O livro de Josué não é um relato de conquista

Segundo Thomas B. Dozeman, esta é uma história sobre a execução de reis, destruição de cidades reais e extermínio de populações urbanas. Mas não é uma narrativa de conquista.

DOZEMAN, T. B. Joshua 1-12: A New Translation with Introduction and Commentary. New Haven, CT: Yale University Press, 2015, 600 p. – ISBN 9780300149753.

Explica Thomas B. Dozeman nas páginas 3-5:DOZEMAN, T. B. Joshua 1-12: A New Translation with Introduction and Commentary. New Haven, CT: Yale University Press, 2015

O livro de Josué narra a invasão israelita da terra prometida sob a liderança de Josué, o servo de Moisés. O livro pretende ser a conclusão da história do êxodo e da jornada do deserto, quando Moisés lidera os israelitas do Egito até a Transjordânia, conforme contado nos livros do Êxodo até Deuteronômio. O autor retrata a invasão da terra prometida como a conclusão da jornada.

Mas a invasão não é uma narrativa de conquista, na qual os israelitas vencem a população local e assumem suas cidades.

Em vez disso, é uma história sobre a execução de reis, a destruição de suas cidades reais e o extermínio da população urbana através da implementação do anátema – um tipo de guerra na qual todos os homens, mulheres e crianças são mortos. O abate dos povos nativos é um sacrifício para Iahweh que prepara a terra prometida para as tribos israelitas, que viverão uma vida mais rural, livres de reis e de cidades reais. Josué 1-12 narra a destruição dos reis, cidades reais e população nativa, enquanto Josué 13-24 descreve a redistribuição da terra para as tribos.

A invasão da terra prometida em Josué 1-12 começa com a incumbência de Josué no capítulo 1, que funciona como o prólogo para o livro. O prólogo estabelece os temas centrais da história: Josué é o sucessor autorizado de Moisés, enquanto os israelitas mesmo não sendo nativos da terra, recebem de Iahweh a promessa da terra como um lugar de descanso. A promessa divina deve ser realizada através de um ato corajoso de guerra santa, para que se cumpra a Lei de Moisés.

A invasão em Josué 2-12 ocorre em duas etapas. A primeira, narrada em Josué 2-8, concentra-se na jornada da Arca de Setim, no lado leste do Jordão, para o seu lugar de descanso nos montes Ebal e Garizim, perto de Siquém, no lado oeste do Jordão. A segunda etapa, Josué 9-12, relata as guerras de Josué contra as coalizões sul e norte dos reis, resultando em descanso da guerra na terra (Js 11,23).

A jornada da Arca em Josué 2-8 significa a reivindicação de Iahweh sobre a terra prometida. A confissão de Raab, em Js 2, dizendo que Iahweh deu a terra a Israel, funciona como uma introdução à jornada da Arca em Josué 3-8, concentrando a narrativa sobre Iahweh, que é capaz de dar a terra a Israel. A narrativa de Josué 3-8 explora o caráter de Iahweh e a natureza da religião javista, já que a Arca viaja para o seu local de culto em Siquém.

Cinco locais estão associados à jornada da Arca, que deixa Setim para entrar na terra prometida: o rio Jordão, Guilgal, Jericó, Ai e os montes Ebal e Garizim em Siquém. Cada local fornece uma pista sobre a interpretação da religião javista por parte do autor:
. a passagem do Jordão revela Iahweh como “o Deus vivo”, que habita no meio do povo israelita (3,10).
. em Guilgal, Iahweh revela que ele é o Deus do êxodo, que é capaz de remover a desonra do Egito que pairava sobre o povo israelita (5,9). Os israelitas respondem observando os rituais da circuncisão, da Páscoa e do pão sem fermento, após o que o maná cessa e os israelitas comem dos frutos da terra de Canaã (5,2-12).
. em Jericó, Iahweh revela que ele é um guerreiro divino que se opõe a reis e cidades reais (5,14;6,16.26).
. em Ai, Iahweh demonstra a natureza exclusiva da aliança, que exige que os israelitas permaneçam separados da cultura dominante dos cananeus. Acã viola essa aliança, roubando o espólio de Jericó, o que causa a derrota israelita na batalha de Ai. Acaba executado junto com sua família (Js 7).
. em Ebal, Josué estabelece o local central do culto a Iahweh. Ele constrói um altar de pedras brutas no qual é inscrito o livro da Lei de Moisés, estabelecendo uma forma estrita de culto anicônico (8,30-35).

Em Josué 9-12, o foco muda da jornada da Arca em direção a seu local de culto em Siquém para as guerras de Josué contra os reis nativos. A narrativa se ramifica para descrever os limites do sul e norte da terra. As duas seções de Josué 3-8 e 9-12 estão inter-relacionadas. A jornada da Arca em Josué 3-8 fornece a base religiosa para a guerra contra os reis da terra e a destruição de suas cidades reais em Josué 9-12.

As guerras de Josué começam em Josué 9 com os gabaonitas, que enganam os israelitas para fazer uma aliança de paz para salvar sua nação da destruição.

A aliança suscita uma coalizão de reis do sul, liderado por Adonisedec de Jerusalém, para atacar os gabaonitas, conduzindo Josué e os israelitas para a batalha em Josué 10. Josué derrota o exército da coalizão sulista, executa os reis na caverna de Maceda, e assegura a porção sul da terra prometida.

No capítulo 11 Josué derrota a coalizão dos reis do norte liderada por Jabin de Hasor, adicionando assim esta região à terra prometida.

As guerras de Josué terminam em Josué 12 com uma recapitulação dos reis derrotados. O resultado das vitórias de Josué é o despovoamento das nações locais e a destruição das cidades reais de modo que “a terra descansou da guerra” (11,23).

