Sobre Gn 3,1-24

A maçã do paraíso. Sobre Gn 3,1-24 – Por Johan Konings

Resumo

Diante da generalizada identificação do “pecado do paraíso” (e do pecado em geral) com o intercurso sexual (inclusive legítimo), convém uma leitura atenta de Gn 2–3 noEstudos Bíblicos - Dossiê: Gênesis a Apocalipse sem fundamentalismos. v. 35, n. 140, 2018. seu contexto canônico, isto é, em continuidade com a criação de homem e mulher como imagem e semelhança de Deus, conforme Gn 1 (prescindindo da diacronia da gênese literária). Uma leitura narrativa, mesmo sem análise aprofundada, evidencia que se trata do querer ser igual a Deus de um modo que não é o de Gn 1,27. A continuação da história do paraíso nas outras narrativas de Gn 1–11 confirma isso.

Recomendo a leitura deste excelente artigo.

Konings começa assim:

Se perguntássemos ao povo em geral o que foi o pecado de Adão e Eva, creio que boa parte responderia: o sexo. A maçã virou símbolo do desejo, não do desejo puro e angelical de ver a Deus, mas da concupiscência da “carne”. A expressão “fruto proibido” tornou-se sinônimo de intercurso sexual. A maçã mordida é usada como logotipo por motéis e marcas de computadores, para sugerir o desejo por excelência. Do ponto de vista humorístico, isso é até divertido, mas ao refletir um pouco mais sentimos com amargor que o ato mais fundamental e indispensável (pelo menos até pouco tempo atrás) para a subsistência do gênero humano é, sem mais, considerado como transgressão do mandamento de Deus – do mesmo Deus que ordenou: “Crescei e multiplicai-vos”. Sobretudo no momento atual, em que uma considerável parte da sociedade exime qualquer atividade sexual de qualquer culpa e, por outro lado, a própria moral católica reconhece a nobreza do ato sexual quando exercido no quadro da vocação matrimonial, não se pode permitir que continue pairando sobre o sexo um escuso sentimento de culpa, que só produz repressão e hipocrisia – ou seu antípoda, a libertinagem.

Pode-se ilustrar essa situação insana por exemplos da experiência pastoral. Na proximidade da Páscoa há ainda certo número de católicos que se sentem obrigados a fazer uma confissão pessoal – como “desobriga”. Vez por vez o confessor ouve: “Eu não tenho pecado, mas devo confessar para receber a hóstia”. Em tais casos, geralmente, faço uma pergunta sobre a ética social… Um dia perguntei a um “penitente sem pecado”, trajado de terno escuro e gravata, quanto ele pagava à empregada. O homem não respondeu, mas saiu furioso do confessionário.

Não pretendo aqui entrar em detalhes de moral sexual, pois os próprios moralistas estão pagando muitos pecados ao tentarem destrinchar esse assunto. A respeito da maçã, há outras interpretações que não a sexual – mas talvez menos populares. A opinião “sensata” é de que o pecado do paraíso foi a desobediência diante de Deus, e por causa dessa desobediência a humanidade sofre as consequências. A criação, que era tão boa (Gn 1!), torna-se um lugar de dor e sofrimento. A vida, que era para ser eterna, torna-se brevidade: “Os dias da nossa vida sobem a setenta anos ou, em havendo vigor, a oitenta; neste caso, o melhor deles é canseira e enfado, porque tudo passa rapidamente, e nós voamos” (Sl 90,10). Tal interpretação é coerente com a doutrina clássica do pecado original, que se baseia no texto de Rm 5,12.19: “Como por um só homem o pecado entrou no mundo e, por meio do pecado, a morte […] Como pela desobediência de um só homem muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos”.

Além dessa interpretação clássica, há outras, demais para serem examinadas uma por uma. Aponto apenas as principais. A maçã seria o símbolo do interdito que é necessário para que o ser humano reconheça seus limites e assim se torne sociável, suportável para seus semelhantes e para si mesmo, pois a ilusão da onipotência torna o homem insustentável, insuportável a si mesmo e aos outros. Na linha da antropologia cultural pode-se até dizer que a instituição da proibição ou interdito (o tabu) é a base da humanização. A exegese judaica identifica a árvore da vida no paraíso com a Torá, que dá vida, mas, como veremos, existe um problema pelo fato de se falar em duas árvores (Gn 3,6.22). Voltaremos, depois, a ver a relação entre a árvore da vida e a árvore da proibição.

