A Igreja Latino-Americana de Medellín a Aparecida

De Medellín a Aparecida: marcos, trajetórias e perspectivas da Igreja Latino-Americana

Em 2008, completam-se 40 anos de realização da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Medellín, na Colômbia de 24 de agosto a 6 de setembro de 1968. Celebrando os quarenta anos da realização deste importante evento da Igreja Latino-Americana, o Instituto Humanitas Unisinos realizará um Curso de Extensão, propondo um estudo e análise sobre as Conferências Episcopais de Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida e suas contribuições para a atuação da Igreja na América Latina.

O curso começa em 13 de junho e termina em 17 de outubro de 2008.

Entre os conferencistas estão: Prof. Dr. Inácio Neutzling – Unisinos; Prof. Dr. Joseph Comblin – Instituto Teológico do Recife; Prof. Dr. João Batista Libânio – FAJE/BH; Prof. Dr. Paulo Suess – CIMI; Prof. Dr. Benedito Ferraro – PUC-Campinas; Prof. Dr. Alfredo Santiago Culleton – Unisinos; Prof. MS. Vanildo Luis Zugno – ESTEF; Profa. Dra. Ana Maria de Azeredo Lopes Tepedino – PUC-Rio; Ir. Antônio Cechin e Prof. Dr. Ivo Lesbaupin – ISER/RJ.

 

Medellín e a Igreja na América Latina

A teóloga italiana Silvia Scatena repercute a herança desta grande conferência episcopal, considerando a passagem do seu 40º aniversário

“Medellín não teria sido possível – no modo em que se realizou concretamente – sem esta ‘força tarefa’, constituída por bispos que, em muitos casos, são figuras relativamente isoladas no interior das respectivas hierarquias nacionais.” A afirmação é da teóloga italiana Silvia Scatena, em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line. Em suas respostas, ela fala sobre a importância da Conferência de Medellín para a Igreja Latino-Americana e constata que a grandeza da referida conferência foi “a capacidade de confrontar-se com a realidade histórica, na qual também se individualiza, além disso, a única condição de uma autêntica comunhão com a igreja universal”. A Prof.ª Dr.ª Silvia Scatena é professora no Instituto per le Scienze Religiose (ISR), com sede em Bolonha (Itália). Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que traços sociológicos e eclesiais tornaram possível a realização da Conferência Episcopal de Medellín em 1968?
Silvia Scatena – A conferência de Medellín é, em muitos aspectos, o fruto do encontro entre as transformações da sociedade latino-americana no decurso dos anos 1960 e a renovação teológica realizada e veiculada pelo Concílio Vaticano II. A conferência de 1968 não pode ser compreendida sem considerarmos, contextualmente, estes dois “movimentos” complexos: a modernização (ou atualização) conciliar, por um lado, e, por outro, os processos políticos e socioeconômicos em ação, embora de modo diverso, diante das diferentes latitudes do continente latino-americano. Aqui me refiro, por exemplo, às migrações internas e ao fenômeno do crescimento irrompente da urbanização, na afirmação de uma “internacional militar”, na crise dos projetos desenvolvimentistas. Permanecendo no terreno eclesial, é preciso, por outro lado, considerar um elemento decisivo e inédito: a condução do organismo continental do episcopado da parte de um grupo de bispos habituados ao trabalho de “esquadra” da visão continental e da capacidade profética, que fazem da recepção das novidades conciliares no concreto da situação latino-americana sua prioridade pastoral, preocupando-se, já no decurso do próprio Vaticano II, com as modalidades e os percursos para uma atualização em escala continental (penso em Câmara e Larrain , mas também em Leônidas Proaño no Equador, Cândido Padin no Brasil – o bispo beneditino recentemente falecido –, McGrath no Panamá, Valencia Cano na Colômbia, Dammert Belido no Peru…). Medellín não teria sido possível – no modo em que se realizou concretamente – sem esta “força tarefa”, constituída por bispos que, em muitos casos, são figuras relativamente isoladas no interior das respectivas hierarquias nacionais.

IHU On-Line – Segundo sua visão de historiadora, que importância teve a Conferência de Medellín para a consolidação de uma identidade da Igreja Latino-Americana?
Silvia Scatena – A importância de Medellín na consolidação de uma identidade continental das igrejas da América Latina foi decisiva. No entanto, é preciso considerar a conferência de 1968 no interior de um processo mais amplo, que envolveu as igrejas da América Latina já nos anos do Concílio, quando, graças principalmente ao trabalho do Celam – o organismo permanente do episcopado latino-americano, criado em 1955 na conferência do Rio de Janeiro, sem igual nos outros continentes –, os bispos adquirem a consciência crescente de uma pertença comum continental. Nos anos do imediato período pós-conciliar, entre 1966 e 68, o Celam promoveu um regular “exercício colegial”, fundamental para o compartilhamento de novas estratégias pastorais e para o decolar de inovações, de linhas comuns de ação. Isto representa o húmus de Medellín, que significará, neste sentido, a “confirmação” da investigação, amplamente compartilhada por muitos setores eclesiais latino-americanos, de uma nova imagem de igreja continental: uma imagem que, segundo as palavras do documento sobre a juventude, será essencialmente aquela de uma igreja de fisionomia pobre, missionária e pascal.

IHU On-Line – Quais são os principais marcos da relação Igreja e sociedade no contexto da realização da Conferência de Medellín? E, na sua avaliação, quais as principais transformações dessa relação desde então até os dias de hoje?
Silvia Scatena – Em síntese, o que me parece importante sublinhar é que, em Medellín, a Igreja Latino-Americana recupera o aspecto de uma instância histórica chamada a reinterpretar o evangelho aos homens e aos povos do continente na “situação anormal” e “inquietante” da América Latina no final dos anos 1960 – assim se exprimia o arcebispo de Lima, Landàzuri Ricketts, no discurso inaugural da assembléia. E recupera este aspecto profético no momento em que decide “olhar na face” o novo mundo latino-americano antes do que a si mesma, na “comunhão com uma história cuja profundidade específica reside numa convergência de circunstâncias proféticas”: são sempre as palavras de Landàzuri Ricketts, desta vez no discurso conclusivo, que, por sua vez, cita Paulo VI. Aqui está, a meu ver, a grandeza de Medellín: a capacidade de confrontar-se com a realidade histórica, na qual também se individualiza, além disso, a única condição de uma autêntica comunhão com a igreja universal. Por isso, o momento de máxima reflexão interna da Igreja Latino-Americana foi também aquele de sua maior contribuição e de sua maior capacidade falante à Igreja universal. Por isso, agora, as precoces tentativas de redimensionamento, ou de domesticação de alguns dos conteúdos mais inovadores da conferência de 1968 – penso, acima de tudo, no nó vertebral da opção pelos pobres –, jamais conseguiram corroer o amplo consenso que se coagulou em torno de Medellín e de suas opções caracterizadoras, substancialmente confirmadas pela conferência de Puebla. Também a subseqüente discussão do caráter vinculante do documento final da conferência de 68 não conseguiu destemperar a consciência difusa da existência de um “antes” e um “depois” de Medellín ou a credibilidade das suas conclusões, cujo testemunho mais convincente era dado pela própria recepção no seio das igrejas às quais as conclusões eram destinadas. Medellín soube, de fato, sugerir empenhos e abrir caminhos em nível pessoal e comunitário, e inspirar ou consolidar práticas. Com respeito àquela estação, muitos caminhos se interromperam ou restringiram sucessivamente e o contexto é profundamente modificado pelas grandes mudanças intervindas no plano político, social e eclesial e no mais vasto cenário internacional. Mas, na transição que parece atravessar a América Latina neste primeiro período do século XXI, algumas intuições centrais de Medellín parecem ter ainda, a quarenta anos de distância, a capacidade de interpelar os cristãos do continente. Os disciplinamentos do centralismo romano, as vicissitudes da Teologia da Libertação, o fim da Guerra Fria, o diversificar-se dos desafios pastorais em igrejas de histórias e situações desiguais, de fato não redimensionaram uma inquietude endêmica exasperada da falência das receitas neoliberais do novo cenário globalizado, assim como não desautorizaram uma instância fundamental de Medellín: a afirmação do nexo irrenunciável entre a escolha preferencial pelos pobres e a essencialidade da pobreza no mistério do Cristo.

Fonte: IHU Online – edição 259 – 26 Maio 2008

Dom Helder, Leonardo Boff e Jonas Abib

Três nomes, três notícias, três situações. Vale a pena a leitura.

Justiça manda recolher livro do Padre Jonas Abib

A Justiça da Bahia determinou o recolhimento, em Salvador, de todos os exemplares de um livro escrito pelo padre Jonas Abib, fundador da comunidade católica Canção Nova, ligada à Renovação Carismática, ala conservadora da igreja.