A destruição dos reis e suas cidades reais permitem a repovoamento da terra prometida em Josué 13-24 como uma sociedade mais rural e tribal. Josué 13-19 descreve a distribuição da terra para as tribos.

O processo começa em Josué 13 com as regiões tribais a leste do Jordão, incluindo os territórios de Rúben, Gad e metade da tribo de Manassés, antes do foco mudar para a região oeste em Josué 14-19.

A distribuição da terra a oeste do Jordão inclui Judá (Js 15), as duas tribos da casa de José, Efraim e metade de Manassés (Js 16-17), e as restantes sete tribos: Benjamim, Simeão, Zabulon, Issacar, Aser , Neftali e Dã (Js 18-19).

Josué 20-21 explica que as únicas cidades apropriadas na terra prometida são centros judiciais de refúgio (Js 20) e centros religiosos levíticos (Js 21), em vez das cidades reais dos reis nativos anteriores. Uma vez concluída a distribuição tribal e as cidades estabelecidas, Josué 22 aborda o tema da identidade étnica, explorando a relação entre as tribos do leste e do oeste do Jordão.

O livro conclui com dois discursos de Josué nos capítulos 23-24. O primeiro é um lembrete para a exclusão social e religiosa contínua das nações nativas (Js 23), e o segundo enfatiza mais a necessidade de as tribos resistirem a retornar à religião arcaica dos ancestrais e continuar a adorar apenas a Iahweh (Js 24).

O livro termina com as notícias dos enterros de Josué e de Eleazar e o repatriamento dos ossos de José (Js 24, 29-33).

Thomas B. Dozeman, que propõe uma data pós-exílica para o livro de Josué, como uma composição feita por um autor independente, diz nas p. 31-32:

Em síntese, os temas literários de Josué e sua dependência de uma forma do Pentateuco sugerem sua composição no período pós-exílico; representa um mito de origem samariano*, no qual a terra prometida é densamente povoada por reis e cidades-estado reais, exigindo uma guerra santa para esvaziar a terra de sua cultura urbana, enquanto a arca segue para seu local de culto ao norte, perto de Siquém. A mensagem do livro de Josué é de oposição ao domínio estrangeiro na Palestina, representada por cidades-estado; contra isso, o autor idealiza uma vida mais primitiva e rural na Palestina. A história das origens em Josué contrasta com o mito rival da terra vazia em Esdras e Neemias, onde a terra prometida ficou sem cultivo durante o exílio babilônico com a ausência de cidades para que os judeus exilados que retornassem tivessem que reconstruir o Templo e restabelecer a cidade destruída de Jerusalém. A reconstrução de Jerusalém em Esdras e Neemias representa uma resposta de assimilação ao governo dos persas, que são vistos como benevolentes por toda parte (por exemplo, como no edito de Ciro em Esdras 1,1-4), enquanto o povo da terra representa a oposição. No livro de Josué, não há governantes benevolentes ou cidades-estado reais na Palestina. Todos são condenados por Iahweh e, portanto, se requer o extermínio de acordo com a regra do anátema.

O livro de Josué passou por uma revisão quando foi colocado em seu contexto narrativo atual. Isso resultou em uma série de repetições internas e temas conflitantes. Esses textos reinterpretam a história de Josué com a inserção de dois temas: primeiro, a promessa divina incondicional no livro de Josué é qualificada como uma promessa condicional baseada na Lei em conformidade com o livro de Deuteronômio; e segundo, a conquista total da terra é reinterpretada como uma conquista parcial, colocando o livro em conformidade com o livro dos Juízes.

(…)

As modificações criam um conflito temático sobre as metas da conquista, mas também permitem que o livro funcione ambiguamente em seu atual contexto literário como uma ligação entre o Pentateuco e os Profetas anteriores. O tema da conquista total da Palestina encoraja uma leitura de Josué como a conclusão do Pentateuco, enquanto o tema da conquista parcial liga o livro mais intimamente ao Deuteronômio, permitindo, ao mesmo tempo, a transição para Juízes.

* O autor usa os termos “judaítas” e “samarianos” para identificar os residentes de Yehud e Samaria durante a época persa e o começo da época helenística, e os termos “judeus” e “samaritanos” para designar estes grupos na época dos Macabeus e no período romano. Deste modo, o livro de Josué representa uma versão do javismo do norte, que é polêmica contra a ênfase judaica em Jerusalém, mas não é um documento sectário de uma comunidade samaritana separada.

Uma resenha do livro feita por Deane Galbraith pode ser lida em The Bible & Critical Theory, Vol 13, No 1 (2017).

 

Thomas B. DozemanThe book of Joshua recounts the Israelite invasion of the promised land under the leadership of Joshua, the servant of Moses. The book is intended to be the conclusion to the story of the exodus and the wilderness journey, when Moses leads the Israelites from Egypt to the eastern bank of the Jordan River, as recounted in the books of Exodus-Deuteronomy. The author portrays the invasion of the promised land as the completion of the journey. But the invasion is not an account of conquest, in which the Israelites subdue the indigenous population and take over their cities. Rather, it is a story about the execution of kings, the destruction of their royal cities, and the extermination of the urban population through the implementation of the ban—a form of warfare in which all men, women, and children are killed. The slaughter of the indigenous people is a sacrifice to Yahweh that prepares the promised land for the Israelite tribes, who will live a more rural life, free of kings and their royal cities. Joshua 1-12 narrates the destruction of the kings, royal cities, and indigenous population, while Josh 13-24 describes the redistribution of the land to the tribes.

