Sociólogo analisa Igreja Universal

O Professor Dr. Ricardo Mariano, sociólogo, em artigo publicado na Folha de S. Paulo de 02/05/2010, analisa a expansão da Igreja Universal do Reino de Deus. Além de descrever sua estrutura e estratégia atuais, mostra possíveis tendências para o futuro desta igreja.

Leia: Império Universal

Um trecho:

Comandada sempre por dirigentes brasileiros, sua expansão, no país e no exterior, apoia-se numa gestão eclesiástica centralizada e arrojada, num mix de racionalismo empresarial com arcaísmo mágico. Baseia-se também no controle de uma voraz máquina de arrecadação legitimada pela Teologia da Prosperidade, no evangelismo eletrônico, numa combatividade induzida por doutrinas da guerra espiritual e na oferta sistemática de mensagens e serviços mágico-religiosos adaptados ao contexto local e às demandas materiais e de atribuição de sentido de seus distintos públicos-alvo. Nos templos, tece redes de sociabilidade, oferece apoio emocional, terapêutico e assistencial a fiéis e virtuais adeptos. E, diuturnamente, lhes promete prosperidade, libertação do sofrimento e solução divina para seus males afetivos, psíquicos, familiares, financeiros e de saúde, acalentando esperanças de ascensão social. De modo obsessivo, aciona, a todo instante, discursos persecutórios e agonísticos referentes a discriminações e perseguições supostamente efetuadas por forças espirituais e agentes terrenos demoníacos contra a igreja e seus líderes, para desancar a concorrência e mobilizar os fiéis. Assim, tenta desqualificar as acusações externas, reforçar sua união, engajá-los na “obra” e enredá-los numa identidade religiosa sectária em prol dos interesses institucionais da denominação. Resultado: em 2000, a Universal já estava em cerca de 80 países. Hoje, informa estar em 172. No conjunto, seu êxito no exterior é extraordinário. Sua atuação, porém, é rarefeita em muitos deles, sobretudo em países da Ásia, do Oriente Médio e da África com baixa presença cristã e com ampla maioria budista, hindu, judaica e muçulmana. Nessas regiões, enfrenta árduas barreiras, como elevadas distâncias culturais e linguísticas, resistências fundamentalistas, restrições jurídicas e políticas à liberdade religiosa, ao pluralismo religioso, ao proselitismo e ao uso da mídia eletrônica. O portal Arca Universal acusa o golpe…

E o futuro? Ele diz:
Embora a marcha global da Igreja Universal esteja só no começo, certas tendências podem ser entrevistas (…) Na hipótese de ocorrer uma rápida redução do número de novas adesões, a Universal se verá pressionada a efetuar mudanças em seu “modus operandi”. Terá de equilibrar seu atual evangelismo de massas, focado na oferta de soluções mágicas pontuais e imediatistas, com a adoção de um modelo de associação religiosa mais comunitário, baseado em compromissos de longo prazo e na promessa enfática de salvação extramundana. Estes recursos são cruciais para reter duradouramente os fiéis, reduzir a clientela flutuante e torná-la uma igreja cristã mais convencional. Algo que, no alto de sua triunfante expansão global, ela não pretende ser.

Fonte: Notícias: IHU On-Line: 02/05/2010

Quem é Ricardo Mariano?
Informações colhidas em seu Currículo Lattes, em texto informado pelo autor, com última atualização em 17/04/2010:
Ricardo Mariano é doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS e pesquisador do CNPq. Realiza pesquisas na área de sociologia da religião, focando especialmente o movimento pentecostal no Brasil. Entre outras temáticas, pesquisou a corrente neopentecostal, sobre a qual publicou o livro Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Edições Loyola), o crescimento pentecostal no país, a reação dos evangélicos ao Novo Código Civil, a demonização pentecostal dos cultos afro-brasileiros, a Teologia da Prosperidade. Atualmente desenvolve pesquisa sobre a atuação política dos evangélicos.

O livro citado: MARIANO, R. Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999, 248 p. – ISBN 9788515019106

O crescimento dos evangélicos no Brasil

Pesquisa Datafolha diz que a população brasileira se divide, em termos religiosos, em 61% de católicos e 25% de evangélicos. E os outros 14%? Pertencem a outras religiões ou não responderam.

Pelo visto, a maioria dos evangélicos vem aderindo ao pentecostalismo: 19% são pentecostais e 6/% não pentecostais.

Segundo o Datafolha, 25% dos brasileiros são evangélicos

Os evangélicos já são 25% dos brasileiros, sendo 19% seguidores de denominações pentecostais, segundo levantamento concluído em março pelo Datafolha. Ainda não há pesquisas de intenção de voto segmentadas por religião na corrida presidencial. Em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi eleito para o primeiro mandato, o segmento somava 14% da população. O crescimento do rebanho acompanha a redução do percentual de católicos, que hoje são 61%.

Leia Mais:
Presidenciáveis disputam voto evangélico

Possível agenda para a Igreja nos próximos anos

Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo, diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião na Universidade Candido Mendes, propõe uma agenda para a Igreja nos próximos anos.

Transcrevo o trecho inicial do artigo Possível agenda para a Igreja nos próximos anos.

Luiz Alberto Gómez de Souza escreve:

 

Tempos de mutações

Sempre reagi contra a ideia de uma secularização linear, com o declínio inevitável do sagrado. Este está profundamente presente em nossas sociedades, mas num mundo pluralista e de pós-cristandade. E nem sempre nós católicos soubemos entender esses novos tempos e viver um outro clima(1).

