De Mao a Piao: as “dificurdades” brasileiras

Só 1% das universidades obtém conceito máximo de qualidade no MEC

Apenas 21 entre as 2.000 instituições de ensino superior avaliadas em 2008 pelo MEC (Ministério da Educação) obtiveram nota máxima no IGC (Índice Geral de Cursos da Instituição). O indicador, que foi divulgado pela primeira vez no ano passado, atribui notas às faculdades e universidades levando em consideração a qualidade dos cursos de graduação e pós-graduação. De acordo com a pontuação, as instituições são classificadas em faixas que vão de 1 a 5. Entre as universidades com a maior avaliação, 11 são públicas e dez privadas. A nota mais alta ficou com (…) Em último lugar no ranking, está a… (…) Do total das instituições avaliadas, 884 (44%) obtiveram IGC 3, considerado razoável. Dezoito instituição ficaram com IGC 1 e 570 com IGC 2, considerados ruins, o que representa quase 30% do universo de entidades avaliada . Mais de 300 instituições ficaram sem conceito porque não houve participação mínima dos alunos de alguns cursos no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes).

Leia a notícia completa.

Fonte: Folha Online – da Agência Brasil: 31/08/2009 – 17h53

Leia Mais:
USP é classificada a 38ª melhor universidade do mundo em ranking – Folha Online: 31/08/2009 – 16h01
MEC divulga avaliação das instituições de ensino superior; veja lista – Folha Online: 31/08/2009 – 19h36
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737 mil universitários cursam escolas ruins; ministro minimiza dados divulgados – Folha Online: 01/09/2009 – 02h52

A mídia conservadora e a luta pelo poder

Recomendo a leitura. Fiquei impressionado. Talvez seja o típico limite imposto por minha ignorância na área, mas nunca tinha visto uma análise tão consistente do papel político da mídia conservadora brasileira.

 

Veja criminaliza a política brasileira

“Entre o campo jurídico e o campo midiático há uma cumplicidade estrutural que, em última e principal instância, termina servindo ao disciplinamento das classes subalternas”, constata Roberto Efrem Filho, ao avaliar a revista Veja, tema de sua dissertação de mestrado, concluída neste ano. O pesquisador analisou 578 edições da publicação, entre o período de 1997 a 2008, correspondente aos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Na entrevista que se segue, concedida com exclusividade, por e-mail, à IHU On-Line, Efrem Filho diz que “o campo midiático encontra na ‘corrupção midiatizada’ um significativo modus operandi de empreender a luta política”. Assim, “a melodramatização jornalística”, continua, prefere “o combate ao debate, a polêmica à dialética, o enfrentamento entre as pessoas em detrimento do confronto entre seus argumentos”. Roberto Efrem Filho é mestre em Direito pela UFPE, professor substituto da mesma instituição de ensino e assessor jurídico popular.

 

A entrevista

IHU On-Line – Na pesquisa de mestrado o senhor analisou edições da revista Veja entre 1997 e 2008. O caráter da revista se modificou ao longo desses anos?

Roberto Efrem Filho – O primeiro dado trabalhado em minha dissertação diz respeito à presença de membros do Supremo Tribunal Federal (STF) nas páginas amarelas de Veja. Do dia 4 de junho de 1997 ao dia 27 de agosto do ano de 2008, Veja publicou 578 edições. Em quase todas elas, em 569, há uma pessoa entrevistada escolhida de acordo com critérios estabelecidos pela revista. Neste período, quatro ministros e uma ministra do STF concederam entrevistas às páginas amarelas da revista. De 569 pessoas, nesses mais de dez anos, cinco eram membros do STF. Dessas, três delas se deram num lapso de menos de quatro meses, mais precisamente de março de 2008 a julho do mesmo ano. Essa sobre-representação do STF em Veja no ano de 2008, a meu ver, poderia suscitar duas hipóteses, as quais tento desconstruir de antemão. A primeira delas é a hipótese do “acaso”. Acidentalmente, por acaso, fortuitamente, o ano de 2008 foi “o ano dos ministros”. Para combater essa primeira – e, propositadamente, inocente hipótese -, recorri a dados relativos à participação de entrevistados(as) norte-americanos(as) nas mesmas páginas amarelas.

De janeiro a julho do mesmo ano de 2008, Veja publicou trinta edições, por conseguinte, trinta entrevistas. Dessas, um total de dez foram realizadas com convidados(as) estadunidenses. As demais entrevistas foram feitas com brasileiros(as) – dentre eles(as), os três membros do STF – e com um venezuelano chamado Yon Goicoechea, um estudante que, segundo a publicação, “por sua luta em prol da democracia” e contra o governo de Chávez, recebeu quinhentos mil dólares do instituto norte-americano (sic.) Cato, sediado em Washington. Um terço das entrevistas não é com norte-americanos por acaso. Assim como a imensa maioria de imagens de pessoas reproduzidas nas ilustrações da revista ser de homens brancos e mulheres brancas – e não negros(as), ou pardos(as) – não é acidental. Entre Veja e Estados Unidos processa-se uma hegemonia homóloga. Por certo, sujeitos franceses, senegaleses, sul-africanos ou indianos teriam muito a dizer àquelas páginas amarelas. Todavia, a mais importante revista semanal brasileira, com seus quase um milhão de assinantes e duzentos mil compradores(as) em bancas e supermercados, com sua circulação equivalente ao dobro da de todas as outras revistas semanais de informação, aproxima de si não qualquer outro país, mas a maior potência econômica mundial. Hegemônicos em seus campos de atuação e no espaço social como um todo, considerados os latifúndios que lhe cabem nesta pequena parte do universo que é o Planeta Terra, Veja e Estados Unidos sustentam, cada qual a seu modo, as hegemonias um do outro.