The invasion of the promised land in Josh 1-12 begins with the commission of Joshua in Josh 1, which functions as the prologue to the book. The prologue establishes the central themes of the story: Joshua is the commissioned successor of Moses; the Israelites are not indigenous to the land; yet Yahweh promises the land to them as a place of rest. The divine promise must be realized through a courageous act of holy war, which fulfills the Torah of Moses. The invasion in Josh 2-12 takes place in two stages. The first, Josh 2-8, focuses on the procession of the ark from Shittim, on the east side of the Jordan River, to its resting place at the mountains of Ebal and Gerizim, near Shechem, on the west side of the Jordan. The second stage, Josh 9-12, recounts the wars of Joshua against the northern and southern coalitions of kings, resulting in rest from war in the land (11:23).

The procession of the ark in Josh 2-8 signifies Yahweh’s claim to the promised land. The confession of Rahab, in Josh 2, that “Yahweh has given Israel the land” functions as an introduction to the procession of the ark in Josh 3-8 by focusing the narrative on Yahweh as the one who is able to give the land to Israel. The narrative of Josh 3-8 explores the character of Yahweh and the nature of Yahwistic religion, as the ark travels to its cultic site at Shechem. Five locations are associated with the procession of the ark as it leaves Shittim to enter the promised land: the Jordan River, Gilgal, Jericho, Ai, and the mountains of Ebal and Gerizim at Shechem. Each location provides insight into the author’s interpretation of Yahwistic religion. The crossing of the Jordan reveals Yahweh as “El, the living,” who dwells in the midst of the Israelite people (3:10). At Gilgal, Yahweh discloses that he is the God of the exodus, who is able to remove the disgrace of Egypt from the Israelite people (5:9). The Israelites respond by observing the rituals of circumcision, Passover, and unleavened bread, after which manna ceases and the Israelites eat the crops of the land (5:2-12). At Jericho, Yahweh reveals that he is a divine warrior who opposes kings and royal cities (5:14; 6:16, 26). At Ai, Yahweh demonstrates the exclusive nature of the covenant, which demands that the Israelites remain separate from the dominant culture of the Canaanites. Achan violates this covenant by stealing booty from Jericho, causing the Israelite defeat in battle at Ai and the eventual execution of Achan and his family (7:10-11). Finally, at Ebal, Joshua establishes the central cultic site for worshiping Yahweh. He builds an altar of uncut stones on which is inscribed the book of the Torah of Moses, thus modeling a strict form of aniconic worship that is grounded in a monotheistic worldview (8:30-35).

In Josh 9-12 the focus shifts from the procession of the ark toward its central cultic site at Shechem to the wars of Joshua against the indigenous kings. The narrative branches out to describe the southern and northern boundaries of the land. The two sections of Josh 3-8 and 9-12 are organically related. The procession of the ark in Josh 3-8 provides the religious basis for the war against the indigenous kings and the destruction of their royal cities in Josh 9-12. The wars of Joshua begin in Josh 9 with the Gibeonites, who trick the Israelites into making a covenant of peace in order to save their nation from destruction. The covenant prompts a coalition of southern kings, led by Adoni-zedek of Jerusalem, to attack the Gibeonites, drawing Joshua and the Israelites into the battle in Josh 10. Joshua defeats the army of the southern coalition, executes the kings at the cave of Makkedah, and secures the southern portion of the promised land. In Josh 11 Joshua defeats the coalition of northern kings led by Jabin of Hazor, thus adding this region to the promised land. The wars of Joshua conclude in Josh 12 with a summary of the defeated kings. The result of Joshua’s victories is the depopulation of the indigenous nations and the destruction of the royal cities so that “the land had rest from war” (11:23).

The destruction of the kings and their royal cities allows for the repopulation of the promised land in Josh 13-24 as a more rural and tribal society. Joshua 13-19 describes the distribution of the land to the tribes. The process begins in Josh 13 with the tribal regions east of the Jordan River, including the territories of Reuben, Gad, and half of the tribe of Manasseh, before the focus shifts to the western region in Josh 14-19. The allotment of the western land includes Judah (Josh 15), the two tribes of Joseph, Ephraim and half of Manasseh (Josh 16-17), and the remaining seven tribes of Benjamin, Simeon, Zebulun, Issachar, Asher, Naphtali, and Dan (Josh 18-19). Joshua 20-21 clarifies that the only appropriate cities in the promised land are judicial centers of refuge (Josh 20) and levitical religious centers (Josh 21), rather than the royal cities of the past indigenous kings. Once the tribal distribution is complete and the cities are established, Josh 22 addresses the topic of ethnic identity by exploring the relationship between the eastern and western tribes. The book concludes with two speeches by Joshua in Josh 23-24. The first is a call for continued social and religious exclusion of the indigenous nations (Josh 23), and the second stresses more the need for the tribes to resist returning to the archaic polytheistic religion of the ancestors and to continue worshiping only Yahweh (Josh 24). The book ends with the burial notices of Joshua and Eleazar, as well as the internment of the bones of Jacob (24:29–33).

Thomas B. Dozeman, who proposes a post-exilic date for the book of Joshua as a composition by an independent author, says on p. 31-32:

In summary, the literary themes of Joshua and its dependence on a form of the Pentateuch suggest its composition in the postexilic period; it represents a Samarian myth of origin, in which the promised land is heavily populated with kings and royal city-states requiring holy war to empty the land of its urban culture, as the ark processes to its northern cultic site near Shechem. The message of the book of Joshua is one of opposition to foreign rule in the promised land, represented by city-states; over against this the author idealizes a more primitive and rural life in the promised land. The origin story in Joshua contrasts with the competing myth of the empty land in Ezra and Nehemiah, where the promised land has lain fallow during the exile with the absence of cities (e.g., Barstad, 1996; B. Oded 2003) so that the returning exiled Judeans had to rebuild the temple and reestablish the lost city of Jerusalem. The rebuilding of Jerusalem in Ezra and Nehemiah represents a response of assimilation to the rule of the Persians, who are viewed as benevolent throughout (e.g., as in the edict of Cyrus in Ezra1:1-4), while the people of the land represent the opposition. In the book of Joshua, there are no benevolent rulers or royal city-states in the promised land. All are condemned by Yahweh and thus require extermination under the ban.