O filósofo católico Pietro Prini, num livro provocador, falou de um cisma oculto ou subterrâneo (scisma sommerso), a partir de uma quebra de comunicação entre a Igreja e a sociedade: “O ‘aggiornamento’ da Igreja no mundo contemporâneo, iniciado no Concílio e continuado por uma geração de teólogos excepcionalmente preparada e aberta, foi estancado nos últimos anos, logo quando era necessário ter a coragem de confrontar a Fé com os resultados doutrinários e metodológicos das ciências antropológicas de hoje”. Rompeu-se a comunicação entre o emissor da mensagem com seus códigos tradicionais (a Igreja) e o receptor contemporâneo com sua nova sensibilidade e novas necessidades. Sempre deve haver uma reciprocidade ativa entre quem envia e quem recebe uma mensagem. Este último não é um ser passivo, que acolhe com indiferença enunciados gerais, a-históricos ou passadistas, mas com uma qualificação psicológica, mental, social e histórica precisa(2). Uma linguagem em descompasso histórico passa a não dizer-lhe grande coisa. Seu comportamento vai se configurando à margem de normas e prescrições que lhe parecem estranhas ou incompreensíveis.

Frente a uma ética e a receitas com invólucros de outros tempos, muitos fiéis não entram em heresia (negação de uma doutrina), mas tomam um distanciamento da autoridade (distacco em italiano), que caracterizaria mais bem um cisma de fato, um não recebimento de uma mensagem ou ordem na qual não descobre sentido. Não se trata propriamente de indiferença, mas de um processo de filtragem. Isso fica claro no que se refere à ética da sexualidade (uso de anticoncepcionais, por exemplo). As falas do magistério podem perder-se no vazio da não-comunicação. Uma pesquisa para o New York Times, em 1993, do jornalista católico Peter Steinfels, indicava que 8 entre 10 católicos norte-americanos não aceitavam a afirmação de que o uso de métodos artificiais de controle da natalidade era errado; 9 de cada 10 consideravam que alguém que utilizasse métodos artificiais poderia ser um bom católico(3).

Prini fez a crítica a um certo “personalismo substancial” que se baseia numa noção de essência imutável, para contrapô-lo a um “personalismo intersubjetivo”, baseado na intercomunicação e na troca de conhecimentos e de sensibilidades(4). É praticamente o “personalismo comunitário” de Emmanuel Mounier e a relação Eu-tu de Martin Buber(5). A doutrina não teria de adaptar-se passivamente a novas exigências, o que seria cair num relativismo ético, mas tratar de entender os novos códigos de linguagem, rever-se sem renunciar a solidariedades profundas, integrar novas descobertas e entrar em sintonia fina com a consciência histórica em transformação. Aliás, a noção de “consciência histórica”, que aprendemos na JUC dos anos 60 com nosso mestre Pe. Henrique de Lima Vaz, nos ajudaria a esse respeito(6).

Uma agenda para o mundo

Uma nova agenda para a Igreja teria de partir das premissas acima enunciadas. Começamos com os grandes temas do mundo de hoje, que deveriam fazer parte dessa agenda atualizada da Igreja. Mas ao lado deles, temos os outros, em sua vida interna. Para usar termos dos tempos do Vaticano II, elementos ad extra e ad intra. Há que partir dos primeiros, para evitar uma visão apenas voltada para dentro da instituição… (continua)

Notas:
(1) “Secularização em questão e potencialidade transformadora do sagrado” in L. A. Gómez de Souza, A utopia surgindo no meio de nós. Rio de Janeiro, Mauad, 2003, pp. 91-108.
(2) Pietro Prini, Lo scisma sommerso. Il messagio cristiano, la società moderna e la chiesa católica. Garzanti, 1999, p. 9.
(3) Peter Steinfels, A people adrift. The crisis of the Roman Catholic Church in America. N.Y., Simon & Schuster, 2003, p. 258. O título é severo: Um povo à deriva.
(4) Prini, op. cit., pp. 85-90
(5) Mounier, “Manifeste au service du personnalisme”, Oeuvres, vol I, Paris, Seuil, 1961 pp. 481-649. Roberto Bartholo Jr. Você e eu. Martin Buber. Presença palavra, Rio de Janeiro, Garamond, 2001.
(6) Henrique de Lima Vaz, “Consciência cristã e responsabilidade histórica”, in Herbert José de Souza e L. A. Gomez de Souza (eds.), Cristianismo hoje. Rio de Janeiro, Ed. Universitária da UNE, 1962.

Luiz Alberto Gómez de Souza é doutor em sociologia pela Universidade de Paris. Militou na JEC desde 1950 e depois na JUC, onde foi membro da equipe nacional; Secretário Geral da JEC Internacional. Assessorou D. Helder Camara na preparação do Concílio. Foi funcionário das Nações Unidas (CEPAL, Chile e México, FAO, Roma) e professor em Universidades do Rio de Janeiro. Assessor de movimentos sociais e pastorais.

Fonte: Notícias – IHU On-Line: 21.04.2010

O impacto das novas mídias sobre o campo religioso

Midiatização traz mudanças no campo religioso

Estudiosos da religião e dos meios de comunicação assinalaram que a midiatização da religião está gerando profundas mudanças na concepção da autoridade institucional dos movimentos e grupos religiosos no mundo.

Rolando Pérez – Chicago, quarta-feira, 14 de abril de 2010

No Congresso sobre Comunicação Religiosa, realizado em Chicago em abril, Stewart Hoover sustentou que as pessoas experimentam hoje uma intensa busca de espiritualidade coletiva e individual através de outros espaços, diferentes daqueles que a religião tradicionalmente institucionalizada oferece.

Diretor do Centro para os Meios, a Religião e a Cultura da Universidade de Colorado, Hoover afirmou que “as instituições religiosas tradicionais sentem-se ameaçadas porque os meios provêem um novo contexto no qual os crentes podem compartilhar idéias, símbolos e valores comuns”. Neste novo cenário, os fiéis recriam a fidelidade religiosa, construindo novas imagens de autoridade e pertença, acrescentou.

