Para onde vai a Teologia no Brasil?

A coisa é preocupante. Leia. Será que basta dizer “ai Jesus!” para ser teólogo?

Projetos reconhecem líder religioso como ‘teólogo’, mesmo sem curso

 

Dois projetos de lei em tramitação no Congresso estão causando polêmica pela liberalidade com que conferem o título de teólogo a líderes religiosos. Para ser teólogo, bastaria ‘praticar vida contemplativa’ ou ‘realizar ação social na comunidade’, por exemplo. A reportagem é de José Maria Mayrink e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 18-03-2008.


O primeiro, do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e candidato à prefeitura do Rio, reconhece o não-diplomado que há mais de cinco anos exerça efetivamente a ‘atividade de teólogo’. O segundo, do ex-deputado Victorio Galli (PMDB-MT), pastor da Assembléia de Deus, abre mais o leque: ‘Teólogo é o profissional que realiza liturgias, celebrações, cultos e ritos; dirige e administra comunidades; forma pessoas segundo preceitos religiosos das diferentes tradições; orienta pessoas; realiza ação social na comunidade; pesquisa a doutrina religiosa; transmite ensinamentos religiosos, pratica vida contemplativa e meditativa e preserva a tradição. ‘ A classificação está prevista no artigo 2º do projeto de lei 2.407/07, da Câmara.
Esse perfil abrange todos os padres, pastores, ministros, obreiros e sacerdotes de todas as religiões. O número passaria de 1 milhão, pela estimativa do Conselho Federal de Teólogos (CFT), com base em dados do IBGE. Hoje teólogos devem ser formados em cursos de graduação.
O presidente da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter), Afonso Ligorio Soares, o professor Paulo Fernandes de Andrade, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), levaram suas objeções a Crivella no dia 20 de dezembro, mas não conseguiram que ele desistisse do projeto. Segundo a assessoria do senador, ele concordaria em submeter a questão a um debate mais amplo, convocando uma audiência pública. ‘Os projetos são inconstitucionais, porque interferem na liberdade religiosa e na liberdade de a Igreja se definir internamente, pois é ela que decide quem pode ser sacerdote ou pastor’, afirma Soares.
Para o padre Márcio Fabri, professor da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da Arquidiocese de São Paulo e ex-presidente da Soter, o teólogo exerce um serviço confessional que é interno às comunidades, às quais cabe regulá-lo.
O projeto de lei do Senado (PLS 114/2005) recebeu parecer favorável do senador Magno Malta (PR-ES), pastor da Igreja Batista. Enviado para a Comissão de Assuntos Sociais do Senado, está pronto há um ano para entrar na pauta de votação.
‘Acima de qualquer outra profissão, a profissão de fé exige muito mais de vocação e devoção do que de formação acadêmica’, afirmou Crivella, por e-mail. ‘Contudo, creio que seja útil, embora não indispensável, uma formação em Teologia.’ Questionado sobre sua formação, o senador Crivella respondeu que ela ocorreu ‘na prática’. ‘Professo o evangelismo desde os meus 14 anos de idade e, a par do ministério que exerci no Brasil, também atuei como missionário por quase dez anos na África. Assim, a minha formação decorre de uma longa experiência de convívio com Deus e a Sua Palavra.’
Cartórios

