Dois livros que me impressionam: Helder e Martini

Dois livros que estou lendo, e que, já no começo, me impressionam. De verdade. E que recomendo. Seriamente.

DE BROUCKER, J. As noites de um profeta: Dom Hélder Câmara no Vaticano II. Leitura das Circulares Conciliares de Dom Hélder Câmara (1962-1965). São Paulo: Paulus, 2008, 168 p. – ISBN 9788534929127.

MARTINI, C. M.; SPORSCHILL, G. Diálogos noturnos em Jerusalém: Sobre o risco da fé. São Paulo: Paulus/PUC-Rio, 2008, 160 p. – ISBN 9788534929660.

Os lefebvrianos?

Os lefebvrianos estão “profundamente desgostosos” com o Papa Francisco – IHU – 18 dezembro 2018

O Papa Francisco concedeu-lhes faculdades para ouvir confissões e celebrar matrimônios, mas os lefebvrianos não estão dispostos a retribuir gestos recíprocos de aproximação. O Superior Geral da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, Davide Pagliarani, revelou que os ultratradicionalistas estão “profundamente desgostosos com a principal característica do atual pontificado, que é a aplicação completamente nova do conceito de misericórdia”.

A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Religión Digital, 17-12-2018. A tradução é de André Langer.

A misericórdia do Papa Bergoglio “fica reduzida a uma panaceia para todos os pecados, sem promover uma verdadeira conversão, à transformação da alma pela graça, à mortificação e à oração”, defendeu Pagliarani em uma entrevista concedida ao jornal austríaco Salzburger Nachrichten. “Em sua Exortação pós-Sinodal Amoris Laetitia, continuou o religioso – no cargo desde julho –, o Papa dá aos cristãos a oportunidade de decidir sobre questões de moral conjugal caso a caso, de acordo com sua consciência pessoal”, o que “contradiz claramente a orientação clara e necessária dada pela lei de Deus”.

Como se essa acusação de heresia fosse pouco, o padre Pagliarani passou a imputar a Francisco a importação para o catolicismo da “espiritualidade de Lutero”, isto é, de “um cristianismo sem necessidade de renovação moral, um subjetivismo que já não reconhece nenhuma verdade universalmente válida”. “Tudo isso causou uma profunda confusão no meio do clero e dos fiéis”, prosseguiu o italiano, uma vez que “cada pessoa busca a verdade, mas para encontrá-la precisa ser guiada pelo sacerdote, da mesma maneira como o aluno precisa da direção de seu professor”.

Além disso, de acordo com o líder dos ultraconservadores, o Ano Lutero de 2017 foi um dos maiores erros do Pontificado de Francisco, porque em vez de servir para converter os protestantes e trazê-los de volta “à verdadeira Igreja… confirmou-os em seus erros”. Por isso, para Pagliarani, Cristo “fundou uma única Igreja, que é a Igreja romana. Esta verdade teológica precisa ser proclamada tanto quanto a retidão da moral e o esplendor da missa tradicional segundo o rito tridentino”.

Consequentemente, o que os lefebvrianos pedem a Francisco é que “transmita fielmente o depósito da fé” e que acabe com “a crise que abala a Igreja nos últimos 50 anos”. Uma crise “que foi desencadeada por uma nova concepção de fé centrada na experiência subjetiva de cada um: acredita-se que o indivíduo é o único responsável por sua fé e pode escolher livremente qualquer religião, sem distinção entre verdade e erro”, o que “contradiz a lei divina objetiva”.

“O Papa teria que declarar errado o decreto sobre a liberdade religiosa [do Vaticano II] e corrigi-lo”, explicou Pagliarani. “Estamos convencidos de que algum Papa o fará e retornará à doutrina pura que era a referência antes do Concílio… É inconcebível que a Igreja tenha estado errada durante dois milênios e que tenha sido capaz de encontrar a verdade somente durante o Concílio, de 1962 a 1965”.

Faustino Teixeira comenta livro de Martini

Uma fé que transborda fronteiras: diálogos com o Cardeal Martini

“Em tempos de “inverno eclesial”, Martini aponta o sonho de uma Igreja corajosa e ousada. Tem no horizonte o impulso profético que sinaliza o desafio de transmitir aos outros não as decepções da vida, mas os sonhos mais decisivos. E esses sonhos “nunca envelhecem”, escreve Faustino Teixeira, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPCIR-UFJF).