O presidente da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC, a sigla em inglês), Denis Smith, sustentou que em vários países do mundo se observa, por um lado, que junto com a perda de poder cultural que a religião tradicional experimenta, há uma significativa emergência de novos atores religiosos que aparecem como menos hierarquizados e marcados por uma perspectiva empresarial da fé.

Nesse contexto, os meios se converteram em plataformas públicas das tensões e negociações que o campo religioso contemporâneo dá conta, disse Smith. “Vivemos numa época em que a extraordinária efervescência da indústria tecnológica convive com ancestrais tradições culturais, e o crescente pluralismo coexiste com os neofundamentalismos”, avaliou.

Smith agregou que os grupos religiosos experimentam, simultaneamente, pressões para consolidar suas identidades particulares e ao mesmo tempo assimilam os valores da cultura dominante.

A professora universitária Heidi Campbell, do Texas, compartilhou suas recentes pesquisas sobre religião no ciberespaço. Ela detectou que as práticas religiosas virtuais que transitam no mundo da Internet contribuem para a construção de novas formas de estabelecimento da autoridade religiosa, tanto no interior das comunidades de fé como na esfera pública.

“A Internet está criando novos líderes religiosos e novas comunidades de fé. E isto afeta não só os papéis senão também as estruturas de autoridade e os padrões de organização sobre os quais tradicionalmente se afirmaram as igrejas e os grupos religiosos”, afirmou.

Campbell observou que mais do que uma simples rejeição ou aceitação sobre o uso das novas tecnologias da comunicação, as comunidades religiosas estão desenvolvendo estratégicas negociações a partir de suas histórias e crenças com as novas formas de crer que as redes sociais midiáticas propiciam.

Os estudiosos de diferentes campos concordaram que os meios não são hoje meros canais de difusão de ideias e crenças religiosas. Sua interatividade está contribuindo significativamente para moldar novas articulações da religião, nas quais os tradicionais mitos, símbolos e rituais estão sendo transformados pela midiatização da cultura.

Fonte: ALC Notícias

Notícias sobre a Igreja? Religião e mundo atual?

De vez em quando, pessoas interessadas em notícias sobre a Igreja Católica, sobre outras igrejas, sobre religião e mundo contemporâneo me perguntam onde podem encontrá-las na Internet.

Pois aí vai uma pequena lista de sites, em ordem alfabética, que costumo consultar.

Lembrando também que há ainda as várias páginas das dioceses, de vários organismos das igrejas cristãs, e, certamente, muitos outros sites que desconheço…

Estas fontes estão, em geral, em português, espanhol, italiano, francês, inglês e alemão.

:: CONIC – Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil

:: Conselho Mundial de Igrejas – World Council of Churches

::  Crux

:: FaithWorld

:: National Catholic Reporter – Vatican

:: Notícias – CNBB

:: Notícias IHU

:: Redes Cristianas

:: Religión Digital

:: Vatican Insider

:: Vu de Rome

Catolicismo Plural

TEIXEIRA, F.; MENEZES, R. (orgs.) Catolicismo Plural: dinâmicas contemporâneas. Petrópolis: Vozes, 2009, 216 p. – ISBN 8532638821.

Leia uma entrevista com os autores sobre este livro: ‘Muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre”: o Catolicismo Plural. Entrevista especial com Faustino Teixeira e Renata Menezes, em Notícias: IHU On-Line – 14/01/2010.

Este livro traz análises de doze pesquisadores das áreas de Ciências Sociais e Teologia, convidados a perscrutar aspecto diversos da dinâmica contemporânea católica em seus artigos. Ele compõe uma trilogia produzida pelo Iser Assessoria e pela Editora Vozes, da qual fazem parte:

TEIXEIRA F. (org.) Sociologia da Religião: enfoques teóricos. 2. ed., Petrópolis: Vozes [2003] 2007, 272 p. – ISBN 8532629296.

TEIXEIRA, F.; MENEZES, R. (orgs.) As Religiões no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006, 264 p. – ISBN 8532633617.

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por que podemos falar hoje de um catolicismo plural? Como se expressa a sua pluralidade e complexidade?

Faustino Teixeira – Num texto provocativo de Antônio Flávio Pierucci, publicado em livro que organizamos sobre as religiões no Brasil (Vozes, 2006) [“As religiões no Brasil: Continuidades e rupturas”], ele questionava a ideia de uma diversidade religiosa no Brasil. Com base nos dados do censo de 2000, assinalava que o Brasil mantinha-se hegemonicamente cristão, com cerca de 89,2% de declarantes cristãos, sendo que a diversidade religiosa mantinha-se apertada numa estreita faixa de 3,5%. Foi com base nessa provocação que decidimos pesquisar com mais afinco a ideia de um catolicismo plural, ou seja, investigar a complexidade e plasticidade do campo católico no Brasil. Trata-se, na verdade, de um campo marcado por grande diversidade e pluralidade. De certa forma, podemos assinalar que há uma rica pluralidade religiosa envolvendo o nosso modo de ser católico. Como diz com precisão Pierre Sanchis, “há religiões demais nessa religião”. O nosso jeito de ser católico é bem peculiar, com malhas bem largas e diversificadas. Há um catolicismo santorial, bem característico de nosso país, possibilitando uma rica ampliação das possibilidades de proteção. É um catolicismo relativamente livre e autônomo, com “muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre”. Há também a presença de outras malhas, como o catolicismo institucional, o catolicismo de reafiliados e o crescente catolicismo midiático, com seu substantivo vigor.

IHU On-Line – Como é vivida a fé dentro do catolicismo plural? Que traços e marcas são perceptíveis na vivência e na devoção dos fiéis nesse sentido?

Renata Menezes – Pierucci, em nosso livro atual “Catolicismo Plural”, também editado pela Vozes, lança uma provocação, afirmando que é fácil ser católico, pois “trata-se de uma religião que não precisa ser seguida a risca pela maioria dos fiéis” (p.15). Essa afirmativa parece abrir ao infinito as possibilidades de variação da vivência da fé dentro do catolicismo plural. Mas o mesmo autor afirma que “o enunciado mais congenialmente católico talvez seja esse: `creio na comunhão dos santos – expressão que quer dizer justamente que os católicos na terá são da mesma sociedade a que pertencem as almas no purgatório e os santos no céu`” (p. 16).

