Francisco denuncia a síndrome de Jonas

A síndrome de Jonas: o bispo de Roma chamou a atenção sobre uma atitude de religiosidade perfeita, que segue a doutrina, mas que não se preocupa com a salvação dos pobres. Disse: “A ‘síndrome de Jonas’ não tem zelo pela conversão das pessoas, busca uma santidade – permito-me a palavra – uma santidade de ‘lavanderia’, toda bonita, impecável, mas sem esse zelo que nos leva a anunciar o Senhor”.

:: Papa Francisco e a despaganização do papado – Leonardo Boff: Adital 13/10/2013

As inovações nos hábitos e nos discursos do Papa Francisco, abriram aguda crise nos arraiais dos conservadores que seguiam estritamente as diretrizes dos dois papas anteriores. Intolerável para eles foi o fato de ter recebido em audiência privada um dos inauguradores da “condenada” Teologia da Libertação, o peruano Gustavo Gutiérrez. Se sentem aturdidos com a sinceridade do Papa ao reconhecer erros na Igreja e em si mesmo, ao denunciar o carreirismo de muitos prelados, chamando até de “lepra” ao espírito cortesão e adulador de muitos em poder, os assim chamados “vaticanocêntricos”. O que realmente os escandaliza é a inversão que fez ao colocar em primeiro lugar, o amor, a misericórdia, a ternura, o diálogo com a modernidade e a tolerância para com as pessoas mesmo divorciadas, homoafetivas e não-crentes e só a seguir as doutrinas e disciplinas eclesiásticas.

Já se fazem ouvir vozes dos mais radicais que pedem, para o “bem da Igreja” (a deles obviamente) orações nesse teor: “Senhor, ilumine-o ou elimine-o”. A eliminação de papas incômodos não é raridade na longa história do papado. Houve uma época entre os anos 900 e 1000, chamada de a “idade pornocrática” do papado na qual quase todos os papas foram envenenados ou assassinados.

As críticas mais frequentes que circulam nas redes sociais destes grupos, historicamente velhistas e atrasados, vão na linha de acusar o atual Papa de estar dessacralizando a figura do papado até banalizando-o e secularizando-o. Na verdade, são ignorantes da história, reféns de uma tradição secular que pouco tem a ver com o Jesus histórico e com o estilo de vida dos Apóstolos. Mas tem tudo a ver com a lenta paganização e mundanização da Igreja no estilo dos imperadores romanos pagãos e dos príncipes renascentistas, muitos deles cardeais (…)

Os que querem a volta à tradição ritual que cerca a figura do Papa sequer tem consciência deste processo historicamente datado. Insistem na volta de algo que não passa pelo crivo dos valores evangélicos e da prática de Jesus.

Que está fazendo o Papa Francisco? Está restituindo ao papado e a toda a Hierarquia seu estilo verdadeiro, ligado à Tradição de Jesus e dos Apóstolos. Na realidade está voltando à tradição mais antiga, operando uma despaganização do papado dentro do espírito evangélico, vivido tão emblematicamente por seu inspirador São Francisco de Assis.

A autêntica Tradição está no lado do Papa Francisco. Os tradicionalistas são apenas tradicionalistas e não tradicionais. Estão mais próximos do palácio de Herodes e de César Augusto do que da gruta de Belém e da casa do artesão de Nazaré.

 

:: Papa está fazendo uma verdadeira revolução na igreja, afirma correspondente do El País – Edelberto Behs: ALC 15/10/2013

“Espero que não o matem”, disse o correspondente do jornal espanhol El Pais no Brasil, Juan Arias, referindo-se ao papa Francisco e a revolução que ele está provocando no Vaticano com o seu jeito simples de ser. O papa quer uma igreja voltada aos pobres (…)

“Francisco é um jesuíta e jesuítas são bem preparados. Ele viu que o único jeito de reconquistar a credibilidade é acabar com a velha igreja e voltar a Jerusalém, a Nazaré, a origem do cristianismo”, disse o jornalista espanhol. Por isso o papa quer uma igreja dos pobres, agregou.

Ele admitiu, contudo, que não será fácil para Francisco promover as mudanças na cúria romana, organismo que governa o Vaticano. “Sei que a parte que está perdendo o poder no Vaticano é muito forte, e vai ser muito difícil para ele (Francisco)”, admoestou.

 

:: Papa discretamente recebe o líder da Teologia da Libertação – Dermi Azevedo: Carta Maior 12/10/2013

O papa Francisco recebeu discretamente no Vaticano, há cerca de um mês, a visita do principal líder da Teologia da Libertação, o religioso peruano Gustavo Gutierrez (…) Gustavo tornou-se, nos anos 70, o primeiro teólogo a sistematizar essa corrente no interior da Igreja Católica Romana (…) Pela primeira vez, na história da Igreja Católica na América Latina, a doutrina foi sistematizada fora dos padrões e do controle do centro de poder romano. Isto aconteceu com o movimento teológico-político que se tornou conhecido como a Teologia da Libertação (TL), resultante de pesquisas, debates e de outras atividades de caráter ecumênico.

Leia o texto completo.

Leia Mais:
Francisco e Gustavo Gutiérrez
Francisco

Entrevista de Francisco a Scalfari

O proselitismo é uma solene besteira, não tem sentido. É preciso que nos conheçamos, nos escutemos e cresçamos no conhecimento do mundo que nos circunda. Acontece comigo que, depois de um encontro, tenho vontade de fazer outro, porque nascem novas ideias e se descobrem novas necessidades. Isto é importante: conhecer-se, ouvir, ampliar o horizonte dos pensamentos. O mundo é feito de estradas que nos aproximam e distanciam, mas o importante é que nos levem para o Bem… o nosso objetivo não é o proselitismo mas a escuta das necessidades, dos desejos, das desilusões, do desespero, da esperança. Devemos voltar a dar esperança aos jovens, ajudar os idosos, abrir para o futuro, difundir o amor. Pobres entre os pobres. Devemos incluir os excluídos e pregar a paz. O Vaticano II, inspirado pelo papa João e por Paulo VI, decidiu olhar para o futuro com espírito moderno e abrir-se à cultura moderna. Os padres conciliares sabiam que abrir-se à cultura moderna significava ecumenismo religioso e diálogo com os não-crentes. Desde então foi feito muito pouco nesta direção. Tenho a humildade e a ambição de querer fazê-lo. 


Disse-me o papa Francisco: O mais grave dos males que afligem o mundo nestes anos é o desemprego dos jovens e a solidão em que são deixados os idosos. Os idosos necessitam de cuidado e de companhia. Os jovens precisam de trabalho e de esperança, mas não têm nenhum dos dois. Diga-me: pode-se viver jogado fora do presente? Sem memória do passado e sem desejo de projetar-se no futuro construindo um projeto, um futuro, uma família? É possível continuar assim? Isto, segundo me parece, é o problema mais urgente que a Igreja tem pela frente.

Il proselitismo è una solenne sciocchezza, non ha senso. Bisogna conoscersi, ascoltarsi e far crescere la conoscenza del mondo che ci circonda. A me capita che dopo un incontro ho voglia di farne un altro perché nascono nuove idee e si scoprono nuovi bisogni. Questo è importante: conoscersi, ascoltarsi, ampliare la cerchia dei pensieri. Il mondo è percorso da strade che riavvicinano e allontanano, ma l’importante è che portino verso il Bene… il nostro obiettivo non è il proselitismo ma l’ascolto dei bisogni, dei desideri, delle delusioni, della disperazione, della speranza. Dobbiamo ridare speranza ai giovani, aiutare i vecchi, aprire verso il futuro, diffondere l’amore. Poveri tra i poveri. Dobbiamo includere gli esclusi e predicare la pace. Il Vaticano II, ispirato da papa Giovanni e da Paolo VI, decise di guardare al futuro con spirito moderno e di aprire alla cultura moderna. I padri conciliari sapevano che aprire alla cultura moderna significava ecumenismo religioso e dialogo con i non credenti. Dopo di allora fu fatto molto poco in quella direzione. Io ho l’umiltà e l’ambizione di volerlo fare.

Mi dice papa Francesco: I più gravi dei mali che affliggono il mondo in questi anni sono la disoccupazione dei giovani e la solitudine in cui vengono lasciati i vecchi. I vecchi hanno bisogno di cure e di compagnia; i giovani di lavoro e di speranza, ma non hanno né l’uno né l’altra, e il guaio è che non li cercano più. Sono stati schiacciati sul presente. Mi dica lei: si può vivere schiacciati sul presente? Senza memoria del passato e senza il desiderio di proiettarsi nel futuro costruendo un progetto, un avvenire, una famiglia? È possibile continuare così? Questo, secondo me, è il problema più urgente che la Chiesa ha di fronte a sé.

“A corte é a lepra do papado”, afirma Francisco
O La Repubblica, 01/10/2013, publica entrevista que o Papa Francisco concedeu ao jornalista Eugenio Scalfari fundador e diretor do jornal. Scalfari escreveu duas cartas a Bergoglio, as quais foram respondidas pelo próprio Papa.

Fonte: Notícias: IHU On-Line – 01/10/2013

Il Papa a Scalfari: così cambierò la Chiesa
Su Repubblica il dialogo con Francesco: “Ripartire dal Concilio, aprire alla cultura moderna”. Il colloquio in Vaticano dopo la lettera di Bergoglio pubblicata dal nostro giornale: “Convertirla? Il proselitismo è una solenne sciocchezza. Bisogna conoscersi e ascoltarsi”. “La Santa Sede è troppo vaticano-centrica. Basta cortigiani”

El Papa: así voy a cambiar la Iglesia
Diálogo entre Francisco y el fundador de La Repubblica Eugenio Scalfari: “La Iglesia tiene que sentirse responsable tanto de las almas como de los cuerpos”. Y dice: “Los Jefes de la Iglesia a menudo han sido narcisistas, adulados y malamente excitados por sus cortesanos. La corte es la lepra del papado”

The Pope: how the Church will change
Dialogue between Francis and La Repubblica’s founder, Eugenio Scalfari: “Starting from the Second Vatican Council, open to modern culture”. The conversation in the Vatican after the Pope’s letter to La Repubblica: “Convert you? Proselytism is solemn nonsense. You have to meet people and listen to them.”

Fonte: Eugenio Scalfari – La Repubblica – 01/10/2013

Leia Mais:
Entrevista de Francisco a Spadaro
L’intervista di Scalfari fa il giro del mondo

Sobre a entrevista de Francisco a Spadaro

Recomendo a leitura da entrevista de Francisco a Spadaro.

E, em seguida:

:: Sinodalidad y discernimiento, claves de lectura de la histórica entrevista papal – Religión Digital: José María Castillo y Juan Masiá 21/09/2013

:: O jesuíta e a conversa. Entrevista com Antonio Spadaro – Gian Guido Vecchi: Corriere della Sera – 20/09/2013. Em Notícias: IHU On-Line 21/09/2013

:: A entrevista com o papa “doce, doce…”, a exemplo de Pedro Fabro –  Marco Politi: Il Fatto Quotidiano –  20/09/2013. Em Notícias: IHU On-Line 21/09/2013

:: Papa Francisco busca o fim da retórica de confronto – Reinaldo José Lopes: Folha de S. Paulo – 20/09/2013

:: Papa sugere nova linha da Igreja para aborto, gays e contracepção – Philip Pullella: Valor 20/09/2013

:: A Jesuit reflects on the Jesuit pope’s interview by Jesuits – Thomas Reese: National Catholic Reporter –  Sep. 19, 2013

:: Dos preceitos e das condenações à salvação e à misericórdia. A entrevista do Papa Francisco – Andrea Tornielli: Vatican Insider – 19/09/2013. Em Notícias: IHU On-Line 21/09/2013

Entrevista de Francisco a Spadaro

O Papa Francisco concedeu, com exclusividade, uma entrevista a Antonio Spadaro, S.J., diretor da revista Civiltà Cattolica, que foi publicada simultaneamente em 16 revistas sob a responsabilidade de jesuítas, ontem, 19 de setembro de 2013.

São revistas centenárias, como a própria Civiltà Cattolica (Itália), Razón y Fe (Espanha), America (EUA), Études (França), Stimmen der Zeit (Alemanha), Thinking Faith (Grã-Bretanha), Mensaje (Chile).

