A internet vai gerar novas formas de inteligência coletiva?
Estou convencido de que sim. Os meios de comunicação oferecidos à humanidade, as redes digitais instantâneas parecem ter um objetivo principal: alimentar ou criar uma coerência global. Um blog adquire a sua legitimidade se for identificado com outros blogs, e o primeiro sítio que surge no Google é aquele que é ‘hiperligado’ pelo maior número de sítios… Essa legitimação por parte da coletividade carrega os seus perigos: ela se defende contra o individual e despreza aquilo que é marginal ou fora dos padrões. Mas também representa um enorme potencial que pode mudar profundamente a nossa relação com o mundo. O humano da condição inumana está bem mais próximo da formiga – que vive, existe e compreende o universo através de sua coletividade – que não é o de um indivíduo autônomo, consciente e singular.
Este é um pequeno trecho da entrevista de Ollivier Dyens, professor do Departamento de Estudos Franceses da Universidade de Concordia (Montreal), que estuda há mais de quinze anos o impacto das novas tecnologias na sociedade. Entrevista publicada no Le Monde, de 26.01.2008. Dyens é autor do livro La Condition inhumaine (A condição inumana).
A entrevista está em IHU On-Line – 29.01.2008.
A revolução ‘inumana’
A crescente tensão entre a realidade biológica e a realidade tecnológica resulta na condição inumana.
A entrevista
O devastador aumento do poder da tecnologia digital vai transformar-nos profundamente?
Há alguns anos eu pensava que a tecnologia iria mudar o ser humano. Hoje, penso que vai mudar a percepção que temos do ser humano. Eu acredito cada vez menos no fantasma cyborg ou no homem-máquina. Mas a visão que temos de nós mesmos vai ter de mudar para se adaptar à realidade tecnológica de amanhã.
Seu último livro se intitula “A condição inumana”. Por que o título?
O termo “inumano” não é usado aqui no sentido de crueldade, mas no sentido do que está para além do homem. Às questões essenciais que o homem se coloca desde o início dos tempos – Quem sou eu? De onde venho? -, a ciência e a tecnologia podem fornecer respostas que, cada vez mais, contrariam o que dizem nossos sentidos e nosso espírito. É essa crescente tensão entre a nossa realidade biológica e a nossa realidade tecnológica que eu qualifico de “condição inumana”. Historicamente, consideramos as ferramentas e a linguagem como estruturas que existiam para atender às nossas necessidades. É fundamental repensar esta relação.
Por que a crescente interdependência destas duas realidades, biológica e tecnológica, nos perturba tanto?
Para explicar este mal-estar, um roboticista japonês criou uma imagem, a do ‘vale do desconhecido’. Tanto que robôs que continuam bem diferentes de nós, não nos perturbam. Mas se eles estão muito próximos caem no ‘vale do desconhecido’. A mão artificial se torna inquietante no momento em que ela se torna uma mão verdadeira, quando a podemos tocar ou fechá-la como se fosse natural. Estamos à volta com a revolução digital que está se tornando cada vez mais “inteligente”, cada vez mais “viva”… Isso nos preocupa, porque se assemelha muito a nós.
A civilização das máquinas nasceu com este milênio?
Lembre-se do 31 de dezembro de 1999 e do famoso medo do bug do milênio. Este receio era real, inclusive entre as maiores empresas de informática do mundo. Naquele dia, a humanidade toda prendeu a respiração à espera do veredicto das máquinas, para saber se chegariam ou não à ‘compreensão’ dos três zeros da nova data. E o que aconteceu? Os softwares, em todo o mundo, conseguiram se adaptar, nenhuma catástrofe aconteceu. A moral da história é que os sistemas informáticos tornaram-se muito complexos para sermos capazes de determinar o que os torna eficazes ou não. Um pouco como a previsão meteorológica que se tornou muito complexa para prever para além de alguns dias.
Sendo assim, podemos ser esquecidos pelas máquinas que nós mesmos criamos, assustador não?
Para alguns, sim. Mas outros acreditam que este é um processo normal da evolução. Que o importante é a dinâmica da vida, que se encontra no DNA ou no silício. De qualquer forma, a tecnologia já nos obriga a redefinir o nosso lugar na hierarquia mundial. A nos situar não mais no topo da pirâmide, mas numa dinâmica tendo em conta as máquinas como parte integrante da espécie humana.
E se não chegarmos a isso?