Para o Ministério Público baiano, que pediu o recolhimento do livro “Sim, Sim! Não, Não! Reflexões de Cura e Libertação”, da editora Canção Nova, o padre cometeu o crime de “prática e incitação de discriminação ou preconceito religioso”, previsto na lei 7.716, de 1989. Cabe recurso à Justiça.

De acordo com o promotor Almiro Sena, Abib faz no livro “afirmações inverídicas e preconceituosas à religião espírita e às religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, além de flagrante incitação à destruição e ao desrespeito aos seus objetos de culto”.

A ação cita trechos do livro que, na avaliação da Promotoria, trazem ofensas ao espiritismo e às religiões afro-americanas. “O demônio, dizem muitos, “não é nada criativo”. (…) Ele, que no passado se escondia por trás dos ídolos, hoje se esconde nos rituais e nas práticas do espiritismo, da umbanda, do candomblé”, diz Abib na obra.

Em outro trecho, o padre diz que “o espiritismo é como uma epidemia e como tal deve ser combatido: é um foco de morte”. Também há referência ao culto a imagens. “Acabe com tudo: tire as imagens de Iemanjá (que na verdade são um disfarce, uma imitação de Nossa Senhora). Acabe com tudo! Mesmo que seja uma estátua preciosa, mesmo que seja objeto de ouro, não conserve nada. Isso é maldição para você, sua casa e sua família.”

Para o Ministério Público, o livro ofende o princípio de liberdade de crença previsto na Constituição Federal, e afronta as “integridade, respeitabilidade e permanência dos valores da religião afro-brasileira” previstos na Constituição baiana.

Como atua em Salvador, o promotor pediu o recolhimento da obra só na capital, onde o livro é vendido por R$ 15,90. Segundo a Promotoria, foram vendidos 400 mil exemplares no país em 2007. Para Sena, isso “demonstra a amplitude alcançada pelas idéias contidas no seu conteúdo e o grave risco de propiciar o acirramento de conflitos étnico-religiosos”.

O juiz Ricardo Schmitt acatou a denúncia contra o padre e mandou intimá-lo a comparecer a audiência de interrogatório, em dia a ser definido. A pena prevista neste caso é de um a três anos de prisão, e multa.

Outro lado
Em nota, a Canção Nova informou não ter sido comunicada da decisão judicial. Negou, contudo, que o livro incorra em preconceito religioso. “A obra é meramente conceitual e não tem o propósito de incitar qualquer discriminação ou preconceito religioso.”

A nota afirma ainda que Abib “sempre se pautou pelo profundo respeito a todas as pessoas e ideologias, difundindo a doutrina da Igreja Católica e o amor cristão através dos meios de comunicação”. Diz que o propósito do livro é “orientar os católicos a viverem com coerência a vida cristã de acordo com a linha filosófica e teológica defendida pela igreja.”

 

Leonardo Boff recebe título de doutor ‘Honoris Causa’ da EST

O teólogo Leonardo Boff recebeu mais um título de Doutor Honoris Causa em reconhecimento ao seu compromisso ecumênico surgido do diálogo com a teologia protestante e à reflexão entre teologia e ecologia. A honraria é a primeira recebida de instituição teológica brasileira, as Faculdades EST (Escola Superior de Teologia de São Leopoldo, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil). O homenageado agradeceu pela concessão da titulação honrosa e enfatizou que Lutero apresentou um Deus que se acerca dos oprimidos, abrindo espaço para a esperança da humanidade, que se traduz na resistência e na busca da vida e da libertação. Na entrega do título, até então só concedido a luteranos, o reitor Oneide Bobsin salientou que o momento era de celebração e exaltação do Evangelho.

Boff agradeceu a homenagem e reafirmou conceitos sobre a importância da obras de Lutero, já difundidos em seu livro E a Igreja se fez povo; eclesiogênese: a Igreja que nasce da fé do povo, publicado pela Editora Vozes em 1986. Ele enfatizou a atualidade do reformador Martim Lutero e do princípio protestante da indignação. “A teologia de Lutero é boa para a humanidade sofredora. Ele foi um mestre da fé e a voz que clama pela renovação espiritual”. O evento se deu durante o seminário Leonardo Boff e a Teologia Protestante, de 12 a 16 de maio.

Participaram da cerimônia de outorga do título doutor honoris causa o prefeito de São Leopoldo, Ari José Vanazzi, o pró-reitor acadêmico da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Pedro Gilberto Gomes, o pró-reitor acadêmico da Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Edgar Hammes, e o pastor primeiro vice-presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Homero Severo Pinto.

Leonardo Boff é natural de Concórdia (SC), ingressou na Ordem dos Frades Menores (1959), doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique (Alemanha, 1970), recebeu títulos de doutor honoris causa em Política da Universidade de Turim (Itália), e em Teologia da Universidade de Lund (Suécia). Sofreu um processo da Sagrada Congregação para a Defesa da Fé (1984), por causa da eclesiologia apresentada no livro Igreja: Carisma e Poder, sendo condenado a um ano de “silêncio obsequioso” e deposto das funções editoriais e magisteriais (1985). Sob ameaça de novo processo, renunciou ao sacerdócio (1992), prestou concurso e passou a ensinar Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) (1993). É autor de mais de 70 livros nas áreas de teologia, espiritualidade, filosofia, antropologia, mística e ecologia. A maioria de sua obra está traduzida para os principais idiomas modernos.

 

O Concílio de Dom Helder

(…) Estamos falando de Dom Helder Câmara. Precisamente ele, o bispo auxiliar do Rio de Janeiro, e depois, poucos dias antes do golpe de 31 de março de 64, o arcebispo de Recife: a ‘voz dos sem voz’ do nordeste do Brasil e, posteriormente, de toda a América Latina: onde – segundo o Sunday Times – ainda era considerado, nos anos 70, como ‘o homem mais influente’ após Fidel Castro.

Fonte: IHU On-Line: 17/05/2008

EST e IHU debatem em julho a Teologia Pública

Leio em Notícias do Dia – IHU On-Line de hoje:

Simpósio da EST discute a teologia pública na América Latina

Repensar a teologia contemporânea e sua relação com a sociedade com o intuito de refletir a cidadania e o compromisso com a realidade é o objetivo do Simpósio Internacional Teologia Pública na América Latina, promovido pela Escola Superior de Teologia (EST), em parceria com o IHU. Muitos teólogos têm, hoje, se voltado para sua contribuição na política, nas questões de cidadania e para repensar a ética e os valores humanos na atualidade. Assim, o simpósio quer explorar as implicações de uma teologia pública na América Latina e o que vem a ser, realmente, uma teologia pública global e contextualizada. Por isso, nomes como o do Prof. Dr. Max Stackhouse, da Universidade de Princeton (EUA); o do Prof. Dr. Nico Koopman, de Stellenbosch University (África do Sul); e o da Prof.ª Dr.ª Catalina Romero, da Universidade de Lima (Peru), vêm à EST discutir esses conceitos e contribuir, desta forma, teologicamente, para esse importante debate. Entre os palestrantes que representam a Unisinos no Simpósio, estão o diretor do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Prof. Dr. Inácio Neutzling e a Profa. MS Ana Formoso, além do reitor da Universidade, Prof. Dr. Marcelo Fernandes de Aquino.

O Simpósio Internacional Teologia Pública na América Latina acontece nas Faculdades EST de 04 a 07 de julho de 2008 e será realizado em torno de três linhas temáticas: Teologia e Sociedade, Teologia e Universidade e Teologia e Cultura.

 

Teologia pública. Seus espaços e seu papel. Entrevista especial com Rudolf von Sinner

Quais são as funções da teologia hoje? Em constante transformação, nossa sociedade, muitas vezes, passa por cima, desapercebidamente, de questões muito importantes para nossa evolução. Em busca de respostas para isso, a Teologia Pública tem se tornado um lugar de profundas discussões sobre o papel e o espaço da teologia para que possamos buscar um mundo não apenas evoluído, mas também em busca de um mundo justo e solidário. “A crescente reflexão e produção científica acerca da Teologia Pública é um avanço. Espero que seja benéfica para a teologia, as igrejas, as universidades e, não por último, a sociedade”, declara Rudolf von Sinner, pró-reitor de pós-graduação e pesquisa da Escola Superior de Teologia (EST), em entrevista à IHU On-Line, realizada por e-mail. Rudolf faz uma importante reflexão acerca dessas duas temáticas, a teologia, propriamente dita, e a Teologia Pública.

