Fundamentalismo, marketing e poder político

Edir Macedo prega que evangélicos tomem o poder

“Deus tem um plano político para os fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus e para os evangélicos que sejam seus aliados: governar o Brasil, segundo as palavras do bispo Edir Macedo, fundador e chefe da Igreja Universal, no livro Plano de Poder, lançado a duas semanas das eleições.

A partir de uma leitura política do Antigo Testamento, Macedo incita os evangélicos à mobilização partidária, seguindo o “projeto de nação” que Deus teria sonhado para os hebreus, que ele chama de cristãos. O livro tem coautoria de Carlos Oliveira, diretor-presidente do jornal Hoje em Dia, de Minas Gerais.

“Tudo é uma questão de engajamento, consenso e mobilização dos evangélicos. Nunca, em nenhum tempo da História do evangelho no Brasil, foi tão oportuno como agora chamá-los de forma incisiva a participar da política nacional”, escreve Macedo, estimando em 40 milhões a comunidade de evangélicos no país. “A potencialidade numérica dos evangélicos como eleitores pode decidir qualquer pleito eletivo, tanto no Legislativo, quanto no Executivo, em qualquer que seja o escalão, municipal, estadual ou federal”, afirma ele, no livro.

É para essa comunidade que Macedo chama de cristãos com exclusividade (ele exclui os cristãos católicos) que Deus teria feito os planos de governo. No texto repleto de expressões de linguagem de marketing e administração, Macedo lança as bases para uma militância evangélica político-partidária. Diz que no Brasil a comunidade é como um “gigante adormecido”, que se mantém alheia ao processo eleitoral.

Para o cientista político Roberto Romano, professor de ética na Unicamp, Macedo envia uma mensagem aos fiéis para que deixem de lado o pudor de lidar com a política. “Macedo diz: ‘Vocês já foram conquistados para Jesus, sabem como isso os consola. Mas para que o plano de Deus se realize, temos de deixar de ter o pudor de mexer com a política'”, afirma Romano.

O professor diz que a época escolhida por Macedo para lançar o livro, às vésperas da eleições, foi bem escolhida. Romano afirma não estranhar o avanço da Igreja Universal sobre a política. O partido PRB, do vice-presidente José Alencar e de Marcelo Crivella, segundo colocado nas pesquisas eleitorais para a prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, é fortemente ligado à igreja.

“É próprio do Edir Macedo usar essa terminologia de administração e marketing; ele usa isso na igreja dele, assim como a teologia sincrética. Essa teologia da prosperidade. Não me surpreende que esteja transformando essa bem-sucedida empresa em partido, em base política.”

A professora de Teologia da PUC-Campinas Silvana Suaiden vê fundamentalismo por parte de Macedo. “O bispo Macedo faz uma leitura fundamentalista da Bíblia. O que ele entende por povo cristão? Para ele, é, sobretudo, o povo da Igreja Universal. Utilizar a Bíblia para amparar essa tese, principalmente nas eleições, quando existe esse projeto de sustentação da base de políticos evangélicos? É uma jogada.” A especialista explica: “A Bíblia tem de ser lida no contexto em que foi escrita. Ler o Antigo Testamento e dizer que ali está escrito que Deus tem um plano para os cristãos, quando não há uma referência aos cristãos? Isso não tem sustentação teológica”. A reportagem tentou entrevistar Edir Macedo. Mas, segundo sua assessoria, ele não daria entrevistas por estar fora do Brasil.”

Fonte:  IHU On-Line: 21/09/2008. A reportagem é do jornal O Globo, de 21/09/2008 e foi escrita por Tatiana Farah.

O livro: MACEDO, E.; OLIVEIRA, C. Plano de Poder: Deus, os cristãos e a política. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2008, 128 p. – ISBN 9788578600198.

Lambeth: bispos brasileiros falam da Conferência

Li e achei interessante as entrevistas de dois bispos anglicanos brasileiros à IHU On-Line sobre a Conferência de Lambeth: Dom Sebastião Armando Gameleira Soares, bispo da Diocese Anglicana do Recife, e Dom Orlando Santos de Oliveira, bispo anglicano da Diocese de Porto Alegre.

A Conferência de Lambeth é uma assembleia dos bispos da Igreja Anglicana que acontece de dez em dez anos. A Conferência de 2008 teve início em 16 de julho e terminou em 3 de agosto, em Canterbury [Cantuária], Inglaterra.

Lambeth 2008 foi muito debatida entre os biblioblogueiros, pois tratou de situações e assuntos bastante polêmicos e atuais.

Nas duas entrevistas citadas há temas muito interessantes tratados pelos dois bispos, como o ecumenismo e a questão da hermenêutica bíblica.

Lembro aos leitores que Dom Sebastião Gameleira foi meu colega em Roma. Quando lá cheguei para cursar Teologia, ele estava fazendo Ciências Bíblicas no PIB (Pontifício Instituto Bíblico) e cursava, simultaneamente, Ciências Sociais.

Fundamentalismo hoje

Evangélicos e católicos discutem fundamentalismo religioso

Aconteceu em São Paulo nos dias 21 e 22 de agosto o Seminário Fundamentalismo Hoje. Promovido pelo Fórum Ecumênico Brasil (FE-BRASIL) e organizado pela ASTE, CESE e KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, o evento foi realizado no Instituto Salesiano Pio XI, no Alto da Lapa, na capital paulista.

Entidades ecumênicas e igrejas de várias partes do Brasil e exterior estavam representadas. Entre elas, KOINONIA, CONIC, CAIC, CMI (Genebra), Centro Ecumênico Diego de Medellín (Chile), ICEC (Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos) ligado à Igreja Assembléia de Deus Betesda, PROFEC, CLAI, ASTE. Além das entidades ecumênicas, também houve a presença das igrejas Católica Apostólica Romana, Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

As palestras foram proferidas por especialistas e teólogos. A abertura do seminário foi feita pelo Rev. Zwinglio Mota Dias, doutor em teologia pela Universidade de Hamburgo (Alemanha), professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UFJF, pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e editor da revista Tempo e Presença, de KOINONIA. Ele colocou com bastante clareza a realidade do fundamentalismo. No seu entendimento, os fundamentos são necessários para nossa identidade cristã. Entretanto:

“É necessária a alteridade para se revelar ao outro que também construiu sua identidade a partir de seus fundamentos. O diálogo só é possível se houver uma abertura ao diferente. O negativo no fundamentalismo é a intransigência de querer conquistar o outro, que é visto como uma ameaça. ” frisou Dr. Zwinglio.

Sobre o fundamentalismo no contexto da Igreja Católica Apostólica Romana, a responsável foi a professora Brenda Carranza, doutora em ciências sociais, professora-pesquisadora convidada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Para a Dra. Brenda o fundamentalismo moderno é uma reação à modernidade. Fundamentalismo não é uma ideologia, mas uma atitude. A atitude fundamentalista tem como princípio dois elementos:

– a defesa da verdade inegociável

– a premissa de que minha interpretação da verdade é a correta.

Segundo ela, existem quatro tipos de fundamentalismo: científico, cultural, religioso, político-religioso.

Brenda destacou que os elementos de identificação do fundamentalismo na Igreja Católica Romana são o Papa, mariologia, sacramentos, eucaristia e mediação dos santos. Ela ressaltou também que para entender o fundamentalismo da Igreja Católica Romana há que se entender o incômodo causado pela renovação carismática católica, que estabelece uma relação com Deus sem mediação, o que elimina o centro do poder simbólico e concreto: “não preciso de padre, não preciso da igreja”.

Já no contexto Evangélico ou protestante, a explanação ficou com o Rev. Leonildo Silveira Campos, pastor da Igreja Presbiteriana Independente, teólogo e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Leonildo traçou um histórico do fundamentalismo protestante, desde seu início nas primeiras décadas do século XX nos EUA até chegar ao Brasil. Para ele, o protestantismo brasileiro recebeu a influência do pietismo e do evangelicalismo norte americano.

“Não há diálogo. Todavia, o discurso é fundamentalista, mas a prática é relativista. Diante desse quadro, nossa participação como ecumênicos fica muito difícil. (…) “Há o relacionamento ecumênico com vários grupos afins, porém com os pentecostais temos grande dificuldade para o diálogo e ações conjuntas”, reforçou Leonildo. Para ele, haveria um canal aberto para o avanço do espírito ecumênico se nós nos confrontássemos com a nossa intolerância cultural e religiosa. Ele também coloca que será possível estabelecer avanços na direção do diálogo a partir dos seguintes itens:

– Da experiência pentecostal de evangélicos e católicos: já tem sido abertos canais de diálogo nesse sentido;

– Da intensificação do estabelecimento de diálogo para discussão de questões pontuais que separam os diferentes grupos religiosos, o que os têm levado a se enclausurarem em suas convicções particulares;

– Da discussão sobre a ascensão do fundamentalismo dogmático (que divide) em prejuízo dos valores do fundamentalismo escriturístico (que dialoga);

– Da neutralização da polarização em todas as igrejas que têm seu foco na questão do poder político;

Em todas as palestras houve espaço para os grupos de discussão, que através de um relator colocava ao grupo as impressões da discussão. Ao final do encontro, os participantes fizeram uma síntese das discussões e conclusões dos grupos.

Ao avaliar suas experiências à luz das discussões, os participantes chegaram a uma série de conclusões, ainda que provisórias, como afirma o texto, no qual constatam que “a partir do conhecimento do outro, valorizando demandas sociais concretas, tem sido possível estabelecer alternativas de diálogo com grupos historicamente resistentes ao ecumenismo”. Daí a necessidade de se criarem “espaços onde a diversidade se apresente” e de aprofundarem-se as “discussões sobre as identidades e respectivos direitos”. A importância da formação ecumênica das lideranças e dos membros da igreja, desde a infância, foi enfatizada, assim como o imperativo de se desenvolver uma pedagogia adequada, pois “torna-se necessário não confundir uma pessoa fundamentalista por convicção, com pessoas que têm idéias fundamentalistas, simplesmente por reproduzirem um pensamento do senso comum”.

