Talvez isto pudesse – mutatis mutandis, ou seja, uma vez efetuadas as necessárias adaptações – ser aplicado também aos nossos biblioblogs e suas listas “top prá cá, top prá lá”… incluído x excluído… quantidade e popularidade x qualidade… e muitas geringonças e gambiarras mais…
É que acabei de ler o artigo de Vladimir Safatle, Avaliar para moldar, publicado por CartaCapital hoje, 07/07/2011. Trata das avaliações educacionais, especialmente dos rankings internacionais de avaliação universitária. E mostra os mecanismos de controle social presentes em sua aparente neutralidade e objetividade.
Cito alguns trechos:
“Vivemos a era em que as avaliações educacionais são normalmente vendidas como métodos neutros de descrição, como fotografias de situações claramente objetivas e não problemáticas. Nesse sentido, os que são contra as avaliações só poderiam, na verdade, querer esconder alguma forma de inaptidão ou incompetência. Ao menos, é assim que o debate é normalmente posto quando se discutem as avaliações universitárias. Talvez fosse o caso de perguntarmos, porém, se uma boa parte da resistência de setores universitários a certos regimes de avaliação não viria da compreensão de que avaliar é, muitas vezes, uma maneira mais silenciosa de impor um modelo. Quando se trata da vida universitária, avaliações que se dizem neutras são, muitas vezes, maneiras de privilegiar certos tipos de pesquisa, desqualificar outros, decidir sobre como as universidades devem se desenvolver e decidir seus critérios de relevância. Um exemplo privilegiado desse passe de mágica são os chamados rankings internacionais de avaliação universitária. Por meio de tais rankings, vende-se a possibilidade de sabermos quais seriam as melhores universidades do mundo, quais seriam os verdadeiros centros de excelência. Eles são, muitas vezes, usados por administrações universitárias e por instâncias governamentais para justificar o destino ou o corte de verbas, assim como para justificar intervenções na estrutura acadêmica” (…)
“Estes e outros sistemas de avaliação não nasceram, como era de se esperar, de um debate amplo, constante e sempre reversível entre os vários campos de pesquisa que compõem a vida universitária. Eles não foram o resultado de discussões, mais do que necessárias, entre várias universidades no mundo que procurariam expor as características de suas tradições de pesquisa” (…)
“Em larga medida, tais problemas são de origem, pois tais rankings foram sintetizados por áreas específicas de pesquisa (ciências exatas e biológicas) em universidades anglo-saxãs e, em um segundo momento, tentou-se impô-los, com alguns ajustes, para outras áreas e outros países. Não por acaso, nações com forte tradição universitária e capacidade de influência, como França e Alemanha, estão normalmente mal posicionadas em tais rankings” (…)
“Quem mais sofreu com isso foram as chamadas ciências humanas. Não porque as ciências humanas (…) seriam ‘menos científicas’ do que a física ou a biologia ou ‘menos importantes’ (…) Na verdade, elas têm uma dinâmica de pesquisa e impacto que merece ser compreendido em sua especificidade”.
“Há um exemplo paradigmático nesse sentido. Normalmente, tais rankings se propõem a avaliar a produção acadêmica a partir do total de artigos publicados em revistas indexadas ou a partir dos índices de citações a artigos e autores. Mas o que um índice de citações retrata? Poderíamos dizer que um artigo é mais citado, circula mais, devido à sua qualidade. Isto é, porém, simplesmente falso. O maior número de citações indica que o artigo foi lido por mais pessoas e conseguiu inserir-se em uma das redes hegemônicas de pesquisa em determinado momento”.
“Lembremos aqui de duas variáveis que interferem diretamente nessa circulação. A primeira refere-se à intervenção de forças econômicas na pesquisa acadêmica [como a indústria farmacêutica](…) Outra variável importante para determinar a circulação de um artigo é a língua [sublinhado meu]. Um artigo em inglês sempre circulará mais que outro escrito em uma língua “exótica” como o português, mesmo se o primeiro for pior que o segundo. Claro que alguém pode perguntar: então, por que não escrevemos todos nossos artigos em inglês? Podemos fazer como os holandeses, os finlandeses e outros, que resolveram esse problema sem muita confusão. Mas vejam que interessante. Se os nossos pesquisadores publicassem suas produções basicamente em revistas acadêmicas e em inglês, a universidade ficaria, de uma vez por todas, de costas para a sociedade. Nossa produção nem sequer seria escrita na língua de nossa sociedade, nessa língua em que a nossa opinião pública constitui seus debates e sua esfera de reflexão. Assim, a universidade realizaria, de vez, seu divórcio, dialogando apenas dentro de seus muros. Muros esses que se repetiriam em cada país de língua não inglesa” (…)
“Boa parte dos rankings internacionais nem sequer avalia livros, com sua força natural para romper os muros da academia. Ou seja, se você publicou um livro em uma editora renomada como a Cambridge University Press, depois de anos de pesquisa, isso, inacreditavelmente, não será levado em conta. Mesmo aqueles rankings que avaliam livros avaliam mal, dando peso reduzido a eles em comparação a um artigo acadêmico. Nada justifica tal aberração, já que boas editoras têm comitês de leitura de alto nível, como qualquer revista acadêmica. A única justificativa é: trata-se de impor uma concepção de universidade, na qual a capacidade de intervenção na vida social não é mais importante. Mas a questão é: a quem interessa uma universidade assim? Por que deveríamos nos pautar por esse modelo?”
Leia o texto completo.
Quem é Vladimir Pinheiro Safatle, Professor do Departamento de Filosofia da USP? Consulte seu Currículo Lattes.