Rudolf von Sinner é, também, professor de Teologia Sistemática na EST e pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Tem doutorado em teologia, pela Universidade de Basiléia, na Suíça, e pós-doutorado, pelo Centro de Investigação Teológica de Princeton, nos Estados Unidos. Está finalizando um livro sobre as igrejas e a democracia no Brasil, explorando suas contribuições para a cidadania na visão de uma teologia pública, que será uma tese de livre-docência a ser submetida na Universidade de Berna, na Suíça. Seu último livro em português é Confiança e convivência: reflexões éticas e ecumênicas (São Leopoldo: Sinodal, 2007), no qual também trata da Teologia Pública. Coordena o Simpósio Internacional sobre Teologia Pública na América Latina, realizado em parceria com o IHU, na EST, de 4 a 7 de julho. Para maiores informações sobre o evento, clique aqui.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Para o senhor, quais são as prioridades da teologia na contemporaneidade?

Rudolf von Sinner – Depende de qual teologia estamos falando. Existem seminários e faculdades que olham apenas para dentro da igreja e para a elaboração de estratégias de crescimento numérico da Igreja. Estas e outras tendem a minimizar o papel da teologia, até achando necessário uma “libertação da teologia” para livrar-se do pensamento crítico e questionador que a teologia pode ter frente às lideranças eclesiásticas e suas práticas. Por outro lado, a teologia está apenas começando a conquistar seu lugar entre as ciências, pelas quais vem sendo vista com suspeita e algo supostamente superado pela modernização e secularização do país. Porém, esta não conseguiu marginalizar a religião, e parece-me que há hoje um crescente interesse na contribuição da teologia no diálogo com outras ciências, para compreender melhor o papel da religião a partir de sua autocompreensão e não apenas numa visão externa. Este é um desafio que nós, teólogos e teólogas, precisamos aceitar e nos empenhar por uma contribuição autêntica e competente.

Vejo várias frentes na atualidade. Um dos grandes desafios atuais e como lidar com o pluralismo religioso, para cultivar respeito mútuo e diálogo em vez de competição e agressão verbal ou até física. Isto se acentua ainda mais pelo fato desta competição acontecer principalmente dentro do próprio cristianismo, ofuscando a fé no mesmo Deus, no mesmo Cristo, no mesmo Espírito Santo. A teologia, feita com rigor acadêmico, pode ajudar no esclarecimento da natureza da fé, tanto própria quanto de outrem, e fomentar, assim, o conhecimento e respeito mútuos. Tenho visto isto acontecer em cursos de integralização do bacharelado em teologia, onde padres, pastoras e pastores e outros teólogos de várias igrejas convivem e aprendem juntos para conquistar um título reconhecido pelo MEC. Não possível mais decretar; é preciso agora argumentar. E isto faz bem.

Outros desafios são as contínuas aflições da sociedade, como fome, desemprego, violência, falta de habitação apropriada etc., que não têm fronteiras confessionais ou religiosas e atingem a todos. Aqui, trata-se de fazer valer as bases teológicas que incentivam o serviço, a diaconia, a luta pelo bem-estar integral (shalom, no hebraico da Bíblia) de todos/as. Um desafio mais recente é a bioética, com um grande leque de questões desde o plantio de transgênicos até a chamada eutanásia, quando e como se poderia deixar de aplicar tratamentos talvez desproporcionais em pacientes em estado terminal, sem chance de cura. Aqui é preciso resistir, questionar, mas também amparar, cuidar, compreender, dialogar. Penso que estejamos numa situação nada fácil, mas criativa, onde é preciso encontrar novas respostas e soluções.

IHU On-Line – Para o senhor, qual é o papel que a teologia deve desempenhar hoje nas sociedades?

Rudolf von Sinner – A teologia é a reflexão metodologicamente responsável sobre o falar de Deus. Ou seja, seu objeto não é diretamente Deus, mas nosso falar Dele e também nosso falar a Ele na oração. Teologia é a explicação da fé, do seu conteúdo, de suas conseqüências, de suas bases. Neste sentido, serve para esclarecer e orientar para dentro e para fora da comunidade religiosa, no caso da comunidade cristã. Falo de uma teologia pública, termo cunhado nos EUA nos anos 70, mas apropriado para além daquele contexto, pois resgata a dimensão necessariamente pública da teologia. Cito apenas dois exemplos: Jesus afirmou, diante do sumo sacerdote: “Eu tenho falado francamente ao mundo; ensinei continuamente tanto nas sinagogas como no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada disse em oculto” (Evangelho de João 18.20). Outro: Jesus envia os 70 discípulos às nações, em número correspondente às nações descendentes de Noé conforme Gênesis 10, numa missão cujo início é o desejo da paz: “Paz seja nesta casa!” (Evangelho de Lucas 10.5).

As ações e prédicas de Jesus sempre foram abertas ao público e a ele dirigidas, de modo que se reuniam multidões para ouvi-lo. Num país como o Brasil, onde a grande maioria da população tem algum vínculo com uma religião, nomeadamente com uma igreja cristã, a teologia que sobre isto reflete precisa situar e orientar as igrejas no espaço público, onde é formada a opinião pública, são discutidos os assuntos que atingem a todas e todos. A teologia não deve nem pode fugir desta tarefa, mas servir como meio de campo no diálogo entre os diferentes públicos: a própria igreja, a sociedade, a universidade, a economia, a mídia, entre outros. Importa, contudo, insistir que a teologia busca contribuir, não impor, para estar presente no espaço público, não ocupá-lo ou monopolizá-lo. Portanto, se uma teologia pública encoraja as igrejas para contribuírem ativamente para o bem-estar de todos/as numa determinada sociedade, também deve orientá-las a fazerem isto com bom senso e restrição, em profundo respeito a outros grupos e outras religiões que também contribuem. Enquanto igreja e mundo não estão separados, também não devem ser confundidos.

IHU On-Line – A Teologia da Libertação encontra que tipo de espaços na sociedade para organizar debates acerca da Teologia Pública? Como se dão esses espaços?

Rudolf von Sinner – A Teologia da Libertação tem como intuição principal a “opção preferencial pelos pobres”. Esta descoberta a colocou imediatamente no espaço público, pois grande parte da população era pobre nos anos 1960/1970 (grande parte ainda o é hoje, apesar de melhoras), e falar de “libertação” chegou a ser proibido pelo regime militar, sendo considerado um termo subversivo e “comunista”. Contudo, as abordagens sobre Jesus Cristo, o libertador, feitas por Leonardo Boff [1] no Brasil e por Jon Sobrino [2] na América Central, mostram que o próprio Cristo praticou a libertação, tanto pelo seu testemunho de vida quanto pela sua morte e ressurreição. Hoje, em tempos democráticos, não é mais tão óbvio de que se precisa ser libertado.

Até houve certa inflação do termo “libertação” entre as diferentes igrejas e religiões: há procura e oferta para libertação da pobreza, de uma doença, do pecado, do “encosto”, até da própria teologia. Também não está mais tão claro para que se procura a libertação: um outro mundo possível, uma cidadania plena, uma nova existência após a prisão ou a dependência química, dentre outros possíveis projetos. Com isto, não quero dizer que o conceito da libertação se tornou supérfluo, mas ele não tem o mesmo apelo hoje que já teve em outras décadas. O novo termo-chave para a atuação da teologia na sociedade é, a meu ver, a cidadania: ter e poder, efetivamente, usufruir de direitos, ser respeitado, conhecer e cumprir seus deveres, reivindicar e assumir sua parte na sociedade. Não por último, é preciso lembrar que a Teologia da Libertação nunca conseguiu mobilizar as massas, apesar do expressivo e significativo número de Comunidades Eclesiais de Base norteados por esta teologia. Já se tornou lugar comum afirmar que enquanto a Teologia da Libertação optou pelos pobres, os pobres optaram pelo pentecostalismo. Isto não invalida, de modo algum, a Teologia da Libertação e seus grandes e inegáveis méritos. Eu também não estaria no Brasil, tendo vindo da Suíça, se não fosse por esta teologia que teve um imenso apelo para nós na Europa, e meu interesse começou com um ensaio que tive que escrever numa disciplina em 1989, sobre a teologia trinitária de Leonardo Boff e Jürgen Moltmann [3]. Mas mostra que é preciso ter uma visão mais ampla da situação hoje, e enxergar que diferentes igrejas e teologias podem contribuir para com a cidadania, sem necessariamente fazer um discurso explícito acerca dela.