Uma singular novidade nesse tempo do advento é a recente tradução do livro do Cardeal Carlo Maria Martini (1927- ), Diálogos noturnos em Jerusalém. Trata-se de uma iniciativa da editora Paulus, em colaboração com a Cátedra Carlo Maria Martini (PUC-RJ). A obra traduz o debate entre o eminente Arcebispo emérito de Milão e o pe. Jesuíta Georg Sporschill. No centro dos diálogos, o sonho comum em favor de uma Igreja aberta e a esperança na juventude. O lugar do encontro também foi significativo: a cidade de Jerusalém. Essa “cidade da paz” reflete o toque doloroso de um tempo de intransparências. Ali se experimentam tensões, conflitos e ódio inter-religioso. Mas também a esperança: a percepção de que o trabalho em favor da paz envolve sempre um “processo doloroso”. É a cidade onde “Deus toca o mundo”. O Cardeal Martini é uma das mais importantes figuras do cenário eclesial contemporâneo. Inserido na tradição jesuíta, foi Arcebispo de Milão entre os anos de 1980 e 2002, e por muitos anos um forte candidato à sucessão papal. Ao completar 75 anos de idade, deixou a diocese de Milão e passou a morar na casa dos jesuítas em Jerusalém, considerada a “cidade do seu primeiro amor”.

O título do livro é bem sugestivo. Os diálogos são noturnos, pois “a noite é tempo de escuridão, da imaginação, de sentidos mais aguçados”. E o meio da noite já anuncia o dia em seu momento virginal. Como sublinha Georg Sporchill no início da obra, “os diálogos em Jerusalém, realizados num lugar onde a história dos cristãos teve seu começo, são também diálogos sobre o caminho da fé em tempos de incerteza”. São inúmeros os temas tratados no livro, entre os quais o desafio da abertura corajosa da Igreja ao mundo e aos outros, o percurso que leva à intimidade com Deus e o encontro com o Jesus amoroso e solidário. Vamos nos deter em alguns tópicos particulares.

Em tempos de “inverno eclesial”, Martini aponta o sonho de uma Igreja corajosa e ousada. Tem no horizonte o impulso profético que sinaliza o desafio de transmitir aos outros não as decepções da vida, mas os sonhos mais decisivos. E esses sonhos “nunca envelhecem”. Confessa, porém, que não acalenta hoje muitos sonhos ou esperanças numa Igreja jovem: “Aos 75 anos me decidi a rezar pela Igreja. Olho para o futuro (…). A utopia é importante. Só quando você tem uma visão é que o espírito o eleva acima de querelas mesquinhas”.

Acredita também na possibilidade de uma Igreja mais sintonizada com o tempo, mais compreensiva e solidária, mais disponível aos apelos dos jovens, mais integrada à realidade da vida. De forma corajosa, aponta o desafio eclesial de encontrar uma palavra nova e um caminho melhor no campo da sexualidade e da família, para além dos limites definidos na Encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI (1968): “A Igreja recuperaria credibilidade e competência (…). Não podemos de modo algum esperar tanto tempo nos temas que tratam da vida e do amor”. Aborda igualmente questões candentes como o celibato – assinala que “nem todas as pessoas chamadas ao sacerdócio tenham este carisma” – a ordenação de homens casados, “experimentados e confirmados na fé”, e o homossexualismo, que a seu ver mereceria um tratamento mais sereno na Igreja. Para Martini, “A Igreja deve trabalhar em favor de uma nova cultura da sexualidade e do relacionamento”, e alimentar um profundo respeito à dignidade da pessoa humana, também no âmbito da sexualidade.

Em vários momentos do livro, o Cardeal Martini fala da importância do diálogo da Igreja com as diversas expressões religiosas e do desafio imprescindível de entrar no mundo do outro. As religiões têm, para ele, um papel essencial em nossos tempos: “Todas as Igrejas, todas as religiões têm como objetivo fazer o bem neste mundo, tornar o mundo mais luminoso”. Não há como manter-se fechado e enclausurado no círculo estreito de uma única tradição. Há que se deixar surpreender por Deus, pois “o Espírito sopra onde quer” e o “estupor pode também conduzir-nos a Deus”. Na visão de Martini, o desafio de ir ao encontro do outro, com atenção e delicadeza, traduz um dos caminhos que levam a Deus. Isso é viver verdadeiramente a abertura universal. Para superar a “estreiteza do coração” é necessário alargar as fronteiras: “Não se pode fazer um Deus católico. Deus está além dos limites e das definições que estabelecemos. Precisamos de limites na vida, mas não podemos confundi-los com Deus, cujo coração é sempre maior”.