Interesses no conflito

A segunda hipótese a ser desconstruída é a da importância, segundo a qual, se os Estados Unidos são o país mais importante do mundo, mais teriam eles de estar nas páginas de Veja, afinal é ela um órgão de imprensa que, como tal, precisa refletir o cenário social. É de se notar ser essa “importância” um bem simbólico sob conflito. Outras “importâncias” ocorreram na história sem que a revista as tivesse representado. Dá-se que há importâncias mais importantes, enquanto outras podem ser negadas. Veja, por exemplo, nunca trouxe às suas páginas amarelas os responsáveis pela extinção do analfabetismo em Cuba, na Bolívia e na Venezuela, muito embora por diversas vezes tenha declarado seus interesses na “educação”. Há interesses diversos no conflito pelo o que é mais importante. Na hegemonia homóloga entre Veja e Estados Unidos saltam aos olhos os interesses de classe (falo de classes sociais, segundo a tradição marxista). No entanto, esses interesses de classe não repercutem diretamente nos campos específicos, como o midiático, senão através da necessária mediação. No caso do Jornalismo – e isso ocorre também com o Direito -, o interesse mais caro é o desinteresse. A importância de um fato é desinteressadamente construída nas páginas de uma revista. A presença do STF em Veja é, então, desinteressadamente atribuída ao “fato” – concebido pela revista como um mero dado desprovido de historicidade – de o Supremo Tribunal ter sua participação aumentada no espaço social. Segundo a persistência da hegemonia homóloga, entretanto, a escolha de Veja pelos membros do STF atravessa caminhos ideológicos e interesses “desinteressados” em comum. O STF, portanto, não está representado nas páginas do veículo por acaso, ou por sua “importância”. Mas sim – e aqui reside minha pessoal hipótese – porque entre o campo jurídico e o campo midiático há uma cumplicidade estrutural que, em última e principal instância, termina servindo ao disciplinamento das classes subalternas.

IHU On-Line – Que relações o senhor percebe entre os meios de comunicação brasileiros, em especial a revista Veja, e o Poder Judiciário brasileiro? O que o senhor quer dizer com a construção histórica de uma cumplicidade estrutural material e simbólica entre ambos?

Roberto Efrem Filho – O direito e a mídia compartilham artifícios simbólicos de legitimação. O “desinteresse” do qual falei é um deles. Na edição de 17 de outubro de 2007, Veja afirma já ter sido acusada, ao longo de sua história, de ser de direita e de esquerda. Sua resposta para essas acusações é sobremaneira emblemática: “Nunca é demais relembrar que Veja só tem um lado: a defesa intransigente do Brasil”. Recorrer à defesa intransigente do país não constituiu mais do que a negação das disputas sociais pelo o que seria defender o país. A revista se põe numa abóbada celestial, livre dos conflitos sociais, acima de quaisquer contendas, numa posição purificada e desinteressada. Os importantes lucros materiais e simbólicos gerados durante essa “defesa intransigente” certamente não são citados pela revista. O Judiciário age de um modo análogo quando fundamenta seus interesses pretensamente desinteressados na defesa “da Constituição”, “do Estado Democrático”, “do interesse público” etc. A “defesa da Constituição” remonta àquela “defesa intransigente do Brasil”, ou seja, à negação dos conflitos sociais, à fabricação de consensos próprios da hegemonia e a uma autolegitamação no espaço social.

Na composição desses artifícios de legitimação estão palavras como “neutralidade”, “imparcialidade”, “objetividade” e, nesta última, o amparo simbólico nos “fatos” tidos como dados inquestionáveis. Tais palavras – também artifícios – são compartilhadas pelo direito e pela mídia como modo de garantir a si a competência para lidar com “a” verdade. Os meios de comunicação revelam “a” verdade, o Poder Judiciário decide “a” verdade. Aqui também os conflitos sociais são negados e “a” verdade – consagrada a partir de relações de poder – é considerada como única e invariável. “A” verdade é um mecanismo de dominação exercido por direito e mídia como componente de sua autolegitimação. O Supremo Tribunal Federal e a revista Veja, assim sendo, compartilham mais do que certa importância no atual contexto histórico. Suas importâncias são arquitetadas sobre uma cumplicidade que os aproxima seja pela hegemonia homóloga, seja pelos artifícios simbólicos citados. É de se notar ainda a importância conferida por um sujeito ao outro. Veja pauta o STF ao mesmo tempo em que o STF pauta a Veja. Não há um membro sequer do Supremo Tribunal concedendo entrevistas ao Jornal Brasil de Fato ou à Agência Carta Maior. A presença de um(a) ministro(a) nas páginas amarelas de Veja fortifica a revista mas igualmente garante ao/à ministro(a) um aumento em seu capital simbólico.

IHU On-Line – O senhor analisou a revista em dois momentos políticos: quando o paí¬s era governado por Fernando Henrique Cardoso e depois por Lula. Percebe diferenças no tratamento dos governos por parte da revista? Em que sentido isso ocorre?