Segundo o presidente do CFT, pastor Walter da Silva Filho, da Assembléia de Deus, foi o Conselho que sugeriu ao senador a regulamentação da profissão de teólogo. O texto de Crivella prevê a criação, pelo Poder Executivo, de um Conselho Nacional de Teólogos que, na avaliação de Silva Filho, poderia ser o órgão que ele preside.
‘Há nos bastidores uma tentativa de forçar, após a aprovação do projeto, a aceitação pelo governo do CFT como órgão competente para registro da profissão de teólogo’, adverte o pastor Jorge Leibe Pereira, da Assembléia de Deus. Presidente da Ordem Federal de Teólogos Interdenominacionais do Brasil (Otib), que, assim como o CFT, cobra taxas pela expedição de registro de diplomas e certificados, Leibe afirma que dirigentes do CFT querem o monopólio da Teologia no Brasil, ‘o que é inaceitável’. Para Crivella, caso seu projeto seja aprovado, ‘o natural será nos encaminharmos para representação única’.
Banalização
Alertado para o risco de banalização do teólogo, já que pessoas não qualificadas poderiam comprovar, com testemunhas, terem exercido a atividade há mais de cinco anos, Crivella afirma que, pelo seu projeto, só seriam beneficiados os ‘estudiosos da realidade da fé’, e não todos os ministros de culto.
Teólogo, segundo Soares, que além de presidente da Soter é professor de pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ‘é um estudioso e cientista que faz uma reflexão crítica sobre sua própria religião’.
O pastor presbiteriano Fernando Bortoletto Filho, diretor-executivo da Associação de Seminários Teológicos Evangélicos, que tem 40 filiados de diferentes denominações, disse ter ficado perplexo com a generalização do conceito de teólogo. ‘As escolas formam bacharéis em Teologia que não são considerados teólogos. Merece esse título quem tem produção científica própria, a ponto de se tornar referência por seu pensamento’, define Bortoletto, citando como exemplo o católico Leonardo Boff. ‘Há professores de Teologia que não são teólogos’, acrescentou. O diretor do Seminário Presbiteriano de São Paulo, reverendo Gerson Lacerda, concorda. ‘Fiz curso de Teologia, mas não sou teólogo’, diz. Lacerda preocupa-se também com a criação de conselhos ou ordens de teólogos. ‘Não me filiei a nenhum deles nem vejo necessidade.’
Trechos
Projeto de lei 2.407/07
:
‘Teólogo é o profissional que realiza liturgias, celebrações, cultos e ritos; dirige e administra comunidades; forma pessoas segundo preceitos religiosos das diferentes tradições; orienta pessoas; realiza ação social na comunidade; pesquisa a doutrina religiosa; transmite ensinamentos religiosos, pratica vida contemplativa e meditativa e preserva a tradição’
Projeto de lei 114/05:
Cria o Conselho Nacional de Teólogos, representação única dos teólogos do Brasil.



Fonte: Notícias do Dia – IHU On-Line: 18/03/2008

Cursos de Teologia e Ciências da Religião

Faculdades de teologia reconhecidas pelo MEC têm vagas ociosas

Estudo feito pelo professor e teólogo luterano Evaldo Luís Pauly, do Centro Universitário La Salle, em Canoas (RS), mostra que 34 cursos de Teologia e de Estudos de Religião, com reconhecimento do Ministério da Educação, formaram menos de 300 teólogos em 2002. É um resultado modesto, levando-se em conta que 2.133 alunos se candidataram para disputar 2.013 vagas. Deles, 1.292 foram aprovados e 296 receberam o diploma de bacharel. ‘Há, portanto, forte ociosidade nesses cursos, pois cerca de 40% das vagas não são preenchidas’, observa Pauly, autor de estudo sobre o ensino da Teologia no Brasil. A notícia é de José Maria Mayrink e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 18-03-2008. São dados parciais, porque o pesquisador trabalhou com informações defasadas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), aos quais poderia acrescentar outros cursos, ainda não reconhecidos, a maioria oferecida por seminários e faculdades pertencentes a igrejas e instituições religiosas de várias denominações. Como cursos livres de Teologia, muitos deles de ensino a distância, oferecem graduação, mestrado e doutorado, embora seus diplomas e certificados não sejam reconhecidos pelo MEC. ‘Esses cursos já devem chegar a milhares’, diz Pauly. Em algumas das faculdades de ensino a distância, os alunos têm a liberdade de construir a sua própria grade de matérias para conseguir o diploma ou certificado em até 90 dias. São cursos destinados à formação de pastores evangélicos ou de ministros de outras denominações. Há ainda instituições que oferecem cursos de ensino médio, o que não daria direito ao diploma de bacharel nem ao título de teólogo, no caso de ser aprovado o projeto de lei do senador Marcelo Crivella. Entre as habilitações, várias faculdades evangélicas têm cursos para ensinar o pastor como fundar e administrar sua própria igreja.

