Veja e a construção do neoliberalismo no Brasil

Veja foi indispensável para construir o neoliberalismo’, afirma pesquisadora

A professora do curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) Carla Luciana Silva passou meses dedicando-se a leitura paciente de pilhas de edições antigas da revista Veja. A análise tornou-se uma tese de doutorado, defendida na Universidade Federal Fluminense, e agora, em livro. “Veja: o indispensável partido neoliberal (1989-2002)” (Edunioeste, 2009, 258 páginas) é o registro do papel assumido pela principal revista do Grupo Abril na construção do neoliberalismo no país. A hipótese defendida pela professora Carla é que a revista atuou como agente partidário que colaborou com a construção da hegemonia neoliberal no Brasil [sublinhado meu]. Carla deixa claro que a revista não fez o trabalho sozinha, mas em consonância com outros veículos privados. Porém, teve certo protagonismo, até pelo número médio de leitores que tinha na época – 4 milhões, afirma Carla em seu livro. “A revista teve papel privilegiado na construção de consenso em torno das práticas neoliberais ao longo de toda a década. Essas práticas abrangem o campo político, mas não se restringem a ele. Dizem respeito às técnicas de gerenciamento do capital, e à construção de uma visão de mundo necessária a essas práticas, atingindo o lado mais explícito, produtivo, mas também o lado ideológico do processo”, afirma trecho do livro. A entrevista foi concedida a Lia Segre do Observatório do Direito à Comunicação e reproduzida pelo Brasil de Fato em 13/05/2010.

 

A entrevista

 

Uma verba invejável

Sobre o título do livro, por que ‘indispensável’? É uma brincadeira com o slogan da Veja ou reflete a importância da revista para o avanço do neoliberalismo no Brasil?

Carla Luciana Silva – O título é uma alusão ao slogan da revista e ao mesmo tempo nos lembra que ela foi um sujeito político importante na construção do neoliberalismo. A grande imprensa brasileira foi indispensável para que o neoliberalismo tenha sido construído da forma que o foi. A Veja diz ser indispensável para o país que queremos ser. A pergunta é: quem está incluído nesse ‘nós’ oculto? A classe trabalhadora é que não é.

Quais os interesses defendidos por Veja?

C.L.S. – Os interesses são os dominantes como um todo, mais especificamente os da burguesia financeira e dos anunciantes multinacionais. Em que pese o discurso de defesa da liberdade de expressão articulado à publicidade, o que importa para a revista são os interesses em torno da reprodução capitalista. A revista busca se mostrar como independente, o que se daria através de sua verba publicitária. É fato que a revista tem uma verba invejável, mas isso não a transforma no Quarto Poder, que vigiaria os demais de forma neutra. Ao mesmo tempo em que ela é portadora de interesses sociais, faz parte da sociedade, a sua vigilância é totalmente delimitada pela conjuntura e correlação de forças específica. O exemplo mais claro são as denúncias de corrupção e forma ambígua com que Veja tratou o governo Collor, o que discuto detidamente no livro.

 

Privatização do ensino é uma meta

Isso significa defender atores e grupos específicos? E, ao longo dos anos, estes atores mudam?

C.L.S. – Essa pergunta é mais difícil de responder, requer uma leitura atenta, a cada momento histórico especifico. A revista não é, por definição, governista [no período estudado]. Ela é defensora de programas de ação. No período analisado (1989-2002), sua ação esteve muito próxima do programa do Fórum Nacional [www.forumnacional.org.br] de João Paulo dos Reis Velloso. Ela busca convencer não apenas seus leitores comuns, mas a sociedade política como um todo e também os gerentes capitalistas.

E que relação Veja estabelece com grupos estrangeiros?

C.L.S. – Essa é outra pergunta que requer atenção e mais estudos. O Grupo Abril não é um grupo ‘nacional’. Suas empresas têm participação direta de capital e administração estrangeira. Primeiro, é importante ter claro que o Grupo Abril não se restringe a suas publicações. A editora se divide em várias empresas, sendo que a Abril é majoritariamente propriedade do grupo Naspers, dono do Buscapé [site de comparação de preços] e de empresas espalhadas pelo mundo todo, da Rússia à Tailândia. Essa luta pela abertura de capital [no setor das comunicações] foi permanente ao longo dos anos 1990 e a Abril foi o primeiro grande conglomerado [de comunicação] brasileiro a abrir seu capital legalmente. É bom lembrar que o grupo tem investido bastante também na área da educação, e por isso a privatização do ensino continua sendo uma meta a atingir.