É justamente nessa comunhão que combina Céu e Terra que vou recolher alguns exemplos, provenientes das pesquisas que, desde 2001, venho desenvolvendo em torno do culto aos santos, uma das práticas devocionais mais características do catolicismo diante de outras denominações cristãs (ver, por exemplo, minha tese e meu livro “A Dinâmica do Sagrado”, ambos de 2004).

Durante muito tempo, as práticas de culto aos santos foram tratadas como “supersticiosas”, ou como “comércio da fé”, por envolverem promessas, ex-votos, agradecimentos etc., trocas entre homens, mulheres e santos. Mas, observando essas práticas mais de perto, podemos perceber que muitas vezes o que enxergamos são apenas manifestações exteriores de relações mais profundas, que envolvem a totalidade da subjetividade do devoto numa relação com seu santo protetor, que implica em processos de identificação, auto-entrega, confiança e amizade por parte do devoto. (esses temas são detalhados em meu artigo “Santo Antônio no Rio de Janeiro: dimensões da santidade e da devoção”, que também faz parte do livro “Catolicismo Plural”).

Por outro lado, ao tentarmos recuperar o sentido que os devotos atribuem a essas relações e às formas pelas quais eles as articulam, chegamos a um bom exemplo da pluralidade na vivência da fé, quando percebemos que aí entram em jogo a “combinação de devoções” e a “experimentação”.

A experimentação: ouvir falar do poder de um santo, ou receber um “santinho” divulgando suas capacidades (o que muitas vezes é lido como um sinal divino) e experimentá-lo: pedir a ele algo assim que uma oportunidade surja. A experimentação muitas vezes assume a conotação de teste às capacidades de um santo, e, no caso do pedido atendido, passa-se a reconhecer sua habilidade, seu poder.

A combinação de devoções: do ponto de vista da Igreja Católica, todo ser humano já nasce multi-vinculado, pois todos os lugares têm seu padroeiro, todos os dias do calendário relacionam-se a um santo, e as atividades humanas também contam com seu/sua patrono/a. Muitas vezes, também se herda os protetores da família: santos que, pela devoção preferencial de um parente, zelam pelos demais familiares.

Assim, todas as pessoas nascidas no horizonte católico nascem com protetores em potencial que podem ser acionados em caso de “necessidade”, isto é, em momentos em que sentimos que precisamos de um apoio além de nós.

Mas, a esses vínculos que estão, por assim dizer, já constituídos e que precisamos apenas azeitar, podem se somar vínculos construídos a partir da experiência pessoal: as pessoas interessam-se por santos à medida que conhecem suas vidas, ou conhecem seu prestígio, ou “experimentam” seu poder.

Essa incorporação de novas devoções às antigas não implica em um abandono das preferências anteriores, pois a devoção envolve a fidelidade, mas não a exclusividade. Assim, um devoto é capaz de “combinar” devoções, em que uns santos aparecem como mais próximos, ou mais importantes do que outros (nesse caso, a pessoa se identificará como “devoto fervoroso” do santo X ou da santa Y, embora goste também de outros santos).

Mas também é possível pedir a um santo sem necessariamente se tornar seu devoto: isso acontece muito no caso de invocações relacionadas à especialidade do santo em questão. Feito o pedido, paga a promessa, a pessoa está quite com o santo, e pode seguir em frente, até que necessite de seu apoio outra vez.

Isso porque há uma diferença fundamental entre fazer um pedido e ser um devoto: ser um devoto implica em uma relação duradoura que de alguma forma vincule a pessoa e o santo; que passa por processos de identificação, processos que colocam a vida de um em relação à vida de outro. Um devoto não precisa pedir, pois o santo sabe, e sua presença constante na vida daquele que protege faz com que graças sejam alcançadas sem mesmo terem sido enunciadas. Ou que graças não sejam concedidas, pois não seriam para o bem do devoto, e o santo, mais do que ele, sabe que elas não seriam para o seu bem. Portanto, creio que a experimentação e a combinação de devoções seriam bons exemplos da forma de vivência da fé no catolicismo plural.

IHU On-Line – Como podemos compreender o catolicismo brasileiro hoje dentro de uma religiosidade tão diversificada e marcada por um amplo e abrangente “mercado religioso” e um forte sincretismo religioso?

Faustino Teixeira – O modo de ser católico no Brasil é singular e novidadeiro. Não dá para encerrar a sua dinâmica no modelo belarminiano das notas de visibilidade precisas: fé explícita, adesão formal aos sacramentos e obediência à hierarquia. A coisa é muito mais maleável e inusitada. Roberto DaMatta diz com acerto que “o que para um norte-americano calvinista, um inglês puritano ou um francês católico seria sinal de superstição e até mesmo de cinismo ou ignorância, para nós é modo de ampliar as nossas possibilidades de proteção”.

“Os católicos são provocados a viver e amar sua identidade nesse campo aberto da disponibilidade ao outro. Não há outra possibilidade”

Aliás, a religião tem esse singular papel de conferir significado a uma vida ameaçada pela anomia; ela ajuda a “localizar” o sofrimento e a dor. Não evita o sofrimento, mas fornece o apoio para que ele seja tolerável e suportável. A imagem de um “dossel sagrado” encaixa-se aqui com perfeição. O nosso catolicismo não faz oposição à complementaridade inter-religiosa. É uma complementaridade que conjuga, a seu modo, a religião popular com a religião oficial ou erudita, mas também com outras formas de expressão religiosa. Vigora aqui a “lógica” tão bem expressa por Guimarães Rosa em seu clássico livro, “Grande Sertão: Veredas”. Numa das passagens do livro, um dos personagens diz: “Isso é que é a salvação-da-alma… Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue (…). Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca”.

