Faustino Teixeira comenta livro de Martini

Uma fé que transborda fronteiras: diálogos com o Cardeal Martini

“Em tempos de “inverno eclesial”, Martini aponta o sonho de uma Igreja corajosa e ousada. Tem no horizonte o impulso profético que sinaliza o desafio de transmitir aos outros não as decepções da vida, mas os sonhos mais decisivos. E esses sonhos “nunca envelhecem”, escreve Faustino Teixeira, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPCIR-UFJF).

Uma singular novidade nesse tempo do advento é a recente tradução do livro do Cardeal Carlo Maria Martini (1927- ), Diálogos noturnos em Jerusalém. Trata-se de uma iniciativa da editora Paulus, em colaboração com a Cátedra Carlo Maria Martini (PUC-RJ). A obra traduz o debate entre o eminente Arcebispo emérito de Milão e o pe. Jesuíta Georg Sporschill. No centro dos diálogos, o sonho comum em favor de uma Igreja aberta e a esperança na juventude. O lugar do encontro também foi significativo: a cidade de Jerusalém. Essa “cidade da paz” reflete o toque doloroso de um tempo de intransparências. Ali se experimentam tensões, conflitos e ódio inter-religioso. Mas também a esperança: a percepção de que o trabalho em favor da paz envolve sempre um “processo doloroso”. É a cidade onde “Deus toca o mundo”. O Cardeal Martini é uma das mais importantes figuras do cenário eclesial contemporâneo. Inserido na tradição jesuíta, foi Arcebispo de Milão entre os anos de 1980 e 2002, e por muitos anos um forte candidato à sucessão papal. Ao completar 75 anos de idade, deixou a diocese de Milão e passou a morar na casa dos jesuítas em Jerusalém, considerada a “cidade do seu primeiro amor”.

O título do livro é bem sugestivo. Os diálogos são noturnos, pois “a noite é tempo de escuridão, da imaginação, de sentidos mais aguçados”. E o meio da noite já anuncia o dia em seu momento virginal. Como sublinha Georg Sporchill no início da obra, “os diálogos em Jerusalém, realizados num lugar onde a história dos cristãos teve seu começo, são também diálogos sobre o caminho da fé em tempos de incerteza”. São inúmeros os temas tratados no livro, entre os quais o desafio da abertura corajosa da Igreja ao mundo e aos outros, o percurso que leva à intimidade com Deus e o encontro com o Jesus amoroso e solidário. Vamos nos deter em alguns tópicos particulares.

Em tempos de “inverno eclesial”, Martini aponta o sonho de uma Igreja corajosa e ousada. Tem no horizonte o impulso profético que sinaliza o desafio de transmitir aos outros não as decepções da vida, mas os sonhos mais decisivos. E esses sonhos “nunca envelhecem”. Confessa, porém, que não acalenta hoje muitos sonhos ou esperanças numa Igreja jovem: “Aos 75 anos me decidi a rezar pela Igreja. Olho para o futuro (…). A utopia é importante. Só quando você tem uma visão é que o espírito o eleva acima de querelas mesquinhas”.

Acredita também na possibilidade de uma Igreja mais sintonizada com o tempo, mais compreensiva e solidária, mais disponível aos apelos dos jovens, mais integrada à realidade da vida. De forma corajosa, aponta o desafio eclesial de encontrar uma palavra nova e um caminho melhor no campo da sexualidade e da família, para além dos limites definidos na Encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI (1968): “A Igreja recuperaria credibilidade e competência (…). Não podemos de modo algum esperar tanto tempo nos temas que tratam da vida e do amor”. Aborda igualmente questões candentes como o celibato – assinala que “nem todas as pessoas chamadas ao sacerdócio tenham este carisma” – a ordenação de homens casados, “experimentados e confirmados na fé”, e o homossexualismo, que a seu ver mereceria um tratamento mais sereno na Igreja. Para Martini, “A Igreja deve trabalhar em favor de uma nova cultura da sexualidade e do relacionamento”, e alimentar um profundo respeito à dignidade da pessoa humana, também no âmbito da sexualidade.

