Internet em debate: IGF em Atenas e projeto de controle da Web em Brasília

Leia sobre o Fórum de Governança da Internet (Internet Governance Forum ou IGF, em inglês), que realizou sua primeira reunião em Atenas, Grécia, entre os dias 30 de outubro e 2 de novembro de 2006, em:

Fórum cede a pressões e gerenciamento da rede fica de fora da pauta

O Fórum de Governança da Internet (IGF, na sigla em inglês) se reuniu entre os dias 30 de outubro e 2 de novembro, em Atenas (Grécia) para dialogar sobre políticas que afetam ou se relacionam com a governança ou a gestão da Internet. Representantes do governo e da sociedade civil brasileira afirmam, contudo, que o debate central, que é a concentração de poder sobre a grande rede não entrou na pauta do encontro. Segundo o gerente de Assuntos Estratégicos do Ministério da Cultura, José Murilo Júnior, nenhuma decisão importante foi tomada em Atenas. A próxima reunião acontecerá em novembro de 2007, no Rio de Janeiro, quando o debate e a correlação de forças devem estar mais maduros.

Para que se entenda tal discussão, é importante retomarmos a origem da questão. A Rede Mundial de Computadores, a Internet, surgiu em 1969. A intenção do governo estadunidense era desenvolver um sistema para interligar seus computadores de uso militar. Assim surgiu a ARPANET, que operava como um chaveamento de pacotes, um esquema de transmissão de dados em rede de computadores no qual as informações são divididas em pequenos pacotes, que contém trecho dos dados. No caso, o endereço do destinatário e informações que permitiam a remontagem da mensagem original.

Pouco tempo depois, o sistema passou a ser interligado com universidades e outros institutos de pesquisa, dividindo o sistema em duas redes, uma de uso militar e outra não-militar. Um esquema técnico denominado IP (Internet Protocol – Protocolo da Internet) já permitia que o tráfego de informações fosse caminhado de uma rede para outra. Todas as redes conectadas pelo IP na Internet comunicam-se em IP, para que todas possam trocar mensagens.

Por meio da National Science Foundation, o governo americano investiu na criação de backbones (espinha dorsal), que são grandes computadores conectados por linhas que têm a capacidade de dar vazão a grandes fluxos de dados, como canais de fibra óptica, elos de satélite e elos de transmissão por rádio. Além desses backbones, existem os criados por empresas particulares. A elas são conectadas redes menores, de forma mais ou menos anárquica. É basicamente nisto que consiste a Internet, que teoricamente não tem um dono específico.

Em Janeiro de 1983, a ARPANET mudou seu protocolo de NCP para TCP/IP. Em 1985, surge o FTP. Contudo, a Internet como hoje conhecemos, com sua interatividade, como arcabouço de redes interligadas de computadores e seus conteúdos multimídia, só se tornou possível com a criação do World Wide Web, ganhando maior divulgação pública a partir dos anos 90.

Atualmente, uma única entidade é responsável por estabelecer as regras de uso e distribuição de protocolos IP’s. A ICANN – Internet Corporation for Assigned Names and Numbers classifica-se como uma entidade sem fins lucrativos e de âmbito internacional, mas é ligada ao Departamento de Comércio estadunidense. Esses serviços eram originalmente prestados mediante contrato com o governo dos EUA, pela Internet Assigned Numbers Authority (IANA) e outras entidades. A ICANN hoje cumpre a função da IANA.

Concentração de poder

A comunidade internacional, no entanto, questiona a concentração de poder de governança da Internet pelo governo dos Estados Unidos. Assim na Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação, realizada em Túnis (Tunísia), em novembro de 2005, foi aprovada a criação do Fórum de Governança da Internet (IGF, na sigla em inglês). A intenção foi contrabalançar o poder da Icann. A entidade continua no controle da rede, mas o Fórum serve para que outras iniciativas sejam discutidas num âmbito mais internacional e democratizante. Os Estados Unidos chegaram na Cúpula sem querer ceder e acabaram isolados. A União Europeia ficou ao lado de Brasil, China, Índia e outros países.