O texto-síntese afirma também que “ecumenismo se dá, acima de tudo, entre pessoas” e que “as instituições só se aproximam quando há pessoas dispostas a fazer essa aproximação”. Em outro ponto, o texto constata que muitas igrejas não têm uma posição institucional ecumênica e que, em outras, “apesar de haver posição institucional não-ecumênica, muitos de seus membros estão abertos ao diálogo. Por isso, “é necessário desenvolver formas que contribuam para superar as barreiras”. Alem do diálogo em torno de reflexões bíblico-teológicas, os participantes apontaram que um possível caminho para ultrapassar essas barreiras pode ser “a discussão a partir do conceito de democracia e os valores pressupostos por esse modelo. ”.

Ao final, os participantes fizeram uma constatação e, ao mesmo tempo lançaram um desafio às igrejas ao afirmarem “que estamos diante de um fenômeno que se torna semelhante em todas as igrejas: buscar seus fundamentos para não perder sua identidade, a qual está se tornando líquida”. E essa busca deve ser tratada “de forma a nos unir e não separar, não voltadas para si mesmas, mas abrindo-se para o outro”.

Fonte: Rev. Haroldo Mendes – Koinonia: 01/09/2008

Religiao como meio de vida?

Meios reestruturam mundo religioso, diz professor
O coordenador da 6. Conferência sobre Meios, Religião e Cultura, reunida de 11 a 14 de agosto em São Paulo, e professor da Universidade de Colorado, Estados Unidos, Stewart Hoover, sustentou que a religião midiatizada está gerando não só um maior nível de visibilidade das diversas expressões religiosas, mas propiciando profunda reestruturação no modo de administrar o poder, de viver a espiritualidade e de posicionar-se na esfera pública.

Um dos pioneiros na pesquisa sobre televangelismo e o impacto midiático das igrejas, Hoover mencionou duas tendências da religião contemporânea sobre as quais os meios desempenham um papel importante. O pesquisador observou, em primeiro lugar, uma forte tendência às buscas autônomas e encontros desinstitucionalizados com o mundo da espiritualidade. “As pessoas constroem hoje sua religiosidade sem depender de nenhuma regulação orgânica”, sublinhou. Hoover destacou que os meios se converteram em espaços através dos quais se constrói o mercado que permite com que uma demanda religiosa diversificada chegue às pessoas com maior fluidez e sem a formalidade das mediações tradicionais. “Neste contexto, os sujeitos sociais modernos atuam de maneira cada vez mais autônoma e pragmática em contraste com aquelas expressões e práticas culturais ‘místicas’ ou efervescentes”, afirmou. Segundo a análise do professor estadunidense, isso não significa que as manifestações religiosas contemporâneas sejam mais triviais ou inconsistentes na atualidade. Ao contrário, isso implica que as pessoas hoje se percebam como consumidores ativos ou fiéis religiosos pró-ativos dos recursos disponíveis no mercado religioso global. Ao mesmo tempo, o “crente” de hoje tornou-se um produtor dos novos discursos religiosos desinstitucionalizados.

O que me chamou mais a atenção foi o seguinte trecho:

A emergência dos denominados “blogs” da fé em países como a Austrália, o crescimento acelerado da indústria musical midiática na América Latina, o massivo consumo global de sites religiosos na Internet, a luta dos pentecostais para se apropriar de meios comerciais na Nigéria, a “hibridização” dos rituais religiosos midiáticos em comunidades rurais italianas, as transições do televangelismo norte-americano, e as ressignificações da cultura oral em espaços digitais na Índia representam apenas alguns dos exemplos mencionados neste fórum e que configuram o novo mapa midiático da religião contemporânea global.

Leia o texto completo na ALC. Por Rolando Pérez – São Paulo, 19 de agosto de 2008. Reproduzido também na IHU On-Line em 20/08/2008.

Supermercado religioso na América Latina

Fragmentação religiosa representa um desafio às igrejas e aos comunicadores

A América Latina experimenta um processo de diversificação e fragmentação das ofertas religiosas num contexto em que as tradicionais instituições perderam uma quota importante de seu poder cultural histórico, observou o coordenador do Programa de Pastoral da Comunicação do Centro Evangélico de Estudos Pastorais na América Central (Cedepca), Dennis Smith.

Presente à Conferência Internacional sobre Meios, Religião e Cultura, realizada em São Paulo, Smith sustentou que no passado as igrejas protestantes tradicionais detinham poder suficiente para dominar o discurso religioso público, incidir de maneira contundente na esfera pública e ainda estigmatizar a participação nas cerimônias públicas de grupos religiosos marginalizados, a exemplo das espiritualidades indígenas e afro-americanas e dos grupos pentecostais.

Hoje, no entanto, novos atores aparecem no campo religioso e, paralelamente, observa-se o ressurgimento de espiritualidades ancestrais. “As igrejas e os grupos religiosos tradicionais competem com novos atores presentes no mercado religioso, alguns deles muito sofisticados no mercado de bens simbólicos”, pontuou Smith.

Na conferência que apresentou no evento, Smith trouxe um detalhado diagnóstico das formas como a religiosidade contemporânea latino-americana se manifesta no supermercado religioso. A cada dia, disse, há mais pessoas que se sentem livres para elaborar o seu próprio menu espiritual, sem se sentirem sujeitas ao poder de hierarquias religiosas.

“A gente entra neste novo ‘supermercado’ para adquirir autoestima, uma porção de perdão, uma essência de esperança, um caldo de consolo e depois vai combinando esses ingredientes segundo uma receita pessoal”, arrolou.

Os novos crentes não sentem a necessidade de esconder o fato de que manejam, de forma simultânea, múltiplas identidades religiosas. Pesquisas revelam que pessoas católicas assistem, eventualmente, aos espetáculos religiosos apresentados pelas megaigrejas neopentecostais. Essas mesmas pessoas, nos momentos limites de sua própria vida, não hesitam em consultar os guias espirituais de outras tradições religiosas, sustentou o professor Smith.

“Diante desse cenário estão lançados os novos desafios às igrejas, movimentos religiosos, comunicadores e comunicadoras que procuram em seus projetos afirmar a dignidade humana na sociedade contemporânea”, frisou.

Nesse sentido, é preciso prestar atenção ao sopro do Espírito nas comunidades eclesiais. “Descobriremos ali que há pessoas em nosso meio que são intermediárias com o incognoscível; são os guardiães de espaços sagrados. Às vezes esses espaços se caracterizam por uma celebração de previdência, plenitude e esperança, às vezes como palco de medo, de manipulação e de vingança”, concluiu.

Fonte: ALC. Por Rolando Pérez – São Paulo, 15 de agosto de 2008.

Heterodoxia como rebeldia?

Somos laicos, pero nos interesa Dios

En una España cada vez más agnóstica, crece la curiosidad por lo sagrado – Hay un auténtico ‘boom’ editorial – La gente busca versiones de la religión distintas a la oficial

Gabriela Cañas – El País: 6 AGO 2008

En la última década se han publicado en España hasta 463 libros en cuyos títulos aparece la palabra “evangelio”. Es casi el doble que en la década anterior. También han aumentado en este decenio los libros dedicados a la Virgen María o Jesús de Nazaret. Es verdad que cada vez se publican más libros en España, lo que indica que en una sociedad cada día más laica no decae el interés por lo sagrado.

La Biblia, El nombre de la Rosa o El código da Vinci son best-sellers indiscutibles, pero el fenómeno de la literatura religiosa (o que utiliza referentes religiosos para sus tramas) es un fenómeno que goza en España de muy buena salud. Nuevos títulos ocupan las listas de los más vendidos. Novelistas, historiadores y teólogos hallan en los evangelios apócrifos, la figura de María Magdalena, la Inquisición o la imprecisión de los textos sagrados una fuente inagotable de inspiración que cuenta con la mayor receptividad de la historia por parte de los lectores. ¿A qué se debe tanto interés?

Si uno busca lecturas de verano, es difícil resistirse a un tomo voluminoso que propone descubrir cómo una agente del FBI, con la ayuda de un exorcista, llega hasta unos manuscritos de la cristiandad prohibidos en la Edad Media y la causa oculta de la muerte de varias monjas recoletas de Bolzano (Italia). Tampoco es fácil abandonar la lectura de una extensa novela que comienza así: “Languedoc. Mediados del Siglo XIII. Soy espía y tengo miedo. Tengo miedo de Dios porque en su nombre he hecho cosas terribles”.

Y junto a ganchos tan indiscutibles, ¿cómo es posible que un sesudo ensayo de 500 páginas titulado Jesús. Aproximación histórica haya vendido 50.000 ejemplares en siete meses?

La historia de este último libro podría ser la base adecuada para una nueva novela del género histórico-religioso. Su autor, José Antonio Pagola, vicario de la diócesis de San Sebastián, que ha dedicado a su texto siete años de investigación, vive quizá los momentos más amargos de su vida una vez que ha sido condenado por la Inquisición española, hoy llamada Comisión Episcopal para la Doctrina de la Fe. ¿Su pecado? Llegar a “planteamientos y conclusiones no siempre compatibles con la imagen de Jesús que presentan los Evangelios, y que ha sido custodiada y transmitida con fidelidad por la Iglesia”, según la nota de la Conferencia Episcopal del pasado 27 de junio. Esta historia exhibe, en fin, una de las claves del éxito actual de todo lo relacionado con la religión: el gusto por la heterodoxia.

En el siglo XXI, son muchos los españoles, creyentes y agnósticos, que rechazan la ortodoxia, el pensamiento único, el dogmatismo, el fundamentalismo. “El libro de Pagola es un éxito de ventas porque es una versión moderna y cercana, y porque la gente busca interpretaciones múltiples para todo. Se niega a aceptar una sola lectura, una sola interpretación”, explica la teóloga Margarita Pintos, analista del papel de la mujer en la Iglesia.

En efecto, el texto de Pagola fue un boom antes de que la Inquisición española lo condenara simbólicamente a la hoguera. “Cuando empezaron a verterse críticas sobre el libro ya se habían hecho 12 presentaciones en distintos lugares del país, con una asistencia media de 400 personas por presentación”, asegura Luis Aranguren, directivo de la editorial marianista PPC.