Um dos artigos da obra “Catolicismo Plural”, de autoria de Ariana Rumstain e Ronaldo de Almeida, trata dessa complexa questão dos católicos no trânsito religioso. Os autores abordam esse provocante tema da circulação pelas alternativas religiosas, envolvendo também nessa questão a prática simultânea de duas ou mais tradições religiosas. Isso é muito palpável quando se privilegia as trajetórias individuais e não o enfoque institucional. Firma-se uma maneira peculiar de ser religioso no Brasil, de ser católico no Brasil, num tempo marcado pela “pouca fidelidade institucional”, pelos “meio-pertencimentos”, pela livre “circulação entre as alternativas” e a “fluidez dos símbolos religiosos”. Coisas interessantes acontecem mesmo entre os membros do catolicismo de reafiliados, marcado por “regime forte de intensidade religiosa”. Também ali acontecem experiências de “trânsito religioso” e apropriação de fragmentos de outras tradições religiosas na composição do repertório de crenças. Veja a respeito os interessantes estudos elaborados por Carlos Steil e Eliane Martins de Oliveira (“Religião e Sociedade”, vol. 24, nº. 1, 2004).

IHU On-Line – Quais são as principais dinâmicas que perpassam o catolicismo no Brasil hoje?

Renata Menezes – Por um lado, notamos o crescimento do movimento carismático, tanto perpassando movimentos e associações ligados à vida paroquial, como reinventando-se muitas vezes sob a forma de novas comunidades de vida e aliança, como a Toca de Assis e a Canção Nova. Por outro lado, se as CEBs [Comunidades Eclesiais de Base] saíram da linha de frente da visibilidade midiática, elas continuam atuando de forma dinâmica e capilar em muitas dioceses do país, reinventando inclusive uma pauta em que a questão ecológica ganha força a cada dia, como uma dimensão internacional de luta social. Nota-se ainda um aumento do uso de sinais diacríticos, marcas públicas do pertencimento ao catolicismo: camisetas, adesivos de carro, pulseiras etc. que assinalam claramente o fato de que o portador de tais objetos é católico. Isso pode ser lido à luz de um processo de disputa dentro do campo das religiões, isto é, de tentativas de conversão, por um lado, e tentativas de desqualificação da religião alheia, por outro. Nessas situações conflitivas, uma das respostas é o reforço público da identidade católica.

“A Igreja não pode entender-se como uma `minoria` privilegiada, mas como uma força viva portadora da memória perigosa e acolhedora de Jesus”

Com base num processo histórico mais amplo, seria preciso pensar se, a nível de Brasil, poderíamos falar de uma “pentecostalização das classes populares”, saindo do catolicismo e entrando em denominações evangélicas, paralela a uma “classimedização/elitização” do catolicismo. Se esse processo realmente estiver se efetivando, seria uma inversão interessante do perfil religioso brasileiro do início do século XX, em que as elites e a classe média eram influenciadas pelo positivismo e/ou pelo Kardecismo, e o catolicismo era visto como característico das classes populares.

IHU On-Line – Bento XVI referiu-se à Igreja com relação a seu futuro como uma “minoria criativa”. Como a noção de catolicismo plural se coloca nessa interface entre a Igreja e a sociedade contemporânea?

Faustino Teixeira – O desafio essencial que se coloca para a igreja no século XXI é o de recuperar o conteúdo fundamental da mensagem evangélica. Na visão de um dos maiores teólogos do século XX, recentemente falecido, Edward Schillebeeckx, o núcleo da mensagem cristã é o critério pelo qual toda eclesiologia deve medir-se. No ciclo final de sua trilogia cristológica, dedicada ao tema da humanidade como história de Deus, Schillebeeckx buscou refletir sobre esse núcleo com o seguinte argumento: “Era melhor buscar o cerne do evangelho e da religião cristã, o que é autêntico e singular em ambos, do que ocupar-me, em época de polarização eclesial, com problemas intra-eclesiásticos, no fundo problemas de segundo plano relativos a conteúdos da fé cristã e à questão referente à tarefa que também os cristãos têm no mundo”.

É interessante constatar que no núcleo da mensagem evangélica há sinais substantivos de uma perspectiva que envolve a abertura, o cuidado, a delicadeza e a hospitalidade. O voltar-se com radicalidade para a figura e o significado de Jesus de Nazaré provoca, necessariamente, uma mudança de perspectiva. Estar diante de alguem que desestabiliza e suscita um novo modo de ser.

Isso vem apontado por José Antonio Pagola em sua extraordinária obra sobre Jesus, em vias de publicação no Brasil pela editora Vozes (“Jesús, aproximación histórica”, Madrid: PPC, 2007).Trata-se da rica tarefa de resgatar o Jesus “curador da vida”, “poeta da compaixão”, “defensor dos últimos”, “mestre da vida”, “buscador de Deus” e “profeta do reino de Deus”. A igreja não pode entender-se como uma “minoria” privilegiada, mas como uma força viva portadora da memória perigosa e acolhedora de Jesus. Mas Jesus mesmo nos convoca a uma radicalização ainda maior, no sentido da abertura de horizontes, de forma a favorecer a percepção da ação de Deus através de outras mediações.

“É preciso pensar se podemos falar de uma `pentecostalização das classes populares` paralela a uma `classimedização/elitização` do catolicismo

Isso tem implicações vivas na vida e ação da igreja. Esta não pode ficar encerrada em sua própria tradição, mas estar no mundo como fermento renovador. Como assinala outro grande teólogo contemporâneo, Adolphe Gesché (“O sentido”, São Paulo: Paulinas, 2005), a fé cristã necessita de interfaces alternativas, de “ausência cristã”, de laicidade, de paganidade. Não basta o sensus fidelium, mas também o sensus infidelium, ou seja, a provocação vinda dos não crentes e do exercício de seus valores. Gesché tem razão quando sublinha que “o Evangelho não é suficiente para tudo, não diz tudo sobre o ser humano (…). A esperança cristã não pode dispensar-se dessa louca sabedoria, de saber que deve resistir a uma fé que se julgaria toda acabada nela e toda dada por ela”.