A primeira reunião do Fórum aconteceu entre os dias 30 de outubro e 2 de novembro, em Atenas (Grécia). Enviado para representar o governo federal, o gerente de Assuntos Estratégicos do Ministério da Cultura, José Murilo Júnior, explica que o IGF tem uma estrutura aberta, heterogênea e não-hierarquizada para o debate sobre políticas públicas para a rede. Os principais temas debatidos são spam, multilinguismo, censura, cibercrime, cibersegurança, questões de gênero, privacidade e proteção de dados, liberdade de expressão, direitos humanos, direitos autorais.

Segundo Murilo, nenhuma decisão importante foi tomada em Atenas. A próxima reunião acontecerá em novembro de 2007, no Rio de Janeiro. Contudo, o primeiro encontro direciona caminhos para novas discussões e a correlação de forças no Fórum. “A questão que não quer calar é o papel central da norte-americana Icann em uma rede que tende cada vez mais à internacionalização. Processos decisórios importantes que afetam a todos precisam de maior representatividade e transparência, e os esforços da entidade neste sentido não conseguiram apaziguar demandas pela internacionalização do serviço manifestadas na Cúpula de Tunis por vários países, entre eles o Brasil. Mas este tema não está exatamente na pauta do IGF-Atenas. Quem sabe no Rio?”, aponta o representante do governo brasileiro.

Carlos A. Afonso, diretor de planejamento da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits) e um dos representantes das entidades civis sem fins de lucro no Comitê Gestor da Internet no Brasil, afirma, no entanto, que o grupo preparatório para esta reunião acabou cedendo a pressões (de governos como o dos EUA, e de certos interesses comerciais) para minimizar, se não impedir, discussões amplas sobre a governança da infra-estrutura lógica (nomes de domínio, números IP e protocolos de
interconexão e transporte de dados) da rede.

“Setores da ONU influídos pelas grandes empresas de telecomunicações e por alguns governos continuam insistindo na substituição da ICANN por um organismo intergovernamental, que seria a União Internacional da Telecomunicação (UIT/ITU). Isto é repudiado por uma grande maioria dos grupos de interesse porque a UIT não é pluralista, nem global, e é basicamente controlada pelas grandes empresas de comunicação”, diz Afonso, avaliando a dificuldade da sociedade civil defender seus interesses dentro da Organização.

Afonso acrescenta ainda que a Icann tem vivido um processo de reestruturação lenta, que em geral tem lentamente progredido em direção a mais participação e transparência. Contudo, a maior parte do tempo da entidade hoje é tomado pelas atividades de coordenação do comércio mundial de nomes de domínio genéricos ou globais (conhecidos como GTLDs e STLDs), em que uma única empresa controla cerca de 70% do mercado. “Por outro lado, o processo de independência da Icann em relação ao governo dos EUA sofreu um revés, com a renovação em setembro deste ano do Memorando de Entendimento entre a entidade e o Departamento de Comércio, que na prática mantém a supervisão sobre funções cruciais da governança da infraestrutura, como as decisões sobre modificação do arquivo-raíz que centraliza o anúncio dos nomes de domínio de primeiro nível (tanto genéricos como dos países)”, lembra Afonso.

Multilinguismo

Um dos temas de maior relevância que avançaram em consenso foi o debate da utilização de outros alfabetos na formação de domínios, que é uma reivindicação importante dos países asiáticos – cada vez mais fortes na rede. Trata-se de pauta do
multilinguismo. O Icann já sinaliza empenho em apresentar as soluções rapidamente.