 

Um aparelho privado de hegemonia

Aconteceram várias edições do ‘Fórum Nacional’ no período em que faz sua análise. Por que Veja defendeu com tanto afinco as resoluções, especialmente econômicas, saídas desse Fórum?

C.L.S. – O Fórum Nacional tem vários títulos. Eles [os integrantes do Fórum] foram se colocando ao longo dos anos, desde 1988, como intelectuais que pensam o Brasil e defendem programas de ação – as formas específicas de construção de um projeto sócio-econômico, que mudaram ao longo dessas duas décadas. Não existe um vínculo orgânico da revista com o Fórum, ao menos não o comprovamos, mas existe uma afinidade de programa de ação. A tentativa de reforma da Constituição em 1993 foi um bom exemplo, conforme desenvolvo no livro.

No livro, você aponta que a Veja ‘comprou’ as idéias no Fórum Nacional, transformando-as numa verdadeira cartilha econômica para salvar o Brasil no começo dos anos 90. Quais seriam os principais tópicos desta ‘cartilha’?

C.L.S. – O Fórum Nacional surgiu em 1988 como uma forma de organizar o pensamento e ação dominante. Ele se constituiu um verdadeiro aparelho privado de hegemonia, buscando apontar caminhos para a forma da hegemonia nos anos 1990. E existe até hoje, fazendo o mesmo. Portanto, ele não é apenas uma fórmula econômica, mas de economia política. Tratou de temas relevantes como ‘modernidade e pobreza’, ‘Plano Real’, ‘segurança’, ‘estratégia industrial’, ‘política internacional’, sempre trazendo intelectuais considerados top do pensamento hegemônico para ver, a partir de suas pesquisas, quais caminhos deveriam ser seguidos, não apenas pelos governos, mas também pela sociedade política, ditando os rumos da economia.

 

Compromisso com a privatização

Essa ‘cartilha’ econômica foi atualizada? Você se recorda de alguma campanha recente em que a revista tenha tomado a frente?

C.L.S. – A atualização é constante, mas não é uma cartilha. O Fórum e a revista são independentes um do outro, ao que parece, não há um vinculo orgânico. Mas Veja assumiu várias campanhas, sendo a principal delas a manutenção do programa econômico de Fernando Henrique durante todo o governo Lula. A blindagem feita ao presidente Lula da Silva foi imensa, especialmente se compararmos com o que foi feito do caso do mensalão ao que ocorreu no governo Fernando Collor. O que explica isso parece ser claramente a política econômica [de FHC e reproduzida por Lula] que garantiu lucros enormes aos bancos e a livre circulação de capitais, além de outras políticas complementares.

Qual foi a importância da revista para a corrente neoliberal desde Collor? Dá para mensurar?

C.L.S. – Foi muito importante, mas não dá pra mensurar. É importante que tenhamos claro que o neoliberalismo não é uma cartilha, por mais que se baseie em documentos como o Consenso de Washington, por exemplo. Ele não foi ‘aplicado’. Foi construído como projeto de hegemonia desde os anos 1980. A grande imprensa participou da efetivação de padrões de consenso fundamentais: as privatizações, o ataque ao serviço público, a suposta falência do Estado. É importante olharmos hoje, pós-crise de 2008, para ver que muitos desses preceitos são defendidos como saída da crise.

Qual a importância de Veja para as privatizações?

C.L.S. – Difícil medir dessa forma. Posso falar da importância das privatizações para Veja: elas precisavam acontecer de qualquer forma. E isso era um compromisso com o projeto que representava e com os seus interesses capitalistas específicos, do Grupo Abril. É bom lembrar que a criação de consenso em torno desse ideal foi importante para que o grupo pudesse abrir seu capital oficialmente ao capital externo.