Uma leitura “emancipacionista” da Bíblia vai mais longe ainda. A narrativa do paraíso significaria que, pela transgressão – comer da maçã –, os olhos do ser humano se abriram. As dificuldades da vida são o preço que ele paga pela emancipação de sua razão. A transgressão seria, assim, antes um bem do que um mal. É uma leitura “prometeica”, que merece ser levada em consideração.

Vamos agora ao texto (continua).

Johan Konings é Doutor em Teologia (Katholieke Universiteit Leuven, Bélgica), Mestre em Teologia (Katholieke Universiteit Leuven, Bélgica). Professor da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), Belo Horizonte.

Fonte: Johan Konings. (2021). A maçã do paraíso. Sobre Gn 3,1-24. Estudos Bíblicos, 35(140), 440–450. Recuperado de https://revista.abib.org.br/EB/article/view/45

História da revista Estudos Bíblicos

Histórico da revista Estudos Bíblicos, de 1984 a 2020 – Por Ludovico Garmus

O artigo apresenta um histórico da revista Estudos Bíblicos, desde seu primeiro número, em 1984, até o número 143, em 2020.Estudos Bíblicos - Dossiê: Cuidar da vida v. 37 n. 143 (2021)

O período histórico analisado corresponde à fase em que a revista foi editada pela Editora Vozes, de Petrópolis, em forma impressa.

Situa-se na nova fase da revista, que passa a ser publicada online, sob a responsabilidade da ABIB.

O artigo começa pelas origens da Revista, a partir de um grupo ecumênico de exegetas, que se reunia nos inícios da década de 1980. Destaca o caráter ecumênico e pastoral que sempre pautou a publicação. Por algumas décadas a revista divulgou a produção literária de biblistas brasileiros e também estrangeiros, radicados no Brasil, sempre com foco na leitura popular da Bíblia.

Leia online ou faça o download gratuito em pdf.

Ludovico Garmus é Professor da Faculdade de Teologia do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis, Brasil. Diretor e editor da revista Estudos Bíblicos de 1984 a 2020.

Fonte: Garmus, L. (2021). Histórico da revista Estudos Bíblicos, de 1984 a 2020. Estudos Bíblicos, 37 (143), 5–11. https://doi.org/10.54260/eb.v37i143.2

Biblistas mineiros publicam Estudos Bíblicos 140

Estudos Bíblicos – Dossiê: Gênesis a Apocalipse sem fundamentalismos. v. 35, n. 140, 2018.

Diz Telmo José Amaral de Figueiredo no editorial:Estudos Bíblicos - Dossiê: Gênesis a Apocalipse sem fundamentalismos. v. 35, n. 140, 2018.

Este número de Estudos Bíblicos vem em um momento extremamente oportuno!

A intenção do grupo de biblistas mineiro, como o denominamos carinhosamente, é provocar a reflexão, o debate, a pesquisa séria e profunda por parte de todos que tomam a Palavra de Deus a sério. O mundo todo parece ter sido tomado de assalto por uma onda neoconservadora, fundamentalista, nacionalista e xenófoba. Algo que, até poucos anos atrás, pareceria improvável e fruto de uma imaginação muito fértil!

O fundamentalismo bíblico, muitas vezes, é a base de apoio para fundamentalismos políticos e científicos. A atitude fundamentalista tem a pretensão de ler o texto bíblico literalmente, convencido de que não está interpretando o texto, na ilusão de que esteja recebendo diretamente luz do texto que lhe fala. Para o fundamentalista, ele pratica a verdadeira exegese (interpretação), pois não é arbitrário, uma vez que ele toma “objetivamente” o texto que está diante dele. Em segundo lugar, para ele o texto é sempre acessível, todos podem compreendê-lo e não somente os especialistas. O texto é utilizável, pois é um indicador moral inequivocável. E, finalmente, o texto é pessoal, não há necessidade da intervenção e da mediação de alguma autoridade da Igreja (cf. PINTO, Sebastiano. In nome di Dio. Dai fondamenti al fondamentalismo. Padova: EMP, 2018, p. 7).