“O grande mérito do IGF está sendo a oportunidade de encontro pessoal e livre troca de ideias e informações entre ‘usuários’ e ‘administradores’ da grande rede, o que tem sido facilitado pela estrutura mais horizontal e participativa do evento. A Internet está chegando em todos os lugares, mas não da mesma forma, e a desinformação ainda é muito grande, por exemplo, nos países africanos. Para muitos deles, a grande descoberta neste fórum foram os kits anti-spam. Relatam por exemplo que no pouco tempo de conexão (lenta) de que dispõem para acessar seus e-mails (praticamente o único recurso que usam na web), os minutos preciosos que perdem baixando spam praticamente inviabiliza o uso. Parece que as tais dynamic coalitions podem começar a funcionar, da mesma forma como as amizades virtuais que só se concretizam mesmo depois de um encontro frente a frente”, acredita José Murilo.

Direitos da Internet

Como uma das principais contribuições do Brasil, ficou registrada a Carta dos Direitos da Internet (saiba mais). A ideia surgiu em Túnis tendo entre os patrocinadores o Lawrence Lessig, o Stallman e o ministro Gilberto Gil, além de membros do parlamento italiano e a ONG IPJustice.org. “Como o Gil não pôde estar dessa vez, vim representá-lo, e trouxe basicamente a reivindicação espontânea que nasce nos ‘pontos de cultura’, pelo direito de remixar cultura digitalmente. Em um Fórum onde tantos assuntos são tratados especificamente e nenhum consenso é alcançado parece fazer sentido pensar em um conjunto de direitos e deveres fundamentais orientadores”.

Outros assuntos que despertam bastante polêmica referem-se basicamente ao direito de acesso à informação e a liberdade de conhecimento – a busca por padrões abertos, software livre e acesso livre ao conhecimento. “Essa busca choca-se com os interesses das grandes empresas de software proprietário e as companhias que comercializam conteúdo utilizando leis (cujo rigor varia de país a país) que definem os direitos de autor e os de propriedade intelectual das distribuidoras de conteúdo, e em consequência limitam os direitos de cópia ou mesmo da simples visualização/audição múltipla de conteúdos”, destaca o representante da sociedade civil no Fórum, que afirma ainda que a atuação dos representantes governamentais brasileiros tem sido bastante afinadas com os anseios da sociedade organizada.

José Murilo questiona ainda a falta de cobertura dos meios sobre os debates da Cultura Digital, extremamente importantes para o desenvolvimento. “Grande parte da comunidade norte-americana na rede, como a maioria dos blogs, ignora solenemente o evento. Para os geeks, que de certa forma se sentem meio ‘donos’ do brinquedo, governos (inclusive o deles) só podem atrapalhar o que está dando certo. O que dizer de um coletivo de governos liderados por uma cada vez mais desacreditada ONU? A Internet detona mesmo com as fronteiras, e neste caso nem podemos ver a posição norte-americana como um bloco homogêneo”, pontua Murilo, otimista com o debate e cobrando uma discussão ampla no período preparatório para o Fórum no Rio de Janeiro em 2007.

Fonte: Carlos Gustavo Yoda – Carta Maior: 07/11/2006

 

Leia sobre o projeto de lei que obriga a identificação dos usuários da Internet antes de iniciarem qualquer operação que envolva interatividade em:

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Senador quer responsabilizar professores pelo uso da internet em escolas

Projeto que prevê o controle da internet é considerado um “retrocesso”

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1 comentário em “Internet em debate: IGF em Atenas e projeto de controle da Web em Brasília”

  1. Infelizmente a internet que até então era considerado uma solução começa se tornar um problema com tantos males, devido ao mao uso..é necessário levar informaçoes aos usuários…e segurança através de ferramentas já disponíveis no mercado…enquanto as autoridades ainda nao conseguem uma solução definitiva…a internet empresarial ou residencial pode ser controlada e ser utilizada com maior segurança através destas ferramentas…
    no site http://www.vktecnologia.com.br existem diversas informações e ferramentas….é uma empresa especializada em controle e monitoramento da internet empresarial ou residencial…vale a pena dar uma conferida…

    Victor Kuradomi

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