Roberto Efrem Filho – Analisei, a propósito da dissertação, a presença da corrupção – ou do envolvimento de membros do campo político com organizações criminosas – nas capas da revista Veja nos dois últimos anos do primeiro mandato de cada um dos presidentes, ou seja, entre 1997 e 1998, no que tange a Fernando Henrique Cardoso, e entre 2005 e 2006, no que concerne a Luís Inácio Lula da Silva. Entre 1997 e 1998, contei sete capas atinentes à corrupção, três no primeiro ano e quatro no segundo. Entre 2005 e 2006, a seu tempo, Veja publicou trinta e duas capas acerca dessa temática. Só no ano de 2005 foram vinte e uma capas. Conseguintemente, o ano de 2006 ficou com onze dessas capas. Na produção total das edições da revista, os números apresentados consistem em percentuais relevantes: entre 1997 e 1998, aproximadamente 7% das capas das edições da revista tratavam daquele envolvimento de membros do campo político com o crime, porém, entre 2005 e 2006 chega perto de 30% das capas. Ano por ano, as porcentagens aproximadas são de 6% em 1997, 8% em 1998, 40% em 2005 e 21% em 2006. No ano de 2005, nota-se um dado específico: de maio a setembro, são dezesseis capas seguidas sobre corrupção. 2005 era, como notório, o ano anterior à campanha pela reeleição.

A priori, poder-se-ia chegar ao seguinte raciocínio: se o Governo Lula foi mais “corrupto”, natural é que Veja reproduza mais esse tema em suas capas. Todavia, nada de natural existe entre a “importância” do que ocorre no mundo e a “importância” qualificada pela revista para o que deve ou não compor suas matérias de capas. O “importante”, como já dito, é um bem simbólico sob conflito. No caso de Veja e da grande maioria dos meios de comunicação – todos partidos políticos, nas palavras de Gramsci -, a corrupção se torna importante porque se mostra como uma eficiente estratégia de disputa do Estado. O campo midiático encontra na “corrupção midiatizada” um significativo modus operandi de empreender a luta política. Dá-se, entretanto, que o jornalismo impõe uma visão particular da política. A melodramatização jornalística, a qual cria “vilões” e “mocinhos” passíveis de manejo simbólico, prefere, segundo Pierre Bourdieu, o combate ao debate, a polêmica à dialética, o enfretamento entre as pessoas em detrimento do confronto entre seus argumentos. Os mecanismos de incidência do campo jornalístico sobre o campo política produzem uma visão cínica sobre o último. “Políticos” surgem como sujeitos merecedores de desconfiança, cheios de interesses não “desinteressados”, como os de Veja ou do STF. A corrupção ingressa nesse contexto como um reforço simbólico em conjunturas peculiares e encontra nele uma arena estruturalmente fecunda à sua reprodução. Certamente, o campo político não pode ser ingenuamente concebido como mera vítima desse processo. O modo como o campo político exerce censura ao limitar o universo do discurso político aos sujeitos iniciados e a forma como a “democracia” redunda num mercado eleitoral ratificam a incidência dessa visão cínica sobre a política. É a partir da edificação dessa conjuntura e como membro dominante do campo jornalístico que Veja garante tamanha “importância” à corrupção. Isso, notadamente, quando da derrota do PSDB nas urnas e da consequente perda por Veja de seus aliados históricos no Governo Federal.

Não quero dizer com isso que o governo Lula tenha sido mais ou menos “corrupto” que o governo FHC. Sobre a análise das capas, a meu ver, isso pouco “importa”: importa mais a predisposição estrutural de Veja em pautar a corrupção, fenômeno que melhor se manifesta no instante em que, no governo, a revista encontra adversários históricos.

IHU On-Line – O senhor percebe uma criminalização da política em nosso paí¬s? Qual a participação da revista Veja nesse sentido?

Roberto Efrem Filho – A criminalização da política é um artifício simbólico de deslegitimação da política. Esses artifícios se tornam eficazes sobremaneira se a hegemonia do campo político, tradicionalmente ocupada por membros das classes dominantes como Veja, é ameaçada por outros setores sociais, como é o caso do “Partido dos Trabalhadores”. Este, por mais que não se identifique diretamente com as classes populares e mais se aproxime de uma prática pequeno-burguesa burocratizada, como afirma Mauro Iasi, não pode ser confundindo com o PSDB, o PFL, ou o que os valha. Ao criminalizar a política em 2005, no ano em que Lula é a imagem da política nacional, Veja intenta mais ou menos (in)conscientemente deslegitimar Lula, o Governo e o Partido dos Trabalhadores, conduzindo a corrupção para o centro dessa imagem.

Criminologia da denúncia

Veja desenvolve aquilo que Juarez Cirino dos Santos chama de “criminologia da denúncia”. Os interesses desinteressados da revista na temática do crime de colarinho branco enfocam o comportamento das elites para demonstrar que os sujeitos que fazem as leis são, também, os maiores violadores dessas leis. Trata-se de um “jornalismo exposé”, de origem pequeno-burguesa – bem por isso se aplica tão facilmente ao PT junto às classes medianas -, que alimenta os índices sobre o colarinho branco sem obter deles uma compreensão apta a reconhecer os elos entre a corrupção e as estruturas do espaço social. Seu resultado é aquilo que Santos define como “agonia resignada”, ou “espasmos de resignação moral”. O denuncismo de Veja, por exemplo, raramente alcança os membros das grandes corporações criminosas. O “mensalão”, alvo das capas do ano de 2005, nada atinge senão a pequena burguesia praticante de uma dimensão inferior da criminalidade do colarinho branco e, evidentemente, o público consumidor da publicação. A eficácia simbólica do mensalão está muito mais em chocar as classes médias urbanas e seus intelectuais do que em extirpar o fenômeno criminal. Faz-se como prestação de contas morais para com as classes sociais educadas sob os princípios liberais. Não deixa de ser um meio eficaz de criação de soluções fáceis para os problemas sociais com os quais o espírito humanitário do iluminismo se desconforta. No fim, procede-se a uma mistificação das correlações de forças que atravessam e sustentam o Estado, de modo a fazer identificar a corrupção com o sujeito corrupto – recriando assim a figura do “vilão”, uma justificativa do estabelecido – quando seus determinantes sociais vão muito além da desonestidade de um ou outro Delúbio Soares .

