de junho de 2008 e termina em 29 de junho de 2009.

Fazendo Teologia no umbral de Planck?

No post anterior recomendo dois artigos muito bons que realmente fazem pensar. Mas, quanto a este, li e fiquei sem saber o que pensar… Há um problema epistemológico neste tipo de raciocínio? Ou não?

Em meu artigo Inventando o Universo: Pensar Deus a partir da Nova Física, escrevi ainda no começo do milênio:
“Einstein disse certa vez que estava interessado mesmo era em saber como Deus criara este mundo. Ora, já se passou quase um século desde que a teoria da relatividade e a mecânica quântica começaram a ajudar os homens a compreenderem melhor como é feito este mundo em que vivemos. Porém, muitos teólogos ainda encontram sensíveis dificuldades em pensar Deus e o homem a partir da cosmologia que surgiu com as descobertas da física do século XX. Em pleno terceiro milênio, teólogos há que, por razões diversas, ainda continuam a ler os textos bíblicos e a elaborar suas reflexões como se as cosmologias antiga e medieval fossem mais do que suficientes para explicar o universo e o lugar do homem nele. Tempo, espaço, matéria, Deus, causalidade, alma, criação, salvação, redenção, determinismo, livre-arbítrio e tantos outros conceitos precisam ser revisitados sob o olhar vigilante da nova física”.

De qualquer maneira aí está:

 

Um Deus do qual surge o espaço-tempo – IHU: 13/4/2008

O Prêmio Templeton 2008 foi concedido ao professor polonês Michael Heller, filósofo, físico, cosmólogo e matemático, além de sacerdote católico. Este Prêmio é concedido anualmente pela Fundação John Templeton e é dotado com 1,6 milhão de dólares. É atualmente o Prêmio de maior quantia no mundo concedido a um único indivíduo. Ao revisar as pesquisas de Heller, que lhe valeram este prestigioso Prêmio, se colocam de novo alguns dos grandes temas da moderna física teórica, da cosmologia e dos modelos matemáticos aplicados à interpretação da realidade na ciência. O modelo teórico proposto por Heller responde à ideia tradicional de um Deus transcendente que, por outro lado, é a origem criadora, o fundamento do ser, do qual surge o espaço-tempo do mundo criado. A reportagem é de Javier Monserrat e publicada no sítio Tendências 21, 25-03-2008. A tradução é do Cepat.

O Prêmio Templeton 2008 foi anunciado no dia 17 de março por ocasião de uma entrevista coletiva no Church Center das Nações Unidas em Nova York. O Prêmio foi outorgado a Michael Heller por seu trabalho de mais de quarenta anos e pela contribuição de conceitos surpreendentes e agudos sobre a origem e a causa do universo.

Heller foi professor de filosofia, mas sua formação provém da matemática, da física, da cosmologia, assim como também da filosofia e da teologia. Suas contribuições são, em muitos sentidos, estritamente físicos, ainda que não experimentais, mas teóricas: na realidade, são propostas de modelos matemático-formais especulativos. De fato, foram publicadas em prestigiosas revistas internacionais de física.

Mas, o fundo das preocupações de Heller aponta sempre para a filosofia ou a metafísica do universo, onde o fundamento do real põe em relação as raízes ontológicas do universo com a ontologia da Divindade e o ato criador.

Pode-se estar ou não de acordo com as especulações de Heller, avaliar como mais ou menos verossímeis e melhor ou pior construídas formalmente, mas quem o lê não deixa de ter a impressão de seguir um físico-filósofo extraordinariamente bem informado, preciso e profundo em todas as suas afirmações.

Uma circunstância significativa na vida de Heller foi sua relação com o Papa João Paulo II que se iniciou já antes que o cardeal Karol Wojtyla chegasse ao Pontificado. Em reuniões privadas com Heller e outros cientistas poloneses, João Paulo II teve ocasião de refletir sobre a projeção das grandes questões científicas sobre a teologia.

Aparentemente (já que oficialmente não afirmamos obviamente nada), Heller é o autor da carta de João Paulo II a George Coyne em 1996, então diretor do Observatório Romano. Esta carta, reproduzida na internet da Cátedra, é um dos documentos teológicos mais matizados e abertos de João Paulo II. Nela, o Papa faz eco à necessidade de que assim como na Idade Média se fez uma teologia inspirada em Aristóteles, hoje se deveria fazer uma teoria inspirada na imagem do mundo na ciência.

Para ajudar – ou para complicar – leia ainda:
Cosmólogo recebe prêmio defendendo existência de Deus – BBC Brasil: 14 de março de 2008
Prémio Templeton 2008 – De Rerum Natura: 24 de março de 2008
Newest Templeton Prize winner rejects “intelligent design” – National Center for Science Education: March 20, 2008
Templeton Prize
Sir John Templeton

Recomendo dois artigos lidos hoje

O desafio da razão: Manifesto para a renovação da história, por Eric Hobsbawm, em Carta Maior: 11/04/2008

É tempo de restabelecer a coalizão daqueles que desejam ver na história uma pesquisa racional sobre o curso das transformações humanas, contra aqueles que a deformam sistematicamente com fins políticos e simultaneamente, de modo mais geral, contra os relativistas e os pós-modernos que se recusam a admitir que a história oferece essa possibilidade.

 

“Até agora, os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo; trata-se de mudá-lo.” Os dois enunciados da célebre “Teses sobre Feuerbach”, de Karl Marx, inspiraram os historiadores marxistas. A maioria dos intelectuais que aderiram ao marxismo a partir da década de 1880 —entre eles os historiadores marxistas— fizeram isso porque queriam mudar o mundo, junto com os movimentos operários e socialistas; movimentos que se transformariam, em grande medida devido à influência do marxismo, em forças políticas de massas.

Essa cooperação orientou de maneira natural os historiadores que queriam transformar o mundo na direção de certos campos de estudo —fundamentalmente, a história do povo ou da população operária— os quais, se bem atraíam naturalmente as pessoas de esquerda, não tinham em sua origem nenhuma relação particular com uma interpretação marxista. Por outro lado, quando esses intelectuais deixaram de ser revolucionários sociais, a partir da década de 1890, com freqüência também deixaram de ser marxistas.