Como afirma Spadaro, trata-se, na verdade, de uma entrevista-conversação. Foi um diálogo de mais de seis horas, ao longo de três encontros, nos dias 19, 23 e 29 de agosto de 2013.

 

“Procuremos ser uma Igreja que encontra caminhos novos”. Entrevista com o Papa Francisco

É segunda-feira, 19 de agosto. O Papa Francisco concedeu-me um espaço para uma entrevista às 10h, em Santa Marta. Eu, no entanto, talvez por herança paterna, sinto a necessidade de chegar sempre um pouco antes. As pessoas que me acolhem me fazem esperar em uma salinha. A espera dura pouco e, depois de poucos minutos, acompanham-me ao elevador. Em dois minutos me veio à memória a proposta que surgiu em Lisboa, durante uma reunião de diretores de algumas revistas da Companhia de Jesus. Ali surgiu a ideia de publicar, todas ao mesmo tempo, uma entrevista com o Papa. Falando com os outros diretores, formulamos algumas perguntas que pudessem expressar interesses comuns. Saio do elevador e vejo o Papa, que me espera já junto à porta. Na realidade, tenho a agradável impressão de não ter atravessado porta alguma.

Entro na sua sala e o Papa me convida para me sentar em uma poltrona. Seus problemas na coluna fazem com tenha que sentar em uma cadeira mais alta e rígida que a minha. O ambiente é simples e austero. Na mesinha, o espaço de trabalho é pequeno. Impressiona-me o essencial dos móveis e as outras coisas. Os livros são poucos, assim como os papéis e os objetos. Entre estes, uma imagem de São Francisco, uma estátua de Nossa Senhora de Luján, padroeira da Argentina, um crucifixo e uma estátua de São José surpreendido em sonho, muito parecida com a que vi em seu despacho de reitor e superior provincial no Colégio Máximo de San Miguel. A espiritualidade de Bergoglio não é feita de “energias em harmonia”, como ele as chamaria, mas de rostos humanos: Cristo, São Francisco, São José, Maria.

O Papa me acolhe com o mesmo sorriso que já deu voltas ao mundo e que abre os corações. Começamos a falar de muitas coisas, mas sobretudo da sua viagem ao Brasil. O Papa a considera uma verdadeira graça. Pergunto-lhe se já descansou. Ele me responde que sim, que se está bem, mas, sobretudo, que a Jornada Mundial da Juventude representou para ele um “mistério”. Diz-me que não estava acostumado a falar para tantas pessoas: “E costumo dirigir o olhar para as pessoas concretas, uma a uma, e colocar-me em contato de forma pessoal com que está à minha frente. Não sou feito para as massas”. Digo-lhe que é verdade, que se nota isso, e que a todos nos impressiona. Vê-se que, quando se encontra no meio das pessoas, na realidade coloca seus olhos sobre pessoas concretas. Como depois as câmaras projetarão as imagens e todos poderão contemplá-lo, fica livre para colocar-se em contato direto, pelos menos ocular, com quem está à sua frente. Tenho a impressão de que isto o satisfaz, isto é, poder ser quem é, não se sentir obrigado a mudar seu modo normal de se comunicar com os outros, nem sequer quando está diante de milhões de pessoas, como foi o caso na praia de Copacabana.

Antes que possa ligar o meu gravador falamos ainda de outra coisa. Comentando uma publicação minha, disse-me que os dois pensadores franceses contemporâneos de que mais gosta são Henri de Lubac e Michel de Certeau. Confesso-lhe também algo mais pessoal. E ele também começa a me falar de si e da sua eleição pontifícia. Diz-me que quando começou a dar-se conta de que poderia ser eleito – isso era na quarta-feira, 13 de março durante o almoço – sentiu que uma inexplicável e profunda paz e consolação interior o envolvia, junto com uma obscuridade total que deixava nas sombras o resto das coisas. E que estes sentimentos o acompanharam até a sua eleição.

Sinceramente, teria continuado a falar neste tom familiar por muito tempo, mas tomo as páginas com as perguntas que tenho anotadas e ligo o gravador. Antes de mais nada, agradeço-lhe em nome de todos os diretores das revistas da Companhia de Jesus que publicarão esta entrevista.

O Papa, pouco antes da audiência que concedeu aos jesuítas da La Civiltà Cattolica, me havia mencionado sua grande dificuldade para conceder entrevistas. Confessou-me que prefere pensar nas coisas mais que improvisar respostas no calor de uma entrevista. Sente que as respostas precisas lhe surgem quando já formulei a primeira: “Não me reconheci a mim mesmo quando comecei a responder aos jornalistas que me faziam suas perguntas durante o voo de volta do Rio de Janeiro”, disse. Mas é certo: ao longo desta entrevista o Papa se sentiu livre para interromper o que estava dizendo em sua resposta a uma pergunta, para acrescentar algo a uma resposta anterior. Falar com o Papa Francisco é uma espécie de fluxo vulcânico de ideias que se colam umas com às outras. O ato de fazer anotações produz em mim a desagradável sensação de estar interrompendo uma conversa espontânea. É óbvio que o Papa Francisco está mais acostumado à conversa do que à cátedra.

Quem é Jorge Mario Bergoglio?

Tenho uma pergunta preparada, mas decido não seguir o roteiro prefixado e a formulo um pouco à queima-roupa: “Quem é Jorge Mario Bergoglio?”. Fica me olhando em silêncio. Pergunto-lhe se é lícito fazer esta pergunta… Faz um gesto de aceitação e me diz: “Não sei qual possa ser a resposta mais correta… Eu sou um pecador. Esta é a melhor definição. E não se trata de um modo de falar ou um gênero literário. Sou um pecador”.

O Papa continua refletindo, concentrado, como se não tivesse esperado esta pergunta, como se fosse necessário pensá-la mais.

Sim, posso talvez dizer que sou um pouco astuto, sei mover-me, mas é verdade que sou também um pouco ingênuo. Mas a melhor síntese, aquela que me vem mais de dentro e que sinto mais verdadeira, é exatamente esta: “Sou um pecador para quem o Senhor olhou”. E repete: “Sou alguém para quem o Senhor olhou. Meu lema, ‘Miserando atque eligendo’, é algo que, no meu caso, senti sempre muito verdadeiro”.

O Papa Francisco tomou este lema das homilias de São Beda o Venerável que, comentando a passagem evangélica da vocação de São Mateus, escreve: “Jesus viu o publicano e, olhando-o com amor e escolhendo-o, disse: Segue-me”.

Acrescenta: “O gerúndio latino miserando me parece intraduzível tanto no italiano como no espanhol. Eu gosto de traduzi-lo com outro gerúndio que não existe: misericordiando”.

O Papa Francisco, seguindo o fio da sua reflexão, disse-me, dando um salto cujo sentido não consegui compreender de imediato: “Eu não conheço Roma. São poucas as coisas que conheço, entre estas está Santa Maria Maior: costumava ir ali sempre”. Rindo, digo-lhe: “Todos entendemos muito bem isso, Santo Padre!”. “Bom, sim – prossegue o Papa –, conheço Santa Maria Maior, São Pedro… mas quando vinha a Roma sempre ficava em Via della Scrofa. Dali ia com frequência visitar a igreja de São Luis dos Franceses e contemplar o quadro da vocação de São Mateus de Caravaggio”. Começo a intuir o que o Papa quer me dizer.

“Esse dedo de Jesus, apontando assim… para Mateus. Assim estou eu. Assim eu me sinto. Como Mateus”. E neste momento o Papa se decide, como se tivesse captado a imagem de si mesmo que andava buscando: “Me impressiona o gesto de Mateus. Aferra-se ao seu dinheiro, como dizendo: ‘Não, não a mim” Não, este dinheiro é meu!’. Este sou eu: um pecador a quem o Senhor dirigiu o seu olhar… Foi o que disse quando me perguntaram se aceitava a escolha para Pontífice”. E murmura: “Peccator sum, sed super misericordia et infinita patientia Domini nostri Jesus Christi confisus et in spiritu penitentiae accepto”.

Por que se fez jesuíta?

Dou-me conta de que esta fórmula de aceitação é para o Papa Francisco um documento de identidade. Nada mais a acrescentar. E continuo com a pergunta que tinha preparado como sendo a primeira: “Santo Padre, o que o levou a tomar a decisão de entrar na Companhia de Jesus? O que lhe chamava a atenção na Ordem dos jesuítas?

“Queria algo mais. Mas não sabia o que era. Havia entrado no seminário. Atraíam-me os dominicanos e tinha amigos dominicanos. Mas ao final escolhi a Companhia, que cheguei a conhecer bem, ao estar o nosso seminário confiado aos jesuítas. Da Companhia me impressionaram três coisas: seu caráter missionário, a comunidade e a disciplina. E isto é curioso, porque eu sou um indisciplinado nato, nato, nato. Mas sua disciplina, seu modo de ordenar o tempo, me impressionou muito”.

“E, depois, há algo fundamental para mim: a comunidade. Havia buscado desde sempre uma comunidade. Não me via sacerdote sozinho: tenho necessidade de comunidade. E isso fica claro com o fato de ter ficado em Santa Marta: quando fui eleito, ocupava, por sorteio, o quarto 207. Este em que nos encontramos agora é um quarto de hóspedes. Decidi morar aqui, no quarto 201, porque, ao tomar posse do apartamento pontifício, senti dentro de mim um ‘não’. O apartamento pontifício do Palácio Apostólico não é luxuoso. É antigo, grande e arrumado com bom gosto, não luxuoso. Mas em resumo é como um funil ao contrário. Grande e espaçoso, mas com uma entrada verdadeiramente muito estreita. Não é possível entrar, senão a conta-gotas e eu, na verdade, sem não consigo viver pessoas por perto. Necessito viver minha vida junto com os outros”.

Enquanto o Papa fala de missão e de comunidade, me vêm à cabeça tantos documentos da Companhia de Jesus que falam de “comunidade para a missão”, e os descubro em suas palavras.

E para um jesuíta, o que significa ser papa?

Quero seguir nesta linha, e lanço ao Papa uma pergunta que parte do fato de ele ser o primeiro jesuíta eleito Bispo de Roma: “Como entende o serviço à Igreja universal, que você foi chamado a desempenhar, à luz da espiritualidade inaciana? O que significa para um jesuíta ter sido eleito Papa? Que aspecto da espiritualidade inaciana lhe ajuda mais a viver seu ministério?”.

“O discernimento”, responde o Papa Francisco. “O discernimento é uma das coisas que Inácio elaborou mais interiormente. Para ele, é um instrumento de luta para conhecer melhor o Senhor e segui-lo mais de perto. Sempre me impressionou uma máxima com a qual se costuma descrever a visão de Inácio: Non coerceri maximo, sed contineri minimo divinum est. Refleti longamente sobre esta frase a propósito do governo, de ser superior: não ter limite para o grande, mas concentrar-se no pequeno. Esta virtude do grande e do pequeno chama-se magnanimidade, e, cada um na posição que ocupa, faz com que coloquemos sempre a vista no horizonte. É fazer as coisas pequenas de cada dia com o coração grande e aberto a Deus e aos outros. É dar seu valor às coisas pequenas no marco dos grandes horizontes, os do Reino de Deus”.

“Esta máxima oferece parâmetros para adotar a postura correta no discernimento, para sentir as coisas de Deus do seu ‘ponto de vista’. Para Santo Inácio é preciso encarnar os grandes princípios nas circunstâncias de lugar, tempo e pessoas. Ao seu modo, João XXIII adotou esta atitude de governo ao repetir a máxima Omnia videre, multa disimulare, pauca corrigere porque, mesmo vendo omnia, dimensão máxima, preferia agir sobre pauca, dimensão mínima”.

“É possível ter projetos grandes e realizá-los agindo sobre coisas pequenas. Podemos usar meios fracos que são mais eficazes que os fortes, como disse São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios”.

“Um discernimento deste tipo requer tempo. São muitos, para dar um exemplo, os que acreditam que as mudanças e a reformas podem vir em breve. Eu sou da opinião de que se necessita tempo para assentar as bases de uma mudança verdadeira e eficaz. Trata-se do tempo do discernimento. E às vezes, pelo contrário, o discernimento nos empurra a fazer já o que inicialmente pensávamos deixar para mais adiante. É o que me aconteceu nestes meses. E o discernimento se realiza sempre na presença do Senhor, sem perder de vista os sinais, ouvindo o que acontece, o sentir das pessoas, sobretudo dos pobres. Minhas decisões, inclusive as que têm a ver com a vida cotidiana, como usar um carro simples, estão ligadas a um discernimento espiritual que responde a exigências que nascem das coisas, das pessoas, da leitura dos sinais dos tempos. O discernimento no Senhor me guia no meu modo de governar”.