Em vários momentos do livro, o Cardeal Martini fala da importância do diálogo da Igreja com as diversas expressões religiosas e do desafio imprescindível de entrar no mundo do outro. As religiões têm, para ele, um papel essencial em nossos tempos: “Todas as Igrejas, todas as religiões têm como objetivo fazer o bem neste mundo, tornar o mundo mais luminoso”. Não há como manter-se fechado e enclausurado no círculo estreito de uma única tradição. Há que se deixar surpreender por Deus, pois “o Espírito sopra onde quer” e o “estupor pode também conduzir-nos a Deus”. Na visão de Martini, o desafio de ir ao encontro do outro, com atenção e delicadeza, traduz um dos caminhos que levam a Deus. Isso é viver verdadeiramente a abertura universal. Para superar a “estreiteza do coração” é necessário alargar as fronteiras: “Não se pode fazer um Deus católico. Deus está além dos limites e das definições que estabelecemos. Precisamos de limites na vida, mas não podemos confundi-los com Deus, cujo coração é sempre maior”.

Como reconhece o Cardeal Martini, as religiões são portadoras de um grandioso patrimônio espiritual: elas existem “para ajudar o maior número possível de pessoas a encontrar uma pátria em Deus”. Relata que em sua longa experiência encontrou amigos em distintas tradições religiosas, entre os quais estão “os anjos que podemos encontrar aqui na terra”. Foram experiências novidadeiras, mas que jamais o distanciaram do cristianismo. Sublinha que, ao contrário, esse convívio fraterno com os outros reforçou o seu amor à Igreja. O exercício de abertura dialogal com os outros, requer, porém, a presença de amigos que possam servir de guia nessa travessia. E esse caminho vai revelar novas e mais profundas facetas do ser cristão. Não há que temer os “estranhos”. O diálogo com o islã, foi um dos mais aprofundados por Martini. Nos tempos de sua atuação na diocese de Milão escreveu o clássico texto Nós e o Islã. O tema vem retomado no livro, trazendo facetas fundamentais que devem reger o diálogo entre as duas tradições religiosas. Assinala três fundamentais tarefas: em primeiro lugar a eliminação de preconceitos e imagens distorcidas construídas ao longo da história do cristianismo. Em segundo lugar, o reconhecimento das diferenças, mas também o desafio de afirmação da fé num único Deus. Em terceiro lugar, o exercício da práxis dialogal, da hospitalidade recíproca e da experiência comum de oração.

Toda essa abertura dialogal tem sua raiz na fé de Jesus e no seu testemunho essencial de hospitalidade inter-religiosa. Na abertura do livro, o pe. Georg Sporschill dizia que o Cardeal Martini nos possibilita um encontro peculiar com Jesus, a partir de uma perspectiva distinta da apresentada pelo Papa Bento XVI em seu livro sobre Jesus de Nazaré. O que há de singular aqui é o traço de Jesus “amigo dos publicanos e pecadores. Ele escuta as perguntas dos jovens. Ele provoca inquietação. Ele luta conosco contra a injustiça”. Para Martini, o que distingue o amor de Jesus é a sua experiência de amor que visibiliza o Deus misericordioso; e também a sua disponibilidade e abertura aos “estranhos”. Traz em sua vida um “amor aberto”. Jesus torna-se exemplo para o cristão que ousa corajosamente entrar em diálogo com os outros: “Jesus é nosso mestre nessa abertura aos ´estranhos`, que no seu tempo eram os pagãos e os soldados romanos”.

O Cardeal Martini sublinha em seu livro que o amor é o que há de mais essencial no nosso testemunho histórico, no nosso relacionamento humano. Seguindo a norma bíblica contida na versão original hebraica, há que amar o próximo, “porque ele é como tu”. E esse amor deve acontecer na atmosfera fundamental da bem-querença de Deus. Há que “buscar a Deus com sinceridade e prontos a nos entregar a ele”. E isso, para Martini, é “muito mais importante que uma exterior profissão de pertença religiosa”. Num tempo carente de vozes proféticas, o livro do Cardeal Martini revela-se auspicioso. Acende a chama de esperança nos cristãos que acreditam num novo modo de ser Igreja.