IHU On-Line – Como define a postura da revista Veja no cenário nacional?

Roberto Efrem Filho – A revista Veja é um sujeito pertencente às classes dominantes. Faço questão de notar a palavra “sujeito” porque entre as esquerdas têm-se caído no equívoco de conceber Veja como um mero “instrumento” dessas classes, coisa advinda, sobretudo, de certa tradição intelectual mecanicista, vulgarizadora do marxismo e incapaz de discutir os meandros da arquitetura hegemônica das classes dominantes. Veja é um membro dessas classes cuja dominância no campo jornalístico é tanta que ela já não tem certos pudores – comumente necessários às mediações sociais – em ofender alguns emblemáticos símbolos das esquerdas. Na edição de 3 de outubro de 2007, por exemplo, a revista publicou uma das mais polêmicas matérias de capa de sua história, que tinha como título “Che. Há quarenta anos morria o homem e nascia a farsa”. Entre as declarações de Che sobre o revolucionário, encontramos esta: “Como homem de carne e osso, com suas fraquezas, sua maníaca necessidade de matar pessoas, sua crença inabalável na violência política e a busca incessante da morte gloriosa, foi um ser desprezível”. Numa matéria sobre o ensino escolar privado no Brasil, de 20 de agosto de 2008, Veja afirma que os/as nossos(as) professores(as) “idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização”. Mais tarde, na mesma matéria, a revista demonstra indignação diante do fato de que entre os/as professores(as) brasileiros(as), Freire é mais popular que Einstein, quem Veja apresenta como “talvez o maior gênio da história da humanidade”, não citando que, conquanto “genial”, Einstein foi também comunista – dado este comprovado por István Mészáros no seu O poder da ideologia.

As afirmações de Veja a respeito de Che e Paulo Freire são emblemáticas porque alcançam sujeitos cuja importância para a esquerda brasileira é inquestionável, mas ainda mais porque tanto Che quanto Freire vêm sendo sistematicamente absorvidos pelo discurso hegemônico. A “heroificação” do mito de Guevara sofreu uma cooptação tal que de símbolo da revolução, entre as esquerdas, Che se transformou em objeto de consumo pela indústria cultural. Paulo Freire, por sua vez, foi hegemonicamente transformado em referência basilar para qualquer discurso ligado à lógica do “terceiro setor”, ou da “caridade social”, coisas bastante distintas do socialismo da “Pedagogia do oprimido”. Veja, ao contrário, não se dá sequer ao trabalho de corresponder ao modo como a indústria cultural – campo que a revista também compõe – lida com esses sujeitos. A autonomia historicamente conquistada pelo veiculo, autonomia esta resultante de seus números de vendas e também das lutas simbólicas das quais sai vitoriosa, engendra uma maior liberdade para traçar com suficiente clareza aliados e adversários, ao mesmo tempo em que ainda consegue se legitimar como a defensora intransigente do Brasil. Como resultado, quem defende o Brasil, não pode defender Che, Freire ou o Partido dos Trabalhadores, embora seja necessário notar que para cada um desses sujeitos Veja exerce uma tática simbólica específica.

IHU On-Line – Recorrendo a obras de Jesús Martin-Barbero e Walter Benjamin, que relações o senhor estabelece entre os meios de comunicação, as mediações sociais e o crime?

Roberto Efrem Filho – Antes de falar propriamente do crime, julgo fundamental discutir um pouco sobre a correlação entre a corrupção midiatizada e aquela homologia estrutural entre o campo jurídico e o campo midiático. Concluí, nos desfechos da dissertação, que o aumento da aparição do Supremo Tribunal Federal nas páginas de Veja está umbilicalmente vinculado ao aumento da tematização da corrupção nessas páginas. Por certo, nem sempre o assunto que leva o Tribunal a Veja é a corrupção, mas a conjuntura política em que a revista exerce a valorização do direito é a mesma em que a revista criminaliza a política. A capa de 5 de setembro de 2008 diz muito a esse respeito. Veja define o ministro Joaquim Barbosa, o membro do STF relator do caso do mensalão, como um herói nacional. Dedica boa parte da correlata matéria à vida do ministro, aos seus 700 CDs de música clássica, ao preparo do seu café da manhã, aos seus ternos comprados em Los Angeles e Paris etc. Como é próprio dos meios de comunicação, Veja converte o ministro numa estrela e o julgamento num espetáculo, dimensões nas quais a mídia é inclusive mais habilidosa. Se a política é criminalizada e, portanto, “vilanizada” e é o Judiciário o competente para punir o crime, a valorização do direito torna-se mais compreensível.