A revolução soviética de outubro de 1917 reavivou esse compromisso. Lembremos que os principais partidos social-democratas da Europa continental abandonaram completamente o marxismo apenas na década de 1950, e às vezes ainda depois disso. Essa revolução gerou, também, o que poderíamos chamar de uma historiografia marxista obrigatória na URSS e nos Estados, que depois foi adotada por regimes comunistas. A motivação militante foi reforçada durante o período do antifascismo.

A partir da década de 1950 essa tendência começou a decair nos países desenvolvidos —mas não no Terceiro Mundo— apesar de que o considerável desenvolvimento do ensino universitário e a agitação estudantil geraram, dentro da universidade, na década de 1960, um novo e importante contingente de pessoas decididas a mudar o mundo. Contudo, apesar de desejar uma mudança radical, muitas delas já não eram abertamente marxistas, e algumas já não eram marxistas em absoluto.

Esse ressurgimento culminou na década de 1970, pouco antes do início de uma reação massiva contra o marxismo, mais uma vez por razões essencialmente políticas. Essa reação teve como principal efeito —exceto para os liberais, que ainda acreditam nisso— o aniquilamento da idéia de que é possível predizer, apoiados na análise histórica, o sucesso de uma forma particular de organizar a sociedade humana. A história havia se dissociado da teleologia.

Considerando as incertas perspectivas que se apresentam aos movimentos socialdemocratas e social-revolucionários, não é provável que assistamos a uma nova onda politicamente motivada de adesão ao marxismo. Mas devemos evitar cair em um centrismo ocidental excessivo. A julgar pela demanda de que são objeto meus próprios livros de história, comprovo que ela se desenvolve na Coréia do Sul e em Taiwan, desde a década de 1980, na Turquia, desde a década de 1990, e que há sinais de que atualmente avança no mundo árabe.

A virada social
O que aconteceu com a dimensão “interpretação do mundo” do marxismo? A história é um pouco diferente, ainda que paralela. Concerne ao crescimento do que se pode chamar de reação anti-Ranke, da qual o marxismo constituiu um elemento importante, apesar de que isso nem sempre foi totalmente reconhecido. Tratou-se de um movimento duplo.

Por um lado, esse movimento questionava a idéia positivista segundo a qual a estrutura objetiva da realidade era, por assim dizer, evidente: bastava com aplicar a metodologia da ciência, explicar por que as coisas tinham ocorrido de tal ou qual maneira e descobrir wie es eigentlich gewessen (como ocorreu realmente). Para todos os historiadores, a historiografia se manteve e se mantém enraizada em uma realidade objetiva, ou seja, a realidade do que ocorreu no passado; contudo, não está baseada em fatos e, sim, em problemas, e exige investigação para compreender como e por que esses problemas —paradigmas e conceitos— são formulados da maneira em que são o em tradições históricas e em meios socioculturais diferentes.

Por outro lado, esse movimento tentava aproximar as ciências sociais da história e, em conseqüência, englobá-las em uma disciplina geral, capaz de explicar as transformações da sociedade humana. Segundo a expressão de Lawrence Stone, o objeto da história deveria ser “propor as grandes perguntas do por quê”. Essa “virada social” não veio da historiografia, senão das ciências sociais —algumas delas incipientes como tais— que naquele momento firmavam-se como disciplinas evolucionistas, ou seja, históricas.

Na medida em que é possível considerar Marx como o pai da sociologia do conhecimento, o marxismo —apesar de ter sido denunciado erradamente em nome de um suposto objetivismo cego— contribuiu para dar o primeiro aspecto desse movimento. Além disso, o impacto mais conhecido das idéias marxistas —a importância outorgada aos fatores econômicos e sociais— não era especificamente marxista, ainda que a análise marxista pesou nessa orientação, que estava inscrita em um movimento historiográfico geral, visível a partir da década de 1890, e que culminou nas décadas de 1950 e 1960, para benefício da geração de historiadores à qual pertenço, que teve a possibilidade de transformar a disciplina.

Essa corrente socioeconômica superava o marxismo. A criação de revistas e instituições de história econômico-social às vezes foi obra —como na Alemanha— de social-democratas marxistas, como ocorreu com a revista Vierteljahrschrift em 1893. Não aconteceu da mesma maneira na Grã Bretanha, nem na França, nem nos Estados Unidos. E inclusive na Alemanha, a escola de economia, marcadamente histórica, não tinha nada de marxismo. Somente no Terceiro Mundo do século XIX (Rússia e os Balcãs) e no do século XX, a história econômica adotou uma orientação principalmente social-revolucionária, como toda “ciência social”. Em conseqüência disto, foi muito atraída por Marx.

Em todos os casos, o interesse histórico dos historiadores marxistas não se centrou tanto na “base” (a infraestrutura econômica) como nas relações entre a base e a superestrutura. Os historiadores explicitamente marxistas sempre foram relativamente escassos.

Marx influenciou a história principalmente através dos historiadores e dos pesquisadores em ciências sociais que retomaram as questões que ele colocava, tenham eles trazido, ou não, outras respostas. Por sua vez, a historiografia marxista avançou muito em relação ao que era na época de Karl Kautsky e de Georgi Plekhanov, em boa parte graças à sua fertilização por outras disciplinas (fundamentalmente a antropologia social) e por pensadores influenciados por Marx e que completavam seu pensamento, como Max Weber.

Se destaco o caráter geral dessa corrente historiográfica, não é por vontade de subestimar as divergências que contém, ou que existiam no seio de seus componentes. Os modernizadores da história colocaram-se as mesmas questões e consideravam-se comprometidos nos mesmos combates intelectuais, seja que tenham buscado inspiração na geografia humana, na sociologia durkheimiana e nas estatísticas, como na França (simultaneamente, a escola dos Anais e Labrousse), ou na sociologia weberiana, como a Historische Sozialwissenschaft na Alemanha Federal, ou mesmo no marxismo dos historiadores do Partido Comunista, que foram os vectores da modernização da história na Grã Bretanha, ou que, pelo menos, fundaram sua principal revista.