Como reconhece o Cardeal Martini, as religiões são portadoras de um grandioso patrimônio espiritual: elas existem “para ajudar o maior número possível de pessoas a encontrar uma pátria em Deus”. Relata que em sua longa experiência encontrou amigos em distintas tradições religiosas, entre os quais estão “os anjos que podemos encontrar aqui na terra”. Foram experiências novidadeiras, mas que jamais o distanciaram do cristianismo. Sublinha que, ao contrário, esse convívio fraterno com os outros reforçou o seu amor à Igreja. O exercício de abertura dialogal com os outros, requer, porém, a presença de amigos que possam servir de guia nessa travessia. E esse caminho vai revelar novas e mais profundas facetas do ser cristão. Não há que temer os “estranhos”. O diálogo com o islã, foi um dos mais aprofundados por Martini. Nos tempos de sua atuação na diocese de Milão escreveu o clássico texto Nós e o Islã. O tema vem retomado no livro, trazendo facetas fundamentais que devem reger o diálogo entre as duas tradições religiosas. Assinala três fundamentais tarefas: em primeiro lugar a eliminação de preconceitos e imagens distorcidas construídas ao longo da história do cristianismo. Em segundo lugar, o reconhecimento das diferenças, mas também o desafio de afirmação da fé num único Deus. Em terceiro lugar, o exercício da práxis dialogal, da hospitalidade recíproca e da experiência comum de oração.

Toda essa abertura dialogal tem sua raiz na fé de Jesus e no seu testemunho essencial de hospitalidade inter-religiosa. Na abertura do livro, o pe. Georg Sporschill dizia que o Cardeal Martini nos possibilita um encontro peculiar com Jesus, a partir de uma perspectiva distinta da apresentada pelo Papa Bento XVI em seu livro sobre Jesus de Nazaré. O que há de singular aqui é o traço de Jesus “amigo dos publicanos e pecadores. Ele escuta as perguntas dos jovens. Ele provoca inquietação. Ele luta conosco contra a injustiça”. Para Martini, o que distingue o amor de Jesus é a sua experiência de amor que visibiliza o Deus misericordioso; e também a sua disponibilidade e abertura aos “estranhos”. Traz em sua vida um “amor aberto”. Jesus torna-se exemplo para o cristão que ousa corajosamente entrar em diálogo com os outros: “Jesus é nosso mestre nessa abertura aos ´estranhos`, que no seu tempo eram os pagãos e os soldados romanos”.

O Cardeal Martini sublinha em seu livro que o amor é o que há de mais essencial no nosso testemunho histórico, no nosso relacionamento humano. Seguindo a norma bíblica contida na versão original hebraica, há que amar o próximo, “porque ele é como tu”. E esse amor deve acontecer na atmosfera fundamental da bem-querença de Deus. Há que “buscar a Deus com sinceridade e prontos a nos entregar a ele”. E isso, para Martini, é “muito mais importante que uma exterior profissão de pertença religiosa”. Num tempo carente de vozes proféticas, o livro do Cardeal Martini revela-se auspicioso. Acende a chama de esperança nos cristãos que acreditam num novo modo de ser Igreja.

Fonte: Notícias – IHU On-Line: 20/12/2008

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Diálogos Noturnos, de Carlo Martini, em português

Diálogos Noturnos, de Carlo Martini, em português

Paulus anuncia a publicação do mais debatido livro do biblista e cardeal Carlo Martini, Jerusalemer Nachtgespräche: Über das Risiko des Glaubens.

MARTINI, C. M.; SPORSCHILL, G. Diálogos noturnos em Jerusalém: Sobre o risco da fé. São Paulo: Paulus, 2008, 160 p. – ISBN 9788534929660


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Conversazioni notturne a Gerusalemme

Saiu o livro de Carlo Martini em italiano: Conversazioni notturne a Gerusalemme. Sul rischio della fede. Milano: Mondadori, 2008, 124 p. – ISBN 9788804583912.

