CORREIA JÚNIOR, J. L. (org.) Profetismo e política. Estudos Bíblicos, São Paulo, v. 38, n. 146, 2022.
O profetismo bíblico tem como característica mais forte da missão o engajamento político que se expressa por meio da inserção na luta pelo bem comum. No centro dos oráculos proféticos estava a mensagem direta de um Deus surpreendente, que foi se revelando como Senhor Justo e Misericordioso ao povo de Israel. Segundo a Teologia do livro do Êxodo, esse Deus “viu a miséria” dos ancestrais escravizados em trabalhos forçados no Egito, “ouviu seu grito” por causa da exploração econômica dos opressores, e “conhece as suas angústias” sob essa dura opressão (Ex 3,7).
Os profetas e profetisas de Israel como Débora, Amós, Isaías, Jeremias e tantos outros, animados por essa consciência ético-religiosa, são porta-vozes da vontade de Deus. Denunciam os abusos da classe dominante sobre camponeses, assalariados, estrangeiros, endividados, enfim, sobre todas as pessoas cujos direitos estavam sendo suprimidos por conta da ganância econômica opressora e do poder político corrupto.
Situado no contexto histórico sociopolítico da luta pela justiça social, além de protestar contra a exclusão econômica da qual era vítima parte significativa do povo, o profetismo bíblico chega a criticar veementemente todo tipo de ritualismo religioso que, desprovido de comprometimento ético, era um insulto ao Senhor Deus do Direito e da Justiça.
Isso fica claro logo no primeiro capítulo do livro do Profeta Isaías, onde está escrito que para agradar a Deus não basta simplesmente cultuá-lo em belas celebrações religiosas alienadas e alienantes dos problemas sociais. O que realmente agrada a Deus é buscar o direito, corrigir o opressor, fazer justiça ao órfão, defender a causa da viúva (Is 1,17). Nessa linha, a crítica à classe dirigente detentora do poder político opressor é bastante dura: “Teus príncipes [principais dirigentes] são rebeldes, companheiros de ladrões; todos são ávidos por subornos e correm atrás de presentes. Não fazem justiça ao órfão, a causa da viúva não os atinge” (Is 1,23).
Não é de se estranhar que o engajamento político do profetismo esteja marcado pelo conflito com o poder econômico, com a classe política subserviente ao poder econômico, e com a classe religiosa a serviço desses poderosos. A simples presença dos profetas e profetisas nas aldeias e vilarejos demarca não só o lado que assumem na sociedade, como também de onde provém a sua força política.
É a partir desse lugar existencial de luta pela sobrevivência que os profetas e profetizas tornam-se intermediários para que Deus fale por meio de seus gestos simbólicos e de suas palavras. Desse modo, participam ativamente das grandes crises da história, tais como no estabelecimento das dinastias de Saul e Davi, no grande cisma após a morte de Salomão, na sucessiva derrubada das dinastias do Reino do Norte e na queda do Reino do Sul, posteriormente.
Pode-se inferir, portanto, que o modo como se dá a ação dos profetas e profetisas na Bíblia foi e continua sendo uma forte interpelação à prática política motivada pela fé no Deus Justo e Misericordioso. É também uma evidente crítica à prática religiosa alienante e alienada dos problemas sociais, circunscrita a ritualismos que podem até anestesiar momentaneamente o sofrimento, mas não conduzem à experiência do Deus da Vida que toma partido dos pobres.
Esse é o mesmo Deus a quem Jesus chamava de Abbá, Paizinho, em profunda intimidade familiar e afetiva, que o motivou à experiência radical de compaixão solidária com a causa das multidões abandonadas “como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34).
Daí o potencial revolucionário que tem o discipulado missionário de Jesus ainda hoje, quando não se contenta apenas com o ritualismo estéril circunscrito ao ambiente religioso, e se insere no meio das multidões insatisfeitas com os impérios deste mundo, colaborando para que, a partir delas, tome forma na história a “nova sociedade” que os Evangelhos intitulam de “Reino de Deus”.
É nesse ambiente de reflexão que está inserida a Revista Estudos Bíblicos sobre “Profetismo e Política” (Trecho do Editorial, escrito por João Luiz Correia Júnior).
A revista está disponível online no site da Abib.