 

A ‘porta-voz’ dos interesses da nação

Veja deixa de ser neoliberal para ser neoconservadora? Digamos assim, amplia sua atuação do debate econômico, fundamental à implantação do neoliberalismo, e passar a fazer campanhas também em outras pautas conservadoras?

C.L.S. – Não vejo essa distinção. Neoliberalismo foi um projeto de hegemonia, uma forma de estabelecer consenso em torno de práticas sociais específicas. A forma do capitalismo imperialista, portanto, não se restringe à economia. A política conservadora sempre esteve presente no neoliberalismo, haja visto a experiência de [Ronald] Reagan [presidente dos Estados Unidos] e [Margareth] Thatcher [primeira-ministra da Grã-Bretanha], a destruição do movimento sindical, a imposição do chamado pensamento único. Por esse caminho chegou-se a dizer que a história tinha acabado e que a luta de classes não fazia mais sentido. Os movimentos sociais foram duramente reprimidos e, além disso, se buscou construir consenso em torno de sua falência, o que foi acompanhado pelo transformismo dos principais partidos de esquerda, especialmente no Brasil. O que vemos hoje é a continuidade dessa política. Os dados dos movimentos sociais denunciam permanentemente o quanto tem aumentado a sua criminalização ao passo que os incentivos ao grande capital do agrobusiness só aumenta.

Existem diferenças muito contundentes entre a Veja de 89, a de 2002 e a de hoje?

C.L.S. – Há diferenças, claro. Havia, em 1989, um grau um pouco mais elevado de compromisso com notícias, com investigações jornalísticas, o que parece ter se perdido totalmente ao longo dos anos. A revista se tornou uma difusora de propagandas, tanto de governos como de produtos (basta ver as capas sobre Viagra ou cirurgias plásticas).

Já nos primeiros capítulos do livro, você chama atenção para o fato de Veja ser muito didática e panfletária quanto ao liberalismo. Ela deixou de fazer apologia ao neoliberalismo de maneira tão clara?

C.L.S. – Teria que analisar mais detidamente. Essa é uma coisa importante: sentar e ler detidamente, semanas a fio, para podermos concluir de forma mais segura a posição da revista.

Em algum momento do período analisado a revista foi muito atacada por alguma cobertura específica?

C.L.S. – Sim, a revista teve embates, especialmente com a IstoÉ e, posteriormente, com a CartaCapital. Essas revistas talvez tenham ajudado a tirar uma ou outra assinatura de Veja em conjunturas especiais. O caso Collor não é simples como parece. A revista Veja fazia campanha nas capas mostrando o movimento das ruas e dentro do editorial ia dizendo que o governo deveria ser mantido em nome da governabilidade. Foi quando isso se tornou insustentável que ela defendeu a renúncia do presidente (e não o impeachment). Mas depois, construiu uma bela campanha publicitária. A Abril colocou luzes verde-amarelas em seus prédios, lançou botton comemorativo, para construir memória, dizer que foi ela que derrubou Collor. O importante é a gente perceber que não é esse o movimento mais importante. O importante é a gente ter instrumentos contra-hegemônicos que nos permitam construir uma visão efetivamente critica do que está acontecendo. É importante ressaltar que ela [Veja] sempre fala como se fosse a porta-voz dos interesses da nação, do país, da sociedade, e como se não fosse ela portadora de interesses de classe.

 

Fontes: Notícias: IHU On-Line – 14/05/2010 e Observatório da Imprensa

O livro está disponível para download gratuito, em formato pdf, aqui.

Schillebeeckx: um artesão da aplicação do Concílio

Edward Schillebeeckx, um teólogo para hoje


Schillebeeckx “foi um pioneiro na busca de um novo paradigma em teologia, um paradigma hermenêutico que fosse adequado ao nosso estilo de modernidade e pós-modernidade.” Essa é a opinião do teólogo dominicano francês Claude Geffré, em artigo para o jornal Il Gallo, nº. 4, de maio de 2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

O teólogo dominicano Edward Schillebeeckx nos deixou no dia 23 de dezembro de 2009 aos 95 anos. Com ele, desapareceu um dos grandes teólogos católicos do século XX. Ele foi uma das testemunhas privilegiadas das expectativas da Igreja pré-conciliar, um especialista influente da obra do Vaticano II, um artesão incansável da acolhida do Concílio ao longo de todo o último terço do século XX. Como se sabe, com Yves Congar, Karl Rahner e Hans Küng, ele foi um dos fundadores, em 1965, da Revista Concilium, na qual publicou numerosos artigos que fizeram época.