Uns e outros consideravam-se aliados contra o conservadorismo na história, mesmo quando suas posições políticas ou ideológicas eram antagônicas, como Michael Postan e seus alunos marxistas britânicos. Essa coalizão progressista encontrou expressão exemplar na revista Past & Pressent, fundada em 1952, muito respeitada no ambiente dos historiadores. O sucesso dessa publicação foi devido que os jovens marxistas que a fundaram opuseram-se deliberadamente à exclusividade ideológica, e a que os jovens modernizadores provenientes de outros horizontes ideológicos estavam dispostos a juntar-se a eles, uma vez que sabiam que as diferenças ideológicas e políticas não eram um obstáculo para o trabalho conjunto.

Essa frente progressista avançou de maneira espetacular entre o final da Segunda Guerra Mundial e a década de 1970, naquilo que Lawrence Stone denomina “o amplo conjunto de transformações na natureza do discurso histórico”. Isso até a crise de 1985, quando ocorreu a transição dos estudos quantitativos para os estudos qualitativos, da macro para a micro-história, das análises estruturais aos relatos, do social para os temas culturais. Desde então, a coalizão modernizadora está na defensiva, igual que seus componentes não marxistas, como a história econômica e social.

Na década de 1970, a corrente dominante em história tinha sofrido uma transformação tão grande, especialmente sob a influência das “grandes questões” colocadas ao modo de Marx, que escrevi estas linhas: “Com freqüência é impossível dizer se um livro foi escrito por um marxista ou por um não-marxista, a menos que o autor anuncie sua posição ideológica. Espero com impaciência o dia em que ninguém se pergunte se os autores são marxistas ou não”. Mas, como também apontava, estávamos longe de semelhante utopia.

Desde então, pelo contrário, foi necessário sublinhar com maior energia qual pode ser a contribuição do marxismo para a historiografia. Coisa que não acontecia há muito tempo. Também porque é preciso defender a história contra aqueles que negam sua capacidade de ajudar-nos a compreender o mundo, e porque novos desenvolvimentos científicos transformaram completamente o calendário historiográfico.

No plano metodológico, o fenômeno negativo mais importante foi a edificação de uma série de barreiras entre o que ocorreu, ou o que ocorre, em história e nossa capacidade para observar esses fatos e entendê-los. Esses bloqueios obedecem à recusa em admitir que existe uma realidade objetiva, e não construída pelo observador com fins diversos e mutáveis, ou ao fato de afirmar que somos incapazes de superar os limites da linguagem, ou seja, dos conceitos, que são o único meio que temos para poder falar do mundo, incluindo o passado.

Essa visão elimina a questão de saber se existem esquemas e regularidades no passado, a partir dos quais o historiador pode formular propostas significativas. Contudo, também há razões menos teóricas que levam a essa recusa: argumenta-se que o curso do passado é contingente demais, ou seja, que é preciso excluir as generalizações, uma vez que praticamente tudo poderia ocorrer ou teria podido ocorrer. De modo implícito, esses argumentos miram todas as ciências. Vamos passar por alto tentativas mais fúteis de voltar a velhos conceitos: atribuir o curso da história a altos responsáveis políticos ou militares, ou à onipotência das idéias ou dos “valores”; reduzir a erudição histórica à busca —importante mas em si insuficiente— de uma empatia com o passado.

O grande perigo político imediato que ameaça a historiografia atual é o “antiuniversalismo”: “minha verdade é tão válida quanto a sua, independente dos fatos”. Esse antiuniversalismo seduz naturalmente a história dos grupos identitários em suas diferentes formas, para a qual o objeto essencial da história não é o que ocorreu, mas como isso que ocorreu afeta os membros de um grupo em particular. De modo geral, o que conta para esse tipo de história não é a explicação racional, mas a “significação”; não o que ocorreu, mas como sentem o que ocorreu os membros de uma coletividade que se define por oposição às demais em termos de religião, de etnia, de nação, de sexo, de modo de vida, ou de outras características.

O relativismo exerce atração sobre a história dos grupos identitários. Por diferentes razões, a invenção massiva de contra-verdades históricas e de mitos, outras tantas tergiversações ditadas pela emoção, alcançou uma verdadeira época de ouro nos últimos trinta anos. Alguns desses mitos representam um perigo público —em países como a Índia durante o governo hinduísta, nos Estados Unidos e na Itália de Silvio Berlusconi, para não mencionar muitos outros dos novos nacionalismos, acompanhados ou não de manifestações de integrismo religioso.

De qualquer modo, se por um lado esse fenômeno deu lugar a muito palavrório e bobagens nas margens mais longínquas da história de grupos específicos —nacionalistas, feministas, gays, negros e outros— por outro, gerou desenvolvimentos históricos inéditos e extremamente interessantes no campo dos estudos culturais, como o “boom da memória nos estudos históricos contemporâneos”, como Jay Winter o denomina. Os Lugares de Memória, coordenados por Pierre Nora, é um bom exemplo.

Reconstruir a frente da razão
Diante de todos esses desvios, é tempo de restabelecer a coalizão daqueles que desejam ver na história uma pesquisa racional sobre o curso das transformações humanas, contra aqueles que a deformam sistematicamente com fins políticos e simultaneamente, de modo mais geral, contra os relativistas e os pós-modernos que se recusam a admitir que a história oferece essa possibilidade. Dado que entre esses relativistas e pós-modernos há quem se considere de esquerda, poderiam surgir inesperadas divergências políticas capazes de dividir os historiadores.

Portanto, o ponto de vista marxista é um elemento necessário para a reconstrução da frente da razão, como foi nas décadas de 1950 e 1960. De fato, a contribuição marxista provavelmente seja ainda mais pertinente agora, dado que os outros componentes da coalizão dessa época renunciaram, como a escola dos Anais de Fernand Braudel e a “antropologia social estrutural-funcional”, cuja influência entre os historiadores foi tão importante. Esta disciplina foi particularmente perturbada pela avalanche em direção à subjetividade pós-moderna.