“Mas, olhe, eu desconfio das decisões tomadas de improviso. Desconfio sempre da primeira decisão, isto é, da primeira coisa que me vem à cabeça fazer, se tenho de tomar uma decisão. Em geral, é a decisão errada. Tenho de esperar, avaliar interiormente, tomando o tempo necessário. A sabedoria do discernimento resgata a necessária ambiguidade da vida e faz encontrar os meios mais oportunos, que nem sempre se identificam com aquilo que parece grande ou forte.”

A Companhia de Jesus

O discernimento é, portanto, um pilar da espiritualidade do Papa. Isto é algo que expressa de forma especial sua identidade de jesuíta. Em consequência, pergunto-lhe como pode a Companhia de Jesus servir à Igreja de hoje, com que características peculiares e também quais são os riscos que podem ameaçá-la.

“A Companhia é uma instituição em tensão, sempre radicalmente em tensão. O jesuíta é um descentrado. A Companhia em si mesma está descentrada: seu centro é Cristo e sua Igreja. Portanto, se a Companhia mantém Cristo e a Igreja no centro, tem dois pontos de referência em seu equilíbrio para viver na periferia. Mas se olha muito para si mesma, se coloca a si mesma no centro, achando-se muito sólida e muito bem ‘armada’, corre o perigo de se sentir segura e suficiente. A Companhia tem que ter sempre diante de si o Deus Semper maior, a busca da Maior Glória de Deus, a Igreja Verdadeira Esposa de Cristo nosso Senhor, Cristo Rei que nos conquista e ao qual oferecemos a nossa pessoa e todos os nossos esforços, ainda que sejamos vasos se argila pouco adequados. Esta tensão nos situa continuamente fora de nós mesmos. O instrumento que torna verdadeiramente forte uma Companhia descentrada é a realidade, ao mesmo tempo paterna e materna, da ‘conta de consciência’, e precisamente porque ajuda a empreender melhor a missão”.

Aqui o Papa faz referência a um ponto específico das Constituições da Companhia de Jesus, que diz que o jesuíta deve “manifestar sua consciência”, isto é, a situação interior que vive, de modo que o superior possa agir com conhecimento mais exato ao enviar uma pessoa à sua missão.

“Mas é difícil falar da Companhia – prossegue o Papa Francisco. Se somos muito explícitos, corremos o risco de nos equivocar. Da Companhia se pode falar somente de forma narrativa. Só na narração se pode fazer discernimento, não nas explicações filosóficas ou teológicas, nas quais é possível a discussão. O estilo da Companhia não é a discussão, mas o discernimento, cujo processo supõe obviamente discussão. A aura mística jamais define suas bordas, não completa o pensamento. O jesuíta deve ser pessoa de pensamento incompleto, de pensamento aberto. Houve etapas na vida da Companhia em que se viveu um pensamento fechado, rígido, mais instrutivo-ascético do que místico: esta deformação gerou o Epítome do Instituto”.

Com isto o Papa alude a uma espécie de resumo prático, em uso na Companhia e formulado no século XX, que chegou a ser considerado como um substituto das Constituições. A formação que os jesuítas recebiam sobre a Companhia, durante um certo tempo, foi modelada por este texto, de tal maneira que alguns jesuítas nunca leram as Constituições, que constituem o texto fundador. Segundo o Papa, durante este período na Companhia as regras correram o perigo de afogar o espírito, saindo vencedora a tentação de explicitar e tornar muito claro o carisma.

Prossegue: “Não. O jesuíta pensa, sempre e continuamente, com os olhos postos no horizonte em direção ao qual deve caminhar, tendo Cristo no centro. Esta é sua verdadeira força. E isto estimula a Companhia a estar em busca, a ser criativa e generosa. Por isso, hoje, mais do que nunca deve ser contemplativa na ação; tem que viver uma proximidade profunda a toda a Igreja, entendida como ‘povo de Deus’ e ‘santa mãe Igreja Hierárquica’. Isto requer muita humildade, sacrifício e coragem, especialmente quando se vive incompreensões ou quando se é objeto de equívocos ou calúnias; mas é a atitude mais fecunda. Pensemos nas tensões do passado por ocasião dos ritos chineses ou dos ritos malabares, ou o que aconteceu nas reduções do Paraguai”.

‘Eu sou testemunha de incompreensões e problemas que a Companhia viveu em tempos recentes. Entre estas estiveram os tempos difíceis em que surgiu a questão de estender o ‘quarto voto’ de obediência ao Papa a todos os jesuítas. O que me dava segurança nos tempos do padre Arrupe era que se tratava de um homem de oração, um homem que passava muito tempo em oração. Lembro quando rezava sentado no chão, como fazem os japoneses. Isso criou nele as atitudes convenientes e fez com que tomasse as decisões corretas”.

O modelo: Pedro Fabro, “Sacerdote reformado”

Neste momento me pergunto que figuras de jesuítas, desde as origens da Companhia até hoje, o terão impressionado de modo especial. E pergunto ao Pontífice se há alguns, quais são e porquê. O Papa começa citando Santo Inácio e São Francisco Xavier, mas em seguida se detém em uma figura que os jesuítas conhecem, mas que não é muito conhecida em geral: o beato Pedro Fabro (1506-1546), saboiano. Trata-se de um dos primeiros companheiros de Santo Inácio, o primeiro de todos, companheiro de quarto quando os dois eram estudantes na Sorbonne. O terceiro ocupante daquele quarto era Francisco Xavier. Pio IX o declarou beato em 5 de setembro de 1872, e está em tramitação o processo de canonização.

Cita-me uma edição do seu Memorial, cuja publicação ele mesmo encarregou, sendo superior provincial, a dois especialistas jesuítas, os padres Miguel A. Fiorito e Jaime H. Amadeo. Uma edição de que o Papa gosta especialmente é aquela preparada por Michel de Certeau. Pergunto-lhe o que lhe chama tanto a atenção em Fabro e que características mais o impressionam nele.

“O diálogo com todos, mesmo com os mais distantes e com os adversários; sua piedade simples, certa provável ingenuidade, sua disponibilidade imediata, seu atento discernimento interior, o fato de ser um homem de grandes e fortes decisões que compatibilizava com ser doce, doce…”.

Ao escutar o Papa Francisco, que vai enumerando as características pessoais de seu jesuíta preferido, compreendo até que ponto esta figura constituiu para ele um verdadeiro modelo de vida. Michel de Certeau define Fabro simplesmente com o “sacerdote reformado” para quem experiência interior, expressão dogmática e reforma estrutural eram realidades estreitamente inseparáveis. Parece-me entender, por isso, que o Papa Francisco se inspire neste tipo de reforma. Mas ele prossegue, refletindo sobre o verdadeiro rosto do fundador.

“Inácio é um místico, não um asceta. Aborrece-me muito quando ouço dizer que os Exercícios Espirituais são inacianos só porque são feitos em silêncio. A verdade é que os Exercícios podem ser perfeitamente inacianos inclusive na vida cotidiana e sem silêncio. A tendência que acentua o ascetismo, o silêncio e a penitência é um desvio que se difundiu inclusive na Companhia, especialmente no âmbito espanhol. Eu, pelo contrário, sou e me sinto mais próximo da corrente mística, a de Louis Lallement e Jean-Joseph Surin. Fabro era um místico”.

A experiência de Governo

Que tipo de experiência de governo pode fazer amadurecer a formação que recebeu o padre Bergoglio, que foi superior e superior provincial da Companhia de Jesus? O estilo de governo da Companhia implica que o superior toma as decisões, mas também que estabelece diálogo com seus “consultores”. Pergunto ao Papa: “Pensa que sua experiência de governo no passado pode ser útil para sua situação atual, à frente do governo universal da Igreja?”.

O Papa Francisco, após uma breve pausa de reflexão fica sério, mas muito sereno.

“Na minha experiência de superior na Companhia, para dizer a verdade, nem sempre me comportei assim, ou seja, fazendo as necessárias consultas. E isso não foi uma boa coisa. O meu governo como jesuíta no início tinha muitos defeitos. Estávamos num tempo difícil para a Companhia: tinha desaparecido uma inteira geração de jesuítas. Por isto, vi-me nomeado Provincial ainda muito jovem. Tinha 36 anos: uma loucura. Era preciso enfrentar situações difíceis e eu tomava as decisões de modo brusco e individualista. Sim, devo acrescentar, no entanto, uma coisa: quando entrego uma coisa a uma pessoa, confio totalmente nessa pessoa. Terá que cometer um erro verdadeiramente grande para que eu a repreenda. Mas, apesar disto, as pessoas acabam por se cansar do autoritarismo. O meu modo autoritário e rápido de tomar decisões levou-me a ter sérios problemas e a ser acusado de ser ultraconservador. Vivi um tempo de grande crise interior quando estava em Córdoba. Claro, não, não sou certamente como a Beata Imelda, mas nunca fui de direita. Foi o meu modo autoritário de tomar decisões que criou problemas.”

“Tudo isto que digo é experiência da vida e para dar a entender os perigos que existem. Com o tempo aprendi muitas coisas. O Senhor permitiu esta pedagogia de governo, embora tenha sido por meio de meus defeitos e meus pecados. Acontece que, como arcebispo de Buenos Aires, convocava uma reunião com os seis bispos auxiliares cada 15 dias e várias vezes ao ano com o Conselho de Presbíteros. Formulavam-se perguntas e se abria um espaço para a discussão. Isto me ajudou muito a optar pelas melhores decisões. Agora ouço algumas pessoas que me dizem: ‘Não consulte demasiado e decida’. Acredito, no entanto, que a consulta é muito importante. Os Consistórios e os Sínodos são, por exemplo, lugares importantes para tornar verdadeira e ativa esta consulta. É necessário torná-los, no entanto, menos rígidos na forma. Quero consultas reais, não formais. A consulta dos oito cardeais, este grupo outsider, não é uma decisão simplesmente minha, mas é fruto da vontade dos cardeais, tal como foi expressa nas Congregações Gerais antes do Conclave. E quero que seja uma consulta real, não formal”.

“Sentir com a Igreja”

Não abandono o tema da Igreja e tento compreender o que significa exatamente para o Papa Francisco o “sentir com a Igreja” de que escreve Santo Inácio em seus Exercícios Espirituais. O Papa responde sem duvidar, partindo de uma imagem.

“Uma imagem de Igreja que me compraz é aquela do povo santo, fiel a Deus. É a definição que uso com frequência e, por outro lado, é da Lumen Gentium em seu número 12. A pertença a um povo tem um forte valor teológico: Deus, na história da salvação, salvou um povo. Não existe identidade plena sem pertença a um povo. Ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado, mas que Deus nos atrai tomando em conta a complexa trama de relações interpessoais que se estabelecem na comunidade humana. Deus entra nesta dinâmica popular”.

“O povo é sujeito. E a Igreja é o povo de Deus a caminho através da história, com alegrias e dores. Sentir com a Igreja, portanto, para mim, quer dizer estar neste povo. E o conjunto de fiéis é infalível quando acredita, e manifesta esta sua infalibilidade ao crer, mediante o sentido sobrenatural da fé de todo o povo que caminha. Esta é a minha maneira de entender o sentir com a Igreja de que fala Santo Inácio. Quando o diálogo entre as pessoas e os bispos e o Papa segue esta linha e é leal, está assistido pelo Espírito Santo. Não se trata, portanto, de um sentir referido aos teólogos”.

“É como com Maria: se se quiser saber quem é, pergunta-se aos teólogos; se se quiser saber como amá-la, é necessário perguntar ao povo. Por sua vez, Maria amou Jesus com coração de povo, como lemos no Magnificat. Não é preciso sequer pensar que a compreensão do sentir com a Igreja esteja ligada somente ao sentir com a sua parte hierárquica.”