El periodista y ex sacerdote Juan Arias vendió 24 ediciones de su libro Jesús, ese gran desconocido. El título en sí ya señala que, a pesar de las apariencias, no sabemos tanto de Jesús de Nazaret como creemos. O no sabemos toda la verdad. Incluso los textos más ortodoxos invitan a la lectura con reclamos similares a los que utilizaría cualquier texto crítico con la doctrina oficial, anunciando ese otro rasgo que explica el interés por este tipo de literatura: la transgresión, el rechazo al orden preestablecido. Así, el jesuita Francesc Riera, publicaba a finales de 2007 un estudio titulado Jesús de Nazaret: el evangelio de Lucas, escuela de justicia y misericordia: una historia subversiva y fascinante.

Parte de la fascinación que provoca Jesús de Nazaret estriba, según el teólogo Juan José Tamayo, que ha publicado varios libros sobre su figura, en que todo el mundo habla bien de él, ha resistido a todos los análisis. “Es el paradigma de la coherencia”, dice de él Tamayo. Ello no ha impedido que, como el de Pagola, muchos de los trabajos sobre Jesús hayan merecido el desprecio de los conservadores. Así le ocurrió al libro Última noticia de Jesús el Nazareno, de Lluís Busquets, pese a ser un compendio riguroso de las aportaciones hechas hasta el momento.

A partir de ahí, los niveles de transgresión frente a la doctrina oficial se han disparado. Los historiadores más rigurosos se niegan a limitar sus fuentes a los evangelios canónicos y echan mano de los apócrifos para reconstruir la historia de Judas, devolver su relevancia y su humanidad a María, cuya virginidad se cuestiona, y, por supuesto, para rescatar del burdel en el que la recluyó la Iglesia oficial a María Magdalena, una mujer que los teólogos y, sobre todo, las teólogas definen como una mujer culta, quizá el apóstol más inteligente de Jesús y ¿por qué no?, la compañera sentimental de su vida. “La impresión general es que a la mayoría de la gente nos han engañado cuando aprendimos la religión”, dice Margarita Pintos. “De María Magdalena no nos contaron la verdad. Se nos impuso el patriarcado institucionalizado en todas las religiones. Y sobre la virginidad de María, pues es que ya no cuela”.

Heterodoxia, transgresión, misterio, ocultación de la realidad… Mimbres perfectos para una novela de acción, sazonada de suspense, esoterismo e historia. “Creo que el éxito se debe a que la gente tiene la sensación de no tener tiempo para leer todo lo que quiere y, al mismo tiempo, quiere entretenerse. Este tipo de libros mata dos pájaros de un tiro: entretiene y aprende”, explica Ángeles Aguilera, directora de Comunicación de Ediciones Generales Santillana.

La historia, la recreación de la sociedad en un tiempo determinado (como ha hecho Pagola para reescribir a Jesús) es la base de la obra de la periodista Julia Navarro. Sus tres primeras novelas, de connotaciones histórico-religiosas, han vendido en total 1,5 millones de ejemplares. Arqueólogos, catedrales, templarios, enigmas… “Meras excusas para tratar los problemas que me preocupan, como el nazismo o el fanatismo”, explica la propia autora, a través, eso sí, del hecho religioso, aunque añade: “No me interesa tanto la religión en sí como su influencia. Sin la religión no se puede explicar parte de nuestra historia ni se puede entender, por poner un ejemplo muy cercano, la manifestación de los obispos del año pasado contra el Gobierno de Rodríguez Zapatero. No hay un periodo de la historia en que la religión no haya jugado un papel preponderante”.

Entre los últimos bombazos de ficción con referencias histórico-religiosas se cuenta El laberinto de la rosa, de Titania Hardie (Edición Suma de Letras) que en España ha vendido 100.000 ejemplares. El evangelio del mal, de Patrick Graham (Editorial Grijalbo), salió al mercado en mayo y ya se han vendido 20.000 ejemplares. Y las tres novelas de Julia Navarro.

“Si a un niño no se le enseña la historia de las religiones, entrará en el Museo del Prado y no entenderá nada”, apuntala Juan Arias. “Nuestro laicismo, además, es pura apariencia. Nuestra cultura de siglos es católica, religiosa. Y es una necesidad del ser humano porque la función de la religión es desterrar miedos y dar felicidad, aunque las iglesias hayan invertido los términos”.

Nuria Tey, directora editorial de Plaza & Janés, cree que nuestro interés por este tipo de lecturas ha aumentado en la medida en que la sociedad española se ha ido abriendo mentalmente. Tey, además, no tiene ningún reparo en catalogar a muchos de estos textos dentro de la categoría de “libros de autoayuda”, en la permanente búsqueda de referencias para nuestras vidas. Mientras huimos del dogma, mientras, como dice Tamayo, “nos liberamos de un sistema rígido de creencias”, buscamos nuevos pilares sobre los que crecer como personas en la búsqueda de hallar un sentido a la existencia. “A cualquier ser humano, creyente o no, los temas de la trascendencia y del sufrimiento le afectan”, explica también Raquel Mallavibarrena, portavoz de la corriente Somos Iglesia. “Por ello, las manifestaciones artísticas, y en concreto la literatura, que abordan esos aspectos, siempre interesan por su conexión con esas zonas más íntimas y profundas de las personas, con los interrogantes e incertidumbres que todos llevamos dentro”.

Tenemos dudas, cuestionamos más cosas y no nos conformamos con una única interpretación. El fenómeno no atañe sólo a los cristianos. Esta corriente revisionista se está produciendo también, por ejemplo, en el islamismo allá donde se dan las condiciones políticas y sociales adecuadas: laicismo y libertad de expresión. Es el caso de España. No hay muchos libros al respecto todavía, pero sí una clara corriente ideológica y un feminismo islámico que está surgiendo. Así lo asegura el presidente de la Junta Islámica de España Mansur Escudero. “En Europa y en España se está ofreciendo una relectura de libre interpretación que entronca con el Islam auténtico. Y se está dando sobre todo entre los conversos”.

Pero ésta es ya otra historia. Aunque parece la misma.

 

Reportagem traduzida para o português e reproduzida por IHU On-Line em 16/08/2008: Somos secularizados, mas nos interessamos por Deus.

A midiatização das experiências religiosas

Estudiosos debatem midiatização das experiências religiosas

Estudiosos do fenômeno da religião e das mídias, reunidos na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) para a 6a. Conferência sobre Meios, Religião e Cultura, analisam as implicações da midiatização das experiências religiosas no contexto de uma sociedade plural e diversa (…) A conferência de São Paulo reúne 200 pesquisadores, de 26 países. Ela é organizada pela Comissão Internacional sobre Meios, Religião e Cultura, a Umesp e a Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC, a sigla em inglês) na América Latina. O evento teve início na segunda-feira, 11, e se estende até amanhã.

No debate apareceu também a blogosfera. Diz o texto:
O professor Paul Teusner, da Universidade RMIT, de Melbourne, Austrália, apresentou as conclusões de sua investigação sobre a emergência da religiosidade juvenil na “blogosfera”. O estudo de Teusner indica que o uso das novas tecnologias, como a Internet, está gerando novas identidades religiosas e novos processos de interação entre os fiéis, bem como entre a própria comunidade religiosa tradicional.

 

Leia a reportagem de Rolando Pérez na ALC.

 

Quarta-feira, 13 de agosto de 2008 (ALC) – Estudiosos do fenômeno da religião e das mídias, reunidos na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) para a 6a. Conferência sobre Meios, Religião e Cultura, analisam as implicações da midiatização das experiências religiosas no contexto de uma sociedade plural e diversa.

O professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), padre Pedro Gilberto Gomes, que participou do painel sobre “a religião nas grandes corporações midiáticas”, sustentou que a América Latina observa hoje um deslocamento do espaço tradicional dos templos para um campo aberto e multidimensional, onde os meios desempenham um papel importante. “A cultura midiática está criando novas ritualidades e sensibilidades religiosas”, afirmou.

Esta mudança de época está marcada por uma nova ecologia comunicacional. Nesse sentido, enfatizou Gomes, o fenômeno da midiatização religiosa é mais do que uma experiência relacionada ao uso e à apropriação da tecnologia midiática. Trata-se da construção de um novo modo de ser no mundo onde as identidades e formas de viver a fé e interagir com a transcendência estão mediadas por espaços e meios que estão além do mundo sagrado institucionalizado.

Nesse sentido, a midiatização da sociedade converte-se numa das chaves hermenêuticas para compreender e interpretar o mundo religioso e as novas espiritualidades.

Os trabalhos apresentados por pesquisadores de diversos países revelam que as novas formas de produção e de consumo religioso estão crescendo cada vez mais no espaço criado pelos novos meios de comunicação, no qual o ciberespaço converteu-se no lugar privilegiado destas novas buscas.

O professor Paul Teusner, da Universidade RMIT, de Melbourne, Austrália, apresentou as conclusões de sua investigação sobre a emergência da religiosidade juvenil na “blogosfera”. O estudo de Teusner indica que o uso das novas tecnologias, como a internet, está gerando novas identidades religiosas e novos processos de interação entre os fiéis, bem como entre a própria comunidade religiosa tradicional.

O estudo revela que essa experiência religiosa não significa necessariamente uma forma de concorrência em relação às comunidades religiosas tradicionais. Os “cibercristãos” assumem a comunidade virtual como um passo intermediário para vincular-se com suas congregações ou igrejas locais tradicionais, salientou.

Para a professora Maru Hess, da Universidade Luterana de Minnesota, nos Estados Unidos, as novas apropriações dos espaços produzidas pelos meios tecnológicos geram re-significações notáveis no campo da autoridade religiosa. Por outro lado, indicou, este fenômeno gera desafios para as igrejas e grupos religiosos tradicionais em termos de repensar suas estratégias discursivas, bem como compreender, interagir e dialogar com estas novas comunidades virtuais de fé e com os próprios fiéis que se movem nos espaços e mundos culturais que a sociedade contemporânea midiatizada está gerando.

A conferência de São Paulo reúne 200 pesquisadores, de 26 países. Ela é organizada pela Comissão Internacional sobre Meios, Religião e Cultura, a Umesp e a Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC, a sigla em inglês) na América Latina. O evento teve início na segunda-feira, 11, e se estende até amanhã.