The book of Joshua underwent a revision when it was placed in its present narrative context. Th is resulted in a series of internal repetitions and confl icting themes, some of which are identified by Smend as the DtrN redaction in Josh 1:7-9; 13:2b-6; and 23. These texts reinterpret the story of Joshua with the insertion of two themes: First, the unconditional divine promise in the book of Joshua is qualified as a conditional promise based on law in conformity with the book of Deuteronomy; and second, the total conquest of the land is reinterpreted as a partial conquest, bringing the book into conformity with the book of Judges.

(…)

The modifications create the conflict in theme over the scope of the conquest, yet they also allow the book to function ambiguously in its present literary context as a hinge between the Pentateuch and the Former Prophets. The theme of the total conquest of the promised land encourages a reading of Joshua as the completion of the Pentateuch, while the theme of the partial conquest ties the book more closely to Deuteronomy, while also allowing for the transition to Judges.

O mundo das origens de Israel, segundo Mario Liverani

LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008, p. 59-80.

Capítulo 2: A transição (século XII)LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008

Anotações de leitura

 

1. Uma crise multifatorial

Liverani começa o capítulo falando resumidamente das pesquisas sobre a ocupação da terra de Canaã e das principais teorias hoje existentes sobre as origens de Israel

Uma apresentação das teorias pode ser conferida em minha “História de Israel” online, no capítulo sobre as origens de Israel.
. a teoria da conquista
. a teoria da instalação pacífica
. a teoria da revolta
. a teoria da evolução pacífica e gradual

Mas, segundo Liverani este é um fenômeno complexo, e talvez uma só teoria não seja suficiente para explicar as origens de Israel. Ele propõe que os especialistas, deixando de contrapor uma a outra, deveriam utilizá-las todas “para compor um quadro multifatorial próprio de um fenômeno histórico complexo” (p. 60).

Há uma grande crise socioeconômica na Idade do Bronze Recente [Bronze Recente=1550-1150 a.C.].

Observo que Eric H. Cline, em 1177 B.C.: The Year Civilization Collapsed. Princeton: Princeton University Press, 2014, faz um ótimo estudo sobre o colapso das grandes civilizações do antigo Oriente Médio no Bronze Recente. Uma apresentação do livro pode ser conferida em 1177 a.C.: o ano em que a civilização entrou em colapso.

Esta crise durou cerca de 3 séculos, de 1500 a 1200 a.C., assim como também cerca de 3 séculos vai durar a construção de uma nova ordem, de 1200 a 900 a.C.

Mas o momento mais agudo da crise foi na primeira metade do século XII (1200-1150 a.C.).

 

2. Fatores climáticos e migrações

Uma severa crise climática na região do Saara fez com que tribos líbias entrassem no vale do rio Nilo à procura de pastagens e água aí pelo fim do século XIII e início do século XII a.C. Os faraós Merneptah e Ramsés III se vangloriam de tê-las combatido.

Também na Anatólia houve uma sequência de anos muito áridos no final do século XIII, com escassas precipitações, provocando uma grave carestia, como atestam textos hititas, ugaríticos, egípcios e a moderna dendrocronologia.

CLINE, E. H. 1177 B.C.: The Year Civilization Collapsed. Princeton: Princeton University Press, 2014A tudo isso se somou a pressão dos “povos do mar”, o fenômeno mais impressionante desta época.

Anoto que sobre os “povos do mar” é preferível consultar Eirc H. Cline, resumidamente, em 1177 a.C.: o ano em que a civilização entrou em colapso.

O resultado: Ugarit, Alashiya (Chipre) e toda uma série de reinos e cidades do Egeu, Anatólia, Síria e Palestina foram destruídos. “Todo o sistema político do Bronze Recente no Mediterrâneo oriental ruiu sob os golpes dos invasores” (p. 63).

E acrescenta Liverani: “Certamente, a crise socioeconômica de longa data, a crise demográfica em curso, a indiferença da população camponesa pela sorte dos palácios reais e as recentes carestias foram outros tantos fatores de fraqueza para o mundo siro-palestino diante dos invasores” (p. 63).

Um dos povos do mar é conhecido através de textos bíblicos: os filisteus, que ocuparam a faixa costeira da Palestina entre o Egito e a Fenícia.

Sobre os filisteus, consultar:
. 1177 a.C.: o ano em que a civilização entrou em colapso
. Os filisteus e a crise da idade do bronze
. DNA indica origem europeia dos filisteus

 

3. A queda do sistema regional

O quadro político da Palestina mudou muito com a queda do sistema regional que era estruturado pelos reinos de Hatti, Egito, Assíria e Babilônia.

O império hitita foi totalmente destruído, o Egito recuou de suas possessões na Ásia, Assíria e Babilônia encolheram.

Depois de séculos, a Palestina se viu livre de controle externo que lhe havia sido imposto pelo Egito a partir do faraó Tutmósis III (1479-1425 a.C.)