Contudo, enquanto os pós-modernos negavam a possibilidade de uma compreensão histórica, os avanços nas ciências naturais devolviam à história evolucionista da humanidade toda sua atualidade, sem que os historiadores percebessem cabalmente. E isto de duas maneiras. Em primeiro lugar, a análise do DNA estabeleceu uma cronologia mais sólida do desenvolvimento desde o aparecimento do homo sapiens como espécie. Em particular, a cronologia da expansão dessa espécie originaria da África para o resto do mundo, e dos desenvolvimentos posteriores, antes do aparecimento de fontes escritas. Ao mesmo tempo, isso evidenciou a surpreendente brevidade da história humana —segundo critérios geológicos e paleontológicos— e eliminou a solução reducionista da sociobiologia darwiniana.

As transformações da vida humana, coletiva e individual, durante os últimos dez mil anos, e particularmente durante as dez últimas gerações, são consideráveis demais para serem explicadas por um mecanismo de evolução inteiramente darwiniano, pelos genes. Essas transformações correspondem a uma aceleração na transmissão das características adquiridas por mecanismos culturais e não genéticos; poderia dizer-se que se trata da revanche de Lamarck contra Darwin, através da história humana. E não serve de muito disfarçar o fenômeno com metáforas biológicas, falando de “memes” ao invés de “genes”. O patrimônio cultural e o biológico não funcionam da mesma maneira.

Em síntese, a revolução do DNA requer um método particular, histórico, de estudo da evolução da espécie humana. Além disso, vale a pena mencioná-lo, proporciona um marco racional para a elaboração de uma história do mundo. Uma história que considere o planeta em toda a sua complexidade como unidade dos estudos históricos, e não como um entorno particular ou uma região determinada. Em outras palavras: a história é a continuação da evolução biológica do homo sapiens por outros meios.

Em segundo lugar, a nova biologia evolucionista elimina a estrita distinção entre história e ciências naturais, já eliminada em grande medida pela “historicização” sistemática destas ciências nas últimas décadas. Luigi Luca Cavalli-Sforza, um dos pioneiros multidisciplinares da revolução DNA, fala do “prazer intelectual de encontrar tantas semelhanças entre campos de estudo tão diferentes, alguns dos quais pertencem tradicionalmente aos pólos opostos da cultura: a ciência e as humanidades”. Em síntese, essa nova biologia nos liberta do falso debate sobre o problema de saber se a história é ou não uma ciência.

Em terceiro lugar, ela nos leva inevitavelmente para a visão de base da evolução humana adotada pelos arqueólogos e os pré-historiadores, que consiste em estudar os modos de interação entre nossa espécie e seu meio ambiente, alem do crescente controle que ela exerce sobre esse meio. O que eqüivale essencialmente a fazer as perguntas que já fazia Karl Marx.

Os “modos de produção” (seja qual for o nome que se quiser dar-lhes) baseados em grandes inovações da tecnologia produtiva, das comunicações e da organização social —e também do poder militar— são o núcleo da evolução humana. Essas inovações, e Marx era consciente disso, não ocorreram e não ocorrem por elas mesmas. As forças materiais e culturais e as relações de produção são inseparáveis; são as atividades de homens e mulheres que constroem sua própria história, mas não no “vácuo”, não fora da vida material, nem fora do seu passado histórico.

Do neolítico à era nuclear
Consequentemente, as novas perspectivas para a história também devem nos levar a essa meta essencial de quem estuda o passado, mesmo que nunca seja cabalmente realizável: “a história total”. Não “a história de tudo”, mas a história como uma tela indivisível onde todas as atividades humanas estão interconectadas. Os marxistas não são os únicos que se propuseram esse objetivo —Fernand Braudel também fez isso— mas foram eles que o perseguiram com mais tenacidade, como dizia um deles, Pierre Vilar.

Entre as questões importantes que suscitam estas novas perspectivas, a que nos leva à evolução histórica do homem é essencial. Trata-se do conflito entre as forças responsáveis pela transformação do homo sapiens, desde a humanidade do neolítico até a humanidade nuclear, por um lado, e por outro, as forças que mantêm imutáveis a reprodução e a estabilidade das coletividades humanas ou dos meios sociais, e que durante a maior parte da história as neutralizaram eficazmente. Essa questão teórica é central.

O equilíbrio de forças inclina-se de maneira decisiva em uma direção. E esse desequilíbrio, que talvez supere a capacidade de compreensão dos seres humanos, supera com certeza a capacidade de controle das instituições sociais e políticas humanas. Os historiadores marxistas, que não entenderam as consequências involuntárias e não desejadas dos projetos coletivos humanos do século XX, talvez possam, desta vez, enriquecidos por sua experiência prática, ajudar a compreender como chegamos à situação atual.



O desastre midiático, por Ignacio Ramonet, em Carta Maior: 12/04/2008

O jornalista espanhol Pascual Serrano construiu um “arquivo da vergonha jornalística”, reunindo flagrantes demonstrações da deterioração de uma profissão que ameaça ruir. Hoje, a verdade informativa é quando toda a mídia (imprensa, rádio, televisão e Internet) diz a mesma coisa sobre um tema, diz que uma coisa é verdade… mesmo que seja mentira.

 

Epílogo do livro “Pérolas 2. Balelas, disparates e trapaças nos meios de comunicação”, de Pascual Serrano.

Indispensável. Este é um livro indispensável para tomar consciência da amplitude do atual desastre midiático. E temos que agradecer Pascual Serrano pelo talento que esbanjou ao constituir o “arquivo da vergonha jornalística” conseguindo arrebanhar tão flagrantes demonstrações da deterioração de uma profissão que ameaça ruir.

O que Pascual Serrano revela com esta nova coleção de “balelas, disparates e trapaças” é que alguma coisa deixou de funcionar nos nossos meios massivos de comunicação. E que, por isso, a informação – ou, melhor dizendo, a desinformação – passou a ser uma das principais ameaças que pairam sobre nossas democracias na hora da globalização econômica.

Uma das razões desta situação mora no fato de que a maioria dos grandes jornais do mundo, se formos falar da imprensa escrita, não são, hoje, dirigidos por jornalistas. Agora são quase sempre dirigidos por egressos das Escolas de Comércio, de Escolas de “Ciências Empresariais”, que são os que, evidentemente, estão com as rédeas da empresa midiática, que irá se comportar como uma empresa que, antes de mais nada, vai pensar em suas relações com os “clientes”, e os clientes são os compradores dos jornais ou os ouvintes do rádio ou os telespectadores da televisão, mas são percebidos principalmente como “clientes”.