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Livro de Martini em espanhol e italiano

Foi traduzido para o espanhol o livro do cardeal e biblista Carlo Maria Martini Diálogos noturnos em Jerusalém: sobre o risco da fé.

O original, como se sabe, é em alemão: MARTINI, C. M.; SPORSCHILL, G. Jerusalemer Nachtgespräche: Über das Risiko des Glaubens. Freiburg: Herder, 2008, 144 S. – ISBN 9783451059797.

A edição em espanhol é: MARTINI, C. M.; SPORSCHILL, G. Coloquios nocturnos en Jerusalén. Madrid: San Pablo, 2008, 200 p. – ISBN 9788428533836.

Está programada para novembro a edição italiana de Conversazioni notturne a Gerusalemme: sul rischio della fede. Pela editora Mondadori.

A linguagem religiosa do mercado

Em O Capital, Marx comparava o capitalismo a uma religião. As mercadorias são percebidas como ídolos, que têm vida própria e decidem o destino dos homens. Esse argumento foi utilizado pelos teólogos da libertação, como Hugo Assmann, Franz Hinkelammert, Jung Mo Sung, para desenvolver uma crítica radical do capitalismo como religião idólatra. A teologia do mercado, de Thomas Malthus ao último documento do Banco Mundial, é ferozmente sacrificial: exige que os pobres ofereçam suas vidas no altar dos ídolos econômicos. Walter Benjamin, ao escrever sobre isso em 1921, não havia lido O Capital. Ele se inspira no sociólogo Max Weber para analisar o caráter cultual do sistema. Na religião capitalista, a cada dia se vê a mobilização do sagrado, seja nos rituais na Bolsa, seja nas empresas, enquanto os adoradores seguem com angústia e extrema tensão a subida ou a descida das cotações. As práticas capitalistas não conhecem pausa, dominam a vida dos indivíduos da manhã à noite, da primavera ao inverno, do berço ao túmulo (Michael Löwy, em entrevista publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo e reproduzida por Notícias: IHU On-Line de 13/01/2008)

[Hugo Assmann] fundou o Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI), onde, juntamente com o seu amigo Franz Hinkelammert, desenvolveu uma sólida linha de pesquisa sobre a relação teologia e economia. Um dos principais resultados de linha de pesquisa é o livro A idolatria do mercado (em coautoria com F. Hinkelammert, 1989, Vozes), um livro fundamental que merece ser mais estudado e aprofundado. Nesse livro, Assmann desenvolveu uma crítica poderosa aos pressupostos teológicos do sistema de mercado capitalista e das teorias econômicas liberais e neoliberais. Ele desmascarou o que ele chamou de “sequestro do mandamento do amor” e revelou o processo econômico e teórico que culmina, no capitalismo, com a absolutização do mercado que acaba por exigir e justificar sacrifícios de vidas humanas. Ele chamou esse processo de “idolatria do mercado”. O objeto da sua crítica não era o mercado como tal – que ele reconhecia como algo necessário na vida econômica de uma sociedade ampla e complexa –, mas a sua absolutização… (Hugo Assmann: teologia com paixão e coragem. Artigo de Jung Mo Sung, em Notícias: IHU On-Line: 25/02/2008)

E a direitona furiosa parece que, desta vez, enfiou a mão no “buraco do cupim” (construído pelo termitídeo Cornitermes cumulans) ou, caso se queira, do aterroada, bagabaga, cupim, cupineiro, cupinzeiro, itacuru, itacurubá, itapecuim, itapicuim, morro de muchém, murundu, surujê, tacuri, tacuru, tapecuim, tapicuém, termiteiro, terroada, torroada, tucuri…

Como se pode ler em Idolatria do mercado? Dizem que o liberalismo é isso. Mas a coisa não faz o mínimo sentido, por Olavo de Carvalho, em Época, 16 de dezembro de 2000:
…se as pessoas não tiverem mais motivos extra-econômicos – isto é, biológicos, psicológicos, lúdicos, éticos ou fantásticos – para comprar o que compram, simplesmente não comprarão mais, a não ser na hipótese de um inconcebível capitalismo imaterial, no qual, todos os produtos tendo sido reduzidos a dinheiro, as pessoas comam dinheiro, vistam dinheiro, leiam dinheiro e troquem dinheiro por dinheiro.

