A mercantilização neurótica do sagrado

A mercantilização do sagrado é um fenômeno corriqueiro na contemporaneidade…

Veja, por exemplo, o que aconteceu com os lugares sagrados de Jerusalém. Aquilo virou uma Disneylândia de Jesus…

Imagino que, dentro de alguns anos, teremos atores fracassados do Terceiro Mundo vestidos de Judas-Patetas, Maria-Branca de Neve, Tio Pôncio-Patinhas, Pedro-Duck e, é claro, Mickey-Jesus-Mouse…

Ateus são fichinha em comparação à histeria religiosa como argumento contra a viabilidade de um Deus bom e generoso. Nesse caso, a náusea faz de você um ateu…

Aliás, estou seguro de que, em breve, Jesus será “made in China”…

Deus virou batata chips de free shop…

Tive o desprazer de ver Jerusalém virar uma cidade devastada pela horda de tarados com máquinas digitais e filmadoras chinesas…

Um Hopi Hari de Jesus com seu ruído de famílias de classe média em excursões místicas…

Ou, dito de outra forma, o inferno é um lugar onde tem muita gente em surto místico…

Depois da destruição de Jerusalém pelos romanos por volta do ano 70 d.C., vemos agora a infestação da cidade santa pelos histéricos pentecostais e seus berros em nome do Espírito Santo…

Além do que… a população secular de Jerusalém é cada vez mais oprimida pelos homens de preto da ortodoxia judaica…

 

Disneylândia de Jesus – Luiz Felipe Pondé

O mundo acabou. Não viaje. Assista a filmes em casa ou vá para cidades sem graça do interior. O mundo foi tomado por um tipo de praga que não tem solução: os gafanhotos do sucesso da indústria do turismo.

O horror começa nos aeroportos, que, graças ao terrorismo fundamentalista islâmico, ficaram ainda piores com seus sistemas de segurança infernais. Esse mesmo terrorismo fundamentalista que faz as “cheerleaders” dos movimentos sociais sentirem “frisson” de prazer na espinha.

Uma grande figura do mercado de análise de comportamento me disse recentemente que, em poucos anos, só os pobres (de espírito?) viajarão.

Tenho mais certeza disso do que da aritmética de 2 + 2 = 4. Aeroportos serão o último lugar onde você vai querer ser visto. Gostar de viajar hoje pode ser um forte indício de que você não tem muita imaginação ou opção na vida.

Veja, por exemplo, o que aconteceu com os lugares sagrados de Jerusalém. Aquilo virou uma Disneylândia de Jesus. Imagino que, dentro de alguns anos, teremos atores fracassados do Terceiro Mundo vestidos de Judas-Patetas, Maria-Branca de Neve, Tio Pôncio-Patinhas, Pedro-Duck e, é claro, Mickey-Jesus-Mouse.

Locais religiosos sempre atraíram todo tipo de histeria. A proximidade com ela pode fazer você duvidar da existência de Deus.

Ateus são fichinha em comparação à histeria religiosa como argumento contra a viabilidade de um Deus bom e generoso. Nesse caso, a náusea faz de você um ateu.

Às vezes, tristemente, a diferença entre visitas belas a locais sagrados parece ser apenas o número maior ou menor de nossos semelhantes crentes em Deus.

Ou, dito de outra forma, o inferno é um lugar onde tem muita gente em surto místico.

Jesus deve ter uma paciência de Jó, com seus fiéis cheios de máquinas digitais e filmadoras chinesas querendo devassar a intimidade de sua mãe e de seus discípulos mortos já há tantos séculos.

Aliás, estou seguro de que, em breve, Jesus será “made in China”, “at last”. Se assim acontecer, terão razão aqueles que afirmavam ter sido ele um Messias “fake”?

Pessoalmente, torço para que Jesus sobreviva a essa “nova paixão”, por obra da qual ressuscitar deverá ser algo como um show de efeitos especiais feitos por computação gráfica barata. Os fiéis pós-modernos deram um novo significado à expressão nietzschiana “Deus está morto”. Nesse caso, Deus virou batata chips de free shop.

No início dos anos 90, ainda era possível ir à catedral de Córdoba, na Espanha, e experimentar sua beleza moura. Já em meados dos anos 2000, ela era um terreno baldio para as invasões de gafanhotos.

Hoje, estive (escrevo dias antes de você ler esta coluna) na igreja da Agonia, em Jerusalém, conhecida também como igreja de Gethsêmani, local onde Jesus teria suado sangue antes de ser preso. Um belíssimo local.

Em seguida, alguns passos descendo a ladeira do monte das Oliveiras (onde fica Gethsêmani), fui a outro local, maravilhoso, que não vou dizer qual é porque espero que ninguém fique sabendo; assim, quem sabe, esse lugar ainda durará algum tempo antes de virar mais um Hopi Hari de Jesus com seu ruído de famílias de classe média em excursões místicas.

É importante dizer que já fui a esses locais inúmeras vezes e que, portanto, tive o desprazer de ver Jerusalém virar uma cidade devastada pela horda de tarados com máquinas digitais e filmadoras chinesas. Além de suas camisetas com slogans pela paz mundial.

Depois da destruição de Jerusalém pelos romanos por volta do ano 70 d.C., vemos agora a infestação da cidade santa pelos histéricos pentecostais e seus berros em nome do Espírito Santo.

Além, é claro, dos judeus ortodoxos obsessivos mal-educados e dos muçulmanos fanáticos com seu grito bárbaro “Allah Akbar” (Deus é grande). A população secular de Jerusalém é cada vez mais oprimida pelos homens de preto da ortodoxia judaica.

Alguns desses são mesmo contra o Estado de Israel, porque só o Messias pode reconstruir o “verdadeiro Estado judeu”. Acho que deveriam ser todos despachados para o Irã. Enfim, um filme de horror estrelado por fanáticos, batatas e patetas.

Fonte: O artigo Disneylândia de Jesus foi publicado pela Folha de S. Paulo em 31/10/2011, e reproduzido por IHU On-Line na mesma data.

Luiz Felipe Pondé, pernambucano, é escritor, filósofo e ensaísta. Doutor em filosofia pela USP, é professor da PUC, da FAAP e da Universidade Federal de SP.

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