SCHÖKEL, L. A.; SICRE DIAZ, J. L. Profetas II. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 1037-1062. – ISBN 8534919917
Luís Alonso Schökel nasceu em Madri, Espanha, em 1920 e faleceu em 10.07.1998. Doutor em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (1957) foi Professor no mesmo Instituto de 1957 a 1995. José Luiz Sicre nasceu em Cádiz, Espanha, em 1940, doutorou-se em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (1978) e leciona na Faculdade de Teologia da Universidade de Granada, Espanha, e no Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Este comentário aos profetas, em dois volumes, foi publicado originalmente em espanhol em 1980 e traduzido para o português em 1991.
É bastante comum datar a redação do livro de Jonas no período pós-exílico. Entretanto, alguns estudiosos a situam no século V, como reação ao nacionalismo exagerado de Esdras e Neemias, enquanto outros a situam mais tarde, alegando que elementos folclóricos nela presentes só se difundiram depois da campanha de Alexandre Magno. É certo que a redação teve termo antes do ano 200 a. C., uma vez que nessa época já integrava o conjunto dos Doze Profetas Menores.
Schökel e Sicre Diaz iniciam o trecho sobre o livro de Jonas afirmando que poucos personagens do Antigo Testamento são tão conhecidos e tão mal interpretados quanto Jonas. Geralmente se confunde a mensagem do livro com o episódio da “baleia”, deixando-se de lado todo o seu rico conteúdo teológico. O livro de Jonas é um dos mais estudados e comentados da Bíblia, embora não se tenha chegado a uma interpretação unânime. Alguns poucos comentaristas consideram o relato como histórico, outros como alegoria, e outros, ainda, como parábola.
A interpretação de Jonas como personagem histórico com missão concreta a respeito de Nínive, parece sugerida pelo próprio autor do livro que o identifica como filho de Amati. Profeta de mesmo nome aparece durante o reinado de Jeroboão II, no século VIII a. C. Antigos exegetas identificaram os dois personagens e até mesmo Jesus teria refletido a convicção generalizada em sua época no sentido de que Jonas seria personagem histórico, segundo Mt 12,38-42 e Lc 11,29-32.
Esta interpretação, porém, encontra sérias dificuldades. Jonas, filho de Amati, seguramente nada tinha a ver com o protagonista do livro de mesmo nome. Além disto, Nínive não era a capital da Assíria na época de Jeroboão II, nem tinha as dimensões extraordinárias narradas no livro. Também se sabe que Nínive nunca se converteu ao javismo. Todos estes condicionamentos levaram muitos comentaristas a abandonar esta interpretação.
A interpretação alegórica, em sentido estrito, também teve seus adeptos. Tentando transferir todos os elementos do relato para o plano da realidade, estudiosos apresentam Nínive como símbolo do mundo gentio; Jonas seria Israel em sua recusa para cumprir sua tarefa missionária; o grande peixe representaria o exílio; a segunda ordem de partida para Nínive seria a confirmação da mesma missão para Israel; o mal-estar de Jonas seria aquele do Povo de deus, que não aceita o perdão dos gentios, como se vê também em Neemias, Esdras, Joel e Abdias.
Mas também aqui, na interpretação alegórica, encontramos sérios obstáculos, pois alguns elementos da narrativa não admitem uma transposição. O que significariam os marinheiros? Israel partiu voluntariamente para o exílio como Jonas pediu para ser atirado ao mar? Que significado teria a mamoneira? Estes problemas sem solução tornam esta interpretação pouco digna de crédito e são poucos os exegetas que ainda hoje a sustentam.
Muitos comentaristas atualmente consideram o livro de Jonas como parábola, renunciando a estabelecer qualquer tipo de paralelismo entre ele e a história de Israel e limitando-se a considerar o relato como uma excelente narração com fins didáticos. Ainda assim estes comentaristas também não chegam a um acordo quanto ao objetivo do livro. O que Jonas pretende ensinar? Uns afirmam que seria a relação entre eleição e universalismo. Outros, a atitude que Israel deve ter ante os povos gentios. Para outros o livro tenta justificar a Deus, que não cumpriu as antigas ameaças contra Nínive. Outros ainda veem como chave do relato as relações entre o profeta e Deus, enquanto outros veem o chamado à conversão ou à atividade missionária. Uma opinião entre todas estas, segundo Schökel e Sicre Diaz, parece sobressair entre as demais: aquela que apresenta o livro de Jonas como um chamado ao universalismo, ante o nacionalismo e à xenofobia do período pós-exílico.
É importante também citar a visão dos autores sobre a aplicação cristológica da narrativa de Jonas. Apenas a permanência de Jonas no ventre do peixe pode ser considerada como tipo de descida de Cristo ao seio da terra (cf. Mt 12,38-42). Com algum esforço pode-se também relacionar o enfrentamento de Jonas com os ninivitas com o enfrentamento de Jesus com seus contemporâneos. Mas o paralelismo não vai além disso, porque Jesus jamais fugiu de Deus ou da sua palavra, não opôs resistência ao mandato de Deus, não desceu ao ventre da terra pelos seus pecados, não se magoou com Deus. Jesus é totalmente contrário à figura de Jonas, o anti-Jonas como disseram Schökel e Sicre Diaz.
Os dois exegetas espanhóis consideram o livro de Jonas uma obra-prima. No entanto, afirmam que a ciência bíblica não deixou de descobrir nele uma série de problemas, alguns ainda não solucionados. Entre estes problemas estão os aparentes tropeços na narração, as diversas maneiras de se nomear Deus, o salmo recitado por Jonas no ventre do peixe e a relação entre os capítulos 1-2 e 3-4.
Cito como exemplo o salmo recitado por Jonas no ventre do peixe. É quase unanimidade entre os comentaristas que não pertenceria à obra original, de acordo com os seguintes argumentos: o salmo não se ajusta ao contexto; a linguagem usada é diferente; a atitude de Jonas no salmo não concorda com a que demonstra no restante da obra. Alguns comentaristas, porém, classificam o salmo como sendo original, pertencente à obra e escrito pelo mesmo autor do relato.
A mensagem de Jonas, segundo os autores do estudo, está centrada na escolha de Nínive como objeto da misericórdia de Deus. De fato, a capital do Império Assírio ficou na consciência de Israel como símbolo do imperialismo, da agressividade mais cruel contra o povo de Deus. Os ninivitas eram os maiores opressores de todos os tempos, e é a eles que deve se dirigir Jonas para os exortar à conversão e mais: é a eles que Deus concede seu perdão! Para Alonso Schökel e Sicre Diaz a mensagem do livreto é que Deus ama também os opressores, “faz nascer o sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45).
É na perspectiva de opressão e de injustiça que se entende a reação dos ninivitas à mensagem de Jonas. O autor do relato bíblico não diz que eles se converteram ao Deus verdadeiro, mas simplesmente deixaram suas más ações e sua violência. A injustiça é que desapareceu do meio deles. Na mensagem há, portanto, dois aspectos: os opressores devem se converter e Israel deve aceitar que Deus os perdoe. Jonas representa aqui o povo oprimido, que sofreu exploração, perseguição e exílio na mão dos opressores. Por isso ele, Jonas, esperava a terrível intervenção de Deus contra seus inimigos. O livro de Jonas deixa claro que isto não acontecerá, pois com a conversão vem também o perdão.