O Papa, após um momento de pausa, precisa de maneira seca, para evitar ser mal-entendido: “Obviamente, é preciso ter cuidado para não pensar que esta infallibilitas de todos os fiéis, da qual falei à luz do Concílio, seja uma forma de populismo. Não: é a experiência da ‘santa mãe Igreja hierárquica’, como Santo Inácio a chamava, da Igreja como povo de Deus, pastores e povo juntos. A Igreja é a totalidade do povo de Deus”.

“Eu vejo a santidade no povo de Deus, sua santidade cotidiana. Existe uma ‘classe média da santidade’ da qual todos podemos fazer parte, aquela de que fala Malègue”.

O Papa refere-se a Joseph Malègue, escritor francês muito do seu agrado, nascido em 1876 e morto em 1940. Em particular a sua trilogia incompleta Pierres noires: Les Classes moyennes du Salut. Alguns críticos franceses definiram-no como “o Proust católico”.

“Vejo a santidade – prossegue o Papa – no povo de Deus paciente: uma mulher que cria os seus filhos, um homem que trabalha para levar o pão para casa, os doentes, os sacerdotes anciãos tantas vezes feridos, mas sempre com seu sorriso porque serviram o Senhor, as religiosas que tanto trabalham e que vivem uma santidade escondida. Esta é, para mim, a santidade comum. Eu associo frequentemente a santidade à paciência: não só a paciência como hypomoné, o encarregar-se dos acontecimentos e das circunstâncias da vida, mas também como constância para seguir em frente no dia a dia. Esta é a santidade da Igreja militante de que fala o próprio Santo Inácio. Esta era a santidade dos meus pais: de meu pai, da minha mãe, da minha avó Rosa, que tanto bem fez. Carrego no breviário o testamento da minha avó Rosa, e o leio frequentemente: porque para mim é como uma oração. É uma santa que sofreu muito, inclusive moralmente, e seguiu corajosamente sempre em frente”.

“Esta Igreja com que devemos sentir é a casa de todos, não uma capelinha na qual cabe só um grupinho de pessoas seletas. Não podemos reduzir o seio da Igreja universal a um ninho protetor de nossa mediocridade. E a Igreja é Mãe – prossegue. A Igreja é fecunda, deve sê-lo… Olhe, quando percebo comportamentos negativos em ministros da Igreja ou em consagrados ou consagradas, a primeira coisa que me ocorre é: ‘um solteirão’, ‘uma solteirona’. Não são nem pais nem mães. Não foram capazes de dar vida. E, no entanto, quando, por exemplo, leio a vida dos missionários salesianos que foram para a Patagônia, leio uma história de vida e de fecundidade”.

“Outro exemplo destes dias: vi que os jornais ecoaram bastante um telefonema que dei a um jovem que me havia escrito uma carta. Telefonei-lhe porque aquela carta era muito bonita, muito simples. Para mim, representou um ato de fecundidade. Dei-me conta de que se tratava de um jovem que está crescendo, que reconheceu o seu pai e lhe conta, sem mais, algo da sua vida. O pai não pode lhe dizer, simplesmente, ‘não tenho nada a ver com isso’. Esta fecundidade me fez muito bem”.

Igrejas jovens e Igrejas antigas

Sigo com o tema da Igreja, e dirijo ao Papa uma pergunta à luz da recente Jornada Mundial da Juventude. “Este enorme evento colocou sob os refletores os jovens, mas também sobre aqueles ‘pulmões espirituais’ que são as igrejas de instituição mais recente. Que esperanças para a Igreja universal lhe parecem que podem surgir destas Igrejas?”

“As Igrejas jovens conseguem uma síntese de fé, cultura e vida em progresso diferente da que conseguem as Igrejas mais antigas. Para mim, a relação entre as Igrejas de tradição mais antiga e as mais recentes se parece com a relação que existe entre jovens e anciãos em uma sociedade: constroem o futuro, uns com sua força e os outros com sua sabedoria. O risco está sempre presente, é óbvio; as Igrejas mais jovens correm o perigo de se sentirem auto-suficientes, e as mais antigas de quererem impor aos jovens seus modelos culturais. Mas o futuro se constrói unidos”.

É a Igreja um hospital de campanha?

O Papa Bento XVI, ao anunciar sua renúncia ao pontificado, descrevia um mundo atual submetido a rápidas mudanças e agitado por questões de enorme importância para a vida de fé, que reclamam grande vigor de corpo e de alma. Pergunto ao Papa, também à luz do que acaba de dizer: “De que a Igreja tem maior necessidade neste momento histórico? Necessita de reformas? Quais seriam seus desejos para a Igreja dos próximos anos? Que Igreja ‘sonha’?”.

O Papa Francisco, referindo-se ao começo da minha pergunta, começa dizendo: “O Papa Bento realizou um ato de santidade, de grandeza e de humildade. É um homem de Deus”. Mostrando assim um grande afeto e grande estima por seu predecessor.

“Aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas feridas. Depois podemos falar de tudo o resto. Curar as feridas, curar as feridas… E é necessário começar de baixo.”

“A Igreja por vezes encerrou-se em pequenas coisas, em pequenos preceitos. O mais importante, no entanto, é o primeiro anúncio: ‘Jesus Cristo te salvou’. E os ministros da Igreja devem ser, acima de tudo, ministros de misericórdia. O confessor, por exemplo, corre sempre o risco de ser ou demasiado rigorista ou demasiado laxista. Nenhum dos dois é misericordioso, porque nenhum dos dois toma verdadeiramente a seu cargo a pessoa. O rigorista lava as mãos porque remete-o para o mandamento. O laxista lava as mãos dizendo simplesmente ‘isto não é pecado’ ou coisas semelhantes. As pessoas têm de ser acompanhadas, as feridas têm de ser curadas.”

“Como estamos tratando o povo de Deus? Sonho com uma Igreja Mãe e Pastora. Os ministros da Igreja devem ser misericordiosos, tomar a seu cargo as pessoas, acompanhando-as como o bom samaritano que lava, limpa, levanta o seu próximo. Isto é Evangelho puro. Deus é maior que o pecado. As reformas organizativas e estruturais são secundárias, isto é, vêm depois. A primeira reforma deve ser a da atitude. Os ministros do Evangelho devem ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de saber dialogar e mesmo de descer às suas noites, na sua escuridão, sem perder-se. O povo de Deus quer pastores e não funcionários ou ‘clérigos burocratas’. Os bispos, especialmente, devem ser homens capazes de apoiar com paciência os passos de Deus em seu povo, de modo que ninguém fique para trás, assim como acompanhar o rebanho, com seu olfato para encontrar pastagens novas”.

“Em vez de ser apenas uma Igreja que acolhe e recebe, tendo as portas abertas, procuremos ser uma Igreja que encontra novos caminhos, que é capaz de sair de si mesma e ir ao encontro de quem não a frequenta, de quem a abandonou ou lhe é indiferente. Quem a abandonou fê-lo, por vezes, por razões que, se forem bem compreendidas e avaliadas, podem levar a um regresso. Mas é necessário audácia, coragem.”

Recolho o que o Santo Padre está dizendo para falar daqueles cristãos que vivem situações irregulares para a Igreja, ou diversas situações complexas; cristãos que, de um modo ou de outro, mantêm feridas abertas. Penso nos divorciados em segunda união, em casais homossexuais e em outras situações difíceis. Como fazer pastoral missionária nestes casos? Onde encontrar um ponto de apoio? O Papa dá a entender com um gesto que compreendeu o que quero dizer e me responde:

“Temos que anunciar o Evangelho em todas as partes, pregando a boa notícia do Reino e curando, também com a nossa pregação, todo tipo de ferida e qualquer doença. Em Buenos Aires recebia cartas de pessoas homossexuais que são verdadeiros ‘feridos sociais’, porque me dizem que sentem que a Igreja sempre as condenou. Mas a Igreja não quer fazer isso. Durante o voo em que voltava do Rio de Janeiro disse que se uma pessoa homossexual tem boa vontade e busca a Deus, quem sou eu para julgá-la? Ao dizer isto disse o que diz o Catecismo. A religião tem o direito de expressar suas próprias opiniões a serviço das pessoas, mas Deus, na criação, nos fez livres: não é possível uma ingerência espiritual na vida pessoal. Certa vez uma pessoa, para me provocar, me perguntou se eu aprovava a homossexualidade. Eu, então, lhe respondi com outra pergunta: ‘Me diz, Deus, quando olha para uma pessoa homossexual, aprova sua existência com afeto ou a rechaça e a condena?’. Devemos sempre ter presente a pessoa. E aqui entramos no mistério do ser humano. Nesta vida Deus acompanha as pessoas e é nosso dever acompanhá-las a partir de sua condição. Devemos acompanhá-las com misericórdia. Quando isso acontece, o Espírito Santo inspira ao sacerdote a palavra oportuna”.

“Esta é a grandeza da confissão: que se avalie caso a caso, que se pode discernir o que é o melhor para uma pessoa que busca a Deus e sua graça. O confessionário não é uma sala de tortura, mas aquele lugar de misericórdia em que o Senhor nos impele a fazer o melhor que podemos. Estou pensando na situação de uma mulher que tem nas suas costas o fracasso de um casamento em que se deu também um aborto. Depois daquilo esta mulher se casou novamente e agora vive em paz com cinco filhos. O aborto pesa enormemente e está sinceramente arrependida. Gostaria de retomar a vida cristã. O que faz o confessor?”

“Não podemos seguir insistindo apenas em questões referentes ao aborto, ao casamento homossexual ou ao uso de anticoncepcionais. É impossível. Eu falei muito sobre estas questões e recebi reprovações por isso. Mas quando se fala destas coisas é preciso fazê-lo em um contexto. Além disso, já conhecemos a opinião da Igreja e eu sou filho da Igreja, mas não é necessário estar falando destas coisas sem cessar”.

“Os ensinamentos da Igreja, sejam dogmáticos ou morais, não são todos equivalentes. Uma pastoral missionária não deve ficar obcecada para transmitir de modo desestruturado um conjunto de doutrinas para impô-las insistentemente. O anúncio missionário se concentra no essencial, no necessário, que, por outro lado, é o que mais apaixona e atrai, o que mais faz arder o coração, como aos discípulos de Emaús”.

“Temos, portanto, que encontrar um novo equilíbrio, porque de outra maneira o edifício moral da Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas, de perder o frescor e o perfume do Evangelho. A proposta evangélica deve ser mais simples, mais profunda e irradiante. Só desta proposta surgem depois as consequências morais.”

“Digo isto pensando também na pregação e nos conteúdos da nossa pregação. Uma boa homilia, uma verdadeira homilia, deve começar com o primeiro anúncio, com o anúncio da salvação. Não há nada mais sólido, profundo e seguro que este anúncio. Depois virá uma catequese. Depois se poderá extrair algumas consequências morais. Mas o anúncio do amor salvífico de Deus é prévio à obrigação moral e religiosa. Hoje parece, às vezes, que prevalece a ordem inversa. A homilia é a pedra de toque se se quer medir a capacidade do encontro de um pastor com seu povo, porque quem prega tem que reconhecer o coração da sua comunidade para buscar onde permanece vivo e ardente o desejo de Deus. Por isso, a mensagem evangélica não pode ficar reduzida a alguns aspectos que, mesmo sendo importantes, não manifestam sozinhos o coração do ensinamento de Jesus”.

O primeiro papa religioso após 182 anos…

O Papa Francisco é o primeiro Pontífice que provém de uma ordem religiosa depois do camaldulense Gregório XVI, eleito em 1831, há 182 anos. Assim, pois, pergunto: “Que lugar específico ocupam, hoje, na Igreja, os religiosos e as religiosas?”.

“Os religiosos são profetas. São os que escolheram um modo de seguir Jesus que imita sua vida com a obediência ao Pai, a pobreza, a vida de comunidade e a castidade. Neste sentido, os votos não podem acabar se convertendo em caricatura, porque quando isso acontece, por exemplo, a vida de comunidade se torna um inferno e a castidade uma vida de solteirões. O voto de castidade deve ser um voto de fecundidade. Na Igreja os religiosos são chamados especialmente a ser profetas que dão testemunho de como se vive Jesus neste mundo, e que anunciam como será o Reino de Deus quando chegar a sua perfeição. Um religioso nunca deve renunciar à profecia. O que não significa atitude de oposição à parte hierárquica da Igreja, embora função profética e estrutura hierárquica não concordem. Estou falando de uma proposta positiva, que não deve ser realizada com temor. Pensemos no que fizeram tantos grandes santos da vida monástica, religiosos e religiosas, desde os tempos de Santo Antonio Abade. Ser profeta implica, às vezes, fazer barulho, não sei como dizer… A profecia cria alvoroço, estrondo, alguém diria que cria ‘grande confusão’. Mas, na realidade, seu carisma é se fermento: a profecia anuncia o espírito do Evangelho”.