Quando se trata de globalização, os principais poderes são o poder econômico e o poder midiático. O poder político vem em terceiro lugar. E o poder econômico, quando se alia com o poder midiático, constitui uma enorme alavanca, capaz de fazer tremer qualquer poder político. Esta é uma das grandes realidades de hoje, ainda que, às vezes, continuem nos apresentando a realidade de maneira diferente. E isso é democraticamente escandaloso, porque o poder político é eleito nas urnas, mas o poder midiático e o poder econômico não são e, assim, não têm legitimidade democrática. Além disso, o poder econômico domina cada vez mais o poder midiático, porque controla, compra e concentra esses meios. E nós estamos em uma situação orwelliana, na qual os donos da produção industrial são, ao mesmo tempo, os senhores dos sistemas de manipulação das mentes.

En nome da necessidade de ganhar um número de clientes cada vez mais amplo e ter mais consumidores, os meios de informação massiva estão integrando três características:

Primeira característica: cada vez mais o discurso, a mensagem jornalística, é mais simples, mais básica. Uma mensagem simples quer dizer que utilizará muito poucas palavras, um número de palavras muito limitado.
Digamos que se o léxico do castelhano tem, por exemplo, trinta mil termos, cada vez mais os meios de informação irão utilizar apenas oitocentas palavras, para que todo o mundo entenda. Com a idéia de que é preciso expressar-se de maneira muito básica, muito simples, porque tudo o que for raciocínio complexo, tudo o que for pensamento inteligente, acaba sendo complicado demais e sai do sistema de informação tradicional.

Existe uma forte tendência à simplificação, e a simplificação mais elementar é a concepção maniqueísta das coisas: qualquer problema se transforma em um problema simples de dois termos: o bem e o mal, o branco e o preto. Uma coisa tão complexa como a geopolítica internacional, por exemplo, é interpretada em termos de bem e de mal. Ou seja, uma concepção extremadamente maniqueísta. Em qualquer debate não mais se entra em considerações que possam pôr em destaque a complexidade de alguma situação, a necessidade de períodos de adaptação, etc. São suprimidos os matizes. O raciocínio torna-se digital: zeros e uns. O resto é para “intelectuais”.

A segunda característica é a rapidez. A informação deve ser consumida rapidamente, quer dizer que seja qual for o valor da informação se tentará passá-la em um espaço muito curto. Por exemplo, se for a imprensa escrita, irá se expressar não apenas com palavras muito simples, mas em frases muito curtas. As manchetes praticamente farão um resumo, uma síntese, do que diz o texto. Poucas notícias terão mais de duas ou três laudas, e, evidentemente, em duas ou três laudas há muito pouco que se possa explicar. Em outras palavras, a idéia está no fracionamento: é oferecido um fragmento da informação, mas esse fragmento é apresentado como se fosse o todo. É uma concepção metonímica da informação, porque a ideia é que o consumidor não sofra consumindo. Por exemplo, nos telejornais todos os estudos demostram que a duração média de uma informação é, digamos, de um minuto e fração. Em um minuto e pouco não é possível explicar tragédias como a da guerra do Iraque ou questões como as do islamismo radical, etc.

Finalmente, a terceira característica destas informações de palavras simples, maniqueísta e rápidas: suscitar emoções. Por exemplo, o intuito é fazer rir ou fazer chorar, o intuito é distrair. Na verdade, a informação massiva está feita para distrair, é cada vez mais uma forma de distração. A imensa maioria das informações é para distrair; se não chegássemos a conhecê-las isso não seria uma tragédia pessoal para nós. E temos visto como as informações people (gente), anedóticas, cresceram imensamente. Acontecimentos, dramas pessoais, tudo isso ocupa um enorme espaço na mídia.

Ou seja, do que se trata, na verdade, é de construir informações que sejam simples, rápidas e divertidas. Essa é uma característica geral e universal. A mídia norte-americana é, de certa maneira, o modelo e o motor deste tipo de informação que está se impondo em todas partes e que triunfa também na Internet.

Com essas características, a informação muito dificilmente pode construir consciência cidadã, construir um sentimento cívico, construir coesão social, ou coesão nacional. Há uma imensa distância entre este projeto, que teoricamente deveria ser o da informação, e a prática real que Pascual Serrano constata neste livro, no qual, de certa maneira, graças a tantos exemplos insólitos, se pergunta: o que é um discurso cujas características principais são a simplicidade, a rapidez e a distração-emoção?

A resposta aparece muito claramente: um discurso infantilizante. De fato, somente com crianças de pouca idade se fala com uma linguajem limitada, com poucas palavras, para que elas entendam. Não são utilizados conceitos filosóficos, também não é bom alongar-se muito, porque cansaria. E não se fala de maneira séria, porque se pensa que com a reatividade emocional é suficiente. Ou seja, que dispomos de um mecanismo de informação que na verdade está concebido para infantilizar o cidadão.

Por outro lado, com a explosão da Internet e da Web 2.0 estamos em um universo no qual há muito mais informação do que podemos consumir. Portanto, agora o problema não é a falta de informação; é a seleção da informação. Durante muito tempo, a maioria das sociedades humanas viveu sob sistemas autoritários de poder, que praticaram a censura. O controle da informação era de importância capital para o poder e, por conseguinte, a realidade da informação era a escassez. Havia muito pouca informação que circulava, e o controle dessa circulação era o que dava mais poder ao poder.

Hoje essa situação mudou. A informação circula de modo superabundante e ninguém pode detê-la. Não há nenhum poder suficientemente autoritário para impedir a informação de circular. É muito difícil. A Internet agora nos permite ter acesso, quase gratuito, a jazidas literalmente oceânicas de informação e a dificuldade é como podemos nos orientar por esse labirinto. Isso apresenta enormes problemas. E o primeiro destes problemas é o da censura. Porque a censura mudou.