Por outro lado:
…o uso do termo “tóxico”, no plano internacional… era um cliente “subprime”… a injeção de dinheiro dos contribuintes nos bancos para salvá-los da bancarrota vem recebendo o nome de “bailout”…

 

A semântica da crise – Flávio Aguiar – Carta Maior: 08/10/2008

Em artigo publicado na segunda-feira, 6/10, no Herald Tribune, edição internacional do New York Times, o colunista William Safire, que trata de questões de linguagem, chama a atenção para o fato de que a presente crise de confiança por que passa o sistema financeiro e capitalista como um todo gerou uma semântica própria.

Destaca ele o uso do termo “tóxico”, no plano internacional: “investimentos tóxicos”, “débitos tóxicos”, por exemplo. Esse uso seria análogo ao que em nosso jargão do português do Brasil se faz da palavra “podre”: “dinheiro podre”, por exemplo.

Safire aponta um dado estatístico muito interessante: nos últimos três anos a palavra “tóxico” aparecera em média cinco vezes por semana no Financial Times, referindo-se a coisas como vazamentos de produtos inadequados em rios, ou contaminação de comida por produtos ameaçadores, etc. Com a deflagração da crise financeira, a partir do sistema imobiliário norte-americano (cujo risco Carta Maior já comentara há tempos), o uso da palavra, agora no setor financeiro, pulou para 69 vezes numa semana!

O que seria um “débito tóxico”, que estaria levando ao “envenenamento” de todo o sistema? Baseando-se nas conclusões de um leitor da Malásia, Safie cita a conclusão de que um “débito tóxico” no setor imobiliário seria aquele cujo imóvel, objeto de compra através de uma hipoteca, perdeu valor de tal modo que não serve mais como garantia sequer para pagamento do débito em caso de inadimplência do comprador e hipotecário.

Ou seja, trocando em miúdos: o comprador perdeu poder aquisitivo desde que comprou seu imóvel. Traduzindo: já era meio pobre, empobreceu mais. Ao mesmo tempo, o imóvel que ele comprara, confiando na permanência de uma valorização constante de seu preço, foi desvalorizado pela mesma inflação de compras e hipotecas semelhantes nesse mercado.

Conseqüência: ele não pode pagar, nem mesmo se revender seu imóvel ou passar adiante a hipoteca. Mas ao mesmo tempo o título de sua dívida, como tinha juros altos, foi repassado para outras instituições financeiras, com milhões de outros títulos semelhantes, que os compraram atraídas pelos juros altos que prometiam lucros fabulosos ao longo da quitação da dívida, o que acabou não ocorrendo.

Quem era este cliente empobrecido que se endividou mais ainda e que periga tornar-se o inadvertido bode expiatório dessa crise toda? Era um cliente “subprime”, outra proeza semântica desse “sistema/crise” ou dessa “crise sistêmica” em que parece viver o sistema capitalista, a tal ponto que se pode dizer que as crises fazem parte de sua natureza, ou de seu “estado normal”. “Prime”, em inglês, quer dizer, “de primeira linha”, “de grande relevância”, Nosso sistema bancário brasileiro, quando não usa o próprio termo em inglês, o traduz por “preferencial”: “cliente preferencial”, por exemplo. Agora pensemos no que é, na verdade, a contradição semântica de se dizer que um cliente, ou um empréstimo, ou um sistema de empréstimos, o que foi o caso, é “sub-preferencial”.

Isso quer dizer mais ou menos o seguinte: “esse cliente é ruim, ele está se afogando, ou afogado, mas agora ele se tornou preferencial porque, como ele está nessa situação, tenderá a assumir um empréstimo a juros altos para comprar uma casa cujo preço, ele acha, vai se valorizar, transformando sua dívida em patrimônio”. Não deu certo: o Titanic bateu no iceberg de uma economia recessiva que não tem muito o que fazer com os seus pobres, e tudo começou a afundar. Claro que quem afunda primeiro é a terceira classe; a classe média tenta boiar na situação e a primeira, dessa vez, tenta se agarrar nas boias salva-vidas jogadas pelos governos em aperto. Por que em aperto? Se olharmos para os Estados Unidos e a Europa, mais a Ásia (menos a China), vemos governantes forçados a fazer aquilo que seus programas ideológicos declaravam um anátema diabólico.