Brasilianista fala sobre a Igreja no Brasil

Kenneth P. Serbin, o brasilianista que citei no post Uma prece pelos civis inocentes mortos no Iraque? está lançando nestes dias seu livro sobre a Igreja Católica no Brasil:

SERBIN, K. P. Padres, Celibato e Conflito Social: Uma História da Igreja Católica no Brasil. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, 448 p. – ISBN 9788535912746.

Original inglês: Needs of the Heart: A Social and Cultural History of Brazil’s Clergy and Seminaries. Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 2006, xix + 457 p. – ISBN 9780268041199.

Leia a entrevista de Kenneth P. Serbin à IHU On-Line.

 

“Cão-de-guarda moral”. A Igreja no Brasil, hoje. Entrevista especial com Kenneth Serbin – IHU – 10/08/2008

Sem ter a pretensão de julgar as atitudes da Igreja Católica ao longo dos anos, Kenneth Serbin, da Universidade de San Diego, EUA, atua como um observador da história. Em entrevista exclusiva, concedida por telefone à IHU On-Line, nesta semana, ele avalia as mudanças ocorridas no clero brasileiro, e discute questões polêmicas, como a obrigatoriedade do celibato e os crescentes abusos sexuais dentro da Igreja.

Entre tantas observações, Serbin ressalta uma mudança no perfil dos padres. Segundo ele, isso está diretamente relacionado às transformações mundiais ocorridas nos anos 90, e ao modelo neoliberal que pouco a pouco também vem se proliferando pela Igreja. Padres idealistas estão sendo substituídos por jovens seminaristas, que “percebem o fiel como um consumidor de religião”, alerta. E afirma ainda que, diferentemente dos veteranos fundadores da Teologia da Libertação, o novo clero “acredita que o trabalho do padre não é ficar todo o tempo ao lado do povo, mas ser um exemplo para ele”.

A opção pelos pobres, assumida com tanta efervescência pelos seguidores libertários, está perdendo a intensidade, alerta o pesquisador. “Não sei se essa opção ainda vai avançar. Pelo menos não nessa linha que existiu nos anos 60. Haverá, cada vez mais, essa visão da religião como bem de consumo. A linha da libertação vai ter de lutar para sobreviver”.

A Igreja vive hoje o que Kenneth Serbin chama de “cão-de-guarda moral”, ou seja, ela “não tem mais aquele sentimento informal da época pré-conciliar, nem aquele embate frontal do período de D. Ivo Lorscheiter”. Segundo ele, a Igreja está atuando como uma conselheira, “sem se envolver em questões sociais como antes”.

Ph.D. em História pela Universidade da Califórnia, Serbin está no Brasil, lançando seu novo livro Padres, celibato e conflito social. Uma história da Igreja Católica no Brasil (São Paulo: Companhia das Letras, 2008). Ele também é autor de Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura (São Paulo: Companhia das Letras: 2001).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as maiores preocupações dos que optaram por ser padres na Igreja do Brasil? O que eles se propõem fazer como padres?

Kenneth Serbin – O último capítulo do meu livro Padres, celibato e conflito social. Uma história da Igreja Católica no Brasil (São Paulo: Companhia das Letras, 2008) tem como preocupação discutir os desafios que os padres enfrentam no novo milênio. Além disso, apresenta os dois modelos de padres que estão sendo cogitados no Brasil. Por um lado, temos um arquétipo que pertence à Teologia da Libertação, traçado nos anos 60, momento histórico de muita turbulência, marcado por protestos estudantis, pela guerrilha no Brasil e pelo surgimento de novas culturas. Nesse contexto de mudanças, surgiu um movimento de seminaristas no país, no qual padres e teólogos desenvolveram um papel muito importante.
O Rio Grande do Sul foi o centro desse movimento que se chamava União dos Seminaristas Maiores do Sul (Usmas). O grupo preconizou esse modelo de padre mais voltado ao povo, e que, ao invés de morar em grandes seminários como o ex-Seminário Central de São Leopoldo, formado por grandes prédios, optava por ficar em pequenas comunidades. Ele almejava um modelo moderno de formação sacerdotal, ou seja, desejava acompanhar o movimento estudantil, a política, querendo a profissionalização do clero. Os padres, dentro desse modelo, ainda pretendiam ser profissionais: jornalistas, professores, psicólogos, advogados etc. Buscavam, assim, uma maneira de sobreviver independente da Igreja. Como reflexo do movimento dos padres operários na Europa, em 1960, no Brasil muitos sacerdotes foram trabalhar em fábricas. Antes dessa época, eles viviam dos dízimos dos leigos e de benesses das pessoas ricas ou dos ingressos das próprias paróquias ou das dioceses.

Os jovens seminaristas queriam também uma formação integral, ou seja, holística. Em vez de concentrar o seminário na disciplina, propunham uma formação psicológica mais sadia.

Outra grande questão que eles colocaram em pauta nos anos 60 foi a da obrigatoriedade do celibato. Acreditavam que poderiam ter dois tipos de cleros: um celibatário, que não iria casar nem ter filhos; e um outro clero de casados, mas que poderiam exercer todas as funções dos padres. Claro que a Igreja não aceitou essa proposta, e até hoje esse é um ponto controvertido na Igreja do Brasil. De qualquer modo, o movimento dos seminaristas criou um modelo libertário de padre que atuou com destaque até os anos 80.

Segundo modelo

Na década de 90, por outro lado, surgiu um modelo de padre mais conservador, como Marcelo Rossi. Esse não enfatiza a relação com o povo, as questões políticas ou sociais. Numa outra perspectiva, estabelece uma ênfase na espiritualidade tradicional, ou seja, fala mais dos santos, das curas que as pessoas obtêm ao rezar e ir à missa, das questões pessoais de família, do comportamento, do casamento. Esse clero acredita que o trabalho do padre não é ficar todo o tempo ao lado do povo, mas ser um exemplo para ele. Embora seja um modelo mais elitista, não quer dizer, de qualquer modo, que esses padres não tenham interesse de manter contato com o povo. Entretanto, eles disseminam suas atividades, sobretudo através da mídia.

IHU On-Line – Que fatores levaram a essa mudança de postura dos padres dos anos 60 para os 90?

Kenneth Serbin – São muitos fatores, mas a grande questão está relacionada à geração. Os jovens seminaristas dos anos 60 – isso se percebia muito no seminário de Viamão – eram idealistas, ou seja, queriam mudar o mundo. Essa geração nasceu depois da Segunda Guerra Mundial, e viu o Brasil progredir nos anos 50 com a construção de Brasília, a introdução das indústrias automobilística e de bens de consumo. Entretanto, enquanto o Brasil começava a se afirmar como um país capitalista, esses jovens percebiam a pobreza, o crescimento das favelas, a superlotação de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Eles sentiam essas contradições, e queriam que o mundo fosse mais igualitário. Nesse cenário, foram influenciados pela Revolução Cubana, que questionava o capitalismo e o predomínio dos EUA sobre a América Latina.

Mudança de rumo

Acontecimentos como o fim da Guerra Fria, a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética tiraram fôlego do movimento libertário e criou-se assim o modelo neoliberal, que visa à eficiência capitalista. Isso influenciou também a atuação na Igreja. Os jovens que observei em meus estudos percebem o fiel como um consumidor de religião. Diferente de hoje, nos anos 60, ninguém pensava a religião como bem de consumo. Acredito que o seminarista jovem, hoje, reconhece que o Brasil virou um grande mercado de religiões. Isso ocorreu porque, entre os anos 70 e 90, houve um crescimento das igrejas neopentecostais, que passaram a competir com as igrejas católicas.

Além disso, o mundo mudou, e nos anos 90 surgiu uma nova geração de jovens que não estava mais ligada no idealismo. Essa é uma geração mais realista, sem grandes ideais, desejos e modelos para mudar o mundo. Hoje, a religião se tornou mais individualista, isto é, perdeu o sentido de coletivo dos anos 1960.

IHU On-Line – O que motiva um jovem, hoje, a ser padre católico no Brasil e o que motivava no período pesquisado pelo senhor?

Kenneth Serbin – O que motiva os jovens é a salvação da alma das pessoas. Nesse sentido, os seminaristas voltaram para um modelo pré-anos 1960, ou seja, o que chamamos de pré-conciliar.
A Igreja do Concílio Vaticano II era mais solidária com as questões sociais e deixava de lado a espiritualidade tradicional, focando a salvação das pessoas na terra. Mas os jovens dos anos 1990 e 2000 não visam mais essa posição. Percebo, assim, uma nova preocupação com o “além desta vida”. Essa geração mais recente está recuperando aspectos do catolicismo que foram deixados de lado e ignorados pelos seminaristas dos anos 60.

IHU On-Line – A Igreja latino-americana e brasileira optou pelos pobres. Esta opção é assumida pelos padres formados nos seminários pesquisados pelo senhor?

Kenneth Serbin – Entre as décadas de 1960 e 1980, a opção pelos pobres era abertamente aceita em muitos seminários do Brasil. Era, inclusive, a mais popular, mas hoje em dia ela está desaparecendo. Ainda existem padres, seminaristas e bispos na Igreja do Brasil que estão a favor dessa opção, mas ela não é mais hegemônica como nas décadas anteriores. No passado, todos os bispos achavam importante reconhecer tal opção, e permitiam que os padres agissem nessa linha.

Entretanto, a corrente libertária da Igreja utilizava os conceitos marxistas para interpretar a realidade brasileira. Mas isso não quer dizer que eles fossem comunistas. De qualquer modo, João Paulo II não gostava do envolvimento dos padres brasileiros com a política e tampouco dos questionamentos realizados por Leonardo Boff, por exemplo, no que se refere às estruturas de poder na Igreja. Começou, então, na década de 80, uma grande pressão do Vaticano para diminuir ou eliminar, no Brasil, essa opção pelos pobres.

No meu livro, relato um embate que ocorreu no Recife, quando fecharam o seminário Serene II (Seminário Regional do Nordeste II), em 1989, por ordem expressa do Vaticano, pois esse seguia a opção pelos pobres e a Teologia da Libertação. Também ordenaram o fechamento do Instituto de Teologia do Recife (ITER). Essas foram grandes perdas para a Igreja do Brasil, na medida em que eram instituições com idéias muito interessantes, contando, inclusive, com teólogas como Ivone Gebara. Com essas mudanças, a partir dos anos 90 se construiu um perfil diferente de padres. Quando o jovem seminarista procurou o seminário, ele não encontrou mais modelos como Serene II ou ITER.

