Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo, diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião na Universidade Candido Mendes, propõe uma agenda para a Igreja nos próximos anos.
Transcrevo o trecho inicial do artigo Possível agenda para a Igreja nos próximos anos.
Luiz Alberto Gómez de Souza escreve:
Tempos de mutações
Sempre reagi contra a ideia de uma secularização linear, com o declínio inevitável do sagrado. Este está profundamente presente em nossas sociedades, mas num mundo pluralista e de pós-cristandade. E nem sempre nós católicos soubemos entender esses novos tempos e viver um outro clima(1).
O filósofo católico Pietro Prini, num livro provocador, falou de um cisma oculto ou subterrâneo (scisma sommerso), a partir de uma quebra de comunicação entre a Igreja e a sociedade: “O ‘aggiornamento’ da Igreja no mundo contemporâneo, iniciado no Concílio e continuado por uma geração de teólogos excepcionalmente preparada e aberta, foi estancado nos últimos anos, logo quando era necessário ter a coragem de confrontar a Fé com os resultados doutrinários e metodológicos das ciências antropológicas de hoje”. Rompeu-se a comunicação entre o emissor da mensagem com seus códigos tradicionais (a Igreja) e o receptor contemporâneo com sua nova sensibilidade e novas necessidades. Sempre deve haver uma reciprocidade ativa entre quem envia e quem recebe uma mensagem. Este último não é um ser passivo, que acolhe com indiferença enunciados gerais, a-históricos ou passadistas, mas com uma qualificação psicológica, mental, social e histórica precisa(2). Uma linguagem em descompasso histórico passa a não dizer-lhe grande coisa. Seu comportamento vai se configurando à margem de normas e prescrições que lhe parecem estranhas ou incompreensíveis.
Frente a uma ética e a receitas com invólucros de outros tempos, muitos fiéis não entram em heresia (negação de uma doutrina), mas tomam um distanciamento da autoridade (distacco em italiano), que caracterizaria mais bem um cisma de fato, um não recebimento de uma mensagem ou ordem na qual não descobre sentido. Não se trata propriamente de indiferença, mas de um processo de filtragem. Isso fica claro no que se refere à ética da sexualidade (uso de anticoncepcionais, por exemplo). As falas do magistério podem perder-se no vazio da não-comunicação. Uma pesquisa para o New York Times, em 1993, do jornalista católico Peter Steinfels, indicava que 8 entre 10 católicos norte-americanos não aceitavam a afirmação de que o uso de métodos artificiais de controle da natalidade era errado; 9 de cada 10 consideravam que alguém que utilizasse métodos artificiais poderia ser um bom católico(3).
Prini fez a crítica a um certo “personalismo substancial” que se baseia numa noção de essência imutável, para contrapô-lo a um “personalismo intersubjetivo”, baseado na intercomunicação e na troca de conhecimentos e de sensibilidades(4). É praticamente o “personalismo comunitário” de Emmanuel Mounier e a relação Eu-tu de Martin Buber(5). A doutrina não teria de adaptar-se passivamente a novas exigências, o que seria cair num relativismo ético, mas tratar de entender os novos códigos de linguagem, rever-se sem renunciar a solidariedades profundas, integrar novas descobertas e entrar em sintonia fina com a consciência histórica em transformação. Aliás, a noção de “consciência histórica”, que aprendemos na JUC dos anos 60 com nosso mestre Pe. Henrique de Lima Vaz, nos ajudaria a esse respeito(6).
Uma agenda para o mundo
Uma nova agenda para a Igreja teria de partir das premissas acima enunciadas. Começamos com os grandes temas do mundo de hoje, que deveriam fazer parte dessa agenda atualizada da Igreja. Mas ao lado deles, temos os outros, em sua vida interna. Para usar termos dos tempos do Vaticano II, elementos ad extra e ad intra. Há que partir dos primeiros, para evitar uma visão apenas voltada para dentro da instituição… (continua)
Notas:
(1) “Secularização em questão e potencialidade transformadora do sagrado” in L. A. Gómez de Souza, A utopia surgindo no meio de nós. Rio de Janeiro, Mauad, 2003, pp. 91-108.
(2) Pietro Prini, Lo scisma sommerso. Il messagio cristiano, la società moderna e la chiesa católica. Garzanti, 1999, p. 9.
(3) Peter Steinfels, A people adrift. The crisis of the Roman Catholic Church in America. N.Y., Simon & Schuster, 2003, p. 258. O título é severo: Um povo à deriva.
(4) Prini, op. cit., pp. 85-90
(5) Mounier, “Manifeste au service du personnalisme”, Oeuvres, vol I, Paris, Seuil, 1961 pp. 481-649. Roberto Bartholo Jr. Você e eu. Martin Buber. Presença palavra, Rio de Janeiro, Garamond, 2001.
(6) Henrique de Lima Vaz, “Consciência cristã e responsabilidade histórica”, in Herbert José de Souza e L. A. Gomez de Souza (eds.), Cristianismo hoje. Rio de Janeiro, Ed. Universitária da UNE, 1962.
Luiz Alberto Gómez de Souza é doutor em sociologia pela Universidade de Paris. Militou na JEC desde 1950 e depois na JUC, onde foi membro da equipe nacional; Secretário Geral da JEC Internacional. Assessorou D. Helder Camara na preparação do Concílio. Foi funcionário das Nações Unidas (CEPAL, Chile e México, FAO, Roma) e professor em Universidades do Rio de Janeiro. Assessor de movimentos sociais e pastorais.
Fonte: Notícias – IHU On-Line: 21.04.2010