Fonte: Notícias – IHU On-Line: 20/12/2008

Leia Mais:
Diálogos Noturnos, de Carlo Martini, em português

Ecos de Darwin

IX Simpósio Internacional IHU Ecos de Darwin

:: Apresentação
Com o objetivo de debater a importância e as repercussões da obra de Charles Darwin por ocasião dos 200 anos de seu nascimento e dos 150 anos da publicação da primeira edição da Origem das Espécies, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU – conjuntamente com o PPG em Filosofia da Unisinos e com o apoio do Colégio Anchieta de Porto Alegre, promove o IX Simpósio Internacional IHU Ecos de Darwin a ser realizado na Unisinos, de 9 a 12 de setembro de 2009

:: Realização
Início: 09 de setembro de 2009
Término: 12 de setembro de 2009
Horário: conforme o programa
Duração total: 40 horas
Local: Anfiteatro Pe. Werner – Av. Unisinos, 950 – São Leopoldo – RS

:: Objetivo
. Expor as raízes históricas da teoria darwiniana na Origem das Espécies
. Discutir as implicações da revolução científica, metodológica e epistemológica do evolucionismo darwiniano
. Explorar as novas perspectivas epistemológicas, éticas, sociais e religiosas suscitadas pela discussão do pensamento darwiniano

:: Público-alvo
Professores (as), pesquisadores (as), estudantes universitários(as) e comunidade em geral

Mesters assessora Curso de Verão em Goiânia

Nos 20 anos do Curso de Verão em Goiânia, Mesters é o assessor

O Curso de Verão de Teologia e Educação Popular de Goiânia completa 20 anos e terá como seu assessor principal o frei Carlos Mesters. O curso se realiza de 5 a 10 de janeiro de 2009, na IFITEG 7ª. Criado em 1990, o Curso de Verão tem como meta a formação popular na esfera bíblica, teológica, pastoral e de compromisso ecumênico transformador em relação às Igrejas e à sociedade. Naquele ano, foi assumido pela Arquidiocese de Goiânia, como desdobramento do Curso de Verão do CESEP, São Paulo, que há dois anos vinha acontecendo no Auditório do Tuca-PUC e tinha como objetivo desafogar a grande demanda de São Paulo, acolhendo os interessados da região Norte e Centro-Oeste. No curso de 2009, frei Carlos Mesters, um dos mais conhecidos biblistas do Brasil, vai ajudar a refletir sobre Paulo e as comunidades, tema que se relaciona ao ano Paulino da Igreja Católica Romana, instituído para comemorar os 2000 anos do nascimento do apóstolo Paulo…

Fonte: CEBI – 16 de dezembro de 2008

De Asherah a asherah

Um artigo de Judith M. Hadley em The Bible and Interpretation, publicado agora, em dezembro de 2008, que pode interessar a estudiosos da área:

Evidence for Asherah

Asherah has appeared paired with Yahweh in positive ways. Furthermore, the early eighth century BCE prophets do not condemn Asherah worship. The worship of Asherah was evidently acceptable before the Deuteronomistic reform movement gained momentum in the seventh century BCE, but since the text of the Bible was significantly composed or edited by the Deuteronomistic school or even later, this fact is not immediately apparent.

E uma observação: Much of this article is an abridgement of Hadley 2000. Esta é uma referência a seu mais conhecido estudo sobre o assunto:

The Cult of Asherah in Ancient Israel and Judah: Evidence for a Hebrew Goddess. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, xv + 262 p. – ISBN 9780521662352.

Que por sua vez é resultado de sua dissertação produzida em Cambridge em 1989.

Em uma resenha publicada na CBQ 63, n. 3, July 2001, p. 520-521, William J. Fulco, da Loyola Marymount University, Los Angeles, CA, elogia muito o estudo de Judith M. Hadley e o considera indispensável para toda e qualquer pesquisa posterior sobre a religião de Israel no contexto do Antigo Oriente Médio.

Agradeço a Jim West, em cujo blog vi a dica.

Free Books in Biblical Studies and Related Fields

Uma lista de livros gratuitos online sobre Estudos Bíblicos e áreas afins. Alguns clássicos da história da exegese podem ser encontrados nesta lista, e só por isto ela já vale a pena.

A lista é baseada em Google Books ou Pesquisa de Livros do Google, Archive.org e outros sites. São livros disponíveis para leitura online, mas os que têm o nome do autor em vermelho permitem o download em formato pdf.

Lista compilada por Bob Buller, Danny Zacharias, Mark Vitalis Hoffman.

A list of Online Free Books in Biblical Studies and Related Fields. Google Books, Archive.org, & web-based content. By Bob Buller, Danny Zacharias, Mark Vitalis Hoffman.