Antes, a censura era exercida pelo poder político ou pelo poder, digamos, moral ou religioso, havia pouca informação e os cidadãos diziam que era preciso lutar para obter mais liberdade de informação. O que chamamos de liberdade? Liberdade de comunicar, em resumo. A liberdade de pensar livremente, de comunicar suas idéias, a liberdade de reunião, a liberdade de expressar-se ou a liberdade de imprimir, etc., isso é, no plano político, a liberdade. Justamente a liberdade é a margem de possibilidade da expressão dos grupos sociais que constituem uma sociedade.

E então, os cidadãos diziam, quanto mais liberdade tenhamos, mais comunicação haverá; ou, pelo contrário, quanto mais comunicação exista, mais liberdade haverá. E assim foram feitas as revoluções no século XVIII, essencialmente para ter a possibilidade de comunicar, de trocar informações. Os cidadãos tinham, inconscientemente, a idéia de que quanto mais comunicação houvesse, mais libertad haveria em nossas sociedades.

Mas não há dúvida que, já há alguns anos, temos percebido que essa curva, que era quase uma mediatriz, uma diagonal ascendente, proporcional, por assim dizer —quanto mais comunicação, mais liberdade havia— e que parecia que ia subir até o céu, mudou.

Na verdade, como demonstra com brilhantismo, do seu jeito, este livro de Pascual Serrano, percebemos, depois de todas as manipulações midiáticas ligadas ao ocorrido na Romênia, ao assunto Tamisara, à Guerra do Golfo, à Guerra do Iraque, ao 11 de março, etc., que ter mais informação não trazia mais liberdade. E, então, nossa curva que subia como uma diagonal, de repente transformou-se em uma paralela.

Por muita informação que houvesse, nossa liberdade não se modificava, se mantinha inalterável. E o perigo que corremos neste momento é que quanto mais informação tenhamos, menos liberdade teremos. Porque a informação agora me engana, me confunde, me desorienta. Há tanta informação não verificada, tanta “balela” como diz Pascual Serrano, que não sei mais o que pensar. Na verdade, estou percebendo que muitas dessas informações que recebo estão mentindo, como mentiram durante a Guerra do Golfo, como mentiram em Timisoara, como mentiram na Bósnia, como mentiram no Kossovo, ou como o engodo das “armas de destruição massiva” para justificar a guerra do Iraque.

Quanto mais informação existe agora, menos liberdade ela me proporciona. Porque não sei mais o que fazer, e percebo, de fato, que o funcionamento da verdade das nossas sociedades é muito relativo. O que é a verdade em matéria de informação? A verdade informativa é quando toda a mídia: a imprensa, o rádio, a televisão e a Internet dizem a mesma coisa sobre um tema, dizem que uma coisa é verdade… mesmo que seja mentira. Isto está restabelecendo esse princípio que Aldous Huxley desenvolveu em seu romance Admirável Mundo Novo… Huxley diz: “Trinta e seis mil repetições constituem a verdade.” Se a mídia repete algo trinta e seis mil vezes, estabelece a verdade… mesmo não sendo verdade. E assim os cidadãos não sabem mais onde está a verdade. E a mídia, em vez de contribuir para nos guiar neste labirinto, o que faz é nos confundir mais, nos enganar mais, nos manipular mais.

Por isso se criou uma tal desconfiança com respeito à mídia na sociedade. A riqueza principal dos meios de comunicação é sua credibilidade. nenhum capital é mais importante para um meio de comunicação que sua credibilidade, porque o que eles vendem é, na verdade, essa credibilidade. Nós compramos porque eles são confiáveis, se não fossem confiáveis para que iríamos comprar, ou senão, para que vou assistir tal programa de televisão ou escutar o rádio se não confio no jornalista ou no meio que está se expressando? É seu principal capital, e este capital, como demonstra com clareza evangélica este livro de Pascual Serrano, está sendo dilapidado.

Resenhas na RBL: 09.04.2008

As seguintes resenhas foram recentemente publicadas pela Review of Biblical Literature:

Calum Carmichael
Illuminating Leviticus: A Study of Its Laws and Institutions in the Light of Biblical Narratives
Reviewed by Reinhard Achenbach

C. John Collins
Genesis 1-4: A Linguistic, Literary, and Theological Commentary
Reviewed by Philippe Guillaume

Mary L. Coloe
Dwelling in the Household of God: Johannine Ecclesiology and Spirituality
Reviewed by Cornelis Bennema

Carol Dempsey
Jeremiah: Preacher of Grace, Poet of Truth
Reviewed by Carolyn J. Sharp

Ronald Herms
An Apocalypse for the Church and for the World: The Narrative Function of Universal Language in the Book of Revelation
Reviewed by David L. Barr

Timothy Paul Jones
Misquoting Truth: A Guide to the Fallacies of Bart Ehrman’s Misquoting Jesus
Reviewed by Craig L. Blomberg

Jan Joosten and Peter J. Tomson, eds.
Voces Biblicae: Septuagint Greek and Its Significance for the New Testament
Reviewed by Hans Ausloos

J. A. (Bobby) Loubser
Oral and Manuscript Culture in the Bible: Studies on the Media Texture of the New Testament-Explorative Hermeneutics
Reviewed by Alan Kirk

Nicholas Perrin
Thomas, The Other Gospel
Reviewed by Kenneth D. Litwak

Mark Roncace
Jeremiah, Zedekiah, and the Fall of Jerusalem
Reviewed by Lester L. Grabbe

Don Sausa
The Jesus Tomb: Is It Fact or Fiction? Scholars Chime In
Reviewed by Mark R. Fairchild

John L. Thompson
Reading the Bible with the Dead: What You Can Learn from the History of Exegesis That You Can’t Learn from Exegesis Alone
Reviewed by John Sandys-Wunsch

D. Francois Tolmie
Persuading the Galatians: A Text-Centred Rhetorical Analysis of a Pauline Letter
Reviewed by Steven A. Hunt

Elaine M. Wainwright
Women Healing/Healing Women: The Genderization of Healing in Early Christianity
Reviewed by John J. Pilch

Ulrich Wilckens
Theologie des Neuen Testaments, Vol. 1: Geschichte der urchristlichen Theologie: Part 1: Geschichte des Wirkens Jesu in Galiläa; Part 2: Jesu Tod und Auferstehung und die Entstehung der Kirche aus Juden und Heiden; Part 3: Die Briefe des Urchristetums: Paulus und seine Schüler, Theologen aus dem Bereich judenchristlicher Heidenmission; Part 4: Die Evangelien, die Apostelgeschichte, die Johannesbriefe, die Offenbarung und die Entstehung des Kanons
Reviewed by Christoph Stenschke

Novo livro de Niels Peter Lemche ainda em 2008

Vem aí um novo livro de Niels Peter Lemche.