Na teologia acadêmica, os teólogos e as teólogas ligadas ao movimento da Teologia da Libertação continuam com a maior expressividade nas publicações e congressos. A Teologia da Libertação não está nada morta, como alguns queriam, mas, pelo contrário, muito eloqüente. Esses espaços têm bastante visibilidade. Leonardo Boff, um dos principais articuladores desse movimento da teologia e dessa teologia em movimento, vem e continua sendo o mais conhecido teólogo no Brasil e alhures, lido muito além dos muros da igreja católica e dos seminários, às vezes até mais fora do que dentro delas. Tornou-se um teólogo público, respeitado, ouvido, lido, inspirando grande número de pensadores/as e militantes. Portanto, diria que o espaço acadêmico e o espaço da sociedade civil (movimentos, ONGs, sociedades religiosas) são espaços especialmente propícios para o debate da Teologia Pública. O debate com a ciência política, a sociologia e a economia já existe e precisa ser aprofundado. O diálogo com as ciências da vida (biologia, medicina, bioquímica, genética etc.) poderá tornar-se um novo campo, ainda pouco trilhado. Novamente, Leonardo Boff tem aberto caminhos aqui, com seu enfoque na ecologia desde os anos 1990. É por isto, e pela sua postura ecumênica, tendo suscitado considerável número de estudos de teólogos protestantes sobre sua teologia, que foi homenageado com o título de doutor honoris causa pela Faculdades EST em 15 de maio último.

IHU On-Line – Que tipo de reflexões teóricas podem ser feitas acerca do conceito atual de Teologia Pública? Esse conceito tem mudado de que forma ao longo dos anos?

Rudolf von Sinner – O conceito tende a ser um conceito vago e amplo. Isto porque denota, em primeiro lugar, uma dimensão e não um conteúdo específico. Contudo, também não é desprovido de conteúdo: o aspecto da justiça social, por exemplo, não pode faltar nele, sendo motivado pela própria fé como percebida pela teologia. A já citada opção preferencial pelos pobres não é um adendo aleatório a fé, mas está no centro dela. A igreja cristã vem sendo definida, desde seus primórdios, como querigma (proclamação), martyria (testemunho de vida), diaconia (serviço) e leitourgia (culto), construindo koinonia (comunhão). Ou seja, é uma missão integral, para corpo e alma, para cada um/a individualmente e para a comunidade. Uma teologia pública precisa evidenciar isto.

Quando o conceito foi cunhado, nos anos 1970, foi por duas razões, se bem vejo: viu-se que a religião tinha adentrado a política norte-americana de forma desvinculada da igreja e da teologia, como “religião civil” (Robert Bellah [4]) dos americanos. No regime militar, a chamada educação moral e cívica visou impor algo semelhante no Brasil, até chegou a formular uma oração pela pátria (conforme Thales de Azevedo [5], que denominou isto de “religião civil brasileira”). Foi preciso, portanto, resgatar uma teologia pública a partir da auto-compreensão da religião cristã e não por uma versão apropriada pelo estado, pela sociedade. A segunda razão foi a percepção de uma perda de relevância da teologia no debate público, que era preciso resgatar. David Tracy [6] falou, no início dos anos 1980, dos diversos públicos (igreja, sociedade, universidade) a quem se dirigem o teólogo e a teóloga. Hoje em dia, o conceito está sendo descoberto em vários países, inclusive na China, Índia, África do Sul e Austrália, como conceito aglomerador para a contribuição da igreja e da teologia no espaço público. Foi criada, em 2007, a Rede Global de Teologia Pública (www.ctinquiry.org/gnpt). Na África do Sul, cuja trajetória tem semelhanças com a do Brasil, e que hoje está se articulando também politicamente com o Brasil e a Índia, é preciso reformular a teologia no novo contexto, pós-Apartheid. Esta nova teologia não pode restringir-se à resistência contra formas de opressão, mas precisa achar uma cooperação crítico-construtiva com o sistema político e outros atores na sociedade. O mesmo desafio existe no Brasil e na América Latina.

IHU On-Line – De que forma o debate nas universidades acerca da Teologia Pública pode fazer com que sua atuação seja global?

Rudolf von Sinner – Presenciamos, hoje, uma articulação global tanto dos estados (como IBAS – Índia, Brasil, África do Sul) quanto das universidades e das agências de fomento (a Capes está trabalhando nesta linha, com os mesmos países) e da sociedade civil (como no Fórum Social Mundial). A Igreja é, por definição, católica (embora não necessariamente romana), ou seja, universal, e com isto facilita também a articulação internacional da teologia (como na Associação Ecumênica de Teólogas e Teólogos do Terceiro Mundo – ASETT, e no Fórum Mundial de Teologia e Libertação, já em sua terceira edição prevista para janeiro de 2009, em Belém/PA). Universidades européias não são mais apenas procuradas por universidades, faculdades ou seminários no hemisfério Sul, mas, por sua vez, estão à procura de parcerias internacionais, hoje imprescindíveis para grandes projetos de pesquisa. Universidades estadunidenses estão empregando cada vez mais professores e pesquisadores de outros países, inclusive do Brasil e da América Latina. A universidade é cada vez mais internacionalizada, e isto é saudável. A teologia também faz parte desta articulação, e assim aumenta sua visibilidade e contribuição pública em nível também supra-nacional. Uma teologia pública visa contribuir para a transformação do mundo, não apenas de um país, ainda que a concretização se dê, principalmente, no nível local e nacional.

Em março deste ano, participei de um seminário bilateral (Brasil e Alemanha) em São Paulo, onde apresentei o conceito de uma teologia pública e suas possíveis implicações. Fiquei surpreso com a boa recepção que o conceito teve entre os filósofos e cientistas sociais presentes. Um filósofo até vaticinou que nos próximos dez anos será um conceito amplamente usado no Brasil. Vamos ver se está certo. De qualquer forma, a crescente reflexão e produção científica acerca da Teologia Pública é um avanço. Espero que seja benéfica para a teologia, as igrejas, as universidades e, não por último, a sociedade.

Notas:

[1] Leonardo Boff é um teólogo brasileiro, expoente da Teologia da Libertação. Foi membro da Ordem dos Frades Menores. Seus questionamentos a respeito da hierarquia da Igreja, expressos no livro Igreja, carisma e poder (Rio de Janeiro: Record, 1982), renderam-lhe um processo junto à Congregação para a Doutrina da Fé, então sob a direção de Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI. Em 1985, foi condenado a um ano de “silêncio obsequioso”, perdendo sua cátedra e suas funções editoriais no interior da Igreja Católica. Em 1986, recuperou algumas funções, mas sempre sob severa vigilância. Em 1992, ante nova ameaça de punição, desligou-se da Ordem Franciscana e do sacerdócio. Participa da Igreja enquanto militante leigo. Continua seu trabalho de teólogo nos campos da Ética, Ecologia e da Espiritualidade. É professor adjunto de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Rio de Janeiro (UERJ).

[2] Jon Sobrino é um sacerdote e teólogo jesuíta que vive em San Salvador, importante expoente da Teologia da Libertação. Sua obra teológica é uma contribuição à Cristologia a partir da realidade da América Latina. Foi condenado a silêncio obsequioso pela Congregação para a Doutrina da Fé (o antigo Santo Ofício, cuja função é promover e tutelar a doutrina da fé e da moral em todo o mundo católico), por suas obras.

[3] Jürgen Moltmann foi o fundador principal da Teologia da Esperança cujo pensamento assemelha-se com as Teologias Feminista, Negra, Política, de Missão e Libertação. Em sua teologia ele aborda a escatologia, onde a esperança tem seu objetivo cumprido não na especulação, mas na práxis em meio a ação política e a revolução. É considerado um dos teólogos europeus mais inovadores a atualidade. Talvez seja a figura mais representativa da Teologia Protestante Contemporânea, depois do desaparecimento dos grandes líderes de escolas. É considerado também pai da Teologia da Cruz.

[4] Robert Bellah é um sociólogo e educador estadunidense, que considera seu país como uma sociedade do colapso. Suas formulações exploram novas possibilidades da cidadania e da cultura cívica.

[5] Thales de Azevedo é um médico e professor brasileiro. Trabalhou, exclusivamente, como médico por mais de 40 anos. Em 1943 torna-se também professor e pesquisador. Desenvolveu alguns longos ciclos de pesquisa, em que se destacam os temas medicina, história social, relações raciais, imigração/aculturação, catolicismo popular, relações Estado-Igreja, caráter nacional/ ideologia, cotidiano. Dedicou anos de trabalho ao Rio Grande do Sul e sobretudo à imigração/aculturação de italianos.

[6] David Tracy doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, e professor de Teologia Contemporânea e Filosofia da Religião na University of Chicago Divinity School.

Fonte: IHU – 28 maio 2008

Profissão Teólogo: Entrevista com Márcio Fabri

A diferença entre pastor e teólogo. Uma reflexão sobre a profissionalização do teólogo. Entrevista especial com Márcio Fabri dos Anjos

“A confusão entre os papéis do teólogo e do pastor me parece inadequada, em especial por estas funções exigirem habilitações bem diferenciadas.” Esta é a opinião do teólogo Márcio Fabri dos Anjos. Em entrevista concedida à IHU On-Line, por e-mail, o professor falou sobre a presença da Teologia na sociedade contemporânea, sobre a possibilidade de reconhecimento dos cursos de Teologia por parte do MEC e das propostas de profissionalização do teólogo e as características sociais da proposta. Para ele, “as perguntas éticas da humanidade devam ser sempre assumidas pela Teologia”.