E o que eles se viram forçados a fazer? Aqui, como volta a apontar Safire no seu artigo, entra em cena outra operação semântica. A injeção de dinheiro dos contribuintes nos bancos para salvá-los da bancarrota vem recebendo o nome de “bailout”. O termo não foi inventando agora, mas ganhou enorme popularidade. É um termo que, segundo os dicionários abalizados, vem da náutica e da aviação. Quer dizer mais ou menos “drenar para salvar”. No caso de um navio, significa bombear água que tenha entrado em seus porões para fora, a fim de que o navio não afunde. No caso de um avião, significa literalmente saltar de paraquedas.

O uso do termo é adequado à operação contra os “débitos podres”, pois, nessa ótica, a injeção de dinheiro se destinaria a cobrir a falta de ativos provocada pela inadimplência da cadeia financeira como um todo, enredada por suas próprias cordas e ambições de dinheiro fácil, desde o cliente mais pobre até o investidor mais rico.

O destino dessas operações semânticas, mesmo que inadvertido, é salvaguardar o sistema de sua própria falência ideológica. Não se pode dizer simplesmente que está havendo uma “intervenção do Estado”, assim a seco, sem recurso a qualificativos que neutralizem ou minimizem, no plano do pensamento ou da argumentação, a devastação que está sendo provocada pela crise mais aguda do capitalismo provavelmente desde a de 1929. Que a crise vá provocar uma débâcle sistêmica no sistema, ninguém acredita. Muito pelo contrário, a crise provavelmente vai provocar uma maior concentração de capital e de poder político (e militar) do que a já existente.

Como já se escreveu em vários lugares, Estados Unidos e China deverão sair reforçados dessa crise, e a Europa com vários remendos a fazer. Apesar de suas fragilidades, Brasil, Rússia, e Índia (além da China) vem sendo apontados como ilhas com boas possibilidades de flutuação no oceano encapelado que vem por aí. Mas que há um cheiro de débâcle ideológica, há, uma espécie de ritual funéreo em torno do credo neoliberal na santidade e na força autorreguladora dos mercados. É essa crise que as operações semânticas (que, como já disse, não precisam necessariamente ser conscientes nem fruto de uma conspiração governo-midiática ou só midiática, mas podem muito bem ser apenas instintivas) querem ajudar a neutralizar ou minimizar.

Como se vê, a linguagem nada tem de transparente, e pode ela mesma, ser tóxica. Até letal.

Nomeado novo bispo de Patos de Minas

Frei Cláudio Nori é nomeado bispo da diocese de Patos de Minas

O papa Bento XVI nomeou, nesta quarta-feira, 8, o Frei Cláudio Nori Sturm, bispo da diocese de Patos de Minas, vacante desde 30 de maio do ano passado, por causa da transferência de seu bispo, dom João Bosco Oliver de Faria, para a arquidiocese de Diamantina.

Frei Cláudio, 55, pertence à Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFMCap) e, atualmente, é Ministro Provincial da Província de São Lourenço Brindes do Paraná e Santa Catarina.

Nascido em Giruá, no Rio Grande do Sul, em 12 de maio de 1953, o novo bispo começou seus estudos no seminário dos Frades Menores Capuchinhos em 1968, em Ouro (SC), e completou o o ensino médio no seminário de Irati (PR). Fez o noviciado em Curitiba (PR), em 1974, emitindo os votos temporários no ano seguinte. Cursou Filosofia e Teologia entre 1975 e 1980 em Ponta Grossa (PR), no Instituto dos Frades Menores Capuchinhos, sendo ordenado presbítero no dia 6 de janeiro de 1980, em Ponta Grossa (PR). Em Roma, fez o mestrado em filosofia no período de 1983 a 1985.

Como presbítero, frei Cláudio foi professor no seminário dos Capuchinhos, em Irati (1980-1982) e Ponta Grossa (1986-1994). De 1987 a 1994, foi mestre de postulantes no Convento Bom Jesus, em Ponta Grossa, e diretor do Instituto Superior de Filosofia dos Capuchinhos na mesma cidade. Em Roma, foi reitor do Colégio Internacional São Lourenço de Brindes, de 1995 a 1999.