LEMCHE, N. P. The Old Testament Between Theology and History: A Critical Survey. Louisville, KY: Westminster John Knox, 2008, 504 p. – ISBN 9780664232450.

Publicação prevista para outubro de 2008. Aguardemos. Com certa ansiedade. Lemche é um nome e tanto na Escola de Copenhague!

Bíblia: teoria e prática – Leituras de Rute

Vem aí o número 98 da revista Estudos Bíblicos, o segundo de 2008. Este número foi elaborado pelos Biblistas Mineiros e, como de praxe, será publicado pela Editora Vozes, de Petrópolis.
O título: Bíblia: teoria e prática – Leituras de Rute
Editorial: Telmo José A. de Figueiredo

PARTE I

  • Agenda para o estudo de um texto bíblico – Johan Konings e Súsie Helena Ribeiro
  • Aprenda a enxergar com o cego Bartimeu, ou… Por que é necessário um método para ler a Bíblia? – Cássio Murilo Dias da Silva
  • Bíblia: Mito? Realidade? – Telmo José A. de Figueiredo
  • Como ler os apócrifos do Segundo Testamento – Jacir de Freitas Faria

PARTE II

  • Releituras rabínicas do livro de Rute – Leonardo Alanati
  • Rute à luz do método histórico-crítico – José Luiz Gonzaga do Prado
  • A narratividade do livro de Rute – Jaldemir Vitório
  • Leitura socioantropológica do livro de Rute – Airton José da Silva
  • O protagonismo de uma sogra: a história de Noemi e Rute – Uma abordagem feminina sob o olhar da psicologia – Maria Aparecida Duque e Rosana Pulga

O soldado de inverno marcha novamente

O soldado de inverno marcha novamente – Amy Goodman – Carta Maior: 07/04/2008

Veteranos do Iraque e do Afeganistão relatam horrores praticados pelas tropas norte-americanas. “No dia 18 de abril de 2006 tive minha primeira ‘morte confirmada’. O homem era inocente. Não sei seu nome. Eu o chamava ‘o gordo’. Estava caminhando de volta para sua casa e eu atirei contra ele na frente do seu amigo e do seu pai”, contou Jon Michael Turner.

 

Na metade de março, às vésperas do quinto aniversario da invasão do Iraque, foi realizado um excepcional encontro em Washington D.C. chamado Winter Soldier (Soldado de Inverno): Iraque e Afeganistão, relatos em primeira mão das ocupações. Centenas de veteranos das duas guerras e soldados na ativa, reuniram-se para dar testemunho sobre os horrores da guerra, incluindo as atrocidades que presenciaram ou que eles mesmos cometeram.

O nome Winter Soldier foi tomado de um evento similar realizado em 1971, no qual centenas de veteranos do Vietnã reuniram-se em Detroit, e sua origem está na frase que inicia o panfleto de Thomas Paine, “The Crisis” (A Crise), publicado em 1776:

“Estes são os tempos que põem à prova as almas dos homens: em tempos de crise, o soldado de verão, sem convicção, e o patriota sem causa evitarão servir seu país; mas aquele que se mantiver firme merece o amor e o agradecimento de todos os homens e mulheres”.

Este Winter Soldier foi organizado pelo grupo Veteranos do Iraque Contra a Guerra (IVAW, na sigla em inglês). Kelly Dougherty, veterano do Iraque, membro da Guarda Nacional do Exército no Colorado e diretor executivo de IVAW, abriu o evento com estas palavras:

“As vozes dos veteranos e membros na ativa, assim como as dos civis, devem ser ouvidas pelo povo dos Estados Unidos e pelas pessoas de todo o planeta; e também por outras pessoas do exército e outros veteranos, para que eles mesmos possam encontrar sua própria voz para contar sua história, porque cada uma das nossas histórias individuais tem uma importância crucial e deve ser ouvida para que as pessoas compreendam a realidade e o verdadeiro custo humano da guerra e da ocupação”.

O que veio a seguir foram quatro dias de intensos depoimentos, relatos de primeira mão de assassinatos de civis iraquianos, indo da desumanização de iraquianos e afegãos que acompanha a violência das ocupações até as vítimas que essa violência cobra entre os soldados e a atenção inadequada que eles recebem quando voltam para casa.

Jon Michael Turner, que combateu no 3º Batalhão da 8ª Companhia de Infantaria da Marinha, arrancou as medalhas do peito. Disse o seguinte:

“No dia 18 de abril de 2006 tive minha primeira “morte confirmada”. O homem era inocente. Não sei seu nome. Eu o chamava ‘o gordo’. Estava caminhando de volta para sua casa e eu atirei contra ele na frente do seu amigo e do seu pai. O primeiro disparo não o matou, eu tinha acertado na região do pescoço. Então, ele começou a gritar e olhou direto nos meus olhos. Ou seja, que olhei para o meu amigo, que estava montando sentinela comigo, e disse, ‘Bom, não posso permitir que isto aconteça’. Então atirei outra vez e acabei com ele. Depois disso, sua família levou ele embora. Foram necessárias sete pessoas para levar seu corpo”.

“Todos recebíamos felicitações depois que conseguíamos nossas primeiras mortes, e nesse caso tratou-se da minha. Meu comandante felicitou-me pessoalmente, como fazia com todos os outros da nossa companhia. Esse é o mesmo homem que havia declarado que qualquer um que conseguisse sua primeira “morte confirmada” por meio de esfaqueamento teria uma licença de quatro dias na volta do Iraque”.

