ARROYO, L. A cultura popular em Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984, 315 p.
Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.
Li, na década de 80, pela primeira vez, o estudo de Leonardo Arroyo (1918-1986). Desde então, tenho consultado, com frequência, esta obra, onde anotei, ao final da primeira leitura: Excelente! Verdadeira enciclopédia da cultura popular mineira do sertão. Se não fosse por mais razões, só o inventário dos provérbios riobaldianos nas p. 252-282 já valeria a leitura. Mas é o autor quem nos diz no primeiro parágrafo da Introdução, p. 4, o que pretende:
A intenção deste ensaio é colocar teses sobre o conteúdo e a origem de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, de filiação e raízes na cultura popular.
Arroyo é grande admirador das ideias de Giovanni Battista Vico (1668-1744) e Johann Gottfried Herder (1744-1803) sobre cultura e história. Por isso, vai nos dizer por exemplo, na p. 16, que
não se cometeria nenhuma heresia, possivelmente, ao se afirmar, como se faz aqui, que a cultura popular, na sua experiência milenar, representaria muito mais para o gênero humano do que a criação erudita, pelo menos na área vivencial e lúdica. Procuramos destacar essa importância, as mais das vezes não reconhecida em virtude de preconceitos, interesses, vaidades e até mesmo de ignorância, através desta tentativa de inventário do tema e das formas da cultura popular em Grande Sertão: Veredas. A fonte de toda a sabedoria é o próprio homem do povo. Vico já reconhecia que a História se faz pela sabedoria vulgar do gênero humano ‘força coletiva, da qual as grandes figuras são símbolos apenas’.
E na p. 18 emenda:
Herder afirmava que ‘a arte de cada país só seria verdadeira quando refletisse a psique do seu povo, ou melhor, suas essências folclóricas’, conceito que poderia, com toda validade, extrapolar para categorias menos lúdicas, tais como a política e a economia de cada país. Com efeito, uma nação não é apenas a sua elite, mas é principalmente o seu povo, em torno do qual devem girar os interesses maiores da nacionalidade.
Assim é que entendemos porque a Introdução da obra tem por título A Megera Cartesiana… na qual, no segundo parágrafo, Arroyo nos diz que
seria longo enumerar a série de estudos inspirados na saga riobaldiana. Parece difícil a abordagem de Grande Sertão: Veredas em termos de objetividade crítica. Esta dificuldade seria decorrente das próprias formas da obra, dos valores múltiplos que a integram e definem como síntese de uma herança cultural de profundas ressonâncias. O romance é uma acumulação cultural, por isso se entendendo o resumo da experiência humana na sua frequência cósmica e na sua formação de camadas de mistérios e espantos do homem. Por isso, por exemplo, o cartesianismo peca por si mesmo e por sua própria natureza de racionalismo feroz no exame do livro, tais os elementos subjetivos, tradicionais, de folk, que dominam e enformam o texto.
Enfim, se no lema cartesiano podemos escrever ordem, clareza e forma, na criação literária de Guimarães Rosa podemos enxergar intuição, revelação e inspiração.