Márcio Fabri dos Anjos é doutor em Teologia, licenciado em Filosofia. É docente e pesquisador do PPG em bioética do Centro Universitário São Camilo, em São Paulo; professor de Teologia do Instituto São Paulo de Estudos Superiores; e da Faculdade de Teologia N. Sra. Assunção. De 1991 a 1998, foi presidente da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Para o senhor, qual é o papel da Teologia na sociedade contemporânea?

Márcio Fabri dos Anjos – Vejo a Teologia com dois papéis fundamentais: dentro das comunidades de fé e na sociedade plural. Em ambas lhe cabe uma função de estudar e explicar os fundamentos e conteúdos da fé. Dentro das comunidades, este serviço é desenvolvido e utilizado com condições de exercício que variam entre os diferentes grupos confessionais, especialmente no que diz respeito à habilitação teórica e à liberdade de expressão. Na sociedade plural, a Teologia tem uma importante tarefa de expor as percepções e as razões da fé através das quais se cultivam sentidos e valores na condução da vida individual e comunitária, social e ambiental.

A Teologia ganha particular relevância quando se percebe a estreita relação entre fé e processos históricos, fé e transformações culturais. Isto ficou claro com a Teologia do Político na Europa e a Teologia da Libertação na América Latina; e não menos claro nas contribuições da Teologia em grandes temas da atualidade como os fundamentalismos, questões de ética social, de ecologia e bioética. A Teologia é capaz de apontar razões para além da simples razão instrumental dominante em nosso momento cultural, o que me parece fundamental.

IHU On-Line – Como as mudanças propostas pelo MEC e pelo Congresso Nacional afetam a Teologia praticada e ensinada hoje?

Márcio Fabri dos Anjos – Há dois assuntos diferentes nesta questão. A possibilidade de reconhecimento civil da Teologia, monitorado pelo MEC, foi a meu ver um importante avanço para colocar a Teologia como forma de conhecimento em sociedade. Além disso, ao monitorá-la pelo viés da cientificidade, provoca uma gradativa abertura do pensar teológico para além das fronteiras confessionais em que ela se dá. Assim, o reconhecimento civil da Teologia é um processo que ainda não acabou; supõe outros passos, alguns bem complexos, mas todos necessários.

Quanto ao que tramita no Congresso Nacional, refere-se a projetos sobre a profissionalização do “teólogo/a”. Envolve questões como as características sociais deste profissional, exigências sobre sua habilitação e seus direitos. Há que se perguntar também que interesses estão subjacentes a estes projetos. Em 1994, coordenei um estudo publicado dois anos depois com o título “Teologia: profissão” [1]. Mas na época o interesse básico era o reconhecimento civil que veio alguns anos depois.

IHU On-Line – Os proponentes dos projetos em tramitação no Congresso Nacional estariam fazendo prevalecer suas trajetórias de pastores com prejuízo para a exigência de formação acadêmica superior em Teologia?

Márcio Fabri dos Anjos – Os dois projetos têm diferenças, mas em ambos é preciso olhar a questão da profissionalização com uma metódica suspeita, como observou o professor Ricardo Willy Rieth [2]. Aparece ali uma convergência para um cadastramento dos profissionais da área, permitindo a suspeita de interesses econômicos subjacentes. Isto se soma a um alargamento do profissional “teólogo” para incluir também quem exerce funções de “pastor/a” e alargar assim o grupo de associados.

Mesmo que não se verifique tal suspeita, a confusão entre os papéis do teólogo e do pastor me parece inadequada, em especial por estas funções exigirem habilitações bem diferenciadas. Se as comunidades confessionais exigem ou não uma formação e atualização teológica de seus pastores/as, esta é uma questão interna à comunidade. Em sociedade, a habilitação do teólogo/a está sendo monitorada e reconhecida através de exigências acadêmicas, que devem ser melhoradas, mas que já estabelecem passos em vista do serviço da Teologia em sociedade.

IHU On-Line – Como o senhor analisa o ensino da Teologia no Brasil, hoje?

Márcio Fabri dos Anjos – Bem anterior ao MEC, o ensino da Teologia tem uma tradição robusta na Igreja Católica romana e Igrejas Evangélicas históricas, com exigências curriculares bem definidas. Instituições católicas romanas têm inclusive há quase um século, um sistema conveniado com o Vaticano para conferir títulos acadêmicos de graduação e pós-graduação, e por sinal, bastante exigente: a graduação supõe no mínimo um biênio de filosofia e um triênio de Teologia, portanto cinco anos de faculdade.

Outras tradições religiosas com exigências acadêmicas menores comprometem naturalmente a qualidade. As exigências do MEC para o reconhecimento civil da Teologia provocam a organização acadêmica da Teologia, o que beneficia as diferentes tradições de ensino e estimulam as que quase nada tinham. Mas, no ponto em que estamos, isto não leva a superar perceptíveis diferenças na qualidade atual do ensino teológico.

IHU On-Line – Quais são os novos paradigmas que o ensino e a prática da Teologia vislumbram hoje?

Márcio Fabri dos Anjos – A “grande transformação”, com que Polanyi [3] caracteriza a atual mudança de época, incide também sobre a Teologia em seu conjunto, particularmente nos pressupostos de sua fundamentação, nos sujeitos de sua interlocução e nas suas preocupações temáticas, e consequentemente no seu método de gerar conhecimento e em sua organização didática. Isto se dá num processo gradativo. As teologias pensam a partir de suas confessionalidades, se abrem para o pensar de outros contextos e identidades religiosas, interagem com outras formas de conhecimento, e assumem uma participação social na busca de soluções aos desafios que temos em comum na vida. É um grande programa que se vislumbra. Muitos sinais desta mudança já aparecem.

IHU On-Line – Pensar a Teologia como profissão pode vir a ser um desacato à experiência religiosa pressuposta no fazer teológico?

Márcio Fabri dos Anjos – A Teologia da Libertação ressaltou a estreita relação que existe entre teoria e prática. O modo de gerar conhecimento hoje também privilegia a aproximação com a experiência e a particularidade. A profissionalização da Teologia pode ser então um desacato à experiência religiosa, e também ao método teológico, na medida em que dela se distanciar, tornando-se como que uma burocracia teórica, ou uma teologia de gabinete. Por outro lado a profissionalização coloca uma pergunta interessante sobre a aplicabilidade da Teologia.

Os grupos religiosos em geral vinham destinando o estudo teológico para a formação de seus líderes religiosos, padres e pastores. O termo “leigo” chegou a entrar no vocabulário como sinônimo de “estar por fora”. Em países como a Alemanha, o estudo da Teologia tem, de longa data, outros endereços. No Brasil, esta destinação do estudo teológico está mudando, e traz perguntas sobre sua programação curricular. Acredito que o momento atual seja muito imaturo para a profissionalização da Teologia, mas julgo necessário trazer para os currículos as perguntas sobre a destinação do estudo teológico.

IHU On-Line – Que desafios éticos a Teologia precisa enfrentar hoje?

Márcio Fabri dos Anjos – Entendo que as perguntas éticas da humanidade devam ser sempre assumidas pela Teologia. Teólogos como Leonardo Boff [4] e Hans Küng [5] têm demonstrado tal preocupação e contribuem para envolver as teologias na busca de solução para os grandes desafios mundiais. Creio que hoje um desafio particular à Teologia seja contribuir para que nosso momento civilizatório se liberte da monolinguagem da razão eficiente e instrumental e possa se encontrar com a transcendência sem negar a razão, mas dando um passo para a realização plena do humano. Juan Luis Segundo [6] lembrava que para isto é necessário que a própria Teologia se liberte das peias condicionadoras do seu discurso a interesses institucionais e particulares.

IHU On-Line – A possibilidade de criação de um Conselho Nacional de Teólogos muda, de que forma, a relação entre a Igreja e o Estado?

Márcio Fabri dos Anjos – A relação entre Igrejas e Estado deve estar precedida pelo compromisso de ambos para com a sociedade, pelo dever de ambos em contribuírem para o bem social. Houve tempo de privilégios nesta relação, que hoje devem ser superados, mas não substituídos por relações distanciadas ou até hostis. As igrejas são, de algum modo, expressões da sociedade e a enriquecem com o conhecimento religioso.

Do Estado democrático se espera o reconhecimento destes valores e a gestão dos seus aspectos que incidem na vida social. Assim, deve-se perguntar se a criação de um Conselho Nacional de Teólogos corresponde, e de que forma, a uma demanda do bem comum, social. Além de desnecessário na atual conjuntura, acredito que um conselho com o perfil desenhado nos mencionados projetos esvazia e desqualifica o saber teológico, cuja boa qualidade me parece indispensável para a sociedade.