Fonte: IHU – 18/3/2008

Leia Mais:
Evaldo Luis Pauly: O novo rosto do ensino de teologia no Brasil: Números, normas legais e espiritualidade

Cadastro de Professores Mestres e Doutores

Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé faz cadastro de especialistas

A CNBB, através da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé e da Organização dos Seminários e Institutos Filosófico-Teológicos do Brasil (OSIB), está construindo um banco de dados de pessoas ligadas à Igreja com pós-graduação em diversas áreas do conhecimento. “Isso possibilitará conhecer, dar visibilidade e aproveitar melhor os estudos de cada um, a serviço da Igreja”, explica o assessor da Comissão, padre Wilson Angotti. “É importante que esta iniciativa seja divulgada ao máximo, sobretudo, entre os clérigos que possuam especialização, mestrado ou doutorado e também entre religiosos e leigos, nestas mesmas condições, que atuem nas instituições de ensino ligadas à Igreja”, considera o assessor.

O cadastro será feito somente através do site da CNBB. Ao acessar a página inicial, o interessado clica sobre “Cadastro de pós-graduação”. Registra um login (que pode ser o próprio nome ou iniciais que o identifiquem) e cria uma senha de fácil memorização. Em seguida, preenche os campos da ficha: dados pessoais, cursos e publicações. “Conservando a senha utilizada será possível, posteriormente, corrigir, completar e atualizar os dados ali registrados”, explica padre Wilson.

“Ao tomar conhecimento desta iniciativa, aquele que tiver pós-graduação realize o próprio cadastro e divulgue a informação para que outros também possam fazê-lo”. Padre Wilson acredita que com esse bando de dados “será fácil localizar um professor, um perito ou um assessor, segundo a necessidade de quem procura”. Os dados do registro estarão disponíveis para consultas gratuitas.

Fonte: CNBB – 11 de março de 2008

Jung Mo Sung fala sobre Hugo Assmann

Hugo Assmann: teologia com paixão e coragem

Jung Mo Sung

Faleceu no dia 22/02/08 Hugo Assmann, um dos principais teólogos da libertação. Na verdade, ele foi mais do que teólogo, foi um pensador que se guiou pelo seu compromisso pessoal –existencial e espiritual– com pessoas oprimidas e excluídas das condições dignas de vida e se utilizou e dialogou com as mais diversas áreas de saber para desenvolver idéias sempre profundas, críticas e provocantes.

A sua produção teológica é de difícil classificação se seguirmos as divisões clássicas da teologia. Os seus principais textos teológicos não têm como principal objeto de análise as questões dogmáticas sobre Deus ou Igreja. Não porque ele pensasse que esses temas fossem menos importantes, mas porque ele acreditava que as principais questões teológicas no mundo contemporâneo se encontram fora do campo especificamente religioso ou teológico. Ele fez das práticas de libertação o seu objeto principal de reflexão –como ele e tantos outros teólogos da libertação se propuseram no início da Teologia da Libertação – e assumiu como os seus temas de reflexão os desafios que surgiam dessas práticas.

Ele foi um dos primeiros e principais teólogos da libertação que percebeu que os capitalistas e os seus ideólogos tinham uma grande capacidade de manipular a dimensão simbólica do ser humano e os mitos mais profundos da sociedade. Utilizando-se dos seus estudos do marxismo crítico em Frankfurt, em especial com Adorno, e dos diálogos com colegas teólogos/as e militantes cristãos, já no início da década de 1970 ele começou a centrar suas reflexões teológicas na crítica da dimensão religioso-teológica do capitalismo.

Após vários exílios, em San José, Costa Rica, ele fundou o Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI), onde, juntamente com o seu amigo Franz Hinkelammert, desenvolveu uma sólida linha de pesquisa sobre a relação teologia e economia. Um dos principais resultados de linha de pesquisa é o livro A idolatria do mercado (em co-autoria com F. Hinkelammert, 1989, Vozes), um livro fundamental que merece ser mais estudado e aprofundado.

Nesse livro, Assmann desenvolveu uma crítica poderosa aos pressupostos teológicos do sistema de mercado capitalista e das teorias econômicas liberais e neoliberais. Ele desmascarou o que ele chamou de “sequestro do mandamento do amor” e revelou o processo econômico e teórico que culmina, no capitalismo, com a absolutização do mercado que acaba por exigir e justificar sacrifícios de vidas humanas. Ele chamou esse processo de “idolatria do mercado”. O objeto da sua crítica não era o mercado como tal –que ele reconhecia como algo necessário na vida econômica de uma sociedade ampla e complexa–, mas a sua absolutização.