 

4. A crise dos palácios

Na Palestina, o sistema dos palácios foi destruído e, com ele, desabam as estruturas administrativas, artesanais e comerciais.Batalha naval dos egípcios contra os povos do mar em imagem de Medinet Habu

Diz Liverani: “Muitos palácios reais e cidades palestinas do Bronze Recente foram destruídos durante as invasões ou depois delas: a relação seria longa. Praticamente todos os sítios arqueológicos pesquisados apresentam um quadro de destruição situado no início do século XII” (p. 68).

Como as destruições não estão “assinadas”, várias hipóteses já foram levantadas para explicar o fenômeno, entre elas: povos do mar, tribos proto-israelitas, intervenções egípcias, guerras locais, revolta de camponeses.

Mas o importante é o quadro de conjunto: “Um quadro de destruição geral da instituição palatina e, portanto, de um tipo de reino baseado na centralidade do palácio” (p. 68). Somente uns poucos núcleos de urbanização ficaram intocados pela crise.

Com a redução do tamanho do núcleo palatino, cidades sobreviventes viram povoados (vilas). “A redução é óbvia: basta tirar de uma cidade do Bronze Recente o palácio real, as habitações dos altos funcionários e da aristocracia militar, as oficinas dos artesãos, os arquivos e as escolas para obter uma grande vila semelhante às outras (p. 69).

 

5. O crescimento do elemento tribal

À destruição do sistema palatino segue-se um processo de sedentarização de tribos pastoris, documentado nos novos assentamentos do Ferro I. “À crise do palácio, com suas relações hierárquicas, serviu de contrapeso a consolidação da tribo, com suas relações de parentesco” (p. 70).

Nos povoados consolidam-se grupos de parentesco estáveis, formando unidades territoriais. É o que chamamos de clã. Grupos vizinhos se unem, formando o que chamamos convencionalmente de tribos. Matrimônios cruzados, necessidades de defesa, relações de trabalho, relações de hospitalidade, por exemplo, fortalecem estes laços.

Liverani observa que todas as relações sociais são apresentadas segundo o modelo genealógico: “O nome da vila é (ou pelo menos é assim interpretado) o do chefe de que todos os habitantes descendem por ramos familiares. E todos os epônimos das vilas serão considerados os filhos ou talvez os netos do epônimo tribal” (p. 70). Um epônimo é um fundador real ou mítico de uma família, clã, tribo, dinastia ou cidade e que lhe dá seu nome.

Mas é um modelo artificial: as vilas e as famílias são aparentadas não porque têm um único antepassado comum, mas porque se tornaram parentes através de matrimônios cruzados.

O fato é que assentamentos agrupados por este sistema de parentesco tomam uma dimensão tal que podem se apresentar como alternativa ao sistema político palatino. Este é um fenômeno documentado também na Síria, não é exclusivo da Palestina.

Portanto, a crise leva a uma nova ordem baseada na solidariedade de parentesco.

 

6. A mudança tecnológica

Esta época é marcada por inovações tecnológicas de grande impacto:
. a fabricação de ferramentas e armas de ferro, material mais resistente e mais fácil de ser obtido do que o bronze
. o alfabeto substitui a escrita cuneiforme e torna a escrita mais acessível a um grupo maior de usuários
. a domesticação do camelo e do dromedário e seu uso como animal de carga amplia o comércio
. o uso do cavalo como montaria muda as táticas de guerra
. a navegação em alto-mar é aprimorada
. a agricultura em região montanhosa se torna possível com a construção de terraços que evitam a erosão dos terrenos
. a água é recolhida e guardada em cisternas impermeabilizadas

Escavações no cemitério filisteu de AscalonLiverani, entretanto, nos alerta de que “esse conjunto de inovações não se desenvolveu de repente nem ao mesmo tempo: algumas técnicas foram se firmando progressivamente no tempo (ferro, alfabeto), outras eram recorrentes no tempo (socalcos, cisternas), outras ocorreram mais tarde (sistemas hídricos montanhosos) (…), mas todas juntas caracterizam o período do Ferro em relação ao período do Bronze e devem ser levadas em consideração para compreender a diferente ordem territorial e a diferente cultura material” (p. 78).

O resultado, como notado mais à frente, nas p. 81-82 desta mesma obra, é o crescimento do número de assentamentos nas montanhas, que saltam de 29 sítios no Bronze Recente para 254 no Ferro I na Cisjordânia e de 32 para 218 na Transjordânia.

 

7. Horizontes ampliados

Ocorre a ampliação e a homogeneização no uso do território. Diz Liverani: “Na Palestina foi se configurando uma nova ocupação territorial que se estendeu aos planaltos e às estepes semiáridas, bem diferente da ocupação do Bronze Recente, toda concentrada somente nas áreas facilmente utilizáveis para a agricultura” (p. 78).

Quanto aos assentamentos: cidades menores, povoados (vilas) em crescimento.

Assim a Palestina se vê no centro de uma rede de vias e trocas comerciais de longa distância, tanto na costa mediterrânea como na Transjordânia.

Entretanto a região montanhosa fica à margem deste processo, pois é rodeada, mas não cruzada, pela principais vias por onde circulam as mercadorias.

A invenção da conquista, segundo Mario Liverani

LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008, p. 331-355.

Capítulo 14 – Sobreviventes e estranhos: a invenção da conquistaLIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008

Mario Liverani faz uma demolição radical da conquista narrada no livro de Josué. Ele desmantela, ponto por ponto, a conquista de Josué.

Ele diz, por exemplo:

:. Sobre a conquista:
A história narrada no livro de Josué não somente não é confiável ao reconstruir uma mítica “conquista” do século XII, mas nem sequer é confiável ao reconstruir os episódios do regresso dos séculos VI-V. É um manifesto utópico que pretende dar força a um projeto de regresso que naqueles termos jamais se verificou (p. 333).