O fundamentalista, no fundo, é um simplificador! Ele pensa poder condensar toda a verdade sobre uma realidade em fórmulas simples, fáceis, óbvias e sintéticas. É a tentativa de fazer com que todos vejam o mundo segundo a minha curta visão. Umberto Eco (1932-2016), escritor e filósofo italiano, já nos advertia que “Fundamentalistas dão um toque de arrogante intolerância e rígida indiferença para com aqueles que não compartilham suas visões de mundo”. Isso traz implicações concretas, graves e duradouras para as comunidades e pessoas atingidas por essa onda fundamentalista. Por isso, Estudos Bíblicos propõe, com este número, fornecer aos seus leitores os elementos necessários para resistir a essa “onda”, bem como saber bem interpretar as Sagradas Escrituras. Para isso, partiremos de textos bíblicos que, muitas vezes, foram usados e abusados pela leitura fundamentalista, desviando-os de seu autêntico sentido. Eis aquilo que você encontrará nestas páginas que seguem.

Meu artigo Histórias de criação e dilúvio na antiga Mesopotâmia, desde 2018 publicado em meu site, está lá.

A revista Estudos Bíblicos agora é da Abib

A partir de 2021, a Estudos Bíblicos passou a ser publicada pela Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (Abib). A publicação no formato impresso foi suprimida em 2019, tendo um lapso de publicação no ano de 2020, sendo retomada e disponibilizada somente no formato on-line a partir de 2021, com periodicidade semestral.

Todos os números anteriores da revista estão sendo disponibilizados online em formato pdf. Clique em Arquivos, no menu, para acessar todos os números.

A revista é de acesso livre. Totalmente gratuita.

Leia mais sobre a revista neste novo formato, clicando aqui. E veja um vídeo aqui.

Uma história de Edom

CROWELL, B. L. Edom at the Edge of Empire: A Social and Political History. Atlanta: SBL Press, 2021, 510 p. – ISBN ‎ 9781628373066

O antigo Edom é mais conhecido como o vizinho do sudeste de Judá da Idade do Ferro, e aparece na Bíblia Hebraica como irmão de Israel ou como seu inimigo. EdomCROWELL, B. L. Edom at the Edge of Empire: A Social and Political History. Atlanta: SBL Press, 2021 at the Edge of Empire oferece uma abordagem interdisciplinar para a história do sul do Levante que combina evidências bíblicas, epigráficas e arqueológicas para reconstruir a história de um grupo de tribos nômades e trabalhadores em Wadi Faynan no que se refere à política posterior centrada em torno da cidade de Busayra nas montanhas do sul da Jordânia. Este é o primeiro livro a incorporar as evidências importantes das minas de cobre de Wadi Faynan em um relato abrangente da história de Edom, fornecendo um recurso fundamental para estudantes e estudiosos do Antigo Oriente Médio e da Bíblia Hebraica.

Brad Crowell é Professor de Estudos Religiosos na Departamento de Filosofia e Religião da Universidade Drake, em Des Moines, Iowa, USA.

 

Ancient Edom is best known as the southeastern neighbor of Iron Age Judah that appears in the Hebrew Bible either as Israel’s sibling or its reviled enemy. Edom at the Edge of Empire offers an interdisciplinary approach to southern Levantine history that combines biblical, epigraphic, archaeological, and comparative evidence to reconstruct the history of a collection of nomadic tribes and workers in the Wadi Faynan as it relates to the later polity centered around the city of Busayra in the mountains of southern Jordan. This is the first book to incorporate the important evidence from the Wadi Faynan copper mines into a comprehensive account of Edom’s history, providing a key resource for students and scholars of the ancient Near East and the Hebrew Bible.

Brad Crowell is Professor of Religious Studies in the Department of Philosophy and Religion at Drake University.

