CENTRO BÍBLICO VERBO Levanta-te e vai à grande cidade: Entendendo o livro de Jonas. São Paulo: Paulus, 2010, 128 p. – ISBN 9788534926362
Por Anderson Luís Moreira
Há alguns anos o Centro Bíblico Verbo vem produzindo junto com a editora Paulus a Coleção “Do povo para o povo”, sempre com os livros bíblicos indicados pela CNBB para o Mês da Bíblia. As obras da coleção apresentam uma introdução geral ao livro bíblico e cinco encontros a serem realizados como círculo bíblico. A cada encontro sempre há uma explanação geral do texto bíblico com sua contextualização histórica e social, discussão do texto bíblico pelos participantes, momento celebrativo e um anexo em que são discutidos os aspectos exegéticos, históricos e teológicos de maneira mais aprofundada.
Neste breve texto pretende-se apresentar alguns pontos relevantes acerca do livro de Jonas levantados na obra “Levanta-te e vai a grande cidade: entendendo o livro de Jonas”. Maria Antônia Marques e Shigeyuki Nakanose, assessores do Centro Bíblico Verbo, são os responsáveis pelo texto.
Não se sabe ao certo a autoria do livro de Jonas. Ele não seria do círculo dos sacerdotes, pois não cita o Templo, nem os cultos e sacrifícios. Provavelmente foi construído pelos sábios de Israel, que conheciam a tradição do seu povo e dos povos estrangeiros, sendo-lhes favoráveis. Quanto à sua data, é provável que seja do final da época persa, já que possui várias palavras de origem aramaica, língua oficial do período persa; por causa da teologia e da compreensão universalista de Deus, surgida apenas no pós-exílio; e por causa da alusão a costumes persas. Quanto ao estilo, o livro possui elementos próprios de novela, parábola, sátira e midraxe.
Em relação à estrutura do livro, o livro de Jonas pode ser visualizado em duas cenas paralelas uma com a outra. Assim temos:
:: Primeira cena – capítulos 1 e 2: no mar
A – 1,1-3: Javé envia Jonas para pregar em Nínive, mas ele foge.
B – 1,4-16: A tempestade no mar: Javé, Jonas, o capitão, os marinheiros.
C – 2,1-11: A oração de Jonas e a resposta de Javé: pela palavra e pela natureza.
:: Segunda cena – capítulos 3 e 4: em terra
A – 3,1-4: Novamente Jonas é enviado para Nínive e lá prega a destruição.
B – 3,5-10: A ação dos ninivitas – homens, mulheres, rei e animais – e o perdão de Deus.
C – 4,1-11: A oração de Jonas e o questionamento de Javé a Jonas.
Em relação à mensagem do livro, o autor de Jonas ironiza o comportamento do judeu nacionalista e tem um olhar favorável aos estrangeiros. A resistência de Jonas representa aqueles grupos que não aceitam que Javé seja misericordioso com os povos estrangeiros. Deus, ao contrário, é apresentado como alguém que vê e se arrepende do mal, que não é insensível à vida do povo, mas que se deixa comover, da mesma maneira que o Deus do êxodo.
Porém, para melhor compreendermos a mensagem da obra é necessário que nos detenhamos no contexto em que ela foi produzida, como já dissemos, no final da época persa. É neste período que os exilados voltam para casa e têm a permissão e o apoio para a reconstrução do Templo (em 515, sob Dario I).
O grupo que voltou do cativeiro veio com o apoio do Império. Eles se consideravam o verdadeiro Israel e legítimos donos da terra. Em Judá eles acabaram entrando em conflito com o povo que ficou na terra, e com outros grupos, como moabitas e amonitas. Neste período se consolidou a compreensão teológica de que o povo de Israel era o único povo santo, escolhido e privilegiado por Deus. Porém, somente o grupo que voltou do exílio poderia ser considerado o verdadeiro Israel. A visão nacionalista acabava por excluir os estrangeiros e os pobres que haviam ficado na terra.
No exílio, os sacerdotes que organizavam parte dos sobreviventes na Babilônia eram sadoquitas. Quando retornaram para Jerusalém construíram uma teocracia ao redor do Templo reconstruído. No pós-exílio, a figura do sumo sacerdote se tornou muito importante.
