Hans Küng, segundo Luiz A Gomez de Souza

Hans Küng no Brasil – Por Luiz Alberto Gómez de Sousa

É tempo de reabrir temas congelados nos últimos anos na Igreja Católica, e a lucidez do teólogo cristão Hans Küng, agora em visita ao Brasil, será de grande ajuda.

 

Hans Küng é um dos maiores teólogos cristãos da atualidade, valente, ousado, homem de fé e de espiritualidade fortes. Seu giro por várias cidades do Brasil foi umHans Küng: 1928-2021 triunfo, com auditórios cheios. Aqui no Rio, foi recebido pela Universidade Candido Mendes, graças ao seu Reitor Candido Mendes, em seu Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião, que dirijo, e pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, no auditório da UCAM, rua da Assembleia 10.

Ali, centenas de pessoas ouviram em absoluto silêncio sua fala em inglês, com tradução simultânea, de quase duas horas. A série de palestras começou na Universidade Unisinos, em São Leopoldo, dos jesuítas, e depois no Instituto Goethe em Porto Alegre, na Universidade Federal do Paraná, na Católica de Brasília (que não é pontifícia), na Câmara de Deputados, aqui no Rio e na Federal de Juiz de Fora, onde recebeu o título de Doutor Honoris Causa. As PUCs do país não puderam convidá-lo.

João XXIII o nomeou perito do Vaticano II; no pontificado seguinte, o ex-Santo Ofício de Ratzinger, de quem foi colega na Alemanha, o proibiu de ensinar teologia católica, por suas posições críticas diante da infalibilidade do Papa, do celibato obrigatório, em favor da ordenação de mulheres, propondo rever uma doutrina caduca sobre sexualidade e reprodução humana e abrir uma nova etapa no ecumenismo entre cristãos, assim como no diálogo inter-religioso com outras crenças.

Escreveu grandes obras sobre o Islã, o Judaísmo e o Cristianismo. Passou a ensinar teologia ecumênica em Tubinga. Ao cumprir cinquenta anos de sacerdote, escreveu um belo texto: “Porque ser cristão hoje”. Aposentado, está à frente de uma Fundação pela Paz. Durante suas palestras foram expostos, na entrada dos auditórios, doze painéis sobre uma ética da Paz. Dois temas em suas falas: Religião e Ciência, desde o big-bang, até a entropia e o big crush, com uma notável cultura e atualização científicas; e sua luta por um Ethos mundial para a paz entre os homens.

Lembra as sanções do Vaticano a Leonardo Boff. É tempo de reabrir temas congelados nos últimos anos na Igreja Católica, e sua lucidez será de grande ajuda. Talvez um outro concílio aproveitará seu discernimento. Quando o Vaticano I terminou de repente, pela queda de Roma com a unificação italiana, o grande teólogo inglês Newman , convertido e mal visto por Pio IX, mais tarde feito cardeal por Leão XIII, escreveu a um amigo: “Pio não é o último dos papas…Tenhamos paciência, um novo concílio e um novo papa polirão a obra”.

Podemos aplicar esse texto aos dois últimos pontificados e, então, a reflexão lúcida e criativa de homens como o suíço Hans Küng, hoje chegando aos oitenta anos, abrirão novos caminhos para uma Igreja Católica que vive, como disse um teólogo brasileiro, um tempo de inverno. O bom papa João XXIII disse que o Vaticano II era “uma flor de inesperada primavera”. D. Hélder sonhou com um Jerusalém II (ver Atos dos Apóstolos sobre o primeiro, cap. 15). Entre 1962 e 1966, ele, Yvan Illich, o grande Alceu Amoroso Lima e eu, no ardor da minha juventude, sonhamos com um Vaticano III. Hans Küng abre caminhos, na profecia dos teólogos, sem medo ou autocensura.

Luiz Alberto Gómez de Sousa, sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, é diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Candido Mendes.

Fonte:Carta Maior – 1/11/2007