IHU On-Line – Por que essa pressão do Vaticano para acabar com essa opção pelos pobres?

Kenneth Serbin – Porque João Paulo II, junto com outros elementos conservadores na Igreja do Brasil, tinham medo do comunismo. Devemos lembrar que, nos anos 1960 e 1980, ainda estávamos em plena Guerra Fria. Nesse período, quando o papa veio à América Latina e percebeu que os padres eram engajados, políticos e que tinham simpatia pelo marxismo, ele ficou horrorizado, pois foi justamente contra esse tipo de pensamento que ele lutava, no Leste Europeu. A Polônia foi dominada pelos soviéticos por décadas. Para ele, esse sistema era totalitário, ateu e anti-católico.

Opção pelos pobres

IHU On-Line – Para avançar nessas questões (opção pelos pobres), seria necessária uma reforma na formação dos padres, tornando-os mais atuantes nas comunidades? Como o senhor avalia a formação deles nos seminários?

Kenneth Serbin – Não sei se essa opção pelos pobres ainda vai avançar. Pelo menos não nessa linha que existiu nos anos 1960. Haverá, cada vez mais, essa visão da religião como bem de consumo. A linha da libertação terá de lutar para sobreviver. Com esse papado, não ocorrerão reformas, questões sociais e políticas não terão grande abertura, pois ele dá continuidade ao mandato de João Paulo II. Bento XVI tem olhos alemães e observa o mundo dessa forma. Quando ele esteve no Brasil, se sentiu como um peixe fora d’água. O papa João Paulo II era um pastor, enquanto Ratzinger é um intelectual. Por isso, é difícil para o povo brasileiro se sentir empolgado com esse tipo de papa. Penso que a população brasileira não vai à Igreja para ouvir grandes discursos, e sim para sentir Deus no coração.

Esse impulso de reforma na formação dos padres deve vir dos dois lados. A Igreja do Brasil terá de se auto-afirmar, como continua fazendo. Mesmo apresentando uma posição mais tradicional, enfatizando menos a opção pelos pobres, a Igreja brasileira ainda sente o desejo de independência. Esse sentimento persiste desde a época do padre Feijó, que propunha uma Igreja na qual os sacerdotes poderiam casar, não precisassem usar batina e pudessem ajudar o povo a melhorar com a agricultura. A Igreja da Libertação pretendia a mesma coisa: autonomia e um modelo brasileiro de formação. Por isso, no Brasil, os padres vivem uma grande tensão com o Vaticano. Eles nascem em terras brasileiras, mas devem obediência ao bispo e ao papa. Nesse sentido, vivem divididos entre a fidelidade à Igreja e ao povo brasileiro, e se questionam: “Como padre, vou acatar o que meu coração brasileiro diz, ou o que ordena o papa, no Vaticano?”. Independente dessas dificuldades, penso que a Igreja brasileira ainda terá vertentes nacionalistas. Surgiram novos movimentos e desejos de expressar um modelo brasileiro de ser Igreja.

IHU On-Line – A religião como bens de consumo é uma tendência mundial?

Kenneth Serbin – Sim. Tudo na vida está virando bem de consumo. Infelizmente, a religião também está seguindo esse caminho. O desafio das religiões é recuperar os valores tradicionais e, nesse sentido, eu concordo com qualquer católico ou mesmo com o papa, que quer recuperar os valores tradicionais. Quando digo isso, me refiro aos valores da religião: como tratamos o nosso próximo, nossos vizinhos na América Latina, por exemplo. Precisamos prestar mais atenção nas questões éticas e morais, e a religião precisa recuperar esses traços.

Igreja e o PT

IHU On-Line – O senhor disse recentemente, numa entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, que a tendência geral da Igreja no Brasil é de agir com muita cautela nas questões sociais. A que se deve essa postura?

Kenneth Serbin – Isso acontece porque o mundo, o perfil da sociedade e a política brasileira mudaram. No Brasil, atualmente, existe o que chamamos de convergência política. Vinte anos atrás, quando Lula era candidato à presidência, líderes da Igreja progressista, como Leonardo Boff e Frei Betto, pediam votos para ele, e o apoiavam publicamente. Havia uma sintonia entre a Igreja libertária e o PT. Hoje, ela não existe mais. Lula tem como grande aliado o Partido Liberal (PL), que é um reduto da Igreja Universal do Reino de Deus. Isso demonstra que o terreno político no Brasil mudou. As diferenças ideológicas dentro do Congresso Nacional, hoje, são muito menores do que no passado. Ou seja, a polarização política que tinha no Brasil nos anos 1960 e levou ao golpe militar de 1964, acabou. Hoje, Lula se entende com Collor, com a Direita e a com a Igreja Universal. Agora, a Igreja está num contexto onde não há mais polarização, não há mais Guerra Fria. Nesse sentido, observo que ela age com mais cautela, justamente devido a essas mudanças na política.

IHU On-Line – O fato de Lula ter participado de movimentos sociais católicos na juventude deveria influenciar na sua posição frente as questões sociais, atualmente?

Kenneth Serbin – Muitos achavam que, a partir de 2003, seria o momento de o movimento popular no Brasil se afirmar na política. Mas aconteceu o contrário. As relações entre Lula e a Igreja progressista são menos calorosas. O grande eleitorado do presidente são os despossuídos, aqueles que vivem do Bolsa Família, e que por teoria não tinham muita participação na Igreja progressista da época. Aliás, essa foi uma das falhas da Igreja: ela deveria ter atraído mais militantes pobres. Esses, ao contrário, foram para a Igreja Universal do Reino de Deus, para as neopetencostais. Por isso, percebemos hoje não só Lula mas muitos políticos brasileiros participando de comícios com as igrejas evangélicas. Eles sabem que o voto do povo não está só na Igreja Católica.

IHU On-Line – O senhor pesquisou a gestão da presidência de D. Aloísio Lorscheider e de D. Ivo Lorscheiter na CNBB, durante a Ditadura Militar. Como analisa a longa direção de D. Luciano Mendes de Almeida na CNBB? Quais são as continuidades e as descontinuidades destas gestões com as posteriores?

Kenneth Serbin – D. Aloísio Lorscheider esteve na direção da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) entre os anos 1970 e 1978. Em seguida, assumiu D. Ivo Lorscheiter, que permaneceu até 1986. Ambos estiveram à frente da instituição no período em que a Igreja enfrentou as maiores dificuldades de relacionamento com o governo. Além disso, precisavam lidar com problemas ligados a violação dos direitos humanos e à falta de democracia no país. Entretanto, nas reuniões secretas entre o Regime Militar e os bispos, os irmãos Lorscheiter agiam de maneira diferente. Enquanto D. Aloísio Lorscheiter estava disposto a estabelecer um diálogo, D. Ivo Lorscheiter apresentava um posicionamento mais rígido, criticava a falta de liberdade e a política socioeconômica da época.

Nesse período, a Igreja foi uma das poucas instituições que conseguiu se manifestar livremente. Ela representava – como dizia D. Hélder Câmara – “a voz dos que não tinham voz”.

Com a volta da democracia em 1985, e depois com as eleições de 1986, a Igreja não precisou mais “falar em nome dos oprimidos”, pois se instituiu a liberdade de expressão no país, abrindo espaço para o surgimento de novos movimentos sociais e sindicatos, que passaram a desempenhar um papel significativo na área dos direitos humanos, por exemplo.

Com a democracia instituída, o sucessor da CNBB, D. Luciano Mendes de Almeida, que permaneceu na presidência por oito anos, atuou num contexto totalmente diferente. Na gestão dele, ocorreu o impeachment do presidente Collor, eleito em 1989. Nesse momento, as preocupações da Igreja estavam centradas no debate da ética na política e na vida pública. Com a posse dele, ficou clara a volta de uma Igreja mais conservadora, sob o papado de João Paulo II.

Continuidades

Depois da gestão de D. Luciano Mendes de Almeida, a Igreja passou a apresentar uma atitude, a qual chamo de “cão-de-guarda moral”, ou seja, ela não tem mais aquele sentimento informal da época pré-conciliar (antes do Concílio do Vaticano II), que mantinha com Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, nem aquele embate frontal do período de D. Ivo Lorscheiter. Agora, ela continua com suas posições morais, mas denuncia o que considera imoral na sociedade brasileira, como a falta de políticas sociais adequadas. Ela atua mais no sentido de aconselhar, advertir, ou seja, simplesmente chama a atenção para os fatos. Desse modo, ela não se envolve mais nas questões sociais como antes.

IHU On-Line – O último Encontro Nacional de Presbíteros solicitou que a Igreja revisse a lei do celibato, tornando-o opcional. A CNBB não encaminhou o pedido ao Vaticano. Como explicar tanta resistência da Igreja a mudanças no que diz respeito ao celibato? O que uma mudança de posicionamento por parte da Igreja poderia representar para a comunidade católica?

Kenneth Serbin – A discussão do celibato sempre esteve presente na história do Brasil. Essa é uma questão política de interesse nacional. Na época do padre Feijó, o tema foi debatido na Assembléia Nacional. Nos anos 1960, o assunto foi tratado entre seminaristas e bispos, os quais reconheciam a necessidade de mudança. Mas a contestação foi barrada e proibida pelo papa Paulo VI. Ou seja, o Concílio Vaticano II foi a maior reforma nos dois milênios da história da Igreja, e ainda assim, não tocou nessa questão. Pelo contrário, Paulo VI reafirmou o celibato como obrigação dos padres. Isso foi uma tragédia para a Igreja do Brasil, porque ela perdeu, entre os anos 1965 e 1980, mais ou menos três mil padres.