Política de combate ao crime

A política de combate ao crime, ou seja, da defesa social, constitui-se inexoravelmente como uma política classista de controle social. A melodramatização do crime levada a cabo pela indústria cultural recria o disciplinamento tratado por Foucault em Vigiar e punir. Diante da televisão, das páginas da revista, do símbolo enfim, as massas – dentre as quais está a classe trabalhadora – são disciplinadas. Porém, aqui a disciplina não é o contrário do suplício. Ironicamente, o suplício tornado estética e imagem disciplina as massas, auxilia na criação de delinquentes e da ideologia da ameaça permanente responsável pela reprodução da desconfiança universal. Os aparelhos de repressão são valorizados e a mídia encontra lugar entre eles. Os meios de comunicação jogam com o panóptico, são vistos pela massa no que não lhes compromete, mantendo-se capazes de enxergar essa massa. Tudo isso se dá, todavia, através de mediações sociais. A melodramatização das relações, a criação de vítimas, vilões e heróis é a prática por meio da qual as relações de poder se reanimam. Estruturalmente, a sociedade capitalista requer heróis – nenhum desses heróis, contudo, foge à fabricação dos consensos necessários à hegemonia.

Fonte: Notícias – IHU On-Line: 09/05/2009

O Espaço observa nosso Patrimônio Cultural

Exposição em Paris mostra belezas da Terra vistas do espaço

A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) apresenta em Paris a exposição “Vista Excepcional – O Espaço Observa Nosso Patrimônio Mundial”, com 30 fotos em grande formato (2m x 1m) tiradas por satélites que mostram belezas culturais e naturais do planeta. As imagens foram feitas pelo Centro Aeroespacial da Alemanha a uma altura de 700 quilômetros acima da superfície da terra. Entre os sítios culturais fotografados estão as pirâmides de Gizé, no Egito [sublinhado meu], a antiga cidade de Dubrovnik, na Croácia, Jerusalém e seus muros [sublinhado meu], além da cidade de Teotihuacan, no México, e Machu Picchu no Peru. A exposição apresenta várias áreas naturais conhecidas por sua extrema beleza, como o Parque Nacional de Vulcões no Havaí, onde estão dois dos vulcões mais ativos do mundo –o Mauna Loa e o Kilauea–, o Parque Nacional do Quênia e o de Kilimanjaro, na Tanzânia, ou ainda a região da Lapônia, no Círculo Polar Ártico, e fiordes da Groenlândia. A área do Parque Nacional do Jaú, na Amazônia Central, no interior do Estado do Amazonas, uma das regiões mais ricas em biodiversidade do mundo, também foi fotografada pelo Centro Aeroespacial da Alemanha (…) A exposição, apresentada na sede da Unesco, em Paris, vai até o dia 7 de maio.

Leia o texto completo.

Fonte: Daniela Fernandes, da BBC Brasil, em Paris – Folha Online: 20/04/2009 – 09h07

As redes sociais

Twitter, Facebook, MySpace e Orkut. As redes sociais na web – IHU On-Line, edição 290 – 20 de abril de 2009

Entender melhor a formação de redes sociais na web, a partir do uso de ferramentas como Twitter, Facebook, My Space e Orkut, é o tema desta edição da IHU On-Line.

Marco González, da Universidade de Harvard, as jornalistas Gabriela Zago e Pollyana Ferrari, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), e Raquel Recuero, da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), contribuem para uma melhor compreensão do fenômeno.

Por sua vez, Sandra Portella Montardo, professora no Centro Universitário Feevale, reflete sobre como as redes sociais da internet possibilitam a inclusão social, e Suely Fragoso, professora na Unisinos, acentua que as hierarquias e verticalidades persistem nas redes sociais da web. Paula Sibilia, docente na Universidade Federal Fluminense (UFF), assinala que essas ferramentas representam a sociedade do espetáculo.

Leia:
. Marco González: Facebook: um meio de socialização on-line
. Gabriela Zago: Mais do que um espaço informacional, o Twitter é um espaço social
. Paula Sibilia: “Sociedade do espetáculo: só é o que se vê”
. Suely Fragoso: As hierarquias e verticalidades nas redes sociais da web
. Pollyana Ferrari: A equação público = privado é cada vez mais forte
. Raquel Recuero: “O suporte da internet mudou o processo social”
. Sandra Portella Montardo: “Já não se considera mais o ambiente off-line como separado do ambiente on-line”

 

Sociabilidade 2.0 Relações humanas nas redes digitais – IHU On-Line, edição 502 – 10 de abril de 2017

Rede social é algo que se estabelece no instante em que o ser humano passa a viver em grupo. Essas relações vão se transformando com o desenvolvimento da humanidade. Tal perspectiva desconstrói a ideia de que o mundo digital trouxe novidade para as relações entre as pessoas a partir das redes sociais digitais. Com a internet, o que passa a haver é uma explosão “de possibilidades de modos de estar junto”, como define o professor Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo, um dos entrevistados dessa edição da IHU On-Line. Para ele, o interessante dessa perspectiva em rede é a possibilidade de infindáveis articulações sem a dependência de intermediários, sejam mídias ou organizações, pois, por exemplo, “não há mais a necessidade de um sindicato para produzir uma mobilização”.

Na presente edição da revista IHU On-Line, além de Malini, pesquisadores e pesquisadoras debatem as redes sociais na internet e suas sociabilidades.

Henrique Antoun, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, reconhece as infindáveis possibilidades de relações a partir da internet. Entretanto, chama atenção para o tipo de trabalho gerado a partir das redes digitais, que trazem liberdade, mas que a todo instante tenta se cooptar esse trabalho imaterial pela lógica do capital.

Felipe de Oliveira, doutor em Ciências da Comunicação, observa que a enxurrada de informação produzida pelas redes sociais digitais atualiza o papel da imprensa. Para o pesquisador, apesar da complexidade diante de fluxos comunicacionais do ambiente digital, é a imprensa que deve assumir o papel de curadoria da informação. A IHU On-Line, por meio da reportagem de Ricardo Machado, também tenta compreender, nesse contexto, as chamadas notícias falsas e a frágil bolha da verdade.