IHU On-Line – Os católicos, em geral e especificamente no Brasil, estão preparados para viver um tempo incerto como o atual, marcado por categorias como “líquido” e pós- (contemporâneo, histórico, metafísico, secular, religioso etc.)?

Faustino Teixeira – Uma rica e sintética reflexão sobre a cultura intelectual “pós-moderna” ou “pós-metafísica” foi desenvolvida por Roger Haight em sua obra sobre “Jesus, símbolo de Deus” (1999, com tradução portuguesa pelas Paulinas, em 2003). Sua preocupação é desvendar as formas como a pós-modernidade, entendida como cultura, permeia o universo dos cristãos nesse tempo atual e que desafios ela apresenta para a reflexão teológica.

Entre os traços dessa pós-modernidade, Haight elenca a perda da confiança no progresso e a afirmação de uma consciência histórica radical e social crítica, bem como uma nova consciência cósmica e pluralista. Sinaliza que “em nenhuma outra época as pessoas tiveram tanto senso da diferença dos outros, do pluralismo das sociedades, das culturas e das religiões, bem como da relatividade que isso implica. Já não é possível postular a centralidade da cultura ocidental, a supremacia de sua perspectiva, ou o cristianismo como a religião superior, ou Cristo como o centro absoluto em relação ao qual todas as demais mediações históricas são relativas”.

Em semelhante linha de reflexão, Gianni Vattimo argumenta que essa nova época interdita pensamentos rígidos que definem a realidade como uma “estrutura fortemente ancorada num único fundamento”. O mundo revela agora, de forma nítida, sua faceta pluralista, que não se deixa interpretar por pensamentos unificadores ou verdades definitivas. O novo tempo provoca a viva consciência da “historicidade contingente do existir”, abrindo espaço para um núcleo kenótico, que envolve o risco permanente da criação e da reinterpretação. Os católicos são provocados a viver sua identidade, a amar sua identidade, nesse campo aberto da disponibilidade ao outro, da provocação hermenêutica e da abertura plural. Não há outra possibilidade de viver a identidade hoje senão nesse processo criativo.

IHU On-Line – A pluralidade do catolicismo se estende também à sua relação com as demais religiões? Como entender o ecumenismo e o diálogo inter-religioso a partir do conceito de catolicismo plural?

Faustino Teixeira – Não há duvida sobre isso. Um dos mais importantes desafios para o catolicismo no tempo atual é abraçar o pluralismo religioso como um valor. Há algo de irredutível e irrevogável nas outras tradições religiosas. As religiões são portadores de um patrimônio espiritual que não pode ser abarcado por nenhuma outra tradição religiosa. Não há como romper na história essa dinâmica de coexistência e reciprocidade entre as diversas tradições religiosas. Há virtualidades que animam a relação do ser humano com o mistério maior que não podem ser esgotadas numa única religião e que em casos concretos escapam mesmo da visada religiosa.

“Em `Grande Sertão: Veredas`, um dos personagens diz: `Isso é que é a salvação-da-alma… Muita religião, seu moço! Uma só, para mim é pouca”

Estamos diante do desafio essencial de enfrentar intelectualmente o enigma do pluralismo religioso, sem buscar apressadamente enquadrar a dinâmica ampla desse mistério no âmbito de uma específica tradição religiosa. Como indica Claude Geffré, “a pluralidade dos caminhos que levam a Deus continua sendo um mistério que nos escapa”. Não nos podemos, entretanto, iludir quanto às resistências que uma tal perspectiva vai implicar, sobretudo no campo religioso brasileiro, onde firmam-se com vigor certas perspectivas religiosas marcadas por forte tendência exclusivista.

IHU On-Line – Em outras partes do mundo, o catolicismo também é marcado pela sua pluralidade? Como o catolicismo vem se manifestando nos países em que ele historicamente encontra suas raízes?

Renata Menezes – Creio que o catolicismo, ao sair da Europa e dirigir-se a outras regiões do mundo, sempre teve que lidar com o problema do “sincretismo”, isto é, de como relacionar-se com as culturas e religiões “nativas” existentes nas novas regiões em que tentava se implantar. E nesse sentido, o momento histórico dessa implantação tem um peso muito importante na maneira em que a relação com o outro vai se dar.

Por exemplo, nos séculos XVI e XVII, a colonização das Américas por Portugal e Espanha, a “descoberta” dos nativos americanos colocou em cheque a própria noção de Humanidade: o que eram aqueles “seres novos”, difíceis de classificar nos padrões existentes? Eram humanos ou não? Ou seja, eram ou não filhos de Deus?

Nos séculos subsequentes, a difusão do catolicismo demonstrou-se marcada por outras concepções de humanidade, isto é, por diferentes relações de alteridade, que juntamente com diferentes concepções teológicas são fundamentais para entender se o catolicismo adotará uma postura mais aberta ou mais fechada com relação à diferença – ou seja, se será mais ou menos plural.

“Nosso catolicismo não faz oposição à complementaridade inter-religiosa, que conjuga a religião popular com a religião oficial ou erudita”

Por outro lado, é preciso considerar que essa “pluralidade” na maioria das vezes não é doutrinariamente planejada, isto é, não é premeditada pelas instâncias religiosas, mas “acontece” nas relações cotidianas que se estabelecem entre clérigos e leigos, católicos e não católicos, homens e mulheres. Ou seja, muitas vezes a pluralidade é fruto de um processo de interação social, e para compreendê-la é preciso se aproximar do catolicismo como vivido concretamente em determinado contexto social.