Uma vida paralela

No Brasil, muitos padres, embora continuassem exercendo o sacerdócio, constituíram família; e acredito que essa continua sendo uma prática nos dias atuais. Esses homens sofrem muito, e por isso mantêm relacionamentos paralelos. Em Um espinho na carne. Má conduta e abuso sexual por parte de clérigos da Igreja Católica do Brasil (Santuário, 2002), o padre norte-americano Gino Nasini, que atua no Brasil há anos, mostra que muitos sacerdotes ainda mantêm relações com mulheres. Isso acontece porque eles nunca aceitaram o celibato. Do mesmo modo, os leigos nunca se importaram com essas questões. Essa era uma preocupação dos bispos, e foi uma das causas que motivaram a instalação de seminários no Brasil. Até a época do padre Feijó, existiam poucos seminários no país e a formação seminarística era fraquíssima. A Igreja investiu nesses colégios justamente para implantar o celibato. Lá, isolavam meninos de oito e nove anos, os quais não podiam ter contato com as mães e outras mulheres. Só visitavam a família em ocasiões especiais. Por que tudo isso? Para formar padres celibatários.

Divisão na Igreja

Em 2003, um estudo realizado pelo Ceris (Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais), órgão da CNBB, mostrou que 42% dos padres querem que o celibato seja opcional, ou seja, quase metade dos sacerdotes. Só que o papa e a Igreja não aceitam esse debate.

Os bispos reivindicavam essa mudança, porque percebiam que estavam perdendo sacerdotes. Além disso, os católicos são somente 73% da população, e a cada ano está diminuindo a proporção católica na sociedade brasileira. Não bastasse isso, as igrejas neopetencostais estão construindo mais templos, formando pastores em menos tempo e liberando-os para casar. Em contrapartida, na Igreja Católica a proporção de padres disponíveis para atender a população é muito desigual. São mais de 10 mil fiéis para cada padre. Como a Igreja vai dar atenção a essas pessoas se não existem mais padres? Se permitissem o casamento dos sacerdotes, acredito que surgiriam mais vocações na Igreja brasileira. A comunidade católica iria se beneficiar dessa questão, pois, além de permitir a volta dos padres casados, iria regularizar a situação dos que vivem, segundo a Igreja, em pecado.

IHU On-Line – No livro Padres, celibato e conflito social. Uma história da Igreja Católica no Brasil, o senhor afirma que desde os anos 30 padres cometiam abuso sexual e não eram punidos. O senhor acredita que os bispos continuam ignorando essa realidade? Por que é tão difícil para a Igreja se posicionar rigidamente diante desses acontecimentos?

Kenneth Serbin – Sim. Eles continuam ignorando a realidade e colocando o lixo embaixo do tapete. Nasini constatou que 10% dos padres brasileiros cometem abusos sexuais. Ele inclui, nesse estudo, padres que mantêm relacionamentos com mulheres. Discordo dele nesse sentido, porque penso que esses sacerdotes não praticam abuso sexual. Nesse caso específico, ambos (o padre e sua companheira) vivem um relacionamento difícil, proibido, pois a Igreja não permite a união.

De qualquer modo, sabemos que é relevante o número de sacerdotes abusando de crianças, mulheres e homens. Entretanto, quantos bispos questionam isso? Quantas pesquisas existem sobre esse fato? E as punições? As penalidades que conheço são realizadas pela justiça. Raramente sai uma notícia no jornal mostrando, por exemplo, que um padre foi processado por abusar uma crianças.

Exemplo da Igreja americana

Quando foram noticiados casos de abuso sexual nos EUA, o Vaticano disse que eles eram um problema local. A mídia americana, como sempre, não pesquisou a situação em outros países. Mas, ao tomar conhecimento dessas práticas, a Igreja norte-americana criou uma comissão especial, instituiu regras novas, fez uma devassa em toda a Igreja para acabar com aquele tipo de comportamento. A Igreja do Brasil ainda não enfrentou essa questão. A imprensa brasileira não está interessada em pesquisar o assunto, e a sociedade é tolerante com esse tipo de problema.

Claro que isso não acontece apenas no Brasil. Desde os anos 1930, nos EUA, por exemplo, quando um padre abusava sexualmente de alguém, e era descoberto pelo bispo, simplesmente era transferido, sem receber qualquer punição. Tampouco era excomungado.

No meu livro, relato o caso de um padre que abusava de seminaristas, e, ao ser descoberto, foi transferido para trabalhar com crianças. Isso é uma hipocrisia muito grande. Então, como se pode perceber, a Igreja do Brasil passa pela mesma crise moral que passou a Igreja dos EUA. A responsabilidade de mudar essa realidade cabe não só aos padres brasileiros, mas também ao papa.

IHU On-Line – Há semelhanças entre a Igreja Católica do Brasil e dos EUA? Em quê? Quais são as principais diferenças entre elas?

Kenneth Serbin – A Igreja nos EUA sempre foi minoritária, e nunca teve uma concordata moral como ocorreu no Brasil. A Igreja brasileira era quase um outro Estado, pois ela sempre teve o poder político, econômico e moral, ou seja, representava um poder paralelo, enquanto a Igreja norte-americana sempre viveu uma situação de pluralismo. Só agora a Igreja brasileira começa a enfrentar a realidade do mundo moderno, ou seja, a perceber que na sociedade existem outras fés, Igrejas, crenças e maneiras de ver o mundo. Muitos integrantes da Igreja brasileira, inclusive os progressistas, não queriam diálogo, e tampouco pretendiam reconhecer o crescimento de outras religiões. Somente agora estão refletindo sobre isso. Ou seja, demorou muito para se chegar a esse ponto.

IHU On-Line – Quais as principais deficiências da Igreja brasileira, hoje?

Kenneth Serbin – A falta de compromisso com o espírito do Concílio do Vaticano II. O Brasil foi um dos países que mais aderiu a esse espírito inovador. Hoje, a posição assumida naquela época está muita fraca. A Igreja recua de muitos desafios. Já avançamos no que diz respeito à participação das mulheres na Igreja, mas poderíamos prosperar mais nesse sentido.

No atual estado do mundo, o debate sobre o aborto também deve ganhar mais destaque. Não digo que a Igreja deva abrir mão de seu ensinamento moral sobre o tema, mas essa é uma questão de saúde pública. Existem tantas mulheres se automedicando, realizando abortos em clínicas clandestinas, isto é, há tanto sofrimento nesse sentido. Essas ações mostram como a Igreja, a imprensa e a sociedade brasileira não valorizam a posição da mulher. Tenho certeza que, se os homens pudessem ficar “grávidos”, o aborto seria legalizado. A sociedade precisa valorizar mais a experiência da mulher. A Igreja brasileira poderia desenvolver um papel profético nesse sentido, poderia acolher essas pessoas e ajudá-las, ao invés de simplesmente impor uma norma dizendo que aborto é pecado. A vida é mais complexa do que isso.

IHU On-Line – O senhor diz que “somente olhando para o passado é que a Igreja vai se preparar para o futuro”. Nesse sentido, que aspectos devem ser resgatados para projetar um futuro melhor para a Igreja? Que futuro podemos esperar para a Igreja nos próximos anos, especialmente na América Latina e no Brasil?

Kenneth Serbin – A Igreja precisa recuperar esse espírito do Concílio, valorizar o diálogo com outras crenças, filosofias, e aprender que o mundo é plural. O problema da Igreja na América Latina é que ela sempre foi um monopólio. Hoje isso está mudando, pois o continente está mais democrático e pluralista. A Igreja tem de se adaptar a essa situação. Temo que, se ela não recuperar esses aspectos, poderá cair na irrelevância. Além disso, a Igreja deve valorizar mais a cultura brasileira e seu povo. A própria América Latina vive uma sensação de inferioridade. A Usmas, nesse sentido, queria valorizar o país e o que é brasileiro na tradição católica, construindo uma formação genuinamente nacional. Esse é o desafio.

Igrejas e religiões hoje: Martini, Boff, Al-Sa’Dawi

Da Itália, o biblista Carlo Martini, no artigo Que cristianismo no mundo pós-moderno? – Fonte: IHU On-Line: 29/07/2008

“Recordo um jovem que, recentemente, me dizia: “Não me diga que o cristianismo é verdade. Isso me provoca um mal-estar. É diferente do que dizer que o cristianismo é belo…” A beleza é preferível à verdade”, escreve Carlo Maria Martini, jesuíta, cardeal, arcebispo emérito de Milão, em artigo publicado no jornal italiano Avvenire, 27-07-2008.

Eis o artigo.

O que posso dizer sobre a realidade da Igreja católica, hoje? Deixo-me inspirar pelas palavras de um grande pensador e homem de ciência russo, Pavel Florenskij, que morreu em 1937, mártir da sua fé cristã: “Somente com a experiência imediata é possível perceber e valorizar a riqueza da Igreja”. Para perceber e avaliar as riquezas da Igreja, é necessário passar pela experiência da fé.

Seria fácil redigir uma coletânea de lamentações de coisas que não vão bem na nossa Igreja, mas isso significaria adotar uma visão artificial e deprimente, e não olhar com os olhos da fé, que são os olhos do amor. Naturalmente não devemos fechar os olhos aos problemas. Devemos, contudo, buscar antes de tudo, compreender o quadro geral no qual esses se situam.

Um período extraordinário na história da Igreja
Se, portanto, considero a situação presente da Igreja com os olhos da fé, vejo, sobretudo, duas coisas.

Primeiro, nunca houve, na história da Igreja, um período tão feliz como o nosso. A nossa Igreja conhece a sua maior difusão geográfica e cultural e se encontra substancialmente unida na fé, com exceção dos tradicionalistas de Lefebvre.
Segundo, na história da teologia nunca houve um período tão rico como o atual. Nem no século IV, período dos grandes Padres da Capadócia da Igreja Oriental e dos grandes Padres da Igreja ocidental, como São Jerônimo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho, não havia uma tão grande floração teológica.

Basta recordar os nomes de Henri de Lubac e Jean Daniélou, de Yves Congar, Hugo e Karl Rahner, de Hans Urs von Balthasar e do seu mestre Erich Przywara, de Oscar Cullmann, Martin Dibelius, Rudolf Bultmann, Karl Barth e dos grandes teólogos americanos com Reinhold Niebuhr – sem esquecer os teólogos da libertação (seja qual for o juízo que façamos deles, agora que lhes vêm prestada uma nova atenção pela Congregação da Doutrina da Fé) e muitos outros que ainda vivem. Recordemos também os grandes teólogos da Igreja oriental que conhecemos pouco, como Pavel Florenskij e Sergei Bulgakov.