Nascido em Anversa em 1914, entrou para os dominicanos em 1934, começou o seu ensino em Louvain. Mas, desde 1958, tornou-se titular da cátedra de teologia dogmática da Universidade de Nijmegen até a sua aposentadoria em 1983. Até os últimos anos da sua vida, a sua batalha de teólogo foi estreitamente ligada à grave crise que a Igreja holandesa atravessou na sua busca de renovação doutrinal e litúrgica no rastro do Concílio Vaticano II. Particularmente, ele foi um dos inspiradores do famoso Catecismo dos bispos holandeses.

Para entender a fundo o seu percurso intelectual, é útil lembrar que, no término dos seus estudos junto aos dominicanos de Louvain, ele residiu nos arredores de Paris, entre 1946 a 1947, junto às Faculdades Dominicanas de Le Saulchoir para preparar a sua tese de doutorado, que foi publicada em uma nova versão só em 1960, com o título “Le Christ, sacrement de la rencontre avec Dieu” (Paris, Ed. Du Cerf). Ele teve então a oportunidade de se encontrar com os padres Yves Congar e principalmente Marie-Dominique Chenu, ao lado dos quais adquiriu uma viva consciência da historicidade não só dos sistemas teológicas, começando pelo tomismo, mas também dos enunciados dogmáticos.

Frequentando, enquanto isso, os cursos da Sourbonne e da Ecole Pratique des Hautes Etudes, teve a possibilidade de se familiarizar com as principais correntes do pensamento contemporâneo, particularmente a fenomenologia do filósofo Maurice Merleau-Ponty.

O teólogo de Nijmegen nos deixou uma obra considerável. Por mais de 40 anos, ele foi o guia precioso de pelo menos duas gerações de professores e estudantes na Europa e nos Estados Unidos. Tomando distância pouco a pouco do neotomismo dos dominicanos de Louvain, foi um pioneiro na busca de um novo paradigma em teologia, um paradigma hermenêutico que fosse adequado ao nosso estilo de modernidade e pós-modernidade.

Em outros termos, a mensagem cristão sempre é objeto de uma interpretação, em estreita relação com a experiência histórica dos homens. Ele podia, então, escrever que “o cristianismo é menos uma mensagem em que se deve crer do que uma experiência de fé que se anuncia”. Não basta renovar a linguagem da fé para adaptá-la à sensibilidade contemporânea. É o próprio sentido da Revelação que deve ser condicionado pelo espírito humano em uma dada época histórica.

“Fedele alla fides quaerens intellectum” [fiel à fé que busca a inteligência] do seu mestre Tomás de Aquino, ele procurou apaixonadamente manifestar a pertinência da mensagem evangélica no contexto do hiperssecularismo e da morte de Deus. Principalmente após a sua primeira viagem aos Estados Unidos em 1966, parecia-lhe urgente – para além de todos os fundamentalismos – reinterpretar o sentido da Revelação em função de um novo momento da história do pensamento. Tornou-se, assim, o autor de uma teologia no rastro de uma correlação crítica recíproca entre a experiência fundamental da primeira comunidade cristã e a experiência histórica dos homens do nosso tempo.

Trata-se, portanto, de recolher os dados da exegese moderna para melhor discernir os elementos fundamentais da experiência cristã fundamental da primeira comunidade cristã… E, ao mesmo tempo, para um melhor diagnóstico da experiência histórica do homem da modernidade, ele leva em consideração as mais atualizadas ensaísticas no campos da fenomenologia, das ciências da linguagem, da psicologia, da sociologia e da teoria crítica da sociedade.