IHU On-Line – Em termos mundiais, temos visto grandes mudanças no cenário católico mundial, especialmente no que se refere ao esvaziamento das Igrejas na Europa e um maior fortalecimento do catolicismo especialmente na América Latina. Nos quadros clericais, a África e a Ásia despontam como fontes de novos sacerdotes. Que rumos o catolicismo está tomando diante do futuro?

Renata Menezes – Uma resposta unívoca a essa questão seria na verdade mais uma aposta do que como uma certeza, pois trata-se de um processo ainda recente dentro de uma instituição milenar. Talvez a saída seja atentar para os sinais, sem adivinhar qual será o desfecho. Prestar atenção no crescimento rápido e massivo do pentecostalismo na América Latina, onde estavam concentradas as maiores densidades populacionais de católicos no século XX, e no grande investimento missionário das ordens religiosas católicas na África e na Ásia, situações em que o catolicismo entra na condição subordinada de religião das minorias locais (embora num volume expressivo em relação ao total mundial de católicos).

O que acontecerá ao catolicismo nesse processo de deslocamento, que não é apenas geográfico, mas também político e cultural? Como a Igreja Católica irá se relacionar, na condição minoritária, com Estados Nacionais cujo modelo não é o do contrato social ocidental, nem da separação Igreja/Estado européia? Como se dará a tradução dessa tradição ocidental, judaico-cristã, para os demais povos – e aqui penso em tradução não apenas da palavra, do texto, mas da experiência religiosa e dos valores cristãos? Esse processo será marcado pela abertura às diferentes concepções existentes em várias partes do mundo, ou será marcado pelo autoritarismo?

É por isto que os cientistas sociais – notadamente os antropólogos – têm se interessado nos últimos anos pela literatura sobre missões: para tentar compreender melhor como o processo de conversão, que é também um processo de encontro entre pessoas e povos de matriz cultural distinta, efetivamente acontece, e como se dá a transformação nesse processo.

A Igreja hoje, em nove entrevistas

Para onde vai a Igreja, hoje?

Este é o tema de capa da edição 320 da revista IHU On-Line, com data de 21/12/2009.

Diz o editorial:
No final da primeira década do século XXI, a última edição, de 2009, da revista IHU On-Line, propõe-se a perscrutar os rumos e as perspectivas da caminhada da Igreja. Contribuem nesta tarefa, o inglês Timothy Radcliffe, presidente do International Young Leaders Network e ex-superior geral da Ordem dos Pregadores (Dominicanos), Claudio Burgaleta, coordenador do Instituto de Estudos Hispano e Latino-Americanos da Fordham University, em Nova York; Sandro Magister, jornalista italiano; John L. Allen Jr, correspondente do jornal National Catholic Reporter (NCR), do canal CNN e da National Public Radio (NPR); Wolfgang Thönissen, diretor do Johann-Adam-Möhler-Institut für Ökumenik, na Alemanha; Luiz Carlos Susin, teólogo e docente da Pontifícia Universidade Católica – PUCRS; João Batista Libânio, filósofo, teólogo e docente da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia [Belo Horizonte- MG]; Andrea Tornielli, jornalista e escritor italiano; e Washington Uranga, jornalista uruguaio.

As entrevistas:
:: Timothy Radcliffe: O desafio da diferença: o diálogo como única forma de compartilhar a fé
:: João Batista Libânio: A Igreja e os secularismos. Campo para o profetismo
:: Claudio Burgaleta: A crescente “latinização” da Igreja dos EUA: uma inculturação às avessas
:: Sandro Magister: Uma Igreja guiada por um “iluminista” em defesa da grande Tradição
:: John L. Allen Jr.: O fim da “guerra fria” interna da Igreja: um desafio pastoral
:: Wolfgang Thönissen: Ecumenismo: desafio para a Igreja
:: Luís Carlos Susin: Uma Igreja tradicionalista nunca será criativa
:: Andrea Tornielli: Beleza e amor: o legado de Bento XVI para a Igreja contemporânea
:: Washington Uranga: A Igreja Católica na América Latina e as contradições do continente

Roberto?

Esperança nas novas congregações

Ao questionar se Rodé vê sinais de esperança, ele quase invariavelmente fala sobre as novas congregações fundadas nas últimas décadas, em vez das ordens estabelecidas como os dominicanos, jesuítas e franciscanos. “Aqui no meu escritório, encontro pessoas todas as semanas que são fundadores, homens e mulheres, que vem aqui com novos projetos, novas ideias”, diz Rodé. “Na semana passada, um brasileiro com um rosto angelical esteve aqui. Ele está fundando uma comunidade que é uma nova edição do espírito franciscano. Eles andam por aí com a tonsura, como Santo Antônio, de sandálias, vestidos como os pobres. Eles estão nas favelas, trabalhando com os jovens em risco, os sem teto, e são pregadores itinerantes”. “As novas congregações são uma reação contra a tendência [na vida religiosa] para a secularização”, disse. “Elas vestem hábitos, sempre. Elas insistem na oração e na adoração eucarística. Elas insistem na vida em comum. E também têm um grande, grande foco na pobreza” (Trecho de reportagem de John L. Allen Jr., publicada no site National Catholic Reporter, em 28/10/2009, traduzida e reproduzida por Notícias – IHU On-Line em 30/10/2009. Título: Cardeal Franc Rodé: o homem no centro das tempestades)

Seria o Roberto?

 

The man at the center of the storms

Hope in new congregations

Ask Rodé where he sees signs of hope, and he almost invariably talks about new congregations founded in the last several decades, rather than established orders such as the Dominicans, Jesuits and Franciscans.

“Here in my office, I meet people every week who are founders, men and women, who come here with new projects, new ideas,” Rodé said. “Last week, a Brazilian with an angelic face was here. He’s founding a community that’s a new edition of the Franciscan spirit. They go around with the tonsure like St. Anthony, in sandals, dressed like the poor. They’re in the favelas, working with at-risk youth, the homeless, and they’re itinerant preachers.”