As opiniões sobre estes teólogos podem ser muito diferentes e variadas, mas eles certamente representam um grupo incrível, como nunca existiu na Igreja dos tempos passados. Tudo isso se dá num mundo cheio de problemas e de desafios, como a injusta distribuição das riquezas e dos recursos, a pobreza e a fome, os problemas da violência difusa e da manutenção da paz. Particularmente vivo é o problema da dificuldade de compreender com clareza os limites da lei civil em relação à lei moral. Estes são problemas muito reais, sobretudo em alguns países, e são, muitas vezes, objeto de leituras diferentes que geram uma discussão também muito acesa.

Às vezes parece possível imaginar que não todos estamos vivendo no mesmo período histórico. Parece que alguns vivem ainda no tempo do Concílio de Trento, outros no tempo do Concílio Vaticano I. Alguns assimilaram bem o Concílio Vaticano II, outros menos; ainda outros já se projetaram decididamente no terceiro milênio. Não somos verdadeiros contemporâneos, e isso sempre representou um grande fardo para a Igreja e requer muita paciência e discernimento. Mas, no momento, prefiro isolar este tipo de problemas e considerar a nossa situação pedagógica e cultural com as conseqüentes questões relacionadas com a educação e o ensino.

Uma mentalidade pós-moderna :
Para buscar um diálogo profícuo entre as pessoas deste mundo e o Evangelho e para renovar a nossa pedagogia à luz do exemplo de Jesus, é importante observar atentamente o assim chamado mundo pós-moderno, que constitui o contexto de fundo de muitos destes problemas e que condiciona as soluções.

Uma mentalidade pós-moderna pode ser definida em temos de oposições: uma atmosfera e um movimento de pensamento que se opõe ao mundo assim como o conhecemos até agora. É uma mentalidade que se separa espontaneamente da metafísica, do aristotelismo, da tradição agostiniana e de Roma, considerada como sede da Igreja, e de muitas outras coisas. O pensar pós-moderno está longe do precedente mundo cristão platônico onde se dava como certa a supremacia da verdade e dos valores sobre os sentimentos, da inteligência sobre a vontade, do espírito sobre a carne, da unidade sobre o pluralismo, do ascetismo sobre a vitalidade, da eternidade sobre a temporalidade. No nosso mundo de hoje há uma instintiva preferência pelos sentimentos sobre a vontade, pelas impressões sobre a inteligência, por uma lógica arbitrária e a busca do prazer sobre uma moralidade ascética e coercitiva. Este é um mundo no qual são prioritários a sensibilidade, a emoção e o átimo presente.

A existência humana se torna, desta maneira, um lugar onde há a liberdade sem freios, onde a pessoa exercita, ou acredita pode exercer, o seu arbítrio pessoal e a própria criatividade.

Este tempo é também de reação contra uma mentalidade excessivamente racional. A literatura, a arte, a música e as novas ciências humanas (particularmente, a psicanálise), revelam como muitas pessoas não crêem mais que vivem num mundo guiado por leis racionais, onde a civilização ocidental é um modelo a ser imitado no mundo. Ao contrário, aceita-se que todas as civilizações são iguais, enquanto que antes se insistia na assim chamada tradição clássica. Este tempo também é uma reação contra uma mentalidade excessivamente clássica. Hoje tudo é colocado no mesmo plano porque não existem mais critérios para verificar que coisa é uma civilização verdadeira e autêntica.

Há uma oposição à racionalidade que é vista como fonte de violência proque as pessoas acham que a racionalidade pode ser imposta enquanto verdadeira. Prefere-se a forma de diálogo e de troca com o desejo de sempre ser aberto aos outros e ao que é diferente, se duvida inclusive de si mesmo e não se confia em quem quer afirmar a própria identidade com a força.

Este é o motivo pelo qual o cristianismo não é acolhido facilmente quando ele se apresenta como a “verdadeira” religião.

Recordo um jovem que, recentemente, me dizia: “Não me diga que o cristianismo é verdade. Isso me provoca um mal-estar. É diferente do que dizer que o cristianismo é belo…” A beleza é preferível à verdade. Neste clima, a tecnologia não é mais considerada como um instrumento a serviço da humanidade, mas um ambiente no qual se dão as novas regras para interpretar o mundo: não existe mais a essência das coisas, mas somente o uso dessas para um certo fim determinado pela vontade e pelo desejo de cada um. Neste clima, é conseqüente a rejeição do pecado e da redenção. Diz-se: “Todos são iguais, mas cada pessoa é única”. Existe o direito absoluto de ser único e de afirmar a si mesmo. Toda e qualquer regra moral é obsoleta. Não existe mais o pecado, nem o perdão, nem a redenção e, muito menos, o “renunciar a si mesmo”. A vida não pode ser vivida como um sacrifício ou um sofrimento.

Uma última característica da pós-modernidade é a rejeição da aceitação de qualquer coisa diz respeito ao centralismo ou à vontade de dirigir as coisas de cima. Neste modo de pensar há um “complexo anti-romano”. Estamos agora além do contexto onde o universal, o que era escrito, geral e sem tempo, contava mais; onde o que era durável e imutável era preferido ao que era particular, local e datado.

Hoje a preferência é, pelo contrário, por um conhecimento mais local, pluralista, adaptável às circunstâncias e a tempos diferentes.

Não quero expressar juízos. Seria necessário muito discernimento para distinguir o verdadeiro do falso, do que é dito como aproximação do que é dito com precisão, que coisa é simplesmente uma tendência ou uma moda daquilo que é uma declaração importante e significativa.
O que quero acentuar é que esta mentalidade está, hoje, por tudo, sobretudo nos jovens, e é necessário ter isso em conta.

Mas quero acrescentar uma coisa. Talvez esta situação é melhor da que existia antes. Porque o cristianismo tem a possibilidade de mostrar melhor o seu caráter de desafio, de objetividade, de realismo, de exercício da verdadeira liberdade, da religião ligada com a vida do corpo e não somente da mente.Num mundo como o que vivemos hoje, o mistério de um Deus não disponível e sempre surpreendente adquire maior beleza; a fé compreendida como um risco torna-se mais atraente. O cristianismo aparece mais belo, mais próximo das pessoas, mais verdadeiro. O mistério da Trindade aparece como fonte de significado para a vida e uma ajuda para compreender o mistério da existência humana.

“Examina tudo com discernimento”
Ensinar a fé neste mundo representa nada mais, nada menos que um desafio. Para sermos capazes disso é preciso ter estas atitudes:

Não sermos surpreendidos pela diversidade.

Não ter medo do que é diferente ou novo, mas considerá-lo como um dom de Deus. Provar que somos capazes de ouvir coisas muito diferentes daquelas que normalmente pensamos, mas sem julgar imediatamente quem fala. Buscar compreender que coisa nos é dito e os argumentos fundamentais apresentados. Os jovens são muito sensíveis para um atitude de escuta sem julgamentos. Esta atitude dá-lhes coragem de falar que realmente sentem e de começar a distinguir o que realmente é verdadeiro do que o é somente nas aparências. Como diz São Paulo: “Examina tudo com discernimento; conserva o que é verdadeiro; evita toda espécie de mal” (1Ts 5, 21-22).

Sermos capazes de correr riscos. A fé é o grande risco da vida. “Quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perde a sua vida por minha causa, a encontrará” (Mateus 16, 25).

Sermos amigo dos pobres. Coloca os pobres no centro da tua vida porque esses são os amigos de Jesus que se fez um deles.

Alimentar-nos com o Evangelho. Como Jesus nos diz no seu discurso sobre o pão da vida: “Porque o pão de Deus é o que desce do céu é dá vida ao mundo” (João 6, 33).

Oração, humildade e silêncio
Para ajudar a desenvolver estas atitudes, proponho quatro exercícios:

1.- Lectio Divina. É uma recomendação de João Paulo II. “Particularmente é necessário que a escuta da Palavra se torne um encontro vital, na antiga e sempre válida tradição da lectio divina que propicia que se acolha a palavra viva que interpela, orienta e plasma a existência” (Novo Millennio Ineunte, N. 39). A Palavra de Deus nutre a vida, a oração e a viagem cotidiana, é o princípio da unidade da comunidade numa unidade de pensamento, a inspiração para a contínua renovação e para a criatividade apostólica” (Ripartendo da Cristo, N. 24).
2.- Autocontrole. Devemos aprender, novamente, que saber se opor à vontade própria é algo mais gozoso que as concessões continuas que parecem desejáveis mas que acabam por gerar mal-estar e saciedade.

3.- Silêncio. Devemos nos afastar da insana escravidão do barulho e das conversas sem fim e encontrar cada dia, pelo menos meia hora de silêncio e meio dia cada semana para pensar em nós mesmos, para refletir e rezar. Isto pode parecer difícil, mas quando se consegue dar um exemplo de paz interior e tranqüilidade que nasce de tal exercício, também os jovens tomam coragem e encontram aí uma fonte de vida e de alegria que não experimentaram antes.

4.- Humildade. Não acreditemos que cabe a nós resolver os grandes problemas dos nossos tempos. Deixemos espaço ao Espírito Santo que trabalha melhor do que nós e mais profundamente. Não sufoquemos o Espírito nos outros. É o Espírito que sopra. Portanto, estejamos prontos para acolher as suas manifestações mais sutis. Para isso é necessário o silêncio.

 

Do Brasil, o teólogo Leonardo Boff, na reportagem em que diz: La Iglesia sufrirá una gran crisis – Fonte: Periodista Digital: 29/07/2008

La Iglesia Católica sufrirá una “gran crisis interna” porque los millones de católicos del mundo no tienen una adecuada representación en los asuntos administrativos del Vaticano, dijo el sacerdote brasileño Leonardo Boff, promotor de la ‘Teología de la Liberación’, el lunes.
“La futura crisis en la Iglesia Católica se dará porque en el Vaticano no se encuentran todos los genuinos representantes de los católicos en el mundo”, dijo Boff a periodistas, tras una visita al presidente paraguayo electo, Fernando Lugo, obispo católico suspendido por el Vaticano por dedicarse a la política.

“En la mayoría de los países latinoamericanos se practica el catolicismo y existe la mayor cantidad de practicantes de esa religión que en otros continentes”, sostuvo Boff. “Estos católicos no están bien representados”, agregó.