Criticar todas as formas de idolatria para que nós pudéssemos nos abrir para o mistério do amor de Deus foi uma das tarefas que Assmann sempre levou muito a sério. Todas as formas de certeza sobre Deus e os seus desígnios e “projetos” – sejam da direita ou da esquerda – era para ele uma forma de idolatria. E como todos os tipos de idolatria sempre exigem sacrifícios dos mais pobres e fracos, Assmann sempre teve coragem de criticar também a tentação de idolatria nas esquerdas em geral e também na cristã.

Em uma longa conversa por telefone, uns 15 anos atrás, ele me disse quase como um desabafo: “Jung, não podemos perder a parresia!” Não perder a coragem de dizer a verdade é um desafio e tanto, especialmente quando a brutalidade das opressões e das injustiças levam muitos a pensarem que as críticas devem ser dirigidas somente contra os dominadores. Mas ele sabia que há posições práticas e teóricas das esquerdas e da TL, que alimentam nas lideranças e nos “pseudo-profetas” uma auto-imagem de “radicais”, mas também aumentam o ainda mais o peso nos ombros dos mais “pequenos” e/ou levam a equívocos estratégicos. Por isso, fiel à sua vocação de intelectual comprometido com causas populares, ele também criticava pensamentos e propostas de pessoas que ele considerava companheiros de luta.

Essa coragem e a forma apaixonada com que ele escrevia e falava expliquem, talvez, porque ele, que foi sem dúvida um dos teólogos e analistas sociais mais competentes na crítica do capitalismo, tenha sido tão pouco convidado para as grandes e muitas atividades na área de “pastoral social” promovidas pela Igreja Católica. Em mais de 20 anos de relacionamento (primeiro eu fui seu aluno, depois um discípulo-amigo), ele nunca se queixou abertamente dessa situação de certa marginalização nas instâncias institucionais do “cristianismo de libertação” (ele não usava essa expressão, mas penso que ele concordaria comigo que ela expressa melhor a amplitude do que ocorreu no cristianismo da A.L. desde 1960, mais do que a “teologia da libertação” ou “igreja dos pobres”), mas não era difícil perceber nele um incômodo inevitável com essa situação.

Uma questão que pode nos ajudar a entender a diferença ou a característica de Hugo Assmann na abordagem das questões teológico-sociais aparece em uma tese de Vico, que eu estudei com Hugo no mestrado. Vico critica a filosofia (e nós acrescentamos na discussão a teologia) por considerar somente o homem como ele deve ser, enquanto que os modernos que surgiam consideravam o homem como ele é e tentam aproveitá-lo na sociedade. Para Assmann, muitos dos equívocos das práticas pastorais, sociais e políticas das esquerdas têm como uma das causas o equívoco antropológico de se basear no “ser humano que deve ser” e não no ser que é e que pode ser. Pensamos e agimos mais a partir do que deveria ser (“o homem/mulher novo/a; o Reino de Deus, etc…), sem preocuparmos suficientemente com o ser humano e a vida em sociedade como realmente “é”, e como “pode ser” dentro dos limites da condição humana e da história. Entre o que é e o que deve ser ou desejamos que seja, há o campo do que pode ou não pode ser.

A busca por compreender melhor o ser humano como ele é e o que torna possível a existência e o funcionamento de sociedades tão amplas e complexas como as nossas levou Hugo a estudar os mais diversos campos de conhecimento, como economia, neurociências, sistemas complexos, mecanismos auto-reguladores e auto-organizadores na biologia e na economia/sociologia, biologia da cognição, etc. Tudo para compreender o que leva as pessoas, grupos, igrejas, instituições, sociedade a serem tão insensíveis ao sofrimento de tantas pessoas e à realidade da exclusão social; para contribuir na superação dessa situação para uma onde todas as pessoas pudessem viver uma vida digna e prazerosa; para desmascarar os mecanismos idolátricos que estão presentes nas nossas sociedades e nas nossas vidas pessoais.