IHU On-Line – Há necessidade de o poder público estabelecer diretrizes curriculares que uniformizassem o ensino da Teologia no país? De que forma essas diretrizes devem ser estabelecidas se houver necessidade?

Márcio Fabri dos Anjos – O estabelecimento de diretrizes curriculares me parece oportuno em vista da boa qualidade da Teologia no Brasil. Isto não significa obviamente engessar os diferentes grupos e instituições que pensam a Teologia. Um passo indispensável para elaborar tais diretrizes está em consultar as instituições que têm desenvolvido com seriedade o ensino teológico até agora.

Notas:
[1] ANJOS, Márcio Fabri dos (org.). Teologia: profissão. São Paulo: Loyola 1996. (Nota do entrevistado)

[2] Ricardo Willy Rieth é teólogo e sociólogo. É doutor em Teologia, pela Universidade de Leipzig, na Alemanha, onde também obteve o título de pós-doutor. Atualmente, é professor da Universidade Luterana do Brasil – Ulbra e da Escola Superior de Teologia – EST. É autor do livro Martim Lutero: discípulo, testemunha, reformador (São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 2007).

[3] POLANYI, Karl. A grande transformação. As origens da nossa época. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. (Nota do entrevistado)

[4] Renomado teólogo brasileiro, Leonardo Boff foi um dos criadores da Teologia da Libertação e, em 1984, em razão de suas teses a ela ligadas e apresentadas no livro Igreja: carisma e poder – ensaios de eclesiologia militante (Petrópolis: Vozes, 1982) foi condenado pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano. Deixou, então, a Ordem dos Freis Franciscanos e desde 1993, é professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, espiritualidade, Filosofia, Antropologia e mística.

[5] Hans Küng é padre católico desde 1954. Foi consultor teológico do Concílio Vaticano II e destacou-se por ter questionado as doutrinas tradicionais e a infabilidade do Papa. O Vaticano proibiu-o de atuar como teólogo em 1979. Atualmente, mantém boas relações com a Igreja e é presidente da Fundação de Ética Global, em Tübingen, na Alemanha. Dedica-se ao estudo das grandes religiões, sendo autor de obras, como Por que ainda ser cristão hoje (Campinas: Verus Editora, 2004), Projecto para uma ética mundial (Lisboa: Instituto Piaget, 1997), Uma ética global para política e economia mundiais (Petrópolis: Vozes, 1999) e, recentemente, Freud e a questão da Religião (Campinas: Verus Editora, 2006).

[6] Juan Luis Segundo foi um dos grandes representantes da Teologia da Libertação. É considerado o maior teólogo Latino Americano. Era dedicado à pesquisa e à participação em grupos de reflexão com leigos. Segundo considerava os tratados da Teologia nas Universidades as coisas mais destruidoras de pensamento que existem. Para ele, a Teologia, sistematizada e dividida pelos tratados, precisaria ser algo vivo, para a vida.

Fonte: IHU – 07/05/2008

SOTER 2008

 

O Congresso 2008 da SOTER será realizado em Belo Horizonte, MG, de 7 a 10 de julho de 2008. Este é o 21º Congresso Nacional da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião, fundada em julho de 1985.

Tema: Sustentabilidade da Vida e Espiritualidade

Objetivo: Nosso objetivo é reunir pesquisadores que forneçam dados e categorias de análise para, num debate interdisciplinar, do ponto de vista teológico e das ciências sociais da religião, repropor de forma ampla a questão da sustentabilidade integral da vida no planeta e suas implicações nas culturas e religiões de nossos povos. O tema é grave e urgente e pretendemos abordá-lo de maneira ecológica e plural, acolhendo contribuições do âmbito das religiões, da política, das ciências da vida e da saúde, numa discussão atenta à complexidade que o assunto comporta. Tudo isso nos permite prever um Congresso extremamente rico e proveitoso. Um livro com as contribuições dos conferencistas está sendo preparado, e deverá ser publicado com antecedência pelas Paulinas, a fim de ajudar nas reflexões que pretendemos desenvolver ao longo do evento.

Programação

Segunda-feira, 7 de julho
15h00: Reunião da Diretoria
16h00. Reunião da Diretoria e os Conselheiros Regionais

Noite – Abertura do Congregsso
20h00: Palavras de Dom Walmor
Palestra de abertura: A geopolítica do desenvolvimento sustentável – Panorama Mundial
Profª. Drª Maria Adélia Aparecida de Souza (USP e PUC-Campinas)

Confraternização

Terça-feira, 8 de julho
8h30: Brasil sustentável: desafios das políticas governamentais
Ministra do Meio Ambiente Marina Silva
10h30: Paradigma ecológico: gestão e educação ambientais
Prof. Dr. Afonso Murad (FAJE)

14h00: GTs/Comunicações:
1. Ecofeminismo e sustentabilidade (Coord.: Profª. Drª. Anete Roese, FAJE e PUC-Minas)
2. Ecologia, trabalho e economia sócio–solidária (Coord.: Prof. Dr. Pedro de Oliveira, UFJF e PUC-Minas)
3. Bíblia e Ecologia
4. Filosofia da Religião (Coord.: Prof. Dr. Flávio Senra, PUC-Minas)

16h30: Reuniões das Regionais

19h30: Painel “Povos Indígenas e Afro-americanos alternativas de sustentabilidade”
1. Indígenas – CIMI
2. Afros – Centro Atabaque

21h00: Lançamento de livros – Coquetel

Quarta-feira, 9 de julho
8h30: Sustentabilidade nas cosmovisões religiosas: uma visão panorâmica
Prof. Dr. Marcial Maçaneiro (Fac. Dehoniana)

10h30: Mesas de Trabalho
14h00: Mesas de Trabalho

16h30: GTs/Comunicações
1. Sustentabilidade da vida na cidade (Coord.: Prof. Dr. José Comblin)
2. Pastoral da ecologia (Coord.: Prof. Dr. Manuel Godoy, PUC-Minas)
3. Religiões e defesa da vida
4. Ensino Religioso (Coord.: Prof. Dr. Afonso Soares, PUC-SP)

18h00: Assembléia da SOTER

19h30: Espiritualidade e Confraternização

Quinta-feira, 10 de julho
8h30: Novos céus e nova terra, vida no campo a na cidade
Prof. Dr. Carlos Mesters
10h30: Por uma Teologia da Sustentabilidade
Prof. Dr. Luiz Carlos Susin (PUC-RS)
14h00: Espiritualidade e Sustentabilidade
Prof. Dr. Leonardo Boff (UERJ)

16h00: Encerramento

A Direção da SOTER para o triênio julho de 2007-julho de 2010 é a seguinte:
Presidente: Afonso Maria Ligório Soares (SP)
Vice-Presidente: Benedito Ferraro (SP)
Primeiro-Secretário: Ivanete Dal Farra (SP)
Segundo-Secretário: Luiz Carlos da Silva (SP)
Tesoureiro: João Décio Passos (SP)

Com que olhar a Teologia olha o mundo?

Três artigos que acabei de ler na revista Estudos Teológicos, da EST, e que valem a pena. Todos tratam da relação da Teologia com a Academia, ou, se preferirmos, do desafio que é fazer Teologia a partir das múltiplas definições que dão do mundo a ciência e a fé. Como diz o Editorial, são artigos que “enfocam o estatuto teórico da teologia no âmbito das demais ciências”.

Os três autores são professores e pesquisadores da Faculdades EST, de São Leopoldo, RS. Os artigos foram publicados no ano passado, 2007, e estão no vol. 47, n. 2 da revista, com texto completo disponível online em formato pdf.

Enio R. Mueller, A teologia e seu estatuto teórico: contribuições para uma discussão atual na universidade brasileira. Estudos Teológicos 2007, vol. 47, n. 2, p. 88-103.

Do artigo:
“Neste momento histórico, a Teologia, depois de ser convidada oficialmente para o grande concerto da academia no Brasil, busca definir seu estatuto teórico. Ou seja, o que exatamente faz com que ela se sinta no direito a ter um lugar como protagonista deste concerto. A impressão geral, no mundo acadêmico, é que a Teologia ainda não mostrou por que ocupa, agora, uma cadeira nesta orquestra. Penso que a própria Teologia é, em parte, responsável por esta situação. A não-necessidade de pensar seu estatuto teórico já é evidência de uma compreensão do mesmo que por tanto tempo, ao lado de outros fatores históricos, tem mantido a Teologia fora da universidade brasileira. Em discussão está o que as ciências vêem. O que cada uma vê ‘que só ela vê’, que é o que justifica a inclusão de uma nova ciência no concerto geral. Em nosso caso, concretamente, o que a Teologia vê ‘que só ela vê'”.

Júlio Paulo Tavares Zabatiero, Do Estatuto Acadêmico da Teologia: pistas para a solução de um problema complexo. Estudos Teológicos 2007, vol. 47, n. 2, p. 67-87.