La storia narrata nel libro di Giosuè non solo non è attendibile nel ricostruire una mitica «conquista» del XII secolo, ma non è neppure attendibile nel ricostruire le vicende del rientro del VI-V secolo. È un manifesto utopico che intende dar forza ad un progetto di rientro che in quei termini non si è mai verificato.

:. Sobre os povos vencidos:
Extermina-se quem não existe – e o fato de não existirem demonstra que foram exterminados (p. 339).

Si stermina chi non c’è – e il fatto che non ci sia dimostra che lo si è sterminato.

:. Sobre o propósito do autor:
Legitimação arquetípica da posse da terra de Canaã (p. 339).

Legittimazione archetipica del possesso della terra di Canaan.

 

Algumas anotações de leitura:

1. As etapas do regresso

Os “pactos” ou “promessas” de Iahweh a Abraão e a Moisés correspondem aos editos dos reis persas no nível jurídico: fornecem a legitimação para o regresso e a posse da terra. As tradições patriarcais podiam ser invocadas como prefigurações de uma primeira presença no país, mas também podiam ser invocadas pelos remanescentes como como modelo de convivência entre grupos diversos e complementares. Assim, as tradições patriarcais fornecem, segundo Liverani, um modelo “fraco” de regresso do exílio, com pequenos grupos que ocupam espaços da terra de Yehud sem maiores conflitos com as populações locais.

Mas este não é o único modelo: a narrativa da conquista, como aparece no livro de Josué, fornece um modelo “forte” de regresso do exílio, permitindo a eliminação das populações estranhas no território de Yehud. Este modelo, defendido por grupos de linha dura, propagandeava um fechamento em relação aos povos “estranhos”.

Mas como ter-se-ia dado o regresso do exílio? Possivelmente nem “fraco” nem “forte” apenas. De modo algum unitário, mas complexo e lento. Agora, um evento militar que teria varrido o território está fora de questão.

A volta não é apenas da Babilônia, como se costuma pensar. A realidade é mais complexa e caótica. Há refugiados também no Egito, nos territórios palestinos antes ocupados pela Assíria e na Transjordânia. Os grupos que voltam do exílio têm motivações e interesses diversos. Voltam aos poucos, é preciso pensar em um regresso escalonado no tempo. Um cenário possível: grupos de pessoas amparadas financeiramente pelos que decidiram ficar na diáspora, mas que apoiam uma reocupação da terra judaíta.

Os textos sinalizam um grupo liderado por Sasabassar; outro liderado por Zorobabel e Josué, que pode ter vindo em 521 a.C., segundo ano de Dario I; outros grupos na época de Artaxerxes, 446 a.C., quando se mencionam Esdras e Neemias; outros mais tarde ainda. Mas, em nenhuma circunstância, aconteceu uma “conquista” do território na volta do exílio.

Por isso, “a história narrada no livro de Josué não somente não é confiável ao reconstruir uma mítica ‘conquista’ do século XII, mas nem sequer é confiável ao reconstruir os episódios do regresso dos séculos VI-V. É um manifesto utópico que pretende dar força a um projeto de regresso que naqueles termos jamais se verificou” (p. 333).

 

2. A Palestina no período dos aquemênidas

Um quadro dos assentamentos na época dos aquemênidas, especialmente no século V a.C., mostra uma faixa costeira mais densamente habitada e uma população bem ativa no comércio e na política local, em oposição a uma rala população na região montanhosa, que é a do assentamento judaico, o Yehud.

Estimativas arqueológicas sugerem uma pequena população judaíta, na região montanhosa, com cerca de 12 mil pessoas entre 550-450 a.C. e com cerca de 17 mil pessoas entre 450-330 a.C. Na região de Samaria: cerca de 42 mil pessoas.

Por que este quadro? Claramente a administração persa investiu na zona costeira da Palestina e, especialmente, da Fenícia, mais estratégica, construindo fortalezas, centros administrativos, urbanística planejada e instalações portuárias, deixando o interior montanhoso ir em frente com seus próprios recursos.

 

3. Os povos intrusos

A terra para onde regressam os descendentes dos exilados estava ocupada por vários grupos, como os que, escapando das deportações, nunca saíram de suas terras, os deportados de outras proveniências, os assentados durante o período assírio, as populações limítrofes que se deslocaram ou se expandiram para a terra.

Com a história de uma antiga conquista que elimina os povos residentes tenta-se negar o direito destes vários grupos à terra.

Os povos citados nesta antiga conquista originária são cananeus, heteus , amorreus, ferezeus, heveus e jebuseus.

Esses povos, com exceção dos cananeus, são fictícios, enquanto os povos reais da época do Ferro I [Ferro I=1150-900 a.C.], como fenícios, filisteus, edomitas, moabitas, amonitas, arameus e árabes não são mencionados.

Por que o destaque dado aos cananeus e por que é o único não anacrônico no final do Bronze Recente [Bronze Recente=1550-1150 a.C.]? Por ser um termo genérico, sem característica etnolinguística e unidade política, usado para as populações da região de Canaã, como o fazem os testemunhos egípcios.

Essas listas de supostos povos pré-israelitas, com exceção dos cananeus, não têm ligação alguma com a realidade histórica da Palestina, seja no século XIII (conquista), seja no século V (reocupação da terra pelos sobreviventes do exílio).

Ou seja: “extermina-se quem não existe – e o fato de não existirem demonstra que foram exterminados” (p. 339).