Dicastérios romanos, sinodalidade, ecumenismo

Partindo da alusão à hierarquia, neste momento pergunto ao Papa: “O que pensa dos dicastérios romanos?”

“Os dicastérios romanos estão a serviço do Papa e dos bispos: têm que ajudar as Igrejas particulares e as conferências episcopais. São instâncias de ajuda. Mas, em alguns casos, quando não são bem entendidos, correm o risco de se converterem em organismos de censura. Impressiona ver as denúncias de falta de ortodoxia que chegam a Roma. Penso que quem deve estudar os casos são as conferências episcopais locais, às quais Roma pode servir de valiosa ajuda. A verdade é que os casos são tratados melhor no próprio local. Os dicastérios romanos são mediadores, não intermediários nem gestores.”

Lembro ao Papa que em 29 de junho passado, durante a cerimônia de bênção e imposição dos pálios aos 34 arcebispos metropolitanos, definiu “a via da sinodalidade” como o caminho que leva à Igreja unida “a crescer em harmonia com o serviço do primado”. Em consequência, minha pergunta é esta: “Como conciliar harmonicamente primado e solidariedade? Que caminhos são praticáveis, inclusive na perspectiva ecumênica?”.

“Devemos caminhar juntos: as pessoas, bispos e o Papa. devemos viver a sinodalidade em vários níveis. Talvez seja tempo de mudar a metodologia do sínodo, porque a atual parece-me estática. Isto poderá também ter valor ecumênico, especialmente com os nossos irmãos ortodoxos. Deles se pode aprender mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e sobre a tradição da sinodalidade. O esforço de reflexão comum, vendo o modo como se governava a Igreja nos primeiros séculos, antes da ruptura entre Oriente e Ocidente, dará frutos a seu tempo. Nas relações ecumênicas isto é importante: não só conhecer-se melhor, mas também reconhecer o que o Espírito semeou nos outros como um dom também para nós. Quero prosseguir a reflexão sobre como exercitar o primado petrino, já iniciada em 2007 pela Comissão Mista, e que levou à assinatura do documento de Ravena. É preciso continuar neste caminho.”

Procuro captar como o Papa vê o futuro da unidade da Igreja. Ele me responde: “Temos que caminhar unidos nas diferenças: não existe outro caminho para nos unirmos. O caminho de Jesus é esse”.

E o papel da mulher na Igreja? O Papa referiu-se mais de uma vez a este tema diversas oportunidades. Em uma entrevista afirmou que a presença feminina na Igreja apenas se faz notar, porque a tentação do machismo não deixou espaço para tornar visível o papel que corresponde à mulher na comunidade. Retomou o tema durante a viagem de volta do Rio de Janeiro, afirmando que ainda não se fez uma teologia profunda da mulher. Pergunto-lhe: “Qual deve ser o papel da mulher na Igreja? O que fazer hoje para lhe dar maior visibilidade?”.

“É necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Temo a solução do “machismo de saias”, porque, na verdade, a mulher tem uma estrutura diferente do homem. E, pelo contrário, os argumentos que ouço sobre o papel da mulher são muitas vezes inspirados precisamente numa ideologia machista. As mulheres têm vindo a colocar perguntas profundas que devem ser tratadas. A Igreja não pode ser ela própria sem a mulher e o seu papel. A mulher, para Igreja, é imprescindível. Maria, uma mulher, é mais importante que os bispos. Digo isto, porque não se deve confundir a função com a dignidade. É necessário, pois, aprofundar melhor a figura da mulher na Igreja. É preciso trabalhar mais para fazer uma teologia profunda da mulher. Só realizando esta etapa se poderá refletir melhor sobre a função da mulher no interior da Igreja. O gênio feminino é necessário nos lugares em que se tomam as decisões importantes. O desafio hoje é exatamente esse: refletir sobre o lugar específico da mulher, precisamente também onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja.”

O Concílio Vaticano II

O que fez o Concílio Vaticano II? O que foi, na realidade? Dirijo-lhe esta pergunta à luz das afirmações que acaba de fazer, imaginando uma resposta longa e organizada. E, no entanto, tenho a impressão de que o Papa considera o Concílio um fato tão incontestável que não vale a pena dedicar muito tempo confirmando sua importância.

“O Vaticano II supôs uma releitura do Evangelho à luz da cultura contemporânea. Produz um movimento de renovação que vem simplesmente do próprio Evangelho. Os frutos são enormes. Basta recordar a liturgia. O trabalho de reforma litúrgica prestou um serviço ao povo, relendo o Evangelho a partir de uma situação histórica completa. Sim, há linhas de continuidade e de descontinuidade, mas uma coisa é clara: a dinâmica de leitura do Evangelho atualizada para hoje, própria do Concílio, é absolutamente irreversível. Em seguida, existem algumas questões concretas, como a liturgia segundo o “Vetus Ordo”. Penso que a decisão do papa Bento foi ditada pela prudência, procurando ajudar algumas pessoas que tem essa sensibilidade particular. O que considero preocupante é o perigo de ideologização, de instrumentalização do “Vetus Ordo”.

Procurar e encontrar Deus em todas as coisas

O discurso do papa Francisco se inclina para a abertura, quando fala dos desafios que enfrentamos hoje. Há alguns anos, escrevia que para ver a realidade é preciso um olhar de fé, porque, de outro modo, contempla-se uma realidade fragmentada, dividida. Este é um dos temas da encíclica “Lumen fidei”. Tenho presente algumas passagens dos discursos do papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro. Cito-as: “Deus é real, caso se manifesta em nosso hoje”, “Deus está em todas as partes”. São frases que fazem eco da expressão inaciana “procurar e encontrar Deus em todas as coisas”.

Pergunto ao Papa: “Santidade, como se faz para procurar e encontrar Deus em todas as coisas?”

“O que eu disse no Rio tem um valor temporal. É verdade que temos a tentação de procurar Deus no passado ou no que acreditamos que possa ocorrer no futuro. Certamente, Deus está no passado porque está nas pegadas que foi deixando. E está também no futuro como promessa. Porém, o Deus ‘concreto’, para dizer assim, é hoje. Por isso, as lamentações jamais nos ajudam a encontrar a Deus. As lamentações que se ouvem hoje sobre como vai este mundo ‘bárbaro’ acabam gerando na Igreja desejos de ordem, entendido como pura conservação, como defesa. Não: é preciso encontrar Deus em nosso hoje”.

“Deus se manifesta numa revelação histórica, no tempo. É o tempo que inicia os processos, o espaço os cristaliza. Deus se encontra no tempo, nos processos em curso. Não se deve dar preferência aos espaços de poder frente aos tempos, às vezes longos, dos processos. Devemos colocar em marcha processos, mais do que ocupar espaços. Deus se manifesta no tempo e está presente nos processos da história. Isto nos faz preferir as ações que geram novas dinâmicas. E exige paciência e espera”.

“Encontrar Deus em todas as coisas não é um “eureka” empírico. No fundo, quando desejamos encontrar Deus, gostaríamos de constatá-lo imediatamente pelos meios empíricos. Contudo, assim, não se encontra Deus. Ele é encontrado na brisa rápida de Elias. Os sentidos capazes de perceber Deus são aqueles que Inácio chama de ‘sentidos espirituais’. Inácio quer que nos abramos à sensibilidade espiritual, para assim encontrarmos Deus para além de um contato puramente empírico. É preciso uma atitude contemplativa: é o sentimento daquele que vai pelo bom caminho da compreensão e do afeto frente às coisas e as situações. Os sinais de que estamos nesse bom caminho são a paz profunda, a consolação espiritual, o amor de Deus e de todas as coisas em Deus”.

Certezas e erros

Se o encontro com Deus em todas as coisas não é um “eureka empírico” – digo ao Papa – e se, portanto, trata-se de um caminho que vai lendo a história, é possível cometer erros…

“Sim, este buscar e encontrar Deus em todas as coisas deixa sempre uma margem à incerteza. Deve deixá-la. Se uma pessoa diz que encontrou Deus com uma certeza total e nem lhe surge uma margem de incerteza, algo não caminha bem. Eu tenho isto como uma chave importante. Se alguém tem respostas para todas as perguntas, estamos diante de uma prova de que Deus não está com ele. Quer dizer que é um falso profeta, que usa a religião em benefício próprio. Os grandes guias do povo de Deus, como Moisés, sempre deram espaço à dúvida. Temos que ter espaço para o Senhor, não para nossas certezas, devemos ser humildes. Em todo discernimento verdadeiro, aberto à confirmação da consolação espiritual, está presente a incerteza”.

“O risco que existe, pois, no buscar e encontrar Deus em todas as coisas, está nos desejos de ser muito explícito, de dizer com certeza humana e com arrogância: ‘Deus está aqui’. Assim, encontraríamos somente um Deus à nossa medida. A atitude correta é a agostiniana: buscar a Deus para encontrá-lo, para buscá-lo sempre. Esta é a experiência dos grandes Pais da fé, nosso modelo. É necessário reler o capítulo 11 da Carta aos Hebreus. Abraão, pela fé, partiu sem saber para onde ia. Todos nossos antepassados na fé morreram tendo diante dos olhos os bens prometidos, mas muito distante… A vida não nos foi entregue como um roteiro no qual tudo já está escrito, mas consiste em andar, caminhar, fazer, buscar, ver… É preciso embarcar na aventura da busca do encontro e do deixar-se buscar e deixar-se encontrar por Deus”.

“Porque Deus vem primeiro, vem sempre primeiro, Deus “primerea”. Deus é um pouco como a flor da amendoeira de sua Sicília, Antonio, que é sempre a primeira a aparecer. Assim o lemos nos profetas. Portanto, a Deus se encontra caminhando, no caminho. E ao ser ouvido por alguém, poderia se dizer que isto é relativismo. É relativismo? Sim, caso se entenda no sentido bíblico, segundo o qual Deus é sempre uma surpresa e jamais se sabe onde e como encontrá-lo, porque não é você quem fixa o tempo, nem o lugar para encontrar-se com Ele. É preciso discernir o encontro. E, por isso, o discernimento é fundamental”.

“Um cristão restauracionista, legalista, que deseja tudo claro e seguro, não irá encontrar nada. A tradição e a memória do passado têm que nos ajudar a reunir o valor necessário para abrir novos espaços para Deus. Aquele que hoje sempre busca soluções disciplinares, aquele que tende à ‘segurança’ doutrinal de modo exagerado, o que busca obstinadamente recuperar o passado perdido, possui uma visão estática e involutiva. E assim a fé se torna uma ideologia entre tantas outras. De minha parte, tenho uma certeza dogmática: Deus está na vida de toda pessoa. Deus está na vida de cada um. E mesmo se a vida de uma pessoa foi um desastre, mesmo que os vícios, a droga ou qualquer outra coisa a tenham destruído, Deus está presente. Pode-se e deve-se buscar a Deus em qualquer vida humana. Ainda que a vida de uma pessoa seja um terreno cheio de espinhos e ervas daninhas, sempre abriga um espaço onde pode crescer a boa semente. É necessário confiar em Deus”.

Devemos ser otimistas?

Estas palavras do Papa me recordam algumas reflexões suas de tempos atrás, nas quais o então cardeal Bergoglio escrevia que Deus vive já na cidade, misturado vitalmente com todos e unido com cada um. É outro modo de dizer, parece-me, o que escreve santo Inácio nos Exercícios Espirituais, quando diz que Deus “trabalha e labora” em nosso mundo. Pergunto-lhe: “Devemos ser otimistas? Que sinais de esperança há no mundo atual? Como fazemos para ser otimistas num mundo em crise?”

“Não gosto muito da palavra ‘otimismo’ porque expressa uma atitude psicológica. Gosto mais de usar a palavra ‘esperança’, tal como se lê no capítulo 11 da Carta aos Hebreus que citei mais acima. Os Padres persistiram caminhando em meio a grandes dificuldades. A esperança não engana, conforme lemos na Carta aos Romanos. Pense no primeiro enigma da ópera de Turandot, de Puccini”, disse-me o Papa.