Eduardo Alves, do Observatório de Favelas, analisa a potência criativa das periferias, que é amplificada pelas várias possibilidades que se abrem a partir da polifônica narrativa web. Para Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia, o uso das redes sociais depende tanto do que as pessoas querem fazer com elas quanto das suas características inerentes e, por isso, compreende que nada é efêmero, discreto ou apagável no universo digital.

Adriana Amaral, professora da Unisinos, propõe que se observe esse mundo digital não de forma descolada do mundo off-line. Por isso, acredita que redes sociais digitais não criam, mas potencializam relações e identidades já existentes. Raquel Recuero, professora da Universidade Federal de Pelotas, foca o olhar nos efeitos que essa potencialização das relações nas redes digitais causa. Segundo ela, há formação de uma modalidade de esfera pública, criando bolhas que restringem circulação de opiniões e ideias.

Biblioteca Digital Mundial – World Digital Library

Unesco lança biblioteca digital mundial nesta terça

“A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) vai lançar nesta terça-feira (21), em Paris, a World Digital Library (Biblioteca Digital Mundial, em inglês), um site com acesso grátis a livros, mapas, manuscritos, filmes e fotografias raras. Será o terceiro maior acervo digital do gênero, atrás do Google Book Search [Pesquisa de Livros do Google] e da biblioteca virtual Europeana, um projeto da União Europeia. O objetivo do projeto, segundo a Unesco, é reduzir a exclusão digital, ampliar o conteúdo ‘não-ocidental’ na internet e oferecer conteúdo para ensino on-line. O projeto foi idealizado pela Unesco e outras 32 instituições. Em um primeiro momento, o conteúdo estará disponível principalmente em árabe, chinês, inglês, francês, português, russo e espanhol – haverá conteúdo adicional em outras línguas”.

Leia o texto completo.

Fonte: Folha Online: 20/04/2009

Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa

ABL lança a 5ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa

O Presidente da Academia Brasileira de Letras, Cícero Sandroni, lançou no último dia 19, às 17h30min, no Petit Trianon, a quinta edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), que incorpora as novas normas estabelecidas pelo Acordo Ortográfico de 1990, regulamentado no Brasil por força de decretos assinados pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ABL, no dia 29 de setembro do ano passado, e já em vigor desde 1º de janeiro deste ano. O volume, de 976 páginas, contém 349.737 vocábulos, apresentados sob forma de lista, por ordem alfabética, incluindo-se a classificação gramatical de cada um, além dos estrangeirismos (cerca de 1500), que aparecem na parte final da obra. A impressão foi confiada pela ABL à editora Global. Sandroni afirmou que, com o lançamento, “a Língua Portuguesa deixa para trás a condição de ser idioma cujo peso cultural e político ainda encontrava, na vigência de dois sistemas ortográficos oficiais, um entrave ao seu prestígio e difusão internacional”. O Presidente da ABL acrescentou que “esta edição se apresenta aumentada em seu universo lexical, corrige falhas tipográficas e oferece informações ortoépicas sobre possíveis dúvidas resultantes do emprego de algumas das normas ortográficas”. O Acadêmico Cícero Sandroni também informou que, antes do dia 19, a Academia deverá entregar, em Brasília, alguns volumes prioritários ao Presidente Lula, aos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e aos Ministros da Educação, Cultura e Relações Exteriores (…) A ABL também apresentou texto de Nota Explicativa na qual informa sobre os procedimentos metodológicos seguidos na elaboração desta 5º edição do VOLP…

ABL Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 5. ed. São Paulo: Global, 2009, 976 p. – ISBN 9788526013636

Fonte: ABL

Diversidade linguística ameaçada

Metade das mais de 6 mil línguas do mundo está ameaçada, diz Unesco – DW: 21.02.2009

Unesco lançou nova edição do Atlas Mundial de Línguas em Perigo de Desaparecimento. No Dia Internacional da Língua Materna, linguista alemão vê relação entre pluralidade linguística e preservação da biodiversidade.

Atlas Mundial de Línguas em Perigo de DesaparecimentoNeste sábado (21/02) comemora-se o Dia Internacional da Língua Materna. O dia foi instituído em 1999 pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) para a chamar a atenção sobre a importância da diversidade cultural e linguística no planeta.

A preocupação da Unesco se volta principalmente para as línguas faladas por menos de 10 mil pessoas. Na última quinta-feira, na sede da organização da ONU em Paris, foi lançada a nova edição do Atlas Mundial de Línguas em Perigo de Desaparecimento. O atlas contém informações atualizadas sobre mais de 2.500 idiomas ameaçados em todo o mundo.

O Atlas da Unesco classifica as línguas ameaçadas em cinco diferentes categorias: mortas, fracas, seriamente em perigo, em perigo ou em situação precária. Sua realização foi possível graças à contribuição financeira do governo da Noruega, informou a organização.

 

Mais de 200 línguas desapareceram

Segundo a Unesco, metade das 6.700 línguas faladas em todo o mundo está ameaçada. Dessas, 199 são faladas hoje por menos de uma dúzia de pessoas, como o wichita, língua de 10 habitantes do estado norte-americano de Oklahoma. Na Indonésia vivem os últimos quatro falantes de lengilu.