Hart Viges estava na 82ª Divisão Aerotransportada, que tomou parte da invasão de março de 2003. Descreveu o assalto a uma moradia na qual prenderam os homens errados: “Nunca fizemos uma batida em que tenhamos encontrado a casa certa e, muito menos, com a pessoa certa. Nem uma única vez. Olhei para o meu sargento e disse a ele algo como ‘Sargento, estes não são os homens que estamos procurando’. E ele respondeu: ‘Não se preocupe, tenho certeza de que estes devem ter feito alguma coisa’. E a mãe chorava na minha frente o tempo todo, tentando beijar meus pés. E, vocês já sabem, eu não sei falar árabe. Mas entendo a linguagem humana. Ela estava dizendo ‘Por favor, por que você está levando meus filhos? Eles não fizeram nada de mau’. E isso fez com que eu me sentisse muito impotente. Vocês sabem, 82ª Divisão Aerotransportada, Infantaria, com helicópteros Apache, veículos de combate Bradley e o meu uniforme blindado… e eu me sentia impotente. Sentia-me impotente para ajudá-la”

O ex-sargento Camilo Mejía também falou durante o evento. Depois de servir no Iraque, recusou-se a voltar para lá. Foi submetido a um conselho de guerra e passou quase um ano na prisão. Mejía agora é presidente do IVAW. Quando terminou de dar testemunho sobre sua experiência no Iraque, apresentou as exigências do seu grupo:

“Temos mais de um milhão de iraquianos mortos. Temos mais de 5 milhões de iraquianos deslocados. Temos quase 4.000 norte-americanos mortos. Temos quase 60.000 feridos. E isso sem considerar o transtorno de estresse pós-traumático e o resto das feridas psicológicas e emocionais que a nossa geração traz consigo quando volta para casa. A guerra está desumanizando toda uma geração deste país e está destruindo o povo do Iraque. Para que possamos recuperar nossa humanidade como exército e como país, exigimos a retirada imediata e incondicional do Iraque de todos os soldados, além de cuidados e compensações para todos os veteranos e reparações compensatórias para o povo iraquiano, de modo que possam reconstruir seu país do seu jeito”.

Na medida em que adentramos no sexto ano da guerra no Iraque — mais tempo do que os EUA permaneceram na Segunda Guerra Mundial —, deveríamos honrar os veteranos do Iraque e do Afeganistão escutando o que eles têm a dizer.

 

Winter Soldier Marches Again – Amy Goodman – Democracy Now: March 19, 2008

Last weekend, in the lead-up to the fifth anniversary of the invasion of Iraq, a remarkable gathering occurred just outside Washington, D.C., called Winter Soldier: Iraq and Afghanistan, Eyewitness Accounts of the Occupations. Hundreds of veterans of these two wars, along with active-duty soldiers, came together to offer testimony about the horrors of war, including atrocities they witnessed or committed themselves.

The name, Winter Soldier, comes from a similar event in 1971, when hundreds of Vietnam veterans gathered in Detroit, and is derived from the opening line of Thomas Paine’s pamphlet, “The Crisis,” published in 1776:

“These are the times that try men’s souls: The summer soldier and the sunshine patriot will, in this crisis, shrink from the service of their country; but he that stands it now, deserves the love and thanks of man and woman.”

This Winter Soldier was organized by the group Iraq Veterans Against the War. Kelly Dougherty, an Iraq veteran from the Colorado Army National Guard and IVAW’s executive director, opened the proceedings, saying: “The voices of veterans and service members, as well as civilians on the ground, need to be heard by the American people, and by the people of the world, and also by other people in the military and other veterans so they can find their voice to tell their story, because each of our individual stories is crucially important and needs to be heard if people are to understand the reality and the true human cost of war and occupation.”

What followed were four days of gripping testimony, ranging from firsthand accounts of the murder of Iraqi civilians, the dehumanization of Iraqis and Afghanis that undergirds the violence of the occupations, to the toll that violence takes on the soldiers themselves and the inadequate care they receive upon returning home.

Jon Michael Turner, who fought with the 3rd Battalion, 8th Marines, tore his medals off his chest. He said: “On April 18, 2006, I had my first confirmed kill. This man was innocent. I don’t know his name. I called him ‘the fat man.’ He was walking back to his house, and I shot him in front of his friend and his father. The first round didn’t kill him, after I had hit him up here in his neck area. And afterward he started screaming and looked right into my eyes. So I looked at my friend, who I was on post with, and I said, ‘Well, I can’t let that happen.’ So I took another shot and took him out. He was then carried away by the rest of his family. It took seven people to carry his body away.

“We were all congratulated after we had our first kills, and that happened to have been mine. My company commander personally congratulated me, as he did everyone else in our company. This is the same individual who had stated that whoever gets their first kill by stabbing them to death will get a four-day pass when we return from Iraq.”

Hart Viges was with the 82nd Airborne, part of the invasion in March 2003. He described a house raid where they arrested the wrong men: “We never went on a raid where we got the right house, much less the right person. Not once. I looked at my sergeant, and I was like, ‘Sergeant, these aren’t the men that we’re looking for.’ And he told me, ‘Don’t worry. I’m sure they would have done something anyways.’ And this mother, all the while, is crying in my face, trying to kiss my feet. And, you know, I can’t speak Arabic. I can speak human. She was saying, ‘Please, why are you taking my sons? They have done nothing wrong.’ And that made me feel very powerless. You know, 82nd Airborne Division, Infantry, with Apache helicopters, Bradley fighting vehicles and armor and my M4—I was powerless. I was powerless to help her.”

Former Staff Sgt. Camilo Mejia also spoke. After serving in Iraq, he refused to return there. He was court-martialed and spent almost a year in prison. Mejia is now the chairman of IVAW. After he finished the testimony of his experience in Iraq, he laid out the group’s demands:

“We have over a million Iraqi dead. We have over 5 million Iraqis displaced. We have close to 4,000 dead [Americans]. We have close to 60,000 injured. That’s not even counting the post-traumatic stress disorder and all the other psychological and emotional scars that our generation is bringing home with them. War is dehumanizing a whole new generation of this country and destroying the people in the country of Iraq. In order for us to reclaim our humanity as a military and as a country, we demand the immediate and unconditional withdrawal of all troops from Iraq, care and benefits for all veterans, and reparations for the Iraqi people so they can rebuild their country on their terms.”

As we enter the sixth year of the war in Iraq, more time than the U.S. was involved in World War II, we should honor the veterans of Iraq and Afghanistan, by listening to them.