Nos últimos anos, convivendo com sequelas de um acidente vascular cerebral e outros problemas de saúde, ele estava meditando muito sobre a noção de “Deus interior”. A ideia-guia das suas meditações era uma frase de Santo Agostinho: “Deus me é mais profundo a mim do que eu a mim mesmo”. Ele preferia a tradução “Deus me é mais íntimo a mim…”. Nas últimas conversas que tivemos, ele sempre voltava a essa ideia e estava começando explorar a noção de “Deus andarilho”, uma “espiritualidade nômade”, um Deus que não se deixa aprisionar por templos, igrejas, instituições ou teologias, mas que caminha no meio da humanidade. Como ele estava internado em uma casa de saúde e sem acesso a Internet, ele me estimulava a fazer essas pesquisas e compartilhar com ele. As suas últimas reflexões teológicas –que ficaram registradas em algumas notas escritas com dificuldade em seu caderno– seguem a mesma linha teológica de toda a sua vida: a busca do Deus que está além de todas as nossas certezas e tentações idolátricas e das práticas “libertárias” educacionais e sociais que sejam expressão dessa busca.

Eu o vi pela última vez um dia antes da sua remoção para hospital e UTI, onde faleceria cinco dias depois. Ele me reconheceu, mas estava já muito enfraquecido com início de pneumonia e de falência renal. Os seus olhos estavam mirando longe.

Ele viveu a vida de uma forma apaixonada, com emoções fortes em todos os sentidos. Para quem não o conheceu pessoalmente, é difícil compreender quem foi Hugo Assmann. Mas os seus textos estão aí para nos mostrar a sua grande contribuição para a Teologia da Libertação e também na área de educação (onde ele também atuou a partir da década de 1980). Para finalizar esta pequena homenagem ao meu mestre-amigo, eu quero citar um texto dele, escrito em 1973, que dá uma amostra do seu compromisso, da paixão com que ele fez a teologia e da atualidade do seu pensamento:

“Se a situação histórica de dependência e dominação de dois terços da humanidade, com seus 30 milhões anuais de mortos de fome e desnutrição, não se converte no ponto de partida de qualquer teologia cristã hoje, mesmo nos países ricos e dominadores, a teologia não poderá situar e concretizar historicamente seus temas fundamentais. Suas perguntas não serão perguntais reais. Passarão ao lado do homem real. Por isso, como observava um participante do encontro de Buenos Aires, `é necessário salvar a teologia do seu cinismo`. Porque realmente frente aos problemas do mundo de hoje muitos escritos de teologia se reduzem a um cinismo.” (Teologia desde la práxis de liberación, p.40)

Fonte: IHU – 25.02.2008

Na IHU On-Line de Natal: Jesus de Nazaré

A revista IHU On-Line, edição 248, de 17 de dezembro de 2007, tem como tema de capa Jesus e o abraço universal.

 

Diz o Editorial:

“Ao longo dos diversos anos de existência da IHU On-Line e à medida em que ela foi crescendo e se constituindo como uma revista de reflexão, fomos abordando, na última edição do ano, por ocasião do Natal, a figura de Jesus Cristo, sempre sob diversos ângulos. Em 2002 (edição 47), o título de capa era Jesus visto pelos “outros”; em 2003 (edição 88), Ó Cristo, onde estás? Os caminhos da fé cristã na contemporaneidade; em 2004 (edição 128), O cristianismo e a ultramodernidade. Limites e possibilidades do seu futuro. Já em 2005 (edição 169) o tema foi Mudanças no campo religioso brasileiro e, em 2006 (edição 209), Por que ainda ser cristão?

Quem é Jesus? No contexto contemporâneo do pluralismo religioso, qual é a relevância de Jesus de Nazaré? Esta é a questão proposta para os teólogos e as teólogas de várias partes do mundo, de diferentes culturas e de diferentes igrejas, que participam desta edição.