Nisto, fiz memória, para recordar, dos versos daquele enigma da princesa, que tem como solução a esperança: ‘Na escuridão da noite voa um irisado fantasma./Sobe e abre as asas/Sobre a negra infinita humanidade./Todos o invocam/e todos o imploram./Porém, o fantasma desaparece com a aurora/Para renascer no coração./Toda noite nasce/e todo dia morre!’ São versos que revelam o desejo de uma esperança que, no entanto, é um fantasma irisado que desaparece com a aurora.

“Pois bem – prossegue o papa Francisco -, na esperança cristã não é um fantasma e não engana. É uma virtude teologal e, em definitivo, um presente de Deus que não pode ser reduzida a um otimismo meramente humano. Deus não frauda a esperança, nem pode trair a si mesmo. Deus é todo promessa”.

A arte e a criatividade

Fiquei tocado pela alusão do Papa a Turandot, falando do mistério da esperança. Gostaria de compreender um pouco mais quais são suas coordenadas artísticas e literárias. Recordo-lhe que, em 2006, dizia que os grandes artistas sabem como apresentar com beleza as realidades trágicas e dolorosas da vida. E pergunto-lhe quais são seus artistas e escritores preferidos, se possuem algo em comum…

“Sou apaixonado por autores muito diferentes entre si. Amo muitíssimo Dostoievski e Hölderlin. De Hölderlin gosto de recordar aquela poesia tão bela para o aniversário da avó, que me fez tanto bem espiritual. É aquela que termina com o verso ‘Que o homem mantenha o que o garoto prometeu’. Impressionou-me porque queria muito bem minha avó Rosa e nessa poesia Hölderlin coloca sua avó junto a Maria, a gerou Jesus, que é considerado por ele o amigo da terra que não considerou estrangeiro a nenhum vivente. Li “I Promessi sposi” três vezes e agora o tenho sobre a mesa para voltar a ler. Manzoni me deu muito. Minha avó me fazia, quando menino, memorizar o início de “I Promessi sposi”: ‘Quel ramo del lago di Como, che volge a mezzogiorno, tra due catene non interrotte di monti…’. Também gosto muito de Gerard Manley Hopkins”.

“Na pintura admiro Caravaggio: suas telas me falam. Porém, também Chagall com sua ‘Crucifixão branca’…”

“Na música, amo Mozart, obviamente. Aquele ‘Et Incarnatus est’ da sua Missa em Dó é insuperável: leva-o a Deus! Encanta-me Mozart interpretado por Clara Haskil. Mozart me enche: não posso pensá-lo, preciso senti-lo.

A Beethoven gosto de escutar, mas prometeicamente. E o intérprete mais prometeico para mim é Furtwängler.

E, depois, as Paixões de Bach. A passagem de Bach que gosto muito é o “Erbarme Dich”, o pranto de Pedro da Paixão segundo São Mateus. Sublime.

Depois, em nível diferente, não da mesma intimidade, gosto de Wagner. Gosto de escutá-lo, mas não sempre. A Tetralogia do anel, dirigida por Furtwängler, na Scala, no ano de 1950, é o que há de melhor. Sem esquecer Parsifal, dirigido em 1962, por Knappertsbusch”.

“Deveríamos começar a falar de cinema. “La Strada” de Fellini é talvez o filme que eu mais tenha gostado. Identifico-me com esse filme, no qual há uma referência implícita a são Francisco. Depois, creio ter visto todos os filmes de Anna Magnani e Aldo Fabrizi, quando tinha entre 10 e 12 anos. Outro filme que gostei muito foi “Roma cittá aperta”. Devo minha cultura cinematográfica, sobretudo, aos meus pais, que nos levavam muito ao cinema”.

“Em geral posso dizer que gosto dos artistas trágicos, especialmente os mais clássicos. Há uma bela definição que Cervantes coloca na boca do bacharel Carrasco fazendo o elogio da história de Dom Quixote: ‘Os meninos a possui nas mãos, os jovens as leem, os adultos a entendem, os velhos a elogiam’. Esta pode ser para mim uma boa definição do que são os clássicos”.

Percebo que todas estas citações do Papa me absorvem e que gostaria de entrar em sua vida pela porta de suas preferências artísticas. Seria, imagino, um longo itinerário. Incluiria o cinema, desde o neorrealismo italiano a “Festa de Babette”. Vem-me à mente outros autores e outras obras que ele citou em outras ocasiões, talvez menores ou menos conhecidas ou locais, de “Martín Fierro” de José Hernández à poesia de Nino Costa, como “O grande êxodo” de Luigi Orsenigo. Penso também em Joseph Malègue e José María Pemán. E obviamente em Dante e Borges, como também em Leopoldo Marechal, o autor de “Adán Buenosayres”, “El Banquete de Severo Arcángelo” e “Megafón ou a guerra”.

Penso em Borges porque Bergoglio, então professor de literatura aos vinte e oito anos no Colégio da Imaculada de Santa Fé, conheceu-o pessoalmente. Bergoglio ensinava nos dois últimos anos do liceu, quando iniciou seus alunos na escrita criativa. Eu mesmo tive uma experiência parecida à sua, quando tinha sua idade, no Instituto Massimo de Roma, fundando “BombaCarta”, e conto para ele. Por fim, peço ao Papa que narre a sua experiência.

“Foi uma coisa um pouco atrevida – responde -. Queria encontrar uma maneira para que meus alunos estudassem “El Cid”. Contudo, não agradava os meninos. Pediam-me para ler García Lorca. Então, decidi que estudassem “El Cid” em casa e que na sala eu falaria dos autores que mais gostassem. Naturalmente, os meninos queriam ler obras literárias mais ‘picantes’, contemporâneas, como “La casada infiel” ou clássicas, como “La Celestina” de Fernando de Rojas. Entretanto, lendo estas coisas que eram mais atrativas para eles, passavam a gostar de literatura e poesia em geral, e iam para outros autores. Para mim foi uma grande experiência. Pude concluir o programa, embora de forma não estruturada, ou seja, não segundo a ordem prevista, mas seguindo o que ia aparecendo com naturalidade, a partir da leitura dos autores. Esta modalidade me cabia muito bem: não era de meu agrado fazer uma programação rígida, mas de saber mais ou menos onde gostaria de chegar. E, então, comecei a fazer-lhes escrever. Por fim, decidi pedir para Borges que lesse duas narrativas escritas por meus meninos. Conhecia a sua secretária, que me havia dado aulas de piano. Borges gostou muito e se propôs a escrever a introdução de uma coletânea”.

“Então, Santo Padre, para a vida de uma pessoa é importante a criatividade?”, pergunto-lhe. Sorri e me responde: “Para um jesuíta é enormemente importante! Um jesuíta deve ser criativo”.

Fronteiras e laboratórios

Criatividade, pois, é importante para um jesuíta. O papa Francisco, quando recebeu os padres e colaboradores de “La Civiltà Cattolica”, havia enunciado outras três características importantes para o trabalho cultural do jesuíta. Retorno à lembrança daquele dia, 14 de junho passado. Recordo que, então, na conversa que tivemos, prévio ao encontro com todo o grupo, já havia me anunciado: diálogo, discernimento e fronteira. E tinha insistido, em especial, no último ponto, citando-me Paulo VI, que num famoso discurso havia falado sobre os jesuítas: “Onde quer que, na Igreja, também nos campos mais difíceis e de vanguarda, nas encruzilhadas das ideologias e nas trincheiras sociais, tenha havido e haja o confronto entre as exigências ardentes do homem e a mensagem perene do Evangelho, lá estiveram e estão presentes os jesuítas”.

Peço ao papa Francisco que me esclareça um pouco: Tem nos pedido que estejamos atentos para não cair ‘na tentação de domesticar as fronteiras: é preciso ir ao encontro das fronteiras, e não trazer as fronteiras para casa para lhe dar um verniz e domesticá-las’. Ao que se referia? O que queria nos dizer exatamente? Esta entrevista surgiu de um acordo entre um grupo de revistas dirigidas pela Companhia de Jesus: deseja lhes fazer algum convite especial? Quais devem ser suas prioridades?”

“As três palavras-chave que dirigi a “La Civiltà Cattolica” podem ser estendidas para todas as revistas da Companhia, talvez com acentos diferentes próprios de sua natureza e seus objetivos. Quando insisto na fronteira, de um modo especial, refiro-me à necessidade que tem o homem de cultura de estar inserido no contexto em que atua e sobre o qual reflete. O perigo de viver num laboratório sempre nos espreita. A nossa fé não é uma fé-laborátório, mas uma fé-caminho, uma fé histórica. Deus se revelou como história, não como um compêndio de verdades abstratas. Os laboratórios me causam medo porque no laboratório os problemas são tomados e levados para casa, fora de seu contexto, para domesticá-los, para dar-lhes um verniz. Não se deve levar a fronteira para casa, mas viver na fronteira e ser audazes”.

Pergunto ao Papa se pode apresentar-me algum exemplo a partir de sua experiência pessoal.

“Quando se fala de problemas sociais, uma coisa é reunir-se para estudar o problema da droga de uma vila miséria, e outra coisa é ir lá, viver lá e captar o problema a partir de dentro e estudá-lo. Há uma carta genial do padre Arrupe para os Centros de Investigação e Ação Social (CIAS) a respeito da pobreza, em que diz claramente que não se pode falar de pobreza, caso não seja experimentada, com uma inserção direta nos lugares onde se vive essa pobreza. A palavra ‘inserção’ é perigosa, porque alguns religiosos a tomaram como uma moda, e ocorreram desastres por falta de discernimento. No entanto, é verdadeiramente importante”.

“E as fronteiras são muitas. Pensemos nas religiosas que vivem nos hospitais: vivem nas fronteiras. Eu mesmo estou vivo graças a elas. Na ocasião de meu problema de pulmão, no hospital, o médico me prescreveu penicilina e estreptomicina em certa quantidade. A irmã que estava de guarda a triplicou porque tinha olho clínico, sabia que tinha que fazer porque estava com os enfermos cotidianamente. O médico, que verdadeiramente era um bom médico, vivia em seu laboratório, a irmã vivia na fronteira e dialogava com a fronteira todos os dias. Domesticar as fronteiras significa se limitar a falar a partir de uma posição à distância, fechar-se nos laboratórios, que são coisas úteis. Contudo, a reflexão, para nós, deve partir da experiência”.

Como o homem compreende a si mesmo

Pergunto ao Papa se isto tem validade também, e de que forma no caso de uma fronteira tão importante como é a do desafio antropológico. A antropologia que a Igreja tomou tradicionalmente como ponto de referência e a linguagem com a qual se expressou continuam sendo referência sólida, fruto de uma sabedoria e experiência seculares. E, no entanto, o homem para qual a Igreja se dirige parece já não compreender essa antropologia e essa linguagem, nem considerá-las suficientes. Começo expondo o fato de que o homem está interpretando a si próprio de modo diferente de como fez no passado, com categorias diferentes. E isto em razão, também, das grandes mudanças na sociedade e de um estudo mais profundo de si mesmo.

O Papa, neste momento, se levanta e vai pegar seu Breviário na mesa de trabalho. É um Breviário em latim e já muito manuseado. Abre-o pelo Ofício de Leitura da Feria sexta, ou seja, da sexta-feira, da semana XXVII. Lê uma passagem do “Commonitorium Primum” de são Vicente de Lerins: “Ita etiam christianae religionis dogma sequatur has decet profectuum leges, ut annis scilicet consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate (O mesmo dogma da religião cristã deve se submeter a estas leis. Progride, consolidando-se com os anos, desenvolvendo-se com o tempo, fazendo-se mais profundo com a idade)”.

E prossegue o Papa: “São Vicente de Lerins compara o desenvolvimento biológico do homem com a transmissão do depositum fidei de uma época para outra, que cresce e se consolida com o passar do tempo. Certamente, a compreensão do homem muda com o tempo e sua consciência de si mesmo se torna mais profunda. Pensemos em quando a escravidão era coisa admitida e quando a pena de morte era aceita sem problemas. Portanto, cresce-se na compreensão da verdade. Os exegetas e os teólogos ajudam a Igreja a amadurecer seu próprio julgamento. As demais ciências e sua evolução também ajudam a Igreja a aumentar a compreensão. Há normas e preceitos eclesiais secundários, já eficazes, mas agora sem valor, nem significado. É equivocada uma visão monolítica e sem matizes da doutrina da Igreja”.