Como exemplo, um trecho:
“Sua localização no limiar entre experiência de fé e experiência científica implica que a teologia será, também, e inevitavelmente, uma teoria crítica da fé vivida. Teólogas e teólogos não podem aceitar e compactuar com formas de vida cristã que reduzam a fé aos interesses institucionais que regulamentam a vida de seus fiéis, ou aos interesses individualistas de crentes que confundem salvação com a satisfação de seus próprios desejos”.

Rudolf von Sinner, Teologia como Ciência. Estudos Teológicos 2007, vol. 47, n. 2, p. 57-66.

Do artigo, um exemplo:
“Portanto, a teologia é a reflexão metodologicamente responsável sobre o falar de Deus, esta linguagem primária que proclama a boa nova de Deus e se dirige a Ele em louvor e oração. Não é restrita a teólogas e teólogos academicamente formados, mas é de forma especial tarefa destas e destes apresentarem e discutirem argumentos teológicos sobre determinado assunto da fé. É neste sentido que a teologia é ciência: está sempre à procura da verdade, ainda que não a possua nem a possa encontrar de forma absoluta. Apresenta o que dela percebe com argumentos que podem ser criticados e discutidos. A dúvida é um importante motor desta procura, desde que não destrua a fé num ceticismo sem fim. Preserva, contudo, a teologia de cair num dogmatismo auto-reprodutivo. São estes mesmos dois perigos que qualquer ciência enfrenta: cair no ceticismo ou no dogmatismo, ou seja, na negação de uma diferença sustentável entre opinião e conhecimento ou na restrição do conhecimento científico a um tipo muito específico de conhecimento”.

Por que você quer estudar Teologia?

Um caminho de acesso a Deus. Entrevista especial com Vitor Galdino Feller

“O risco possível de desacato à experiência religiosa é fazer da profissão de teólogo apenas um meio de subsistência, sem relações e compromissos com a fé da comunidade a que se serve, um pedestal que o afasta da vida concreta de seus irmãos de fé.” Essa é a constatação do teólogo Vitor Galdino Feller sobre a profissionalização e reconhecimento dos teólogos pelo Estado brasileiro. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Feller falou sobre a presença e o papel da teologia e a religião na sociedade contemporânea e sobre o projeto que tramita no Congresso Nacional e como ele influencia a teologia atual. Doutor em Teologia, pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, Vitor Galdino Feller é, atualmente, diretor e professor no Instituto Teológico de Santa Catarina, em Florianópolis.

Confira a entrevista completa em Notícias do Dia – IHU On-Line: 26/04/2008

Destaco quatro trechos:

IHU On-Line – Como essas mudanças propostas pelo MEC e pelo Congresso Nacional afetam a teologia praticada e ensinada hoje?
Vitor Galdino Feller – A possibilidade dada pelo MEC para o reconhecimento de cursos de Teologia provoca os estudiosos da área a buscarem um perfil sempre mais acadêmico e científico para a teologia. Mesmo que toda teologia seja confessional, porque é ciência da fé, dentro uma determinada igreja ou religião, ela tem também uma dimensão racional. Ela deve explicitar a racionalidade e a razoabilidade da fé, com vistas a evitar expressões fundamentalistas, fanáticas, proselitistas, que são contrárias à liberdade religiosa e, portanto, desumanas. Já os projetos de profissionalização do teólogo em tramitação no Congresso Nacional não batem com a realidade atual, nem com a tradição da ciência teológica. Se aprovados assim como estão, levarão ao descrédito a condição e a pretendida profissão do teólogo [sublinhado meu]. Não se pode pretender que sejam teólogos as pessoas que realizam liturgias, celebrações, cultos e ritos, que dirigem e administram comunidades, que formam pessoas segundo preceitos religiosos das diferentes tradições, que orientam e aconselham pessoas, que realizam ação social na comunidade, que praticam vida contemplativa e meditativa e que preservam a tradição de sua religião. Na Igreja Católica, por exemplo, há uma infinidade de catequistas, ministros, missionários, sacristães, secretários paroquiais, conselheiros, coordenadores de pastorais as mais diversas etc., que nem sequer estudaram teologia. A profissão dessas pessoas poderia ser outra: agentes religiosos. Não se pode considerá-los como teólogos. Além disso, não tiram seu sustento desse serviço, que exercem na forma de voluntariado e gratuitamente. É exigência da Igreja Católica que todos os candidatos ao sacerdócio estudem teologia. Nem por isso os padres são considerados teólogos. Não há que se esquecer, ainda, que, se todas as pessoas que exercem essas atividades se tornarem profissionalmente teólogos, poderão passar a exigir direitos salariais como profissionais. Além de perder-se a dimensão da gratuidade do serviço religioso, todas as igrejas deveriam tornar-se empresas, com uma série infinda de funcionários, o que tornaria inviável o exercício da fé e da evangelização e, portanto, a existência das igrejas e religiões. Teólogos devem ser os que vivem e se sustentam do trabalho no ensino e no estudo, na pesquisa e na produção teológica. Para isso, devem ter feito, pelo menos, o curso de graduação em Teologia. A exigência de um curso de pós-graduação seria ainda mais conveniente [sublinhado meu]. Em comparação com os que concluem o curso de direito e devem fazer o exame da OAB para serem considerados e poderem exercer a profissão de advogados, também o concluinte de uma graduação em Teologia, para exercer a profissão de teólogo, deve qualificar-se academicamente para isso. A própria palavra “teólogo” traz em si, etimologicamente, a exigência do estudo, da ciência, do pensamento [sublinhado meu].

IHU On-Line – Os proponentes desse projeto que está tramitando no Congresso Nacional têm trajetórias profissionais como pastores de denominações religiosas que historicamente veem a teologia com suspeita, como ressaltou o professor Ricardo Willy Rieth. Esses proponentes têm ainda rejeitado a formação acadêmica superior em Teologia. Como o senhor analisa esse fato?
Vitor Galdino Feller – Esses projetos desrespeitam a história da teologia e, portanto, de muitíssimos cientistas que se deram ao trabalho de estudar, ensinar, pesquisar e publicar produções científicas sobre a fé e os fenômenos religiosos. Esses projetos deixam a impressão de que tudo está começando agora. Além disso, esquecem que toda religião tem uma dimensão racional, que precisa ser explicitada, sob pena de ficar no emocionalismo, no devocionismo, ou de levar ao fanatismo, ao exclusivismo. Desvios perigosos para a fé, a religião e a sociedade. Fé sem razão é tão perigosa para o ser humano e a comunidade humana quanto a exacerbação da razão, na forma de racionalismo fechado ao mistério [sublinhado meu].

IHU On-Line – Como o senhor analisa o ensino da Teologia no Brasil, hoje?
Vitor Galdino Feller – Há um aumento considerável de cursos de Teologia no Brasil. Quanto mais cursos de Teologia houver, quanto mais pessoas, sobretudo lideranças leigas, fizerem teologia, mais a teologia deixará de ser eurocêntrica, clerical, androcêntrica. Ao mesmo tempo, mais as nossas igrejas e religiões poderão contribuir – para além de sua própria renovação e refundação – para a construção da ética, da solidariedade, da cidadania, do senso e da prática da justiça. Isso é comprovado pelo histórico da teologia da libertação e, agora, dos estudos sobre o pluralismo religioso tão marcante no país.

IHU On-Line – Pensar a teologia como profissão pode vir a ser um desacato à experiência religiosa pressuposta no fazer teológico?
Vitor Galdino Feller – Não creio. Afinal, na prática, a profissão de teólogo já existe. Não é oficializada pelo estado brasileiro, como o é em alguns países da Europa. Mas existe na realidade da Igreja Católica e das igrejas protestantes históricas. Nessas igrejas, a teologia já é uma profissão. Nos dois sentidos da palavra: ocupação, ofício, emprego, que requer conhecimentos especiais; e declaração ou confissão pública da fé, na medida em que se ensina e se publicam textos sobre ela. O risco possível de desacato à experiência religiosa é fazer da profissão de teólogo apenas um meio de subsistência, sem relações e compromissos com a fé da comunidade a que se serve, um pedestal que o afasta da vida concreta de seus irmãos de fé [sublinhado meu].

