Leitura socioantropológica da Bíblia Hebraica

Leitura socioantropológica da Bíblia Hebraica. Cadernos do Cearp, Ribeirão Preto, n. 11, p. 75-98, 1999.

Philip R. Davies, exegeta britânico, ao falar dos métodos usados na leitura da Bíblia nas últimas duas décadas, sugere que a combinação das abordagens literárias e sociológicas apresenta hoje o mais promissor caminho para o avanço dos estudos da Bíblia Hebraica. É que estas abordagens examinam não somente a literatura e a realidade social de Israel, mas também as forças sociais subjacentes à produção da literatura bíblica, onde se distingue a sociedade que está por trás do texto da sociedade que aparece dentro do texto. Além disso, sublinha ainda Philip R. Davies, estas abordagens situam Israel no seu contexto histórico apropriado e questionam preconceitos teológicos que, frequentemente, estorvam os especialistas em exegese bíblica.

Na mesma direção sinaliza Norman K. Gottwald, quando diz que a leitura sociológica fecha a porta “firme e irrevogavelmente, às ilusões idealistas e supernaturalistas que ainda impregnam e enfeitiçam nossa perspectiva religiosa”, quando abordamos um texto bíblico. E acrescenta: “Cumpre que tanto Iahweh como ‘seu’ povo sejam desmistificados, desromantizados, desdogmatizados e desidolizados. Somente quando realizarmos esta desmitologização da fé javista, e dos seus derivados judaico e cristão, seremos capazes, aqueles dentre nós que foram formados e alimentados por esses símbolos judeus e cristãos curiosamente ambíguos, de alinharmos coração e cabeça, de combinarmos teoria e prática”.

Vale lembrar aqui outro aspecto: a aplicação das Ciências Sociais ao estudo da Bíblia vem conseguindo responder satisfatoriamente a questões que a clássica “teologia bíblica” não conseguiu abordar de modo adequado até agora.

É igualmente importante salientar que a leitura sociológica da Bíblia está relacionada especialmente com os métodos histórico-críticos e com a leitura popular. Na medida em que toda abordagem sociológica de um texto histórico é também uma abordagem histórica, a leitura sociológica tem complementado e corrigido a leitura histórico-crítica. Especialmente importante é a percepção de que sua colaboração se faz necessária quando a historiografia não se contenta em descrever as ações dos grupos dominantes de determinada sociedade, mas a história quer revelar a atividade total de um povo. Do mesmo modo, a leitura popular que vem sendo feita entre nós se beneficia das contribuições das Ciências Sociais. No estudo do contexto em que foram escritos os textos bíblicos, por exemplo, costuma-se olhar os quatro lados da situação enfocada: os lados econômico, social, político e ideológico. Esta é uma atitude sociológica, entre outras que poderiam ser aqui citadas.

É sobre esta atitude que David J. Chalcraft, organizador de um livro sobre a aplicação das Ciências Sociais ao Antigo Testamento, diz: “A crítica social científica não deve se restringir a modelos e teorias preditivas no seu esforço para reconstruir o que está ‘atrás dos textos’: mais do que isso, ela abarca toda uma série de questões, teorias, conceitos e metodologias. Ela, e isso é o mais importante, implica em ‘modos de pensar’ sociológico e antropológico”*.

Este artigo foi publicado na Ayrton’s Biblical Page. Confira: Leitura socioantropológica da Bíblia Hebraica. A bibliografia foi atualizada em 2012.

Lembro que este texto está presente também no seguinte livro:

DIAS DA SILVA, C. M., com a colaboração de especialistas, Metodologia de exegese bíblica. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 355-450.

* Cinco notas de rodapé, presentes nesta introdução, foram aqui omitidas.

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