Questionando as teorias sobre as origens dos evangelhos sinóticos

Uma resenha feita por Brent Nongbri, MF Norwegian School of Theology, Religion, and Society, merece ser lida. É sobre:

WALSH, R. F. The Origins of Early Christian Literature: Contextualizing the New Testament Within Greco-Roman Literary Culture. Cambridge: Cambridge University Press,WALSH, R. F. The Origins of Early Christian Literature: Contextualizing the New Testament Within Greco-Roman Literary Culture. Cambridge: Cambridge Universiy Press, 2021 2021, 325 p. – ISBN ‎ 9781108835305.

e foi publicada pela Bryn Mawr Classical Review, em 11.09.2021.

Sobre o livro, diz o resumo da editora:

As abordagens convencionais dos evangelhos sinóticos argumentam que os autores dos evangelhos atuaram como porta-vozes letrados de suas comunidades religiosas. Quer sejam descritos como documentando “tradições orais” intragrupo ou preservando as perspectivas coletivas dos seguidores de Jesus de Nazaré, esses escritores são tratados como algo semelhante ao poeta romântico falando por sua comunidade – uma estrutura questionável herdada do romantismo alemão do século XIX. Neste livro, Robyn Faith Walsh argumenta que os evangelhos sinóticos foram escritos por produtores culturais de elite trabalhando dentro de um quadro dinâmico de especialistas letrados, incluindo pessoas que podem ou não ter sido cristãs. Comparando os evangelhos com a literatura antiga, seu estudo inovador demonstra que os evangelhos são obras criativas produzidas por elites cultas interessadas em ensinamentos, práticas e assuntos da Judeia após a Guerra Judaica e em diálogo com a literatura de sua época. O estudo de Walsh, portanto, preenche a divisão artificial entre a pesquisa sobre os evangelhos sinóticos e os clássicos.

 

Por sua vez, na resenha, diz Brent Nongbri:

Apesar do título amplo, este livro trata principalmente dos chamados evangelhos sinóticos – os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas. Walsh procura recontextualizar essas obras deixando de lado o modelo interpretativo comum (“míope” e “idiossincrático”) que as vê principalmente como produtos das primeiras comunidades cristãs e como fontes potenciais de informação sobre essas comunidades. Em vez disso, Walsh tenta “entender os evangelhos como literatura antiga ‘normal’ produzida por membros cultos da elite da sociedade greco-romana” (13). O projeto é pensado como “uma abordagem a esses escritos e à história que coloca em primeiro plano dados concretos sem apelar para suposições herdadas” (15).

(…)

O livro é interessante na medida em que questiona vários pressupostos profundamente arraigados e conhecidos objetivos tradicionais da pesquisa exegética sobre os evangelhos, quando, por exemplo, diz a autora: pare de pesquisar as primeiras tradições orais sobre Jesus; desista da ideia de “comunidades” associadas aos evangelhos; considere a possibilidade dos evangelhos terem sido escritos por e/ou para não-cristãos. No entanto, essa enorme quantidade de questionamentos também confere ao livro uma qualidade desigual. Todas esses pressupostos podem precisar ser derrubados, mas fazê-lo simultaneamente deixa pouco espaço para uma argumentação detalhada.

(…)

Mesmo que eu não esteja convencido sobre alguns dos argumentos de Walsh sobre autoria e cultura do livro na antiguidade romana, esses capítulos são uma leitura estimulante. O livro é altamente provocante e deve suscitar debates acalorados entre os estudiosos do Novo Testamento.

Robyn Faith Walsh é professora da Universidade de Miami.

Até aqui o livro e a resenha. Quero observar que vejo este tipo de empreendimento – o do livro, claro – com muita suspeita. Vejo uma possível tentativa, talvez mais inconsciente do que planejada, de, mais uma vez, cooptar a mensagem evangélica de Jesus de Nazaré. Como? Deslegitimando-a como expressão de comunidades formadas por pessoas oprimidas e marginalizadas que anseiam por libertação e transferindo-a para os círculos da elite do poder central do Império Romano que, na verdade, se diverte, e muito, observando o sofrimento dos outros como apenas mais um espetáculo macabro. Vigilância hermenêutica nunca é demais.