“Ademais, em cada época o homem tenta compreender e expressar melhor a si próprio. E, portanto, o homem, com o tempo, muda seu modo de se perceber: uma coisa é o homem que se expressa esculpindo a “Nike de Samotracia”, outra a de Caravaggio, outra a de Chagall e, ainda, outra a de Dalí. As mesmas formas de expressão da verdade podem ser múltiplas, e isto é necessário para a transmissão da mensagem evangélica em seu significado imutável”.

“O homem está à procura de si mesmo, e é natural que nesta procura cometa erros. A Igreja viveu tempos de genialidade como, por exemplo, o do tomismo. Porém, também vive tempos de decadência do pensamento. Por exemplo: não devemos confundir a genialidade do tomismo com o tomismo decadente. Eu, infelizmente, estudei a filosofia em manuais de tomismo decadente. Em seu pensamento sobre o homem, a Igreja deveria tender à genialidade, não à decadência”.

“Quando uma expressão do pensamento deixa de ser válida? Quando o pensamento perde de vista o humano, quando o homem lhe causa medo ou quando se deixa enganar sobre si mesmo. Podemos representar o pensamento enganado na figura de Ulisses diante do canto das sereias, ou como Tannhäuser, rodeado de uma orgia de sátiros e bacantes, ou como “Parsifal”, no segundo ato da ópera wagneriana, no palácio de Klingsor. O pensamento da Igreja deve recuperar genialidade e entender cada vez melhor a maneira como o homem compreende a si próprio hoje, para desenvolver e aprofundar seus próprios ensinamentos”.

Orar

Lanço ao Papa uma última pergunta sobre seu modo preferido de orar.

“Rezo o Ofício todas as manhãs. Gosto de rezar com os Salmos. Depois, imediatamente, celebro a missa. Rezo o Rosário. O que verdadeiramente prefiro é a Adoração vespertina, inclusive quando me distraio pensando em outras coisas ou quando chego a dormir rezando. À tarde, portanto, entre as sete e as oito, estou diante do Santíssimo em uma hora de adoração. Porém, rezo também em minhas esperas ao dentista e em outros momentos do dia”.

“A oração é para mim sempre uma oração ‘memoriosa’, cheia de memória, de lembranças, inclusive de minha história ou do que o Senhor fez em sua Igreja ou numa paróquia concreta. Para mim, trata-se da memória de que fala santo Inácio na primeira Semana dos Exercícios, no encontro misericordioso com Cristo Crucificado. E me pergunto: ‘O que eu fiz por Cristo? O que faço por Cristo? O que devo fazer por Cristo?’. É a memória da qual santo Inácio também fala na “Contemplação para alcançar amor”, quando nos pede que tragamos à memória os benefícios recebidos. Porém, sobretudo, sei que o Senhor me tem em sua memória. Eu posso me esquecer Dele, mas eu sei que Ele jamais se esquece de mim. A memória funda radicalmente o coração do jesuíta: é a memória da graça, a memória da qual o Deuteronômio menciona, a memória das ações de Deus que estão na base da aliança entre Deus e seu povo. Esta é a memória que me faz filho e que me faz também ser pai”.

Dou-me conta de que este diálogo iria longe, entretanto, sei que, como disse o Papa certa vez, não é preciso “maltratar os limites”. No total, dialogamos durante mais de seis horas ao longo de três encontros, nos dias 19, 23 e 29 de agosto. Preferi organizar a redação sem divisões, para que não perdesse a continuidade. O nosso encontro foi mais uma conversa do que uma entrevista: as perguntas constituíram uma espécie de telão de fundo que não impunha rígidos parâmetros pré-definidos. Inclusive, do ponto de vista lingüístico, passamos com liberdade do italiano para o espanhol, muitas vezes sem advertir sobre a transição. Não houve nada de mecânico, e as respostas nasciam do diálogo e dentro de um equilíbrio que procurei refletir aqui, de modo sintético, como pude.

Fonte: IHU On-Line – 20/09/2013

Francisco, Leonardo Boff e a TdL

A Teologia da Libertação e o novo pontífice. O outro Papa, o outro Boff…

Em torno à visita do Papa Francisco ao Brasil, nos últimos dias de julho, o teólogo brasileiro da libertação e da ecologia, Leonardo Boff, não poupou elogios para o novo Bispo de Roma, a quem considera um homem “livre de espírito”; o compara, em certas virtudes, ao próprio Francisco de Assis e o reivindica por seu “esplêndido resgate da razão cordial”. Para Boff, o chefe vaticano é “uma figura fascinante que chega ao coração dos cristãos e de outras pessoas”.

O legado maior durante sua visita ao Brasil, foi sua (própria) figura, enfatizou Boff em uma entrevista a este correspondente apenas finalizado o périplo do Pontífice. “Representou o mais nobre dos líderes, o líder servidor que não faz referência a si mesmo e sim aos outros, com carinho e cuidado, evocando esperança e confiança no futuro…”.

No diálogo, Boff, – que fora duramente condenado ao “silêncio e obediência” pelo Vaticano em 1985 por sua conceituação e compromisso com a Teologia da Libertação -, reivindicou o que para ele são os aspectos essenciais deixados por este primeiro contato do Papa com a América Latina.

Mostrou uma “visão humanista na política, na economia, na erradicação da pobreza”. Criticou duramente o sistema financeiro…definiu a democracia como ‘humildade social’, reivindicou o direito dos jovens de serem ouvidos”, enumera Boff.

Enfatizando a contribuição do Pontífice no campo da ética, “fundada na dignidade transcendente da pessoa”, e expressa assim em seu “discurso recorrente”.

O teólogo brasileiro e prêmio Nobel alternativo da paz de 2001 considerou, no entanto, que durante a estadia brasileira do Sumo Pontífice foi o “campo religioso o mais fecundo e direto”. O discurso “mais severo foi reservado por ele aos bispos e cardeais latino-americanos (CELAM). Reconheceu que a Igreja – e ele se incluía – está atrasada no que se refere à reforma de suas estruturas…Criticou a ‘psicologia principesca’ de alguns membros da hierarquia”.

Antecipando, além disso, os dois eixos principais da pastoral segundo a visão do Vaticano papa en rio nuevo Papa: “a proximidade do povo… e o encontro marcado de carinho e ternura…”. Falou inclusive – enfatiza Boff em seu diálogo -, “da revolução da ternura, coisa que ele demonstrou viver pessoalmente”.

Desde o dia da eleição do Cardeal Jorge Bergoglio para o papado, Leonardo Boff que, em 1992, enojado com o tratamento que lhe era dispensado pelo Vaticano, deixara o sacerdócio – reorientou bruscamente sua respeitada voz em defesa do novo Pontífice. Em nenhum momento entrou no debate sobre o papel desempenhado pelo Cardeal e a hierarquia católica argentina durante a última ditadura militar.

Apenas seis anos atrás, em maio de 2007, em uma entrevista anterior com este correspondente, às vésperas da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe que se realizaria dias mais tarde em Aparecida e onde Bergoglio desempenhou um papel muito importante, Boff classificou uma boa parte da hierarquia católica como “burocratas do sagrado”. Exteriorizando assim sua leitura então cética da situação geral da Igreja: sua incapacidade estrutural de mudança e sua rigidez para abrir-se aos grandes temas desafiantes da humanidade, em particular a ecologia e a própria renovação institucional interna.

Os dois Papas anteriores, João Paulo II e Bento XVI, foram para Boff e numerosos teólogos, principalmente da América Latina, os principais responsáveis por buscar deslegitimizar a Teologia da Libertação, seus teóricos e promotores, assim como suas propostas organizativas, em particular as Comunidades Eclesiais de Base, tão amplamente desenvolvidas em todo o continente.

Foi o Cardeal Ratzinger, então Prefeito para a Congregação da Doutrina e da Fé e posteriormente Papa Bento XVI, um dos responsáveis diretos da sanção do Vaticano contra Boff.

A eleição do primeiro Papa latino-americano em março passado, no entanto, constituiu um verdadeiro choque de esperança e o ponto de partida de uma mudança radical na percepção e avaliação por parte do teólogo da libertação, que não escondeu seu desejo explícito, antes ou depois, de ser recebido por Francisco I e a quem enviou como presente, durante sua estadia no Rio de Janeiro, um exemplar de seu último e sugestivo livro: Francisco de Assis e Francisco de Roma: uma nova primavera na Igreja?

São os sinais da abertura de um processo paulatino da eventual “normalização” das relações entre Boff – enquanto cabeça visível desse setor castigado da igreja popular – e o poder hierárquico romano.

Embora o desenlace do processo de aproximação permaneça em aberto, os sinais indicativos, reforçados durante a viagem do Papa Francisco ao Brasil, são relevantes.

Em primeiro lugar, a vontade explícita de Boff e Francisco de avançar no processo de encontro; a existência de importantes canais que facilitam a comunicação quase direta entre ambos. Sem menosprezar, adicionalmente, as atualizadas reflexões de Boff – e de outras referências do setor popular da Igreja – que nos últimos quatro meses não deixaram de enumerar as virtudes do novo Papa. A partir de quem, o teólogo brasileiro pensa perceber a possibilidade da mudança interna de uma Igreja até agora dirigida, quase exclusivamente, pelos burocratas do sagrado.

 

La Teología de la Liberación y el nuevo pontífice: El otro papa, el otro Boff…

En torno a la visita del Papa Francisco a Brasil en los últimos días de julio el teólogo brasileño de la liberación y de la ecología Leonardo Boff no escatimó sus elogios hacia el nuevo Obispo de Roma. A quien considera un hombre “libre de espíritu”; le emparenta en ciertas virtudes al mismo Francisco de Asís y lo reivindica por su “espléndido rescate de la razón cordial”. Para Boff, el jefe vaticano es “una figura fascinante que llega al corazón de los cristianos y de otras personas”.

El legado mayor durante su visita a Brasil, fue su (propia) figura, enfatizó Boff en una entrevista con este corresponsal apenas finalizado el periplo del Pontífice. “Representó el más noble de los líderes, el líder servidor que no hace referencia a sí mismo sino a los demás, con cariño y cuidado, evocando esperanza y confianza en el futuro…”.

En el diálogo Boff, -quien había sido duramente condenado al “silencio y obediencia” por el Vaticano en 1985 por su conceptualización y compromiso con la Teología de la Liberación-, reivindicó lo que para él son los aspectos esenciales que dejó este primer contacto del Papa con Latinoamérica.
Presentó una “visión humanística en la política, en la economía, en la erradicación de la pobreza”. Criticó duramente el sistema financiero…definió a la democracia como ‘humildad social’, reivindicó el derecho de los jóvenes a ser escuchados”, enumera Boff.

Subrayando el aporte del Pontífice en el campo de la ética, “fundada en la dignidad trascendente de la persona”, y expresada de esta forma en su “discurso recurrente”.

El teólogo brasilero y premio Nobel alternativo de la paz de 2001 consideró, sin embargo, que durante la estadía brasileña del Sumo Pontífice fue el “campo religioso el más fecundo y directo”. El discurso “más severo lo reservó para los obispos y cardenales latinoamericanas (CELAM). Reconoció que la Iglesia – y él se incluía- está atrasada en lo que se refiere a la reforma de sus estructuras…Criticó la ‘psicología principesca’ de algunos miembros de la jerarquía”.

Anticipando, además, los dos ejes principales de la pastoral según la visión delvaticano papa en rio nuevo Papa: “la proximidad al pueblo…y el encuentro marcado de cariño y ternura…”. Habló incluso -enfatiza Boff en su diálogo-, “de la revolución de la ternura, cosa que él demostró vivir personalmente”.

Desde el mismo día de la elección del Cardenal Jorge Bergoglio al papado, Leonardo Boff, quien en 1992 asqueado por el mal trato vaticano había quitado el sacerdocio, reorientó bruscamente su respetada voz hacia la defensa del nuevo Pontífice. Nunca entró en el debate sobre el rol jugado por el Cardenal y la jerarquía católica argentina durante la última dictadura militar.