Então corremos o risco de, num futuro mais ou menos próximo, desembocar num mundo polarizado, maniqueísta, violento, no qual a maioria da humanidade encontrar-se-á descolado de um mundo cheio de representações, idéias, teorias e da cultura. Um mundo de frustração e desespero e de uma nova alienação: aquela do conhecimento. Esse risco já está acontecendo: temos uma crescente dificuldade para distinguir claramente a informação de sua síntese – dito de outra maneira, do conhecimento. Por quê? Porque a cultura gerada pelas máquinas nos ultrapassa. Para usar uma imagem marítima: a quantidade de informações disponíveis na Net é um oceano, mas não conhecemos mais a arte de navegar. É cada vez mais claro que permanecemos na superfície desse oceano – “surfar” tornou-se uma questão de sobrevivência. Mas os seres humanos ainda navegam como antigamente tanto o conhecimento nos parece ligado à idéia do aprofundamento. A superfície e o profundo: vamos ter de aprender a conciliar essas duas noções.
A “condição inumana” terá consequências positivas?
Menos guerras, talvez. Quanto mais países estiverem enredados economicamente e culturalmente, menos razões teremos para ver os outros como estranhos, e, portanto, para combatê-lo. As tecnologias digitais e da Web são uma aproximação entre os seres. O e-mail, os chats, os blogs podem nos unir para além da geografia do corpo, da cor da pele. Em nossa história, nunca se gastou tanto tempo para se comunicar, mas também para enriquecer-nos e debater através das redes.
A internet vai gerar novas formas de inteligência coletiva?
Estou convencido de que sim. Os meios de comunicação oferecidos à humanidade, as redes digitais instantâneas parecem ter um objetivo principal: alimentar ou criar uma coerência global. Um blog adquire a sua legitimidade se for identificado com outros blogs, e o primeiro sítio que surge no Google é aquele que é ‘hiperligado’ pelo maior número de sítios… Essa legitimação por parte da coletividade carrega os seus perigos: ela se defende contra o individual e despreza aquilo que é marginal ou fora dos padrões. Mas também representa um enorme potencial que pode mudar profundamente a nossa relação com o mundo. O humano da condição inumana está bem mais próximo da formiga – que vive, existe e compreende o universo através de sua coletividade – que não é o de um indivíduo autônomo, consciente e singular.
La révolution “inhumaine” – Le Monde: 26 janvier 2008
Pour nous adapter à la puissance des technologies numériques, il va nous falloir, affirme Ollivier Dyens, professeur à Montréal, modifier en profondeur la vision que nous avons de nous-mêmes.
Professeur au département d’études françaises de l’université Concordia (Montréal), vous étudiez depuis quinze ans l’impact des nouvelles technologies sur la société. La foudroyante montée en puissance du numérique va-t-elle nous transformer en profondeur ?
Il y a quelques années, je pensais que la technologie changerait l’être humain. Aujourd’hui, je pense qu’elle va changer la perception qu’on a de l’être humain. Je crois de moins en moins au fantasme du cyborg, de l’homme-machine. Mais la vision que l’on a de nous-mêmes va devoir changer pour s’adapter à la réalité technologique de demain.
Votre dernier ouvrage s’intitule La Condition inhumaine. Pourquoi ce titre ?
Le terme “inhumain” n’est pas employé ici au sens de cruauté, mais de ce qui est au-delà de l’humain. Aux questions essentielles que l’homme se pose depuis la nuit des temps – Qui suis-je ? D’où venons-nous ? -, la science et la technologie apportent des réponses qui, de plus en plus, contrarient ce que disent nos sens et notre esprit. C’est cette tension croissante entre notre réalité biologique et notre réalité technologique qui provoque ce que je qualifie de “condition inhumaine”. Depuis toujours, nous avons considéré les outils et les langages comme des structures qui existaient pour répondre à nos besoins. Il est vital de repenser cette relation.
Pourquoi l’imbrication croissante de ces deux réalités, biologique et technologique, nous trouble-t-elle tant ?
Pour expliquer ce malaise, un roboticien japonais a créé une image, celle de “la vallée de l’Etrange”. Tant que les robots restent bien distincts de nous, ils ne nous dérangent pas. Mais qu’ils deviennent trop proches, et l’on tombe dans la vallée de l’Etrange. La main artificielle devient inquiétante le jour où elle ressemble trop à une vraie main, où on peut la toucher, la serrer comme si elle était naturelle. Nous en sommes là, désormais, avec le numérique, qui devient de plus en plus “intelligent”, de plus en plus “vivant”… C’est cela qui nous inquiète, parce que cela nous ressemble trop.