Assim, ao término de uma vastíssima pesquisa histórica sobre Jesus de Nazaré, Schillebeeckx é o autor de uma cristologia narrativa pré-dogmática. Ele pensava, com efeito, que a soteriologia deve preceder a cristologia. Ele não nega os grandes dogmas da tradição eclesial sobre o Cristo Senhor, mas pensa que eles devem ser reinterpretados à luz dos dados incontestáveis sobre o Jesus da história.

Por falta de traduções, conhece-se mal esse seu trabalho monumental sobre a cristologia, mas é possível se informar a respeito dele a partir de dois grandes volumes publicados nos Estados Unidos: “Jesus. An Experiment in Christology” (1961) e “Christ. The Experience of Jesus as Lord” (1990). Ele planejava escrever um terceiro volume consagrado à Igreja. Mas, cansado das controvérsias do pós-Concílio sobre a boa recepção do Vaticano II, renunciou ao projeto e propôs uma reflexão original sobre a salvação cristã para o homem de hoje.

Esse livro, traduzido ao inglês com o título “The human story of God” (1990), apareceria em francês pelas Editions du Cerf com o título “L`histoire des hommes récit de Dieu” (1992) e em italiano, publicado pela Queriniana, como “Umanità, la storia di Dio” (1992). Como indica o título, trata-se de interrogar-se sobre o modo em que Deus é contado na história humana. A Igreja é realmente o sacramento da salvação, mas o teólogo de Nijmegen tem a preocupação de mostrar que é toda a história humana, a das culturas e a dos movimentos de libertação e também a das religiões, que pode ser sacramento de salvação. Para além do eclesiocentrismo da teologia da Contra-Reforma, sintetizado pelo slogan “fora da Igreja não há salvação”, é preciso, ao contrário, dizer “fora do mundo não há salvação”.

Schillebeeckx demonstra como o Concílio Vaticano II tomou distância da identificação entre a Igreja Católica Romana e a Igreja corpo místico de Cristo e tira disso todas as suas consequências para o diálogo ecumênico e a teologia das religiões. Nesse sentido, ele inspira diretamente os trabalhos do colega jesuíta Jacques Dupuis que busca elaborar uma teologia das religiões entendida como teologia do pluralismo religioso.

O teólogo dominicano é, assim, o representante de uma teologia da salvação em ruptura com o catolicismo intransigente, que dominou o pensamento teológico até às vésperas do último Concílio, mas ele se referia à teologia dos Padres Gregos, a das sementes do Verbo. Em conclusão, a sua teologia da salvação é inseparável de uma teologia da criação, segundo a qual a história é uma teofania de Deus, toda vez que ela se move rumo á plenitude do homem autêntico. Como outros teólogos no irrequieto ambiente da revista Concilium, Schillebeeckx conheceu às vezes vivas tensões com o magistério romano.

Ele teve que responder às perguntas da Congregação para a Doutrina da Fé em 1968, em 1973 e em 1984. Foi a propósito dos seus trabalhos sobre a lei do celibato eclesiástico e, de modo mais grave, no tempo do seu posicionamento sobre o ministério ordenado e a presidência da eucaristia nas assembleias sem padre. A sua própria cristologia também suscitou inúmeras interrogações, mas ele soube responder com precisão às perguntas da Congregação para a Doutrina da Fé e, diferentemente de seu colega Hans Küng, nunca foi condenado.

Apesar das dificuldades e das suspeitas, ele sempre deu prova de uma grande serenidade e confiança indestrutível na sua missão de teólogo a serviço da Igreja. É por isso que, no momento de publicar um livro que é uma espécie de testamento espiritual, ele escolheu o título “Je suis un théologien heureux” (Cerf, 1995). Diante dos temíveis desafios da Igreja do século XXI, o teólogo dominicano não teve outra paixão durante toda a sua longa vida que responder à pergunta que ele formulava assim: “De que modo anunciar o Reino de Deus como salvação para o homem na nossa situação atual?”. E, concluindo um dos seus últimos artigos, em 2005, na revista Angelicum, escrevia: “Na convicção forte do fato de que o Deus vivo é um Deus dos homens, um `Deus humanissimus`, eu continuo sendo um crente otimista!”.

Fonte: Notícias: IHU On-Line – 14/05/2010