Exerceu ainda a função de Visitador apostólico da Congregação das Irmãs de São Pedro Canísio (2000-2002); foi pároco da paróquia Imaculada Conceição, em Ponta Grossa (2002-2005) e Vigário Provincial da Província São Lourenço Brindes, dos Frades Menores Capuchinhos, do Paraná e Santa Catarina em 2005 e 2006.

Fonte: CNBB – 08/10/2008

Lutero e os 500 anos da Reforma

Luteranos inauguram a Década da Reforma

Culto festivo realizado ontem [domingo, 21/09/2008] na igreja do Castelo, em Wittenberg, marcou o início da Década de Lutero, que culminará em 2017 com a celebração dos 500 anos da fixação das 95 teses na porta deste mesmo templo. As teses de Lutero preconizavam mudanças na Igreja, dando início ao movimento da Reforma protestante.

“Lutero 2017 – 500 anos de Reforma” é o lema da Década, que convida a confrontar as teses do reformador com perguntas da atualidade. A concepção luterana de que a graça de Deus é um presente à humanidade pode ser também hoje uma “força existencial”, disse o presidente da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD), bispo Wolfgang Huber. Huber lembrou que Lutero preconizou uma reforma na cabeça e membros “da sua Igreja católica”, e não quis iniciar uma nova igreja. Para a divisão da Igreja também contribuíram fatores bem mundanos, agregou. Responsável pela homilia no culto de abertura da Década, Huber destacou que a pregação de Lutero sobre a liberdade do cristão é de uma tremenda atualidade. Por isso, sugeriu, a Década da Reforma deve ser uma “Década da liberdade”. O ministro do Interior da República Federal da Alemanha, Wolfgang Schäuble, recomendou que a Década sirva para incrementar o diálogo com os muçulmanos, sem esquecer a existência de fissuras no cristianismo. Ele frisou que católicos e protestantes estão diante de grandes desafios, que podem ser sobrepujados muito antes se forem encarados em conjunto. “Nós fizemos história”, declarou o presidente da Federação Luterana Mundial (FLM), bispo Mark Hanson, que também preside a Igreja Evangélica Luterana da América (Elca). O que começou na Alemanha há 500 anos abarca, hoje, uma comunidade de 68 milhões de luteranos no mundo, disse. A celebração foi assistida pelo bispo católico Gerhard Feige, de Magdeburg, informa o Serviço de Imprensa Evangélico (EPD) [sublinhado meu]. Para os próximos dez anos serão realizados vários eventos – palestras, seminários, mostras, exposições, celebrações – em Wittenberg, Eisleben, Erfurt e Eisenach, cidades alemãs que tiveram a presença de Lutero. Em setembro de 1508, o monge agostiniano, então com 24 anos, chegava a Wittenberg para dar continuidade aos estudos e lecionar Filosofia na recém fundada universidade local. Hoje, a cidade situada no leste da Alemanha, no Estado de Saxônia-Anhal, conta com 47 mil habitantes e recebe a cada ano em torno de 400 mil turistas, atraídos pela história da Reforma.

Fonte: ALC – Wittenberg, segunda-feira, 22 de setembro de 2008

 

Lutherdekade in Wittenberg eröffnet

Mit einem Gottesdienst und einer Festversammlung in der Schlosskirche in Wittenberg ist am Sonntag, den 21. September, die Lutherdekade “Luther 2017 – 500 Jahre Reformation“ eröffnet worden. In seiner Festrede vor hochrangigen Gästen aus Politik, Gesellschaft und Kirche erklärte der Vorsitzende des Rates der Evangelischen Kirche in Deutschland (EKD), Bischof Wolfgang Huber, mit der Person Martin Luthers sei eine Faszinationskraft verbunden, die Entdeckerfreude auslöse. Luthers Glaubenseinsicht, dass die Gnade Gottes ein Geschenk ist, könne auch heute “existentielle Kraft“ erschließen. Luthers Thema der Freiheit sei von unüberbietbarer Aktualität. Die Lutherdekade solle eine “Dekade der Freiheit“ sein.