Leia Mais:
Para onde vai a Teologia no Brasil?
A Teologia e seu papel na sociedade brasileira
Teologia e academia no Brasil

Teologia e academia no Brasil

Entre a cidadania teológica e a esquizofrenia acadêmica. Entrevista especial com Ricardo Willy Rieth

Com a possibilidade aberta pelo MEC para autorização e reconhecimento de cursos de bacharelado, a partir de 1999, a Teologia alcançou uma espécie de “cidadania” acadêmica”, afirmou Ricardo Willy Rieth em entrevista à IHU On-Line realizada por e-mail. Rieth analisa o percurso da teologia no Brasil, dos projetos encaminhados ao Senado e à Câmara Federal e fala sobre o ensino da teologia no país. Trabalhando com docentes e pesquisadores de diversas áreas, Rieth se diz impressionado com a ignorância teológica presente nas academias. “Mesmo aqueles que professam alguma crença, sofrem de uma “esquizofrenia acadêmica”, ou seja, são incapazes de estabelecer relações entre o saber de sua área específica e o saber religioso”, disse. Ricardo Willy Rieth é teólogo e sociólogo. É doutor em teologia pela Universidade de Leipzig, na Alemanha, onde também obteve o título de pós-doutor. Atualmente, é professor da Universidade Luterana do Brasil – Ulbra e da Escola Superior de Teologia – EST.

Da entrevista, destaco três trechos. Leia a entrevista completa em Notícias do Dia – IHU On-Line: 24/04/2008

IHU On-Line – Como o senhor analisa o ensino da Teologia no Brasil, hoje?
Ricardo Willy Rieth – É notável a expansão de cursos de Teologia em todas as regiões do Brasil. Muitos, inclusive, buscando autorização oficial. As denominações que historicamente mantinham compromisso com uma formação teológica consistente, como a Igreja Católica Apostólica Romana e as igrejas protestantes históricas, seguem nesta linha. Denominações que, no passado, negligenciavam uma formação teológica em nível superior, como algumas igrejas pentecostais, grupos de espiritismo kardecista e cultos afro-brasileiros, estão gradativamente mudando sua postura. Por outro lado, se tal expansão traz consigo um aprofundamento da qualidade do ensino e da formação é algo difícil de avaliar. Tenho percebido que estudantes de Teologia têm agido da mesma forma que universitários em geral nos últimos tempos, ou seja, optando pelo pragmatismo da formação rápida e voltada ao pronto ingresso no mercado de trabalho, em detrimento de uma formação mais pautada pela reflexão crítica acerca dos conteúdos e práticas associados à Teologia. Infelizmente, as instituições de ensino superior têm atendido, ou têm sido levadas a atender a essa demanda de seus “clientes” [sublinhado meu].

IHU On-Line – A possibilidade de criação de um Conselho Nacional de Teólogos muda, de que forma, a relação entre a Igreja e o Estado?
Ricardo Willy Rieth – Penso que não mudaria. As denominações religiosas, cristãs ou não, seguirão determinando os critérios de seleção e designação dos membros do seu clero, independente das normas propostas por um suposto conselho nacional. Eventualmente, as condições do exercício da profissão de teólogo (a) na esfera pública – capelanias militares, por exemplo – poderiam ser afetadas.

IHU On-Line – Alguém que exerça a atividade de teólogo mesmo sem ser diplomado pode ser reconhecido pelo Estado, caso esse conselho seja aprovado. Qual sua opinião sobre isso?
Ricardo Willy Rieth – Para muitos, dentre os quais me incluo, a não-exigência de diploma oficialmente reconhecido colocaria este conselho de antemão em descrédito. Aliás, os teólogos precisam esforçar-se para que seu título, “teólogo”, cujo significado, de fato, é desconhecido para amplos setores da população brasileira, seja digno de crédito e visto de forma positiva. Isso porque muitos, infelizmente, têm associado títulos mais conhecidos, como “pastor”, por exemplo, a vigarista e “picareta”, e “padre”, a pedófilo, muitas vezes com conteúdos tendenciosos apresentados pelos meios de comunicação.

A Teologia e seu papel na sociedade brasileira

Recebi ontem, 14 de abril de 2008, alarmante e-mail do Presidente da SOTER, Dr. Afonso Maria Ligorio Soares.

O fato é que muita gente, teólogos inclusive, não está ciente do que vem ocorrendo nos bastidores do Congresso Nacional quando o assunto é Teologia. Ao noticiar em 18 de março passado, no post Para onde vai a Teologia no Brasil? o absurdo que se articula, vi que muita gente se surpreendeu… Observo que os sublinhados no e-mail são meus.

O e-mail:

  • Reunião: A Teologia e seu papel na sociedade – mudanças em curso no MEC e no Congresso Nacional
  • Convocação: Diretoria nacional da SOTER e seu Conselho Regional em São Paulo
  • Quem: Diretores, Coordenadores e Docentes de Faculdades e Institutos de Teologia do Estado de São Paulo
  • Quando: dia 14 de maio de 2008
  • Local: sede da Editora Paulinas – Rua Pedro de Toledo 164, 1º andar, ao lado do Metrô Santa Cruz, em São Paulo-SP.
  • Horário: das 9h às 13h.

São Paulo, 8 de abril de 2008

Prezado colega Diretor/Coordenador/Conselheiro/,

Em nome da Diretoria nacional da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER) e de seu Conselho Regional em São Paulo, gostaríamos de convidá-lo para uma reunião com os diretores de Faculdades e Institutos de Teologia do Estado de São Paulo no próximo dia 14 de maio, quarta-feira. A diretoria da Editora Paulinas gentilmente aceitou sediar esse evento em suas dependências, na Rua Pedro de Toledo 164, 1º andar, ao lado do Metrô Santa Cruz, em São Paulo-SP.

Pensamos em um primeiro encontro de uma manhã, das 9h às 13h. O que nos motiva a tal iniciativa é, em primeiro lugar, retomar a mobilização dos Institutos de Teologia paulistas, de forma a criar um espírito de partilha e mútuo crescimento entre nossas instituições de ensino. Em segundo lugar, move-nos a urgência de alguns acontecimentos que exigem de nós um maior esclarecimento e uma tomada de posição sobre os rumos a serem seguidos.

Ocorre que o papel da teologia na sociedade e seu lugar na academia e no serviço às comunidades estão prestes a sofrer sérios revezes [sublinhado meu], a menos que possamos estar atentos e unidos nesse momento. No âmbito acadêmico (MEC, Capes, CNPq), sentimos sinais de retrocesso e de desqualificação da Teologia como saber acadêmico [sublinhado meu]; no âmbito político, como tem saído na imprensa, há dois projetos tramitando no Congresso Nacional (um no Senado e outro na Câmara) sobre a regularização da profissão de teólogo e a criação de certo “Conselho Federal de Teólogos”; além destes, também foi entregue ao Sen. Pedro Simon um projeto que altera a lei sobre a figura dos “mediadores de conflito” (que hoje são: os psicólogos, os psiquiatras e os assistentes sociais) para aí incluir o profissional diplomado em curso válido de teologia.

Tais projetos, se aprovados, alterarão sensivelmente o reconhecimento civil dos cursos de teologia e dos profissionais neles formados. Na pior das hipóteses, Instituições tradicionais como a Igreja Católica e as Protestantes históricas correm o risco de nem mesmo poder deliberar sobre o que é teologia e quem é o teólogo em suas agremiações [sublinhado meu].

É por isso que entendemos ser muito importante que sua Instituição se faça representar nessa reunião – o diretor, os membros do Conselho e/ou coordenadores dos cursos de Teologia, ou alguém por eles indicado. Sua participação irá contribuir para uma maior aproximação entre nossas instituições e facilitar uma colaboração mais efetiva em vista do fortalecimento da presença pública da Teologia na sociedade, na academia e nas igrejas.
Contando com sua compreensão e participação, despedimo-nos na certeza de podermos encontrá-lo nesta próxima ocasião.

Dr. Afonso Maria Ligorio Soares – Presidente da SOTER
E-mail: soter@soter.org.br

Simposio de Teologia na PUC-Rio em abril

Desafios e horizontes para a Teologia no diálogo com a sociedade contemporânea: Fé-Ciência-Transdisciplinariedade. Este é o tema do I Simpósio Internacional de Teologia, promovido pelo Departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O evento, que ocorrerá de 1 a 3 de abril de 2008, quer propiciar a exposição dos avanços do diálogo da Teologia com/através e além da Cultura e das Ciências, para estabelecer condições de novos patamares de linguagem, temática, abordagem e epistemologia do conhecimento. Isso possibilitará criar aproximações da crise da cultura ocidental, rediscutir novos elementos da razão , buscar consensos científicos que ajudem a superar a polaridade e propor reelaborações da razão religiosa na atualidade.

Entre os conferencistas estão Andrés Torres Queiruga, professor da Universidade de Santiago de Compostela, Espanha; Elisabeth Schüssler Fiorenza, professora da Universidade de Harvard, EUA; Manfredo de Oliveira, professor da Universidade Federal do Ceará e Luiz Carlos Susin, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Os painéis abordarão os seguintes temas: Teologia e Física, Teologia e Ciências Humanas, Teologia e Ciências da Religião, Teologia e Cultura, Teologia, Resiliência e Pastoral, Bíblia e Ecologia.