Diálogos Noturnos, de Carlo Martini, em português

Paulus anuncia a publicação do mais debatido livro do biblista e cardeal Carlo Martini, Jerusalemer Nachtgespräche: Über das Risiko des Glaubens.

MARTINI, C. M.; SPORSCHILL, G. Diálogos noturnos em Jerusalém: Sobre o risco da fé. São Paulo: Paulus, 2008, 160 p. – ISBN 9788534929660


Leia Mais:
Conversazioni notturne a Gerusalemme
A travessia de Carlo Martini, biblista
Martini pide la reforma de la Iglesia
O testamento de Martini

Mario Liverani: História antiga de Israel

LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008, 544 p. – ISBN 9788515035557. 

As histórias do antigo Israel sempre foram concebidas como uma espécie de paráfrase da narrativa bíblica. Esta obra de Mario Liverani, porém, é uma tentativa de reescrita da história de Israel que leva em consideração os resultados da crítica textual e literária, as contribuições da arqueologia e da epigrafia e que foi desenvolvida segundo os critérios da moderna metodologia historiográfica.

Desta perspectiva resultam duas histórias: uma história normal dos dois pequenos reinos de Israel e Judá, semelhante àquelas de tantos outros pequenos reinos da região. E uma história inventada, construída pelos judaítas durante e após o exílio babilônico, que projetam no seu passado os problemas e as esperanças de sua época.

 

No trecho final da resenha da versão inglesa do livro Israel’s History and the History of Israel, London, Equinox Publishing, 2005, feita por Nadav Na’aman, Professor da Universidade de Tel Aviv, Israel, e publicada em 2006 pela Review of Biblical Literature (RBL), se lê:

Os autores da historiografia bíblica devem ser chamados de “historiadores” e suas obras de “história”? Os autores bíblicos fizeram um esforço para reunir todas as fontes disponíveis, verbais e escritas, e as utilizaram em suas próprias composições?

Liverani não aborda diretamente essas questões, mas o livro como um todo sugere que sua resposta é claramente não.

Na minha opinião, esta questão é o divisor de águas entre os chamados “maximalistas” e “minimalistas” e, nesse sentido, o trabalho de Liverani deve ser classificado como uma espécie de minimalismo.

Isso não significa que ele compartilhe das outras suposições dos estudiosos “minimalistas”. Pelo contrário, há uma enorme distância entre o trabalho de Liverani, que se baseia na suposição de que a historiografia bíblica foi escrita pelos descendentes da comunidade judaica na Babilônia com base em suas antigas raízes judaicas, e Philip R. Davies, que se baseia no suposição de que a história foi escrita pela “casta governante” de Yehud e seu governo, que empregou uma série de escribas para inventar um mito de origem a fim de criar uma identidade nacional para a comunidade mista que os persas estabeleceram em Yehud.

Do mesmo modo há muito pouco em comum entre Liverani, que data a historiografia bíblica da primeira metade do período persa, e N. P. Lemche, que a data do período helenístico.

Diferenças semelhantes separam “maximalistas” conservadores e críticos, e nenhuma linha clara pode ser traçada entre os estudiosos que apoiam qualquer uma das abordagens. A única linha que pode ser traçada é entre bons e maus historiadores, e os dois tipos podem ser encontrados em ambos os lados do debate acadêmico.

Em minha monografia sobre historiografia bíblica (O passado que molda o presente: a criação da historiografia bíblica no período tardio do primeiro templo e após a queda [hebraico] [Jerusalém, 2002]), dediquei um capítulo à maneira como o deuteronomista tratou seu fontes e concluí que ele fez um esforço para reunir tantas fontes quanto pôde e escreveu seu trabalho com base nessas fontes orais e escritas. Portanto, considero-me um “maximalista”, mas quando se trata da análise dos textos bíblicos e da reconstrução da história, minhas conclusões estão muito mais próximas das de Liverani do que das dos “maximalistas” conservadores.

O livro de Liverani é denso, repleto de dados relativos a todas as regiões do Antigo Oriente Médio, cobre a história das terras em ambos os lados do Jordão por cerca de oitocentos anos e não é fácil de ler (…) A obra é estimulante, original em todas as suas partes e contém muitos insights originais que sem dúvida fertilizarão todas as futuras discussões sobre a Bíblia como uma fonte para a história do antigo Israel.

Leia Mais:
Pode uma ‘História de Israel’ ser escrita?