 

4. A fórmula do êxodo

“Outro elemento fundamental na legitimação arquetípica da posse da terra de Canaã, ao lado da teoria dos povos intrusos, é o da chegada de fora e da conquista armada, em cumprimento da promessa divina. As sagas sobre os ‘Patriarcas’ forneciam uma legitimação insuficiente, já que muito remota e localizada somente em alguns lugares-símbolo (os túmulos, as árvores sagradas). Um protótipo bem mais poderoso da conquista do país é posto em prática com a história do êxodo (ṣē’t, e outras formas de yāṣā’ ‘sair’) do Egito, sob a guia de Moisés, e da conquista armada, sob a guia de Josué” (p. 339).

Mario Liverani (nascido em Roma, em 1939)Saída (êxodo) não implica necessariamente deslocamento físico, mas saída de uma dependência política. Textos do Bronze Recente nas regiões da Síria e da Fenícia, por exemplo, indicam deslocamentos de soberania que não implicam nenhum deslocamento físico das populações envolvidas, mas sim o deslocamento da fronteira política.

Esta linguagem metafórica, porém, fica mais dramática, e passa a significar uma situação concreta, quando os assírios operaram as deportações cruzadas dos dominados no final do século VIII a.C. Liverani calcula que esta prática assíria de “deportação cruzada” de populações, envolveu, ao longo de três séculos, algo como 4 milhões e meio de pessoas no antigo Oriente Médio (cf. p. 193).

A fórmula do êxodo (algo como: Eu [Iahweh] vos fiz sair do Egito para vos fazer habitar nesta terra que vos dei) vai ser ligada a outras fórmulas, como a transumância pastoril patriarcal entre o Sinai e o delta do Nilo e o trabalho forçado dos hapiru nos empreendimentos dos raméssidas no Egito.

Isso faz do êxodo uma história de fundação do povo e do novo êxodo uma saída da diáspora assíria e babilônica. Observe-se que o Israel do êxodo reflete um povo formado, mostrando um quadro muito mais da volta do exílio do que das origens de Israel.

 

5. Moisés, o deserto e os itinerários

Falando da travessia do deserto, Liverani faz um paralelo entre a narrativa de Êxodo-Números e a volta dos descendentes dos exilados da Babilônia, concluindo que a narrativa do êxodo é apenas uma metáfora da difícil travessia da Babilônia para Yehud. Ao tratar das murmurações do povo contra Moisés e do relato dos exploradores da terra de Canaã, ele diz:

“Em ambos os casos, o povo se pergunta se não terá sido um erro dar ouvidos a Moisés (= aos sacerdotes), abandonar o Egito (= Babilônia), para procurar uma terra mais dura e difícil, habitada por populações hostis e violentas. É claro que os dois motivos, da sedição e dos exploradores, refletem debates que devem ter acontecido entre quem propugnava o retorno e quem manifestava perplexidade ou sem dúvida preferia ficar numa terra de exílio que se mostrara habitável e próspera” (p. 344).

Ele conclui também que a descrição do itinerário do Egito a Canaã seguido por Israel, além de artificial, serve principalmente para criar uma ambiente adequado para a inserção de normas legais que têm outras origens e momentos. Pois observa-se que quase todas as leis são, em sucessivas redações destes textos, inseridas, em algum momento, entre a saída do Egito e a entrada em Canaã.

 

6. O difícil assentamento

Ao partir do pressuposto de que a narrativa da conquista de Josué foi construída para servir de modelo para a reconquista do território por parte dos sobreviventes do exílio na época persa, a figura de Josué deve ser lida também como um modelo para os chefes que guiaram os sobreviventes da Babilônia para Yehud. Será coincidência chamar-se o líder sacerdotal desta volta também Josué?

Liverani também trata das dificuldades enfrentadas por Neemias para reconstruir as muralhas de Jerusalém. Dizem os livros de Esdras e Neemias que uma coalização de líderes da região tentou de todos os modos impedir a reconstrução das muralhas, alegando que a história de Jerusalém era uma história de rebeldia e isso era prejudicial aos interesses persas na região.

 

7. Josué e a “guerra santa”

A narrativa das conquistas de Josué, na visão de Liverani, reúne três diferentes sagas – as conquistas do centro, sul e norte de Canaã – para passar a ideia de uma conquista total. Os descendentes dos exilados eram, e não podia ser diferente, apenas de Judá e de Benjamin, apenas duas das doze tribos. Ao passar a ideia de uma conquista ampliada e total do território, os redatores estão defendendo uma solução extremista na reconstrução do território de Yehud.

O maior testemunho disso é a ideia do hérem, “anátema”, ou guerra santa de extermínio, defendida pelos redatores deuteronomistas. Exterminada a população, suas cidades, casas e campos, já prontos, ficam à disposição dos recém-chegados. Liverani vê nisso o reflexo da realidade assíria de deportações cruzadas, aqui utilizada, como modelo utópico na relação do povo “eleito” com os povos “estranhos”. Modelo nunca realizado por Israel nem em suas origens nem em seu regresso do exílio. Que, como já se viu, não era o único modelo existente. Assim, mais uma vez, o texto nos fornece muito mais informações sobre a ideologia de quem o formulou, do que sobre acontecimentos históricos.

 

8. Paisagem e etiologia

“Além de ocupada por povos-fantasma, destinados à eliminação física para dar lugar aos recém-chegados, a Palestina estava também constelada de cidades em ruína que se prestavam a narrativas ‘etiológicas’ que explicassem esse estado ruinoso, mediante a ação de antigos heróis” (p. 350). Há muitas ocorrências de etiologia: “e (tal está assim) até o dia de hoje” – Js 4,9;5,9;6,25;7,26;8,28-29;9,27;10,27 etc.