A cidade de Jerusalém e o Templo tornaram-se o centro de poder político e econômico (o Templo era o único lugar da manifestação de Deus). A Lei de Deus se tornou lei real e apropriada pelos grupos sacerdotais oficiais do Templo (sadoquitas), tornando-se, dessa maneira, instrumento de opressão política, religiosa e econômica. Os sacrifícios se multiplicaram e as leis da pureza assumem um rigorismo jamais visto e atinge a todas as pessoas (ser puro significava pertencer ao povo eleito e cumprir todas as exigências da Lei, principalmente as leis da pureza). Jonas representa as pessoas que acreditavam que o Templo era o único lugar da presença de Deus e defendiam a teologia oficial: a eleição do povo de Israel, a centralização da vida judaica no Templo, as leis da pureza e a teologia da retribuição (Deus abençoa uma pessoa pura com riqueza, saúde, vida longa e descendência, e a pessoa impura é castigada com pobreza, doença e sofrimento).
É no pós-exílio que começa um processo de exclusão até chegar à eliminação do estrangeiro. A idéia de povo eleito e santo, que inicialmente possibilitou manter a coesão e a identidade do judeu no exílio, agora provoca o fechamento e isolamento de outros povos e do povo judeu que havia ficado na terra. Contudo, sempre houve uma corrente contrária à exclusão dos estrangeiros, como podemos perceber nos livros de Jó, Jonas, Rute, do Terceiro Isaías (Is 56-66) e em alguns salmos.
Assim, a teologia presente no livro de Jonas está na contramão da teologia oficial. O livro surge como resposta aos conflitos gerados pela oficialização da teologia racial e nacionalista em Jerusalém, no pós-exílio. Jonas representa o grupo nacionalista de Jerusalém, bem estabelecido economicamente, que discrimina os estrangeiros convertidos. Por isso, desde o início do livro, Jonas tenta fugir da presença de Deus e de sua missão.
No trecho de Jn 1,4-16 Javé é concebido como uma divindade universal, já que age fora de Israel e através dos elementos da natureza. Jonas é insensível aos acontecimentos e às pessoas, só deseja fugir de sua missão. Enquanto isso, os marinheiros e o capitão são descritos como pessoas íntegras e justas.
Em Jn 2,1-11, temos a oração de Jonas, que deve ter sido acrescentada ao livro posteriormente, já que sua teologia é diferente daquela do resto do livro. Ser engolido pelo peixe (ou ‘peixe fêmea’ – é no ventre de uma fêmea o lugar onde se gera uma nova vida) mostra que a descida para dentro de si mesmo não foi suficiente para Jonas mudar o seu ponto de vista. Uma boa ironia: nem o peixe aguentou Jonas.
Em Jn 3,1-10, Jonas é convocado por Javé para a missão com as mesmas palavras do primeiro capítulo. Nínive era símbolo da opressão e violência das potências estrangeiras. Quando o livro foi escrito, ela já não existia há mais de dois séculos, podendo, dessa forma, ser identificada com qualquer centro estrangeiro da época.
Em seu anúncio, Jonas não menciona o nome de Javé. O texto não fala de ninguém que tenha abandonado seus deuses. Na verdade, é a vida que precisa ser transformada, é o abandono do caminho perverso e da violência de suas mãos. O relato de Jonas tem assim a intenção de provocar a conversão na cabeça de seus ouvintes. É um chamado para os israelitas aceitarem que o seu Deus é Deus de todas as nações e não fechar o diálogo com as cidades estrangeiras do final do Império Persa, que poderão se converter de sua maldade e violência.
No trecho de Jn 4,1-11, Jonas sente um grande desgosto e fica irado. Sendo inteligente, ele compreende que a misericórdia do Deus de Israel se estende a todos os povos, apesar de não conseguir aceitar essa realidade. Depois, Jonas apieda-se de uma planta. Ora, como ele pode ter pena de uma planta, que é considerada um objeto, e Javé não pode ter pena dos habitantes de uma cidade inteira e dos animais? A pergunta fica sem resposta. O final aberto do último versículo é um convite para o leitor continuar a reflexão e se posicionar.
Assim, como Jonas foi chamado a ir à grande cidade e ali anunciar, também somos chamados a anunciar o Reino de Deus nas nossas realidades, e, principalmente, nos grandes centros urbanos. O livro do Centro Bíblico Verbo vem ajudar-nos, iluminando-nos com o texto bíblico, a confrontar nossas vidas com a Palavra de Deus, levando-nos também à missão “na grande cidade” do mundo.