O texto de Faustino Teixeira, professor e pesquisador do PPCIR/UFJF, faz uma bela introdução à presente edição. Ele foi o principal e fundamental parceiro na preparação e elaboração da presente edição. A ele agradecemos, penhoradamente, mais esta parceria, que cada vez mais se fortalece e promete frutos vindouros…”

 

As entrevistas:

:: Faustino Teixeira: Jesus de Nazaré: um fascínio duradouro
:: Felix Wilfred: Jesus pertence ao conjunto da humanidade
:: Michael Amaladoss: Jesus e os avatares na compreensão hindu
:: Joseph O’Leary: O cristianismo foi moldado pelo contexto ocidental
:: Elizabeth Johnson: Jesus e as imagens sobre Deus: para além do masculino e do feminino
:: Elisabeth Parmentier: Feminismo e retorno ao Jesus histórico
:: Maria Clara Bingemer: O rosto feminino de Deus
:: Reinhold Bernhardt: Jesus para além de relativismos e fundamentalismos
:: Claude Geffré: A secreta cumplicidade entre o humanismo de Jesus e o humanismo secular
:: Joseph Moingt: Desacordos entre a pregação de Jesus e a da Igreja
:: John Hick: Deus, Jesus e o pluralismo religioso
:: Gavin D’Costa: O homem que torna Deus uma realidade para nós
:: Peter Hünermann: A unidade de Jesus com os seres humanos

Faustino Teixeira escreve sobre Léon-Dufour

No dia 13 de novembro de 2007 faleceu o exegeta francês Xavier Léon-Dufour. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, escreveu um comentário sobre a contribuição de Léon-Dufour para o pensamento teológico.

 

A paixão duradoura pelo Mistério: Xavier Léon-Dufour (1912-2007)

Nesses tempos de “inverno eclesial” algumas perdas se fazem sentir de forma muito dolorosa. Ficamos um pouco mais órfãos depois de 13 de novembro, quando partiu um dos mais brilhantes exegetas da tradição cristã, o jesuíta Xavier Léon-Dufour.

Esse notável pensador nasceu em Paris no ano de 1912. Ordenou-se sacerdote no ano de 1943, tendo decidido seguir os estudos na área de exegese do Novo Testamento. Foi responsável pela cadeira de exegese durante muitos anos na Faculdade Teológica de Lyon-Fourvière (1957-1974), e depois no Centre Sèvre de Paris. São clássicas as suas produções na área exegética, com destaque para o Vocabulário de Teologia Bíblica (1962) e o monumental comentário sobre o evangelho de João (1988-1996), em quatro volumes. Pode-se ainda destacar suas publicações envolvendo os temas da ressurreição (1971) e a eucaristia (1977).

Nessa minha breve reflexão vou me servir de dois livros recentes que traduzem o rico itinerário acadêmico de Léon-Dufour: Un bibliste cherche Dieu (2003) e Dieu se laisse chercher. Dialogue d´un bibliste avec Jean-Maurice de Montremy (1995).

Ele mesmo se define num de seus livros como um buscador do mistério: “no ponto de partida, Deus. No ponto de chegada, Deus”. A seu ver, a melhor maneira de definir o mistério de Deus foi apontada por um padre da Igreja: Deus Pai como o “olho da fonte”. Trata-se de um mistério que se expande gratuitamente no rio do mundo. Da fonte invisível jorra sem cessar a água da generosidade divina. Deus é, assim, movimento incessante e dilatação infinita. É o Logos que “ilumina todo ser humano” (Jo 1,9) desde o início da criação e ao longo da história da revelação. Léon-Dufour argumenta que essa imagem do “olho da fonte” expressa de forma bem mais feliz a ideia de Deus do que a veiculada pela tradição cristã, ao simbolizar Deus como o olho inserido no centro de um triângulo.

Para essa abertura teológica foi de grande importância uma longa viagem feita por Léon-Dufour na Ásia em 1968. Ele mesmo reconhece que foi a ocasião propícia para novas interrogações que transformaram sensivelmente sua compreensão cristã. Firma-se a partir dali uma mirada teológica livre e ousada, bem como uma tomada de consciência das limitações greco-latinas que obstruem a afirmação de uma linguagem cristã mais arejada. A passagem pelo Oriente possibilita uma reavaliação das formulações tradicionais sobre a Trindade, de forma a favorecer um melhor diálogo com outras tradições religiosas: “Se digo que as ´pessoas`(da trindade) são antes de tudo manifestações de uma única e mesma realidade na ordem da nossa experiência, não suprimo o mistério, mas torno possível uma discussão com aqueles que invocam, adequadamente, a unicidade de Deus”. A seu ver, as formulações dogmáticas captam apenas rincões limitados de uma paisagem que é bem mais ampla. Há que alargar as janelas e mudar as angulações para garantir a vitalidade da visada.

