A denúncia profética da corrupção no Sl 12

A denúncia profética da corrupção (Salmo 12). Vida Pastoral, São Paulo, n. 141, p. 2-6, 1988.

1. Do mestre de canto. Para instrumentos de oito cordas. Salmo. A Davi.

2. Socorro, Javé! O fiel sumiu!

Desapareceu a fidelidade entre os homens:

3. cada qual mente ao seu próximo

com lábios enganadores e segundas intenções.

4. Que Javé corte todos os lábios enganadores

e a língua arrogante

5. dos que dizem: “Nossa força está na língua

e nossas armas são os lábios;

quem poderá nos dominar?”

6. Javé declara: “Agora me levanto para defender

os pobres oprimidos e os necessitados que gemem;

vou salvar quem quer ser salvo!”

7. As palavras de Javé são palavras sinceras,

prata pura, sem impureza,

sete vezes refinada.

8. Sim, Javé, tu nos guardarás,

livrando-nos para sempre desta gente:

9. por toda parte rondam os injustos,

quando a corrupção é exaltada entre os homens.

I. O SALMO 12 E A CORRUPÇÃO EM ISRAEL

1. O salmo 12 é uma exortação profética

Dizem os especialistas que este é um salmo de exortação profética contra os ímpios. O profeta, no meio da multidão reunida para uma festa, denuncia os infiéis à aliança por seus atos, sobretudo a injustiça e a apostasia. Outros quatorze salmos poderiam ser classificados da mesma maneira (Cf. Marina Mannati. Les Psaumes I. Paris: Desclée de Brou­wer, 1966, p. 57-59; Para rezar com os Salmos. São Paulo: Paulinas, 1981, p. 69).

Vamos acompanhar a leitura do salmo 12 com dois olhares: um voltado para o passado, outro para o presente. No passado, vamos investigar o contexto, o sentido e as propostas do salmo 12. No presente, abordaremos o tema da corrupção, tratado pelo salmo, e tão em evidência nos dias que correm.

Pois, como diz Ivo Storniolo, este salmo nos convida “a olhar para o fracasso e a derrota, o sofrimento e a marginalização do povo, aceitando o desafio de descobrir as estruturas do mal, escondidas por trás das estruturas e instituições da sociedade e da política internacional” (Luís Alonso Schökel e Ivo Storniolo. Salmos e Cânticos, a oração do povo de Deus. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 548).

Encontramos o assunto do Sl 12 em vários profetas. Com destaque para Oseias, Miqueias, Jeremias e Trito-Isaías.

Em Os 4,1-3, por exemplo, o profeta observa que a aliança javista não é mais respeitada no norte do país. Isto se manifesta como ausência de integridade e solidariedade nas relações sociais. Por isso aumentam o perjúrio, o assassínio, o roubo, o adultério.

Mq 7,1-7, no sul, denuncia o desaparecimento da fidelidade e da justiça na sua época. E garante que existe tremenda aptidão de seus contemporâneos para o exercício do mal:

“Para fazer o mal as suas mãos são hábeis:

o príncipe exige,

o juiz julga por suborno

e o grande expressa a sua ambição” (v. 3).

Oseias e Miqueias pertencem ao século VIII a.C. Jeremias é do século seguinte. Mas a corrupção continua. É só ler Jr 7,1-15 e 9,1-8. São duas intervenções do profeta na época do governo de Joaquim (609-598 a.C.), quase no final do reino de Judá, destruído poucos anos mais tarde. Em ambas ele denuncia o engano e a corrupção reinantes no país. O tema da língua/palavra, usada como arma destruidora, é central nas palavras do profeta.

“A radiografia impiedosa e pessimista que Jeremias faz da sociedade de seu tempo é, na prática, a mesma que o nosso salmista registra amargamente também para o seu tempo” (Gianfranco Ravasi. Il libro dei Salmi I. Bolonha: EDB, 1981, p. 244).

Mas também no imediato pós-exílio um profeta anônimo, hoje citado como Trito-Isaías, grita:

“O direito foi expelido,

a justiça se pôs à distância

porque a verdade estrebuchou na praça

e a retidão não pode apresentar-se” (Is 59,14).

Vemos, em todas estas passagens proféticas, a denúncia da prática da injustiça e da violação do direito, acobertadas pelo próprio poder e mistificadas por um discurso enganador.

Estes paralelos levam-nos a pensar numa possível situação para o surgimento do Sl 12. Durante uma festa, como em Jr 7,1-15, um profeta adverte Israel contra a infidelidade à aliança (vv. 2-3). Consciente de seus danos, ele se dirige a Javé (vv. 4-5) pedindo justiça. Transmite, em seguida, na forma de um oráculo, a resposta solene de Deus (v. 6), terminando em sábio comentário (vv. 7-9).

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