 

The Book:

Robyn Faith WalshConventional approaches to the Synoptic gospels argue that the gospel authors acted as literate spokespersons for their religious communities. Whether described as documenting intra-group ‘oral traditions’ or preserving the collective perspectives of their fellow Christ-followers, these writers are treated as something akin to the Romantic poet speaking for their Volk – a questionable framework inherited from nineteenth-century German Romanticism. In this book, Robyn Faith Walsh argues that the Synoptic gospels were written by elite cultural producers working within a dynamic cadre of literate specialists, including persons who may or may not have been professed Christians. Comparing a range of ancient literature, her ground-breaking study demonstrates that the gospels are creative works produced by educated elites interested in Judean teachings, practices, and paradoxographical subjects in the aftermath of the Jewish War and in dialogue with the literature of their age. Walsh’s study thus bridges the artificial divide between research on the Synoptic gospels and Classics.

The Review:

Despite its broad title, this book is primarily about the so-called synoptic gospels—the gospels according to Matthew, Mark, and Luke. Walsh seeks to recontextualize these works by setting aside the common (“myopic” and “idiosyncratic”) interpretive model that views them chiefly as products of early Christian communities and as potential sources of information about such communities. Walsh attempts instead to “understand the gospels as ‘normal’ ancient literature produced by educated, elite members of Greco-Roman society” (13). The project is framed as “an approach to these writings and history that foregrounds concrete data without appealing to inherited assumptions” (15).

(…)

The book has a refreshing edge in that it challenges so many deeply held assumptions and traditional goals of scholarship on the gospels (stop the search for early oral traditions about Jesus; give up the idea of “communities” associated with the gospels; entertain the possibility that the gospels were written by and/or for non-Christians). Yet, that breadth of interest also gives the book an uneven quality. All of these gauntlets may need to be thrown down, but doing so simultaneously leaves little space for detailed argumentation.

(…)

Even if I am unpersuaded by some of Walsh’s arguments about authorship and book culture in Roman antiquity, these chapters make for stimulating reading. The book is highly provocative and should elicit spirited debate among New Testament scholars.

 

Robyn Faith Walsh is an Associate Professor at the University of Miami (UM).

Bíblia Hebraica e racismo

BURRELL, K. Slavery, the Hebrew Bible and the Development of Racial Theories in the Nineteenth Century. Religions 12 (9): 742, 2021.

Este artigo pertence ao número especial de Religions sobre A Bíblia Hebraica, Raça e Racismo. Disponível para leitura online ou download em pdf.Religions, Volume 12, Número 9 - Setembro de 2021

Resumo

Ideias raciais que se desenvolveram no Ocidente moderno foram forjadas com referência a uma cosmovisão cristã e informadas pela Bíblia, particularmente o Antigo Testamento. Até a reformulação científica de Darwin do debate sobre as origens, os cientistas raciais europeus e americanos eram fundamentalmente cristãos em sua orientação. Este artigo descreve como as interpretações da Bíblia Hebraica dentro desta Weltanschauung cristã facilitaram o desenvolvimento e a articulação de teorias raciais que floresceram no discurso intelectual ocidental até e durante o século XIX. O livro do Gênesis foi uma sementeira particular para a política de identidade, já que as histórias das origens da Bíblia Hebraica foram colocadas a serviço da articulação de uma hierarquia racial que justificou tanto o lugar dos europeus no pináculo da criação divina quanto a difamação, bestialização e escravidão dos africanos como o pior da humanidade. O fato de o ethos racial do período ditar tanto as questões colocadas pelos exegetas quanto as conclusões que eles derivaram do texto demonstra que a interpretação bíblica dentro desse clima nunca foi uma busca inocente, mas sim refletiu os valores e crenças correntes no contexto social do exegeta.