Na busca de superação de uma linguagem que pode pecar pela arrogância, Léon-Dufour encontra na “universalidade do evangelho do amor” um caminho alternativo. Para ele, é o amor que está no centro da mensagem de Jesus: “do mesmo amor com que o Pai me amou, eu também vos amei” (Jo 15,9).

Nesta admirável tradução feita por Léon-Dufour visa-se acentuar a “novidade” da natureza do amor que Jesus recebe do Pai e que vai vincular os discípulos entre si. Na dinâmica do mistério da trindade, Jesus vive uma relação única com Deus, sem porém apagar a irrevogável alteridade do Pai. Jesus é aquele que se preenche com a água da fonte, sendo o Espírito o rio que a difunde universalmente.

Em seus estudos sobre o evangelho de João, Léon-Dufour busca garantir a alteridade do Pai. Não há ali nenhum sinal de cristolatria ou culto a Jesus. A seu ver, “Jesus nada é senão em relação ao Pai”, uma relação que é incessante e que revela o núcleo (coração) de um mandamento novo: “amai-vos uns aos outros”.

As pistas exegéticas de Léon-Dufour serviram de base para singulares reflexões de teólogos que vêm trabalhando o tema do pluralismo religioso, como Jacques Dupuis.

Vale lembrar, em particular, a questão da ação contínua do Logos na história, que instaura uma aliança vital e substantiva entre Deus e todos os seres humanos. A morte desse grande exegeta deixa-nos mais tristes, mas também mais conscientes da importância de levar adiante sua reflexão e a fazer ecoar o amor por todos os cantos. Como ele bem salientou, seremos todos julgados não pelas formulações das doutrinas que aderimos em nossa tradição, mas pelo “amor vivido”.

Fonte: Notícias IHU – 24/11/2007.

Tema do III Fórum Mundial de Teologia e Libertação

‘Água, Terra, Teologia para outro mundo possível’ é o tema do III Fórum Mundial de Teologia e Libertação

“O tema do III Fórum Mundial de Teologia e Libertação (FMTL) foi definido durante reunião do Comitê Organizador do Fórum nos dias 26 e 27 de outubro na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre. Os preparativos para a terceira edição do FMTL, que acontecerá em Belém/PA, em janeiro de 2009, dias antes da realização do Fórum Social Mundial no mesmo local, foram iniciados na reunião do Comitê em julho de 2007 em Belo Horizonte, MG.

Em sua organização e metodologia, o Fórum contará com vários eixos temáticos que mapeiam zonas e fronteiras do debate teológico e visam estimular a interação de experiências, interpretações e saberes, favorecendo a discussão teológica e a divulgação de pesquisas em teologia. Os eixos temáticos escolhido são: religiões, ecumenismo e diálogo inter-religioso; culturas, etnias e teologia; política, economia e teologia; direitos humanos, democracia e teologia; paz, alternativas à violência e teologia; textos sagrados e teologia; ecologia, corporeidade e teologia; gênero, feminismos e teologia; opção pelos pobres e teologia; arte, comunicação e teologia; novas tecnologias e teologia.

O I FMTL, com o tema Teologia para outro mundo possível, aconteceu em Porto Alegre, Brasil, de 21 a 25 de janeiro de 2005, antes do V Fórum Social Mundial. O II FMTL, com o tema Espiritualidade para outro mundo possível, aconteceu em Nairobi, capital do Quênia, na África, do dia 16 a 19 de janeiro de 2007, às vésperas do VII Fórum Social Mundial, também em Nairobi, com participação de mais de trezentas pessoas, metade vinda do continente africano.

A proposta do III FMTL está sendo construída com a colaboração de teólogos e teólogas representantes das Instituições que integram o Comitê Organizador, a saber: Associação de Teólogos(as) do Terceiro Mundo – ASETT/EATWOT; AMERINDIA; Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – SOTER; Centre de théologie et d’éthique contextuelles québécoises – CETECQ; Centro Ecumênico de Serviço à Evangelização e Educação – CESEP; Centro Ecumênico de Evangelização, Capacitação Assessoria – CECA; Comunidad de Educación Teológica Ecuménica Latinoamericana y Caribeña – CETELA; Escola Superior de Teologia – EST; Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS; Instituto Humanitas Unisinos – IHU“.