A organização da ONU informou que, durante as três últimas gerações, mais de 200 línguas desapareceram, tais como o ubykh, uma língua da região do Cáucaso extinta em 1992, quando o último falante do idioma, o fazendeiro turco Tefvic Esenc, faleceu.

Na Europa, o Reino Unido tem 12 línguas em perigo; a Alemanha, 13; e a França, 26. De acordo com a nova edição do Atlas da Unesco, no topo da lista dos países com maior número de línguas ameaçadas aparecem a Índia (196), os Estados Unidos (192) e, em terceiro lugar, o Brasil (190).

 

Apoio governamental à diversidade linguística

A Unesco constatou também que algumas línguas antes em perigo vivenciam hoje uma renascença. Entre essas está o córnico, idioma celta da região da Cornualha, sul da Inglaterra, e o sishee, da Nova Caledônia, arquipélago da Oceania.

O linguista australiano Cristopher Moseley, que dirigiu o grupo de 25 pessoas responsável pelo Atlas, constatou que países com rica diversidade linguística, como a Índia, os EUA e o Brasil, também sofrem o maior perigo de extinção de idiomas.

A Unesco saúda os esforços de países como Peru, Nova Zelândia, Estados Unidos e México que, com sucesso, têm impedido a extinção de línguas indígenas. A vice-diretora de Cultura da Unesco, Françoise Rivière, reconhece o apoio governamental à diversidade linguística, mas acresce que “as pessoas têm que ter orgulho do idioma que falam” para que esse floresça.

 

Biodiversidade e a pluralidade linguística

No arquipélago da Nova Guiné é onde se falam o maior número de línguas no mundo. Papua-Nova Guiné, país da Oceania e que faz parte do arquipélago, é uma exceção entre aqueles com grande diversidade lingüística, pois, segundo o Atlas da Unesco, somente 98 idiomas estariam ali ameaçados.

O linguista alemão Harald Haarmann vê aí uma relação entre a preservação da biodiversidade e a pluralidade linguística. Ele explica que, com a devastação da natureza, segue-se a destruição dos povos indígenas – e de sua língua.

Segundo Haarmann, no arquipélago de Nova Guiné existiriam mais de mil línguas e uma grande variedade de espécies da fauna e da flora. A razão, segundo o cientista, estaria no fato de que a região não é atraente para estrangeiros nem tem recursos naturais. Lá existiriam duas estações: no verão chove e no inverno chove mais ainda, afirmou.

Em consequência, durante séculos, o arquipélago de Nova Guiné permaneceu isolado. O efeito foi a preservação das espécies vegetais e animais, como também da cultura e das línguas dos pequenos povos, disse Haarmann.

 

O Brasil tem 190 línguas indígenas em perigo de extinção – Leticia Mori: BBC – 4 março 2018

Moradores da fronteira do Brasil com a Bolívia, o casal Känä́tsɨ, de 78 anos, e Híwa, de 76, são os dois últimos falantes ativos da língua warázu, do povo indígena Warazúkwe.

Os dois se expressam mal em castelhano e português, e conversam entre si somente em warázu – embora seus filhos e netos que moram com eles falem em português e espanhol.

“Aquela casa desperta, para quem entra nela, uma sensação incômoda de estranheza, como se o casal idoso que vive nela viesse de outro planeta, de um mundo que eles nunca poderão ressuscitar”, escrevem os pesquisadores Henri Ramirez, Valdir Vegini e Maria Cristina Victorino de França em um estudo publicado na revista Liames, da Unicamp.

Com ajuda do casal idoso, esses linguistas da Universidade Federal de Rondônia descreveram pela primeira (e possivelmente a última) vez o idioma do povo Warazúkwe.

Känä́tsɨ (à esq.) e Híwa falam entre si uma língua que só eles conhecem | Foto: Liames/Unicamp O casal nasceu em Riozinho, em Rondônia, mas a comunidade warazúkwe em que viviam foi abandonada nos anos 1960, forçando os dois a se mudar diversas vezes entre Brasil e Bolívia até terem se estabelecido em Pimenteiras (RO).

Segundo o estudo, além de Känä́tsɨ e Híwa, ainda haveria três pessoas que poderiam conhecer o idioma. Um deles, o irmão mais velho Känä́tsɨ, sumiu há anos. Os outros dois, Mercedes e Carmelo, vivem na Bolívia, mas já não conversam mais em warázu.

“Parece que a ‘vergonha étnica’ que os warazúkwe experimentaram foi tão intensa que Mercedes não gosta de proferir palavra alguma no seu idioma e Carmelo afirma que esqueceu tudo”, diz o estudo.

 

País multilíngue

Da família linguística tupi-guarani, o warázu é apenas uma de dezenas de línguas brasileiras em perigo de extinção.

Segundo o Atlas das Línguas em Perigo da Unesco, são 190 idiomas em risco no Brasil.

O mapa reúne línguas em perigo no mundo todo – e o Brasil é o segundo país com mais idiomas que podem entrar em extinção, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.

Adauto Soares, coordenador do setor de Comunicação e Informação da Unesco no Brasil, explica que o mapa foi feito com a colaboração de pesquisadores especialistas em cada região e entidades governamentais e não governamentais.

No Brasil, as principais entidades que colaboraram foram o Iphan, a Funai, a Unaids e o Museu do Índio.

Soares explica que foram usados diversos critérios para definir se uma língua está em risco: o número absoluto de falantes, a proporpoção dentro do total da população do país, se há e como é feita a transmissão entre gerações, a atitude dos falantes em relação à língua, mudanças no domínio e uso da linguagem, tipo e qualidade da documentação, se ela é usada pela mídia, se há material para educação e alfabetização no idioma.