La prise de possession de la civilisation par les machines, dites-vous, est née avec ce millénaire.
Souvenez-vous du 31 décembre 1999 et de la fameuse peur du bug de l’an 2000. Cette peur était réelle, y compris au sein des plus grandes compagnies informatiques. Ce jour-là, l’humanité entière, le souffle court, attendait le verdict des machines, pour savoir si, oui ou non, elles parviendraient à “comprendre” les trois zéros de la nouvelle date. Et que s’est-il passé ? Les logiciels, partout dans le monde, ont réussi à s’adapter. Dans les pays où peu avait été fait pour les y aider comme dans ceux où beaucoup avait été fait, aucune catastrophe n’a eu lieu.
La morale de l’histoire, c’est que les systèmes informatiques sont devenus trop enchevêtrés, trop puissants pour qu’on soit capable de déterminer ce qui les rend efficaces ou inefficaces. Un peu comme l’environnement météorologique, que l’on sait trop complexe pour pouvoir le prédire au-delà de quelques jours.
Etre ainsi dépassé par l’autonomie de machines que nous avons créées, c’est objectivement angoissant, non ?
Pour certains, oui. Mais d’autres estiment qu’il s’agit d’un processus normal de l’évolution. Que l’important est la dynamique de la vie, que celle-ci soit dans l’ADN ou dans le silicium. Quoi qu’il en soit, la technologie nous force désormais à redéfinir notre place dans la hiérarchie planétaire. A nous situer non plus au sommet de la pyramide, mais dans une dynamique prenant en compte les machines comme une part intégrante de l’espèce humaine.
Et si nous n’y parvenons pas ?
Alors nous risquons d’aboutir, dans un avenir plus ou moins proche, à un monde polarisé, manichéen, violent, dans lequel la majeure partie de l’humanité se retrouvera en décalage complet avec le monde des représentations, des idées, des théories et de la culture. Un monde de frustrations et de désespoir issu d’une nouvelle aliénation : celle de la connaissance.
Ce risque est déjà à l’oeuvre : nous avons une difficulté grandissante à distinguer clairement l’information de sa synthèse – autrement dit de la connaissance. Pourquoi ? Parce que la culture générée par les machines nous dépasse. Pour utiliser une image maritime : la quantité d’informations présentes sur le Net est un océan, mais nous ne connaissons pas l’art d’y naviguer. Il apparaît de plus en plus que rester à la surface de cet océan – “surfer” – est devenu une question de survie. Mais l’humain navigue encore à l’ancienne, tant la connaissance nous semble liée à l’idée d’approfondissement. La surface et le fond : il va nous falloir apprendre à concilier ces deux notions.
La “condition inhumaine” aura-t-elle des conséquences positives ?
Moins de guerres, peut-être. Plus les pays sont enchevêtrés économiquement et culturellement, moins il y a de raisons de voir l’autre comme un étranger, et donc de le combattre. Les technologies numériques et le Web suscitent un rapprochement entre les êtres. Le courriel, les “chats”, les blogs insistent sur ce qui nous lie, au-delà de la géographie, du corps, de la couleur de la peau. Dans notre histoire, jamais nous n’avons passé autant de temps non seulement à communiquer, mais aussi à nous enrichir et à débattre par l’entremise des réseaux.
Internet va-t-il générer de nouvelles formes d’intelligence collective ?
J’en suis convaincu. Les moyens de communication qu’offrent à l’humanité les réseaux numériques instantanés semblent posséder un objectif principal : nourrir, ou créer une cohérence globale. Un blog acquiert sa légitimité s’il est recensé dans d’autres blogs, et le premier site qui apparaît dans Google est celui qui est “hyperlié” par le plus grand nombre de sites… Cette légitimation par la collectivité porte ses dangers : elle se défend contre l’individuel et fait peu de cas de ce qui est hors norme ou marginal. Mais elle représente aussi un potentiel formidable, qui change profondément notre relation au monde. L’humain de la condition inhumaine est bien plus proche de la fourmi – qui vit, existe et comprend l’univers par l’entremise de sa collectivité – qu’il ne l’est d’un individu autonome, conscient et singulier.