Cuando era cardenal, jefe de la Congregación de la Doctrina de la Fe, el ahora Papa Joseph Ratzinger sancionó a Boff por su prédica a favor de la Teología de la Liberación.

“El nulo crecimiento de la Iglesia Católica en el planeta” es otro factor que atizará su crisis interna, vaticinó el cura rebelde. Durante su entrevista con Lugo -que asumirá el 15 de agosto- Boff se puso a su disposición para asesorarlo.

Tras una extensa reunión con el futuro mandatario en el local de la Alianza Patriótica para el Cambio, el célebre ex sacerdote y teólogo, quien fue uno de los principales propulsores de la Teología de la Liberación, la cual fundara junto a Gustavo Gutiérrez Merino, en 1968, y que propugna el compromiso con los más pobres y con la opresión sufrida durante décadas en América Latina, manifestó que el testimonio de vida del ex obispo de San Pedro está plenamente identificado con la lucha a favor de los más carenciados.

“Yo como fundador de la Teología de la Liberación conozco a Lugo desde hace muchos años y como sacerdote se inscribía y se sigue inscribiendo dentro de la Teología. El eje fundamental y la marca registrada de esta Teología es la opción por los pobres contra la pobreza, a favor de la vida, la libertad, y esa es la línea principal del Presidente, difundir los focos de conflicto para ayudar a crear un rostro nuevo en el país”, expresó.

El teólogo brasileño manifestó que se reunió con el mandatario en su carácter de ambientalista buscando apoyo para proyectos ambientales regionales en compañía de representantes de Itaipú, y destacó la importancia de concienciar a la gente sobre la protección de los recursos hídricos. Afirmó que Paraguay y Brasil son “potencias del agua”, debido a la gran riqueza que poseen.

Indicó, además, que es justificado el reclamo que realizará el Paraguay sobre el tratado de la binacional y que existe voluntad política de ambas partes para la renegociación.

“Nadie debe prevalecer sobre el otro, todos tenemos que salir beneficiados y eso es objeto de una gran conversación política para que todos puedan tener ganancias, existe una enorme voluntad política de ambas partes”, señaló.

Boff denunció que la Cuenca del Plata, a la que calificó como “privilegiada” por su potencial hídrico, está amenazada, principalmente por la contaminación ocasionada por el vertido de pesticidas.

“Le presentamos un proyecto del Centro de Saberes y Cuidados Socioambientales “Cuenca del Plata”, para que existan personas que cuiden de los suelos, de las aguas, de las tierras, y el Presidente quiere apoyar este proyecto, que incluye a todos los países de la Cuenca del Plata y principalmente la parte paraguaya y brasileña de Itaipú; la región de la Cuenca está muy dañada, en varios sitios existe contaminación”, añadió.

Silenciado por el Vaticano

Leonardo Boff es un teólogo, filósofo y escritor nacido en Concórdia, estado de Santa Catarina, Brasil, conocido por su apoyo activo a los derechos de los pobres y marginados, y además al movimiento ecologista.

Es uno de los fundadores de la Teología de la Liberación, junto con Gustavo Gutiérrez Merino.

En 1985, la Congregación para la Doctrina de la Fe, dirigida por el cardenal Joseph Ratzinger (hoy papa Benedicto XVI) le silenció por un año por su libro La Iglesia, Carisma y Poder, que estaba en contra de la doctrina de la Iglesia Católica.

 

Do Egito, a escritora Nawal Al-Sa’Dawi, em entrevista na qual diz: Toda religión oprime a la mujer – Fonte: El País: 09/07/2008

Con 76 años, la energía y vitalidad de Nawal Al Saadawi es contagiosa. Así lo ha demostrado en el Congreso Mundo de Mujeres que concluyó ayer en Madrid. Los ojos de esta luchadora egipcia por la libertad y la igualdad transmiten una inagotable curiosidad. Dejó la psiquiatría para dedicarse de lleno a la literatura. Autora de La cara oculta de Eva (1970), Mujeres y sexo (1972) o Mujer en punto cero (1973) fue cesada de su puesto de directora de Sanidad Pública y la revista que editaba, clausurada. Siguió escribiendo y hablando en público de la situación de la mujer árabe y de los derechos humanos. En 1981 fue encarcelada. Desde allí siguió escribiendo como pudo ya que le quitaron papel y lápiz. Tras salir de prisión, en 1983, fundó la Asociación Solidaria de Mujeres Árabes para “quitar el velo de las mentes” de las mujeres árabes.

Pregunta. ¿Cuáles son los problemas de las mujeres en el mundo árabe en la actualidad?

Respuesta. La desigualdad. No habrá igualdad si no hay igualdad entre los países y las clases. El 60% de la población egipcia vive debajo del umbral de la pobreza. La mayoría son mujeres, solteras, madres con hijos, que trabajan para dar de comer a su familia.

Además, las mujeres tienen que enfrentarse también al renacimiento de los fundamentalismos religiosos; ya sean islámicos, cristianos o judíos. En cualquier caso la mujer resulta oprimida. Las mujeres siempre están oprimidas por las religiones. Sufren problemas económicos, políticos, religiosos, problemas para casarse o problemas vinculados al velo.

P. ¿El velo es una imposición?

R. Sí. Hay un paso atrás hacia el velo y la circuncisión fomentado por parte de todos los fundamentalistas religiosos. Muchas mujeres en Egipto han tenido una ablación. No tiene nada que ver con una religión particular. Los fundamentalistas cristianos también imponen la ablación de las niñas.

P. Se dice que suelen ser las mujeres las que preservan como tradición la mutilación genital.

R. Es cierto. Son las mujeres las que practican la ablación. Son las esclavas de los esclavos. El hombre también es un esclavo. Sin embargo, la esposa aparece como la esclava del marido.

P. El sociólogo francés Alain Touraine afirma que la mujer tendrá un papel predominante en la sociedad de los próximos 500 años. ¿Cree que será así?

R. ¡Espero que no sean mujeres como Condoleezza Rice! O Margaret Thatcher, Hillary Clinton, Madeleine Albright, Angela Merkel, Golda Meier… Son mujeres de derechas, que creen en el patriarcalismo. Mujeres opresoras que oprimen a otras mujeres. ¿Qué tipo de mujeres liderarán la sociedad? ¡No es suficiente ser mujer! Hay que defender la justicia.

Espero que la sociedad dentro de 500 años esté dirigida por progresistas en general, hombres y mujeres.

P. Usted se presentó a las elecciones presidenciales en Egipto…

R. Fue un acto simbólico. Utilicé mi programa electoral para conseguir más visibilidad. Cuando la policía me impidió asistir a mi reunión electoral pude decir que dejaba la campaña y denunciar que no existía un verdadero sistema democrático. La política global está relacionada con el feminismo. No hay separación entre la dominación sufrida por las mujeres y la dominación que impera en el mundo. No se puede separar los asuntos de género de los demás temas.

P. ¿Cómo ve el mundo en la actualidad?

R. No hay justicia. El poder que domina el mundo es el militar, el económico, el de los hombres, las religiones. Se está usando a Dios para oprimir a la gente, a las mujeres y a los pobres. Vivimos en la selva y tenemos que luchar en contra de ello.

A travessia de Carlo Martini, biblista

Saiu no El País, no domingo passado, dia 13 de julho: El cardenal que se atreve a pensar. Escrito por Lola Galán.

Foi traduzido e publicado em Notícias do Dia – IHU On-Line, hoje, dia 16 de julho, quarta-feira. O título: Carlo Martini, o cardeal que se atreve a pensar.

Vale a pena. Leia.

Um trecho:

“Está aprendiendo a hablar otra vez. Trabaja con un logopeda”, explica Franco Agnesi, una de las cuatro personas con las que Martini compartió vida en su etapa de arzobispo. Agnesi, que acaba de visitarle en Gallarate, cuenta que sigue añorando Jerusalén. “Le duele no estar allí, pero mantiene el sentido del humor. Yo le cité la frase del Evangelio de San Juan, del capítulo 21: ‘Cuando seas viejo te llevarán adonde no quieres”. Carlo Maria Martini fue enviado adonde no quería siendo todavía un hombre joven. La decisión de Juan Pablo II de nombrarle arzobispo de Milán llegó en diciembre de 1979 y cayó como una bomba en los palacios obispales de Italia. ¿Quién era aquel jesuita, estudioso de las Sagradas Escrituras, sin experiencia pastoral alguna, que escalaba hasta lo más alto de la jerarquía nacional? ¿Qué sabía del mundo de la curia, de las obligaciones profesionales de un arzobispo, el estudioso y tímido Martini? A toda prisa, el papa le consagró obispo después del nombramiento con el que soñaban buena parte de los obispos de Italia. Él, el jesuita alto, de porte aristocrático, tímido y reservado, no aspiraba a la diócesis de San Ambrosio. Estaba a gusto como rector de la Universidad Gregoriana, un puesto en el que llevaba poco más de un año, después de casi nueve dirigiendo el Instituto Bíblico de Roma. El salto entre un cargo y otro había sido casi imperceptible. La Gregoriana y el Instituto están casi puerta con puerta, en un rincón relativamente tranquilo del centro histórico de Roma. Martini pasó de una habitación austera a otra habitación austera. De una vida en comunidad -con baño compartido- a una vida en comunidad, un peldaño más arriba en el escalafón académico eclesiástico. Stephen Pirani, el jesuita estadounidense que fue su alumno y es hoy rector del Bíblico, recuerda cuánto lamentó su marcha. “Como profesor tenía una gran claridad de ideas. Era capaz de explicar admirablemente una cosa tan rara como es la Crítica Textual, su especialidad”. Pirani ha mantenido el contacto con el cardenal desde los años setenta. Porque Martini no se apartó nunca, ni siquiera agobiado por el peso de la diócesis más grande de Europa, de su pasión por manuscritos y papiros bíblicos. Cambió de ciudad y de vida, después de obtener el permiso del superior general de los jesuitas, Pedro Arrupe. Se instaló en el ala noble del palacio arzobispal, el que se asoma a la Via del Duomo. Y aprendió deprisa…

Leia mais sobre Carlo Martini.