 

Abstract

Racial ideas which developed in the modern west were forged with reference to a Christian worldview and informed by the Bible, particularly the Old Testament. Up until Darwin’s scientific reframing of the origins debate, European and American race scientists were fundamentally Christian in their orientation. This paper outlines how interpretations of the Hebrew Bible within this Christian Weltanschauung facilitated the development and articulation of racial theories which burgeoned in western intellectual discourse up to and during the 19th century. The book of Genesis was a particular seedbed for identity politics as the origin stories of the Hebrew Bible were plundered in service of articulating a racial hierarchy which justified both the place of Europeans at the pinnacle of divine creation and the denigration, bestialization, and enslavement of Africans as the worst of human filiation. That the racial ethos of the period dictated both the questions exegetes posed and the conclusions they derived from the text demonstrates that biblical interpretation within this climate was never an innocuous pursuit, but rather reflected the values and beliefs current in the social context of the exegete.

This article belongs to the Special Issue The Hebrew Bible, Race, and Racism.

Profetisas na Bíblia

Confira o post de Marg Mowczko, Every Female Prophet in the Bible, publicado em 22 de setembro de 2021.

Ela diz:

Neste post, listo as mulheres que são claramente identificadas como profetisas na Bíblia Hebraica e no Novo Testamento (hebraico: neviah; grego: prophētis). Escrevi uma breve nota sobre cada uma delas. Essas mulheres eram figuras influentes e importantes em suas comunidades.

In this post, I list the women who are plainly identified as prophets in the Hebrew Bible and New Testament (Hebrew: neviah; Greek: prophētis). And I’ve written a short note on each of them. These women were influential, leading figures in their communities.

Quem é Marg Mowczko? Clique aqui e aqui.

Queda de corpo celeste teria inspirado a história de Sodoma?

Há uma proposta, que já circula por aí de uns anos para cá, que diz que a narrativa bíblica de Gn 19, a destruição de Sodoma, seria inspirada em um evento cósmico que teria atingido a região por volta de 1650 a.C.

Isto tem algum fundamento científico ou é só mais uma daquelas empreitadas apologéticas para mostrar que a Bíblia tinha razão?

Pode ser, pode não ser…

Dizem por exemplo:

Localização de Tall el-Hammam. Foto: Scientific Reports - setembro de 2021É possível que uma descrição oral da destruição da cidade de Tall el-Hammam, a noroeste do Mar Morto, tenha sido transmitida por gerações até que fosse registrada como a história bíblica de Sodoma. A Bíblia descreve a devastação de um centro urbano perto do Mar Morto — pedras e fogo caíram do céu, mais de uma cidade foi destruída, fumaça densa subiu dos incêndios e os habitantes da cidade foram mortos (Gn 19).

Leia sobre isso um texto publicado em inglês em The Conversation e traduzido para o português pela Revista Galileu em 20 de setembro de 2021.

Leia também um texto mais documentado publicado em Scientific Reports em 20 de setembro de 2021.

Leia sobre o arqueólogo Steven Collins que dirige as escavações de Tall el-Hammam e defende esta proposta.

Para ver a posição de arqueólogos que discordam desta proposta, leia, por exemplo, Arguments Against Locating Sodom at Tall al-Hammam – By Todd Bolen: BiblePlaces – February 26, 2013.

Outras críticas podem ser lidas em Criticism engulfs paper claiming an asteroid destroyed Biblical Sodom and Gomorrah – By Adam Marcus: Retraction Watch – October 1, 2021.

 

Cidade destruída por asteroide teria inspirado história bíblica de Sodoma – Revista Galileu: Christopher R. Moore | The Conversation – 20 Set 2021

Equipe multidisciplinar de cientistas encontrou evidências do impacto de uma rocha espacial ocorrido há 3,6 mil anos na atual região de Tall el-Hammam, na Jordânia

Enquanto os habitantes de uma antiga cidade do Oriente Médio (agora chamada Tall el-Hammam) realizavam suas tarefas diárias há cerca de 3,6 mil anos, eles não tinham ideia de que uma rocha espacial gelada e despercebida estava vindo em sua direção a cerca de 61 mil quilômetros por hora.

Passando pela atmosfera, a rocha explodiu em uma enorme bola de fogo a cerca de 4 quilômetros acima do solo. A explosão foi cerca de mil vezes mais poderosa do que a bomba atômica de Hiroshima. Chocados, os moradores da cidade que olharam para ela ficaram cegos instantaneamente. A temperatura atmosférica subiu rapidamente acima dos 2 mil graus Celsius. Roupas e madeiras imediatamente arderam em chamas. Espadas, lanças, tijolos de barro e cerâmica começaram a derreter. Quase imediatamente, a cidade inteira estava em brasas.