“Essa quadro (de línguas em perigo) pode ser revertido, e é por isso que a gente atua”, diz Soares.

A morte de uma língua não é apenas uma questão de comunicação no dia a dia: a preservação da cultura de um povo depende da preservação do seu idioma. “Se a língua se perde, se perde a medicina, a culinária, as histórias, o conhecimento tradicional. No idioma estão a questão da identidade, o conhecimento do bosque, do mato, dos bichos”, explica o linguista Angel Corbera Mori, do Instituto de Estudos da Linguagem, da Unicamp.

 

Mais ainda

O número de idiomas em risco pode ser ainda maior do que o apontado pela Unesco, porque é possível que algumas línguas, que nunca foram estudadas, tenham ficado de fora – o warázu, por exemplo, não está incluso no mapa.

Além disso, é possível que existam dezenas de línguas em perigo em comunidades isoladas, que nunca foram descritas.

Estima-se que, antes da colonização portuguesa, existissem cerca de 1,1 mil línguas no Brasil, que foram desaparecendo ao longo dos séculos, segundo Corbera.

Ele explica que durante o período colonial, os jesuítas começam a usar o tupi como uma espécie de língua geral – o que foi visto pela Coroa portuguesa como uma ameaça. O tupi – e posteriormente outras línguas indígenas – foram proibidos. E quem desobedecesse era castigado.

A perseguição continuou por séculos. Na era Vargas, por exemplo, o português era obrigatório nas escolas, e quem desrespeitasse também estava sujeito a punição.

“A situação só melhorou a partir da Constituição de 1988”, diz Corbera.

Segundo ele, uma das principais ameaças à língua hoje é a invasão dos territórios indígenas. “Políticas de preservação e registro da língua são importantes, mas não adiantam nada se eles não têm território, se são expulsos de suas terras”, diz Corbera.

Alguns grupos que foram perseguidos têm o único registro escrito de suas línguas em trabalhos em naturalistas que visitam o país nos séculos passados. É o caso da língua dos povos do grupo Panará – nomeados pelos colonizadores de Caiapós do Sul – do aldeamento de São José de Mossâmedes, em Goiás, no século 18.

A única descrição linguística dos povos que ocupavam esse aldeia é encontrada em listas de palavras dos europeus Emmanuel Pohl (1782-1834) e Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), como descreve o linguista Eduardo Alves Vasconcelos em um artigo publicado no ano passado.

 

Os últimos

Uma das línguas que sobreviveram, ainda que em estado crítico, é o guató. O idioma tinha, em 2006, apenas cinco falantes, de acordo com a Unesco.

Os Guatô ocupavam praticamente toda a região sudoeste do Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia, até começaram a ser expulsos de suas terras entre 1940 e 1950, segundo o Intituto Sócio Ambiental (ISA), por causa do avanço da agropecuária.

Chegaram a ser considerados extintos pelo governo, por isso foram excluídos de programas de ajuda e políticas públicas, até meados dos anos 1970, quando missionários identificaram índios Guatô e o grupo começou a se reorganizar e lutar por reconhecimento.

Há línguas tidas como vulneráveis – possuem um número maior de falantes, mas ainda são consideradas em perigo. É o caso da língua guajajara, falada por um dos povos mais numerosos.

Há mais de 27 mil guajajaras no Brasil, segundo o sistema de informações do Ministério da Saúde. O guajajara é usado como primeira língua em muitas aldeias, mas nem todos os índios Guajajara falam o idioma. A língua guajajara pertence à família tupi-guarani e é subdividida em quatro dialetos.

 

Extintas

Das 190 línguas citadas pela Unesco, 12 já são consideradas extintas, ou seja, não têm mais nenhum falante vivo.

Uma das que foram extintas mais recentemente foi língua dos Umutina, povo indígena que vive no Mato Grosso.

Quando o Museu do Índio iniciou um trabalho de documentação de línguas, em 2009, ela ainda tinha falantes. Hoje está extinta, segundo a Unesco.

Os Umutina tiveram seu território invadido violentamente no início do século passado, segundo o ISA. Por isso acabaram perdendo sua terra tradicional e sua língua, que era do tronco linguístico Macro-Jê, da família Bororo.

Além disso, centenas de umutinas morreram devido a doenças levadas pelos brancos.

Os que sobreviveram às epidemias tiveram contato com o antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio, antecessor da Funai extinto em 1967). Eles foram educados em uma escola para índios que os proibia de falarem sua língua materna e de praticar qualquer tipo de atividade relacionada à sua cultura, segundo o ISA.

Hoje são 515 pessoas, de acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena, que falam predominantemente português e tentam recuperar a língua com ajuda de idosos e universitários indígenas. Segundo Corbera, o muitas vezes não se consegue recuperar a língua toda, às vezes só o léxico.

“Mas é muito importante, até por questões de identidade”, conta ele.

Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, firmado em 1990, entrou em vigor, no Brasil, em 01/01/2009.

A mudança será gradual, vai até o final de 2012. Além de extinguir o trema (exceto em palavras estrangeiras), a reforma ortográfica traz várias mudanças na acentuação das palavras e no uso do hífen.

O Brasil é o primeiro dos 8 países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste – a adotar oficialmente a nova grafia.

Veja o que muda digitando no Google reforma ortográfica e escolhendo um endereço confiável. Uma boa cobertura, por exemplo, pode ser encontrada na Folha Online – Especial Reforma Ortográfica.