Há uma chave litúrgica na apresentação de alguns fatos, como a tomada de Jericó (Js 6), a travessia do Jordão (Js 3-5). Além do que, cidades de Jericó e Ai não podem ter sido conquistadas nesta época, pois Jericó foi destruída no século XIV a.C. e não há indícios de destruição nos séculos XIII-XII a.C., nem de reocupação; Ai (= ruína) também já fora destruída muito tempo antes, no III milênio.

E há compromisso e convivência, pois nem todos os grupos “estranhos” foram eliminados. Há grupos que exigem histórias arquetípicas de assimilação, sendo típico o caso dos gabaonitas (Js 9), podendo ser a citação de um grupo submisso à corveia para o santuário de Jerusalém na época pós-exílica.

Morreu Hector Avalos

Nascido em 1958, em Nogales, no México, morreu Hector Avalos em 12 de abril de 2021, aos 62 anos de idade, em Ames, Iowa, USA.

Hector Avalos era professor na Iowa State University, no Departamento de Filosofia e Estudos Religiosos. Avalos publicou trabalhos em áreas como a relação entreHector Avalos: 1958-2021 violência e religião, ciência e religião, saúde no mundo antigo e outros temas.

Há alguns posts sobre Avalos no Observatório Bíblico, como:

Avalos publica livro contra os estudos bíblicos – 07.07.2007

Lemche para Avalos: os estudos bíblicos são necessários – 23.10.2010

Avalos para Lemche: os estudos bíblicos devem mudar – 31.10.2010

Roland Boer: considerações sobre o debate Lemche-Avalos – 17.11.2010

Avalos responde a seus críticos – 04.12.2010

Morreu Hans Küng

Morreu ontem, dia 6 de abril de 2021, aos 93 anos de idade, o teólogo Hans Küng.

Há no Observatório Bíblico muitos posts sobre Hans Küng. Confira aqui.

Quando estudante na Universidade Gregoriana, a partir de 1970, fui cativado pelo pensamento de Hans Küng.Hans Küng: 1928-2021

De 21 a 29 de outubro de 2007 Hans Küng fez, em várias universidades brasileiras, uma série de palestras em torno do tema Ciência e fé – por uma ética mundial.

Leia mais sobre Hans Küng aqui.

 

Comunicado da Stiftung Weltethos:

Faleceu o teólogo Prof. Dr. Hans Küng

Lamentamos a perda de nosso fundador e presidente de longa data, Hans Küng. Ele faleceu pacificamente em sua casa em Tübingen em 6 de abril de 2021 com 93 anos de idade.

Hans Küng viu desde cedo a necessidade de um ethos para toda a humanidade. Com o projeto de Ética Mundial, ele finalmente criou a base para uma consciência dos valores comuns fundamentais em todas as partes da sociedade e para uma coexistência pacífica e respeitosa além das fronteiras de religiões, culturas e nações. Um projeto que hoje é mais importante do que nunca – e que o acompanhou e o manteve ocupado até sua morte.

Tendo em vista a visão de esperança de Hans Küng “para tornar o mundo um lugar melhor”, é uma honra para a Fundação Ética Mundial poder continuar o trabalho de sua vida. Vamos mantê-lo, levá-lo adiante e desenvolvê-lo ainda mais, e nos curvamos em gratidão ao seu grande fundador.

 

Theologe Prof. Dr. Hans Küng verstorben

Wir trauern um unseren Gründer und langjährigen Präsidenten Hans Küng. Er ist am 06. April 2021 im Alter von 93 Jahren friedlich in seinem Haus in Tübingen verstorben.

Schon früh sah Hans Küng die Notwendigkeit eines Ethos für die Gesamtmenschheit. Mit dem Projekt Weltethos schuf er letztlich die Grundlage für ein Bewusstsein grundlegender gemeinsamer Werte in allen Teilen der Gesellschaft sowie für ein friedliches und respektvolles Miteinander über die Grenzen der Religionen, Kulturen und Nationen hinweg. Ein Projekt, das auch heute wichtiger ist, denn je – und ihn bis zu seinem Tod begleitete und beschäftigte.

Mit Blick auf Hans Küngs Hoffnungsvision „To make the world a better place“ ist es für die Stiftung Weltethos eine Ehre, sein Lebenswerk fortführen zu dürfen. Wir werden es in seinem Sinne bewahren, weitertragen und weiterentwickeln und wir verneigen uns in Dankbarkeit vor dessen großartigem Begründer.

06/04/2021

Quem eram os filisteus?

Quem eram os filisteus? – 3 de março de 2021

Um vídeo no canal Patheos do YouTube, onde Andrew Mark Henry explica quem eram os filisteus.

Este episódio faz parte de uma série chamada Excavating the History of the Bible: What Archeology Can Teach Us About the Biblical WorldEscavando a história da Bíblia: o que a arqueologia pode nos ensinar sobre o mundo bíblico. A série começou em 17 de fevereiro de 2021.

O episódio analisa testemunhos arqueológicos egípcios sobre os filisteus, bem como apresenta evidências que demonstram que eles eram migrantes em Canaã, viajando pelo Mediterrâneo a partir do mundo do Egeu. A seção final examina algumas das dificuldades que os estudiosos encontram ao tentar comparar a narrativa bíblica com o registro arqueológico.

 

Who Were the Philistines? March 3, 2021

This episode examines another arch-rival of the Israelites: The Philistines. The episode explores our earliest evidence of the Philistines from Egypt as well as lays out the evidence demonstrating that they were migrants to Canaan, traveling over the Mediterranean from the Aegean world. The final section examines some of the difficulties scholars encounter trying to compare the biblical narrative with the archaeological record.