“The new congregations are a reaction against the tendency [in religious life] toward secularization,” he said. “They wear the habit, always; they insist upon prayer and eucharistic adoration; they insist upon the common life; and they also have a great, great focus upon poverty.”

As for the more established orders, Rodé says, “At least at the level of the governments of these congregations, the major superiors, there’s an awareness that we have to change.” He said he’s cheered by data, such as that contained in a recent report by the National Religious Vocations Conference in the United States, indicating that orders with a more traditional spirituality often have better luck attracting new members.

Rodé insists he still has great faith in the perennial vitality of religious life.

“Religious have always been, as the French say, le marchant … those who take the lead in a battle,” Rodé said. “Innovation, new ideas, fresh responses to the problems of the society and the times almost always come from the religious, and then later they’re taken over by the hierarchical church.”

“I think that the most dynamic element, the most innovative element in the church, where the new energy of the Spirit makes itself seen, is the religious,” he said.

Rodé clearly believes some kinds of innovation are better than others.

He cited the United States, which has two groups for women’s superiors: the Leadership Conference of Women Religious, which tends to represent the older and more liberal communities, and the Council of Major Superiors of Women Religious, with the newer and more conservative groups. While member communities of the Leadership Conference of Women Religious represent 80 percent of American women religious, Rodé asserted, the communities of the Council of Major Superiors of Women Religious have 80 percent of new vocations.

“In my opinion,” Rodé said — with a twinkle in his eye, but obviously not entirely in jest — “the spirit of Anglo-Saxon pragmatism for which you’re known ought to lead to the obvious conclusion.”

Hans Küng e Roma

Parece que L’Osservatore Romano e Hans Küng andam se estranhando na questão dos anglicanos

 

Teólogo critica duramente ao papa e Vaticano contesta realidade de argumentos – 28/10/2009

O teólogo dissidente Hans Küng criticou duramente seu antigo amigo Bento XVI por haver aberto as portas aos anglicanos, afirmando que se trata de “uma tragédia”, provocando uma resposta do Vaticano que disse que as acusações estão “muito longe da realidade”.

Küng, de 81, em artigo publicado hoje nos diários “The Guardian” (Reino Unido) e “La Repubblica” (Itália), intitulado “Esse papa que pesca nas águas da direita”, afirmou que a decisão de Joseph Ratzinger de acolher na Igreja Católica a todos os anglicanos que o desejem é uma “tragédia”.

Segundo o teólogo suíço, se trata de uma “tragédia” que se une “às já ocasionadas (por Bento XVI) aos judeus, aos muçulmanos, aos protestantes, aos católicos reformistas e agora à Comunhão Anglicana, que fica debilitada perante a astúcia vaticana”.

“Tradicionalistas de todas as igrejas, unir-vos sob a cúpula de São Pedro. O Pescador de homens pesca, sobretudo na margem direita do lago, embora ali as águas sejam turvas”, escreveu Küng que acusa o papa de querer restaurar “o império romano, em vez de uma Commonwealth de católicos”.

Segundo Küng, “a fome de poder de Roma divide o cristianismo e danifica sua Igreja” e o atual arcebispo de Canterbury, o chefe da Igreja Anglicana, Rowan Williams, “não esteve à altura da astúcia vaticana”.

Para o teólogo dissidente, as consequências da “estratégia” de Roma são três: “o enfraquecimento da Igreja Anglicana, a desorientação dos fiéis dessa confissão e a indignação do clero e o povo católico”, que veem – diz – como se aceitam sacerdotes casados enquanto se insiste de maneira “teimosa” no celibato dos padres católicos.

O diretor do jornal vespertino vaticano “L’Osservatore Romano”, Giovanni María Vian, respondeu hoje que “mais uma vez, uma decisão de Bento XVI volta a ser pintada com rasgos fortes, preconceituosos e, sobretudo, muito afastados da realidade”.

“Infelizmente Küng faz outra das dele, antigo colega e amigo com quem o papa em 2005, só cinco meses após sua escolha, se reuniu, com amizade, para discutir as bases comuns éticas das religiões e a relação entre razão e fé”, escreveu Vian.

O diretor do jornal assegurou que Küng voltou a criticar seu antigo companheiro na Universidade de Tübingen (Alemanha) “com aspereza e sem fundamento”.

O gesto do papa, segundo Vian, tem como objetivo “reconstituir a unidade querida por Cristo e reconhece o longo e fatigante caminho ecumênico realizado neste sentido”.

“Um caminho que vem distorcido e representado enfaticamente como se tratasse de uma astuta operação de poder político, naturalmente de extrema direita”, acrescentou Vian, que ressaltou que “não vale a pena ressaltar as falsidades e as inexatidões” de Küng.

O representante vaticano criticou as acusações vertidas contra o líder da Igreja Anglicana e expressou sua “amargura” perante este “enésimo ataque à Igreja Católica Apostólica Romana e a seu indiscutível compromisso ecumênico.

No último dia 20, o Vaticano anunciou a disposição do papa a acolher na Igreja Católica todos os anglicanos que o desejem e a aprovação, com esse objetivo, de uma Constituição Apostólica (norma de máxima categoria) que prevê, entre outras, a ordenação de clérigos anglicanos já casados como sacerdotes católicos.

No mundo são cerca de 77 milhões fiéis anglicanos e nos últimos anos sua igreja viveu momentos de crise e de forte divisão interna, devido à ordenação de mulheres e homossexuais declarados como bispos e a bênção de casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Por enquanto se desconhece o número exato de anglicanos que desejam rumar à Roma, embora segundo fontes do Vaticano esse número pode estar na casa de meio milhão, entre eles meia centena de bispos.

Fontes: EFE e G1