Heute zeige sich aufs Neue, wie sehr Menschen in aller Welt sich nach der Freiheit von Not und Angst sehnen, so der Ratsvorsitzende. „In einer Zeit, in der eine globale wirtschaftliche Dynamik die Verarmung großer Bevölkerungsschichten nicht etwa aufhält, sondern beschleunigt, bekommt die Frage nach der Freiheit von Armut und Not erneute Dringlichkeit.“ Angesichts von weltweit agierendem Terrorismus und irregulärer Kriege werde Furcht zu einem Alltagsthema. Zugleich spürten die Menschen, dass materielle Sicherungen allein weder Frieden noch wirklichen Wohlstand bringen. Das wiedererwachte Interesse an Religion führe aber nicht allein zu einer neuen Aufmerksamkeit für die Botschaft des Evangeliums, sondern auch zu vielen Varianten einer „marktgängigen Religiösität“, die mit einfachen Antworten den Sinn des Lebens zu beschreiben suchten. Martin Luther habe sich, anders als diese „Schwarz-Weiß-Bilder“, nicht über die Rätsel und Ausweglosigkeiten des Lebens hinweggesetzt. „Zu der Freiheit, die er lehrte, gehörte auch die Bereitschaft, der Anfechtung standzuhalten, und die Verborgenheit Gottes nicht zu übertünchen oder zu übertönen.“ In seiner Erkenntnis, dass alle gute christliche Theologie eine Theologie des Kreuzes sei, liege ein wichtiges Gegengewicht zum Fortschrittsoptimismus der Moderne.

Luther hatte ein nüchternes Bild vom Menschen. „Er pries die im Glauben geschenkte Freiheit deshalb so hoch, weil er davon überzeugt war, dass der Mensch von sich aus unfrei ist, ein Gefangner der Sünde, auf sich selbst fixiert, ein in sich verkrümmtes Wesen.“ Deshalb sei die Lutherdekade auch kein „Jubeljahrzehnt“, sagte Huber. Auch die Schatten und Grenzen der Person Luthers, sein „mitunter polemischer Charakter, seine ambivalente Rolle in den Bauernkriegen, seine beschämenden Aussagen zu den Juden und sein Kommentar zu den Expansionsbestrebungen des Osmanischen Reichs“ dürften bei Gedenkveranstaltungen nicht ausgespart werden.

Die Zusage der Freiheit, die Luther im Glauben fand, bewahre die Menschen aber auch davor, in ihrer egoistischen Verkrümmung zu verharren. „Gerade weil Gott jedem Menschen den aufrechten Gang schenkt, kann jeder Mensch die Knie beugen: zum Gebet zu Gott wie zum Einsatz für den Nächsten.“

In der reformatorischen Tradition sei ebenso die Bildung eine Folge der christlichen Freiheit. Die Reformation habe sich in die christliche Bildungsgeschichte eingezeichnet: „Europa in seiner durch Antike und Christentum geprägten Gestalt und eine Bildung, die diese Gestalt erschließt, gehören zusammen. ‚Beste Bildung für alle’ ist der Impuls der Reformation. ’Beste Bildung für alle’, ob Migranten- oder Einzelkind, ob mit Behinderungen oder hochbegabt – das ist die Herausforderung unserer Zeit.“ Bildungschancen dürften nicht nach der sozialen Herkunft verteilt werden, „überkommene Strukturen dürfen den freien Zugang zur ‚besten Bildung für alle’ nicht behindern.“

Der Ratsvorsitzende betonte, dass es nicht Luthers Absicht war, eine neue Kirche zu gründen. Zur Trennung der Konfessionen hätten vielfältige, darunter auch ganz weltliche Faktoren beigetragen. „Sie ist aus dem Handeln und Unterlassen aller Beteiligten entstanden.“ Ein wichtiger Prüfstein für die Fortschritte in der Ökumene sei es, „ob wir von den Ursachen und Wirkungen der Reformation heute ein gemeinsames Bild haben und dieses Bild auch gemeinsam formulieren können.“ Wenn es gelinge, das Bemühen um ein gemeinsames Verständnis der Rechtfertigungslehre in dieser Hinsicht fortzusetzen, dann „besteht die Aussicht, dass das Reformationsjubiläum 2017 wirklich zu einem ökumenischen Ereignis wird.“ Die evangelische Kirche wolle diesen Weg ebenso mit der römisch-katholischen Kirche wie mit anderen christlichen Kirchen gemeinsam gehen.

Fonte: Pressestelle der EKD – Silke Römhild – Wittenberg/Hannover, 21. September 2008