Alguns segundos depois, uma enorme onda de choque atingiu a cidade. Movendo-se a cerca de 1,2 mil quilômetros por hora, foi mais poderosa do que o pior tornado já registrado. Os ventos mortais varreram a cidade, demolindo todos os prédios. Eles arrancaram os 12 metros superiores de um palácio de quatro andares e jogaram os destroços no vale ao lado. Nenhuma das 8 mil pessoas ou quaisquer animais dentro da cidade sobreviveram — seus corpos foram despedaçados e seus ossos explodiram em pequenos fragmentos.

Cerca de um minuto depois, a 22 quilômetros a oeste de Tall el-Hammam, os ventos da explosão atingiram a cidade bíblica de Jericó. As muralhas de Jericó desabaram e a cidade foi destruída pelo fogo.

Tudo soa como o clímax de um filme desastroso de Hollywood. Como sabemos que tudo isso realmente aconteceu perto do Mar Morto, na Jordânia, milênios atrás?

Obter respostas exigiu quase 15 anos de escavações meticulosas realizadas por centenas de pessoas. Também envolveu análises detalhadas de materiais escavados por mais de duas dúzias de cientistas em 10 estados norte-americanos, no Canadá e na República Tcheca.

Recentemente, nosso grupo finalmente publicou as evidências na revista Scientific Reports. Entre os 21 coautores, estão incluídos arqueólogos, geólogos, geoquímicos, geomorfologistas, mineralogistas, paleobotânicos, sedimentologistas, especialistas em impacto cósmico e médicos.

Foi assim que construímos essa imagem de devastação no passado.

 

Tempestade de fogo em toda a cidade

Anos atrás, quando os arqueólogos examinaram as escavações da cidade em ruínas, eles puderam ver uma camada escura com cerca de 1,5 m de espessura misturada com carvão, cinzas, tijolos e cerâmica derretida. Era óbvio que uma tempestade de fogo intensa havia destruído esta cidade há muito tempo. Essa faixa escura passou a ser chamada de camada de destruição.

Ninguém tinha certeza do que havia acontecido, mas essa camada não foi causada por um vulcão, terremoto ou guerra. Nenhuma dessas alternativas é capaz de derreter metal, tijolos de barro e cerâmica.

Para descobrir o que poderia ter acontecido, nosso grupo usou a Calculadora de Impacto Online para modelar cenários que se encaixam nas evidências. Construída por especialistas em impacto, esta calculadora permite aos pesquisadores estimar os muitos detalhes de um evento de impacto cósmico, com base em fenômenos conhecidos e detonações nucleares.

Parece que o culpado em Tall el-Hammam foi um pequeno asteroide semelhante ao que derrubou 80 milhões de árvores em Tunguska, na Rússia, em 1908. Teria sido uma versão muito menor da rocha gigante com quilômetros de largura que levou os dinossauros à extinção há 65 milhões de anos.

Tínhamos um provável culpado. Agora, precisávamos de uma prova do que aconteceu naquele dia em Tall el-Hammam (continua).

Leia o texto completo.

 

A giant space rock demolished an ancient Middle Eastern city and everyone in it – possibly inspiring the Biblical story of Sodom – Christopher R. Moore | The Conversation – September 20, 2021

As the inhabitants of an ancient Middle Eastern city now called Tall el-Hammam went about their daily business one day about 3,600 years ago, they had no idea an unseen icy space rock was speeding toward them at about 38,000 mph (61,000 kph).

Flashing through the atmosphere, the rock exploded in a massive fireball about 2.5 miles (4 kilometers) above the ground. The blast was around 1,000 times more powerful than the Hiroshima atomic bomb. The shocked city dwellers who stared at it were blinded instantly. Air temperatures rapidly rose above 3,600 degrees Fahrenheit (2,000 degrees Celsius). Clothing and wood immediately burst into flames. Swords, spears, mudbricks and pottery began to melt. Almost immediately, the entire city was on fire.