Fonte: Notícias IHU – 5/11/2007

Hans Küng, segundo Luiz A Gomez de Souza

Hans Küng no Brasil – Por Luiz Alberto Gómez de Sousa

É tempo de reabrir temas congelados nos últimos anos na Igreja Católica, e a lucidez do teólogo cristão Hans Küng, agora em visita ao Brasil, será de grande ajuda.

 

Hans Küng é um dos maiores teólogos cristãos da atualidade, valente, ousado, homem de fé e de espiritualidade fortes. Seu giro por várias cidades do Brasil foi umHans Küng: 1928-2021 triunfo, com auditórios cheios. Aqui no Rio, foi recebido pela Universidade Candido Mendes, graças ao seu Reitor Candido Mendes, em seu Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião, que dirijo, e pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, no auditório da UCAM, rua da Assembleia 10.

Ali, centenas de pessoas ouviram em absoluto silêncio sua fala em inglês, com tradução simultânea, de quase duas horas. A série de palestras começou na Universidade Unisinos, em São Leopoldo, dos jesuítas, e depois no Instituto Goethe em Porto Alegre, na Universidade Federal do Paraná, na Católica de Brasília (que não é pontifícia), na Câmara de Deputados, aqui no Rio e na Federal de Juiz de Fora, onde recebeu o título de Doutor Honoris Causa. As PUCs do país não puderam convidá-lo.

João XXIII o nomeou perito do Vaticano II; no pontificado seguinte, o ex-Santo Ofício de Ratzinger, de quem foi colega na Alemanha, o proibiu de ensinar teologia católica, por suas posições críticas diante da infalibilidade do Papa, do celibato obrigatório, em favor da ordenação de mulheres, propondo rever uma doutrina caduca sobre sexualidade e reprodução humana e abrir uma nova etapa no ecumenismo entre cristãos, assim como no diálogo inter-religioso com outras crenças.

Escreveu grandes obras sobre o Islã, o Judaísmo e o Cristianismo. Passou a ensinar teologia ecumênica em Tubinga. Ao cumprir cinquenta anos de sacerdote, escreveu um belo texto: “Porque ser cristão hoje”. Aposentado, está à frente de uma Fundação pela Paz. Durante suas palestras foram expostos, na entrada dos auditórios, doze painéis sobre uma ética da Paz. Dois temas em suas falas: Religião e Ciência, desde o big-bang, até a entropia e o big crush, com uma notável cultura e atualização científicas; e sua luta por um Ethos mundial para a paz entre os homens.

Lembra as sanções do Vaticano a Leonardo Boff. É tempo de reabrir temas congelados nos últimos anos na Igreja Católica, e sua lucidez será de grande ajuda. Talvez um outro concílio aproveitará seu discernimento. Quando o Vaticano I terminou de repente, pela queda de Roma com a unificação italiana, o grande teólogo inglês Newman , convertido e mal visto por Pio IX, mais tarde feito cardeal por Leão XIII, escreveu a um amigo: “Pio não é o último dos papas…Tenhamos paciência, um novo concílio e um novo papa polirão a obra”.

Podemos aplicar esse texto aos dois últimos pontificados e, então, a reflexão lúcida e criativa de homens como o suíço Hans Küng, hoje chegando aos oitenta anos, abrirão novos caminhos para uma Igreja Católica que vive, como disse um teólogo brasileiro, um tempo de inverno. O bom papa João XXIII disse que o Vaticano II era “uma flor de inesperada primavera”. D. Hélder sonhou com um Jerusalém II (ver Atos dos Apóstolos sobre o primeiro, cap. 15). Entre 1962 e 1966, ele, Yvan Illich, o grande Alceu Amoroso Lima e eu, no ardor da minha juventude, sonhamos com um Vaticano III. Hans Küng abre caminhos, na profecia dos teólogos, sem medo ou autocensura.

Luiz Alberto Gómez de Sousa, sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, é diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Candido Mendes.

Fonte:Carta Maior – 1/11/2007