Some seconds later, a massive shockwave smashed into the city. Moving at about 740 mph (1,200 kph), it was more powerful than the worst tornado ever recorded. The deadly winds ripped through the city, demolishing every building. They sheared off the top 40 feet (12 m) of the 4-story palace and blew the jumbled debris into the next valley. None of the 8,000 people or any animals within the city survived – their bodies were torn apart and their bones blasted into small fragments.

About a minute later, 14 miles (22 km) to the west of Tall el-Hammam, winds from the blast hit the biblical city of Jericho. Jericho’s walls came tumbling down and the city burned to the ground.

It all sounds like the climax of an edge-of-your-seat Hollywood disaster movie. How do we know that all of this actually happened near the Dead Sea in Jordan millennia ago?

Getting answers required nearly 15 years of painstaking excavations by hundreds of people. It also involved detailed analyses of excavated material by more than two dozen scientists in 10 states in the U.S., as well as Canada and the Czech Republic. When our group finally published the evidence recently in the journal Scientific Reports, the 21 co-authors included archaeologists, geologists, geochemists, geomorphologists, mineralogists, paleobotanists, sedimentologists, cosmic-impact experts and medical doctors.

Here’s how we built up this picture of devastation in the past.

Firestorm throughout the city

Years ago, when archaeologists looked out over excavations of the ruined city, they could see a dark, roughly 5-foot-thick (1.5 m) jumbled layer of charcoal, ash, melted mudbricks and melted pottery. It was obvious that an intense firestorm had destroyed this city long ago. This dark band came to be called the destruction layer.

No one was exactly sure what had happened, but that layer wasn’t caused by a volcano, earthquake or warfare. None of them are capable of melting metal, mudbricks and pottery.

To figure out what could, our group used the Online Impact Calculator to model scenarios that fit the evidence. Built by impact experts, this calculator allows researchers to estimate the many details of a cosmic impact event, based on known impact events and nuclear detonations.

It appears that the culprit at Tall el-Hammam was a small asteroid similar to the one that knocked down 80 million trees in Tunguska, Russia in 1908. It would have been a much smaller version of the giant miles-wide rock that pushed the dinosaurs into extinction 65 million ago.

We had a likely culprit. Now we needed proof of what happened that day at Tall el-Hammam…

 

Bunch, T.E., LeCompte, M.A., Adedeji, A.V. et al. A Tunguska sized airburst destroyed Tall el-Hammam a Middle Bronze Age city in the Jordan Valley near the Dead Sea. Sci Rep 11, 18632 (2021)

Abstract

We present evidence that in ~ 1650 BCE (~ 3600 years ago), a cosmic airburst destroyed Tall el-Hammam, a Middle-Bronze-Age city in the southern Jordan Valley northeast of the Dead Sea. The proposed airburst was larger than the 1908 explosion over Tunguska, Russia, where a ~ 50-m-wide bolide detonated with ~ 1000× more energy than the Hiroshima atomic bomb. A city-wide ~ 1.5-m-thick carbon-and-ash-rich destruction layer contains peak concentrations of shocked quartz (~ 5–10 GPa); melted pottery and mudbricks; diamond-like carbon; soot; Fe- and Si-rich spherules; CaCO3 spherules from melted plaster; and melted platinum, iridium, nickel, gold, silver, zircon, chromite, and quartz. Heating experiments indicate temperatures exceeded 2000 °C. Amid city-side devastation, the airburst demolished 12+ m of the 4-to-5-story palace complex and the massive 4-m-thick mudbrick rampart, while causing extreme disarticulation and skeletal fragmentation in nearby humans. An airburst-related influx of salt (~ 4 wt.%) produced hypersalinity, inhibited agriculture, and caused a ~ 300–600-year-long abandonment of ~ 120 regional settlements within a > 25-km radius. Tall el-Hammam may be the second oldest city/town destroyed by a cosmic airburst/impact, after Abu Hureyra, Syria, and possibly the earliest site with an oral tradition that was written down (Genesis). Tunguska-scale airbursts can devastate entire cities/regions and thus, pose a severe modern-day hazard.