Apenas seis años atrás, en mayo del 2007, a las puertas de la 5ta Conferencia General del Episcopado Latinoamericano y del Caribe que se realizaría días más tarde en Aparecida y donde Bergoglio jugó un rol muy importante, Boff había catalogado a una buena parte de la jerarquía católica como de “burócratas de lo sagrado” en una entrevista anterior con este corresponsal. Exteriorizando así su lectura entonces escéptica hacia la situación general de la Iglesia; su incapacidad estructural al cambio; y su rigidez para abrirse a los grandes temas desafiantes de la humanidad, en particular la ecología y la propia renovación institucional interna.

Los dos Papas anteriores, Juan Pablo II y Benedicto XVI fueron para Boff y numerosos teólogos, principalmente de América Latina, los principales responsables de tratar de deslegitimar la Teología de la Liberación; sus teóricos y promotores; así como sus propuestas organizativas, en particular las Comunidades Eclesiales de Base, tan ampliamente desarrolladas en todo el continente.

Había sido el Cardenal Ratzinger, entonces Prefecto para la Congregación de la Doctrina y de la Fe y posteriormente Papa Benedicto XVI, uno de los responsables directos de la sanción vaticana contra Boff.

Le elección del primer Papa latinoamericano en marzo pasado, sin embargo, se convirtió en un verdadero shock de esperanza y punto de partida de un cambio radical de percepción y valoración de parte del teólogo de la liberación. Quien no ha escondido su deseo explícito, antes o después, de ser recibido por Francisco I y a quien le ha hecho llegar como regalo, durante su estadía en Río de Janeiro, un ejemplar de su último y sugestivo libro: Francisco de Asís y Francisco de Roma: ¿una nueva primavera en la Iglesia?

Todas señales que indicarían la apertura de un proceso paulatino hacia la eventual “normalización” de relaciones entre Boff –en tanto cabeza visible de ese sector castigado de la iglesia popular- y el poder jerárquico romano.
Aunque el desenlace del proceso de acercamiento queda abierto, los signos indicativos, reforzados durante el viaje del Papa Francisco a Brasil, son relevantes.

En primer lugar, la voluntad explícita de Boff y Francisco de avanzar en el proceso de encuentro. La existencia de importantes canales que facilitan la comunicación casi directa entre ambos. Sin menospreciar, adicionalmente, las actualizadas reflexiones de Boff – y otros referentes del sector popular de la Iglesia- (ver recuadro) que en los últimos cuatro meses no ha dejado de reivindicar las virtudes del nuevo Papa. A partir de quien, el teólogo brasilero, cree percibir la posibilidad del cambio interno de una Iglesia hasta ahora dirigida, casi exclusivamente, por los burócratas de lo sagrado.

Fonte: Artigo de Sergio Ferrari em Diálogos do Sul e Other News: 09/08/2013.

O possível modelo político de Francisco

Chi rilegga le quattro opzioni qui elencate potrà avere dei dubbi sulla loro bontà di fondo, specialmente se ha spirito un po’ conservatore; potrà avere dei dubbi sulla loro percorribilità storica – ci vorrebbe un pontificato ben lungo; potrà avere dei dubbi che siano pensieri così seri a limitare l’empito umano del Pontefice; ma non potrà avere dubbi sul fatto che questo gesuita diventato Papa non è solo «tanto bono» e sorridente.

A cultura de governo do papa: entre senso de realidade e conflitos evitados – Giuseppe De Rita: Corriere della Sera – 23/07/2013, em Notícias: IHU On-Line 25/07/2013

Que cultura política e de governo o Papa Francisco expressa? A pergunta se intensificou nas últimas semanas, também com referência aos seus banhos de multidão em Lampedusa e no Rio: à apreciação geral da sua capacidade relacional, acompanharam-se algumas dúvidas sobre os perigos do excesso de relação direta com o povo, talvez sem uma adequada cultura de governança. Como ex-aluno dos jesuítas, eu reagi pensando que tal carência é improvável em um jesuíta, especialmente quando percorreu uma complexa carreira eclesial. Então, fui ler os textos do cardeal Bergoglio em matéria sociopolítica, originados da difícil evolução das Igrejas sul-americanas. E neles captei quatro opções “de governo” de notável densidade e atualidade.

. A primeira opção é por uma aderência simples e feroz à realidade, colocando em segundo plano o valor das ideias, dos projetos e dos programas

. A segunda opção é o privilégio a ser dado ao tempo com relação ao espaço, “porque o tempo inicia processos, e o espaço os cristaliza”

. A terceira opção é a de que “a unidade é superior ao conflito”, e que a composição das coisas deve ser preferida à segmentação das dialéticas sociais

. A quarta é inovadora, relativa à cultura de governo: se governa através de um “modelo poliédrico, que na unidade mantém a originalidade das parcialidades individuais”

Quem reler as quatro opções aqui listadas poderá ter dúvidas sobre a sua bondade de fundo, especialmente se tiver um espírito um pouco conservador; poderá ter dúvidas sobre a sua viabilidade histórica (seria preciso um pontificado bem longo); poderá ter dúvidas de que são pensamentos tão sérios que limitam o ímpeto humano do pontífice; mas não poderá ter dúvidas sobre o fato de que esse jesuíta que se tornou papa não é apenas “tão bom” e sorridente.

Leia o texto completo.

Tra senso di realtà e conflitti evitati: la cultura di governo del Papa – Giuseppe De Rita: Corriere della Sera – 23 luglio 2013

Quale cultura politica e di governo esprime papa Francesco? La domanda si è intensificata nelle ultime settimane, anche in riferimento ai suoi bagni di folla a Lampedusa e a Rio: all’apprezzamento generale della sua capacità relazionale si sono accompagnati alcuni dubbi sui pericoli di troppo diretto rapporto con il popolo, senza magari un’adeguata cultura di governance. Da antico allievo dei gesuiti ho reagito pensando che tale carenza è improbabile in un gesuita, specialmente se ha percorso una complessa carriera ecclesiale. Mi sono quindi andato a leggere i testi del cardinale Bergoglio in materia sociopolitica, originati dall’evoluzione difficile delle chiese sudamericane. E ne ho colto quattro opzioni «di governo» di notevole spessore ed attualità.

. La prima opzione è per un’aderenza semplice e spietata alla realtà, mettendo in secondo piano il valore delle idee, dei progetti e dei programmi

. La seconda opzione è il privilegio da dare al tempo rispetto allo spazio, «perché il tempo inizia processi e lo spazio li cristallizza»

. La terza opzione è quella che «l’unità è superiore al conflitto», e che la composizione delle cose va preferita alla segmentazione delle dialettiche sociali

. La quarta, quella relativa alla cultura di governo: si governa attraverso un «modello a poliedro, che nell’unità mantiene l’originalità delle singole parzialità».

Francisco no Brasil

:: Francisco no Brasil: riscos e possibilidades – John L. Allen Jr.: National Catholic Reporter, 19/07/2013, em Notícias: IHU On-Line: 22/07/2013 (cf. o texto original abaixo: Francis in Brazil…)
Sejamos claros: a primeira viagem transoceânica de Francisco nos dias 22 a 29 de julho ao Brasil, para a Jornada Mundial da Juventude, será percebida quase certamente como um grande sucesso. Ele provavelmente irá atrair grandes e entusiastas multidões, o seu estilo livre e caloroso deverá se sair tão bem na estrada como em Roma, e a sua preocupação palpável pelos pobres deverá tocar cordas profundas em uma sociedade em que a justiça social é uma idée fixe. Além disso, em meio a um outono de descontentamento, os brasileiros parecem famintos por uma boa história para contar sobre si mesmos. Quando a palavra final for dada, a manchete dominante provavelmente será algo como: “Francisco traz paz e conquista corações”. Dito isso, toda viagem papal é uma viagem ao desconhecido, e Francisco enfrenta alguns riscos reais nessa viagem, alguns imediatos e de curto prazo, outros de longo prazo e mais difíceis de avaliar em meio à euforia. Em termos de segurança e de controle da multidão, as autoridades do Brasil anunciaram que estão categorizando os eventos no itinerário do papa como “verde”, “laranja” ou “vermelho”, correspondentes ao nível de ameaça que eles acreditam que cada um deles apresenta. “Roubando” uma página da sua cartilha, vamos expor aqui diversos pontos de interrogação que se colocam diante de Francisco no Brasil em níveis ascendentes de seriedade. Além do imaginário e dos roteiros tranquilizantes, dependendo da forma como o novo pontífice navegar por esses riscos, haverá um longo caminho para moldar o substantivo sucesso ou fracasso da viagem.

:: Francis in Brazil and a new scandal in Rome: by John L. Allen Jr.: National Catholic Reporter – Jul. 19, 2013
Let’s be clear: Francis’ first overseas trip July 22-29 to Brazil for World Youth Day almost certainly will be perceived as a runaway hit. He’ll likely draw large and enthusiastic crowds, his freewheeling and warm style should play as well on the road as it does in Rome, and his palpable concern for the poor should strike deep chords in a society where social justice is an idée fixe. Moreover, amid a summer of discontent, Brazilians seem hungry for a good story to tell about themselves. When the final word is in, the dominant headline will probably be something like: “Francis brings peace and wins hearts.” That said, every papal trip is a journey into the unknown, and Francis faces some real risks on this outing, a few immediate and short-term, others longer-term and harder to evaluate amid the euphoria. In terms of security and crowd control, officials in Brazil have announced they’re categorizing the events on the pope’s itinerary as “green,” “orange” or “red,” corresponding to the threat level they believe each poses. Stealing a page from their playbook, we’ll lay out here several question marks facing Francis in Brazil in ascending levels of seriousness. Beyond the imagery and feel-good storylines, how well the new pontiff navigates these risks will go a long way toward shaping the substantive success or failure of the outing.

:: Papa Francisco deve anunciar “evangelho social” no Brasil – Eduardo Febbro: Carta Maior 22/07/2013
Ficaram para trás as disputas orquestradas por João Paulo Segundo contra a Teologia da Libertação, os padres pedófilos, a corrupção no Banco do Vaticano, o IOR. Chegou o “momento da renovação”, como dizem os jovens que chegam ao Rio. Esta renovação tem um nome que contrasta com os últimos 35 anos de política vaticana: o “evangelho social”. A palavra “social” é já todo um desafio que prolonga a ruptura que Bergoglio encarnou na noite em que, após o Conclave tê-lo escolhido Papa, apareceu em uma janela da Praça de São Pedro e pronunciou a palavra “povo”. Em Roma, há dez dias, o círculo próximo ao Papa falava de uma “mensagem revolucionária”. É preciso esperar para ver e ouvir. Desde o compromisso de forjar “uma igreja pobre para os pobres”, Francisco foi despindo a figura papal de toda a roupagem monárquica, que a colocava acima dos fieis.  Sua viagem vem precedida por uma série de pronunciamentos que romperam com o conformismo vaticanista. Nas últimas semanas, Bergoglio denunciou a “tirania do dinheiro”, o “capitalismo selvagem” e a “globalização da indiferença”.

::  Em torno da visita do papa Francisco ao Brasil – Faustino Teixeira: Notícias: IHU On-Line 22/07/2013
A presença de Francisco deu um novo alento à Igreja Católica. Marca uma presença muito distinta com respeito aos dois últimos papas e vem movido por uma sede de mudança na vida eclesial, que traduz também uma indignação profética contra determinadas situações que maculavam o tecido católico. O que se vê nas ruas hoje no Brasil é também a expressão de uma insatisfação e uma sede de justiça e verdade, também de “afirmação de força e fé no futuro”. São vocalizações distintas, mas que convergem na busca de um mundo melhor e numa representação mais digna e autêntica. Creio que Francisco será acolhido entre nós com muita alegria e hospitalidade, e saberá também dizer uma palavra de alento e de esperança para esses jovens que hoje tomam conta de nossas ruas por todo o Brasil em busca de um horizonte menos sombrio e mais justo.

:: Leia a íntegra do discurso do papa na missa na Catedral Metropolitana do Rio – Folha de S. Paulo: 27/07/2013 – 10h11
Não podemos ficar encerrados na paróquia, nas nossas comunidades, quando há tanta gente esperando o Evangelho! Não se trata simplesmente de abrir a porta para acolher, mas de sair pela porta fora para procurar e encontrar. Decididamente pensemos a pastoral a partir da periferia, daqueles que estão mais afastados, daqueles que habitualmente não frequentam a paróquia. Também eles são convidados para a Mesa do Senhor (…) Em muitos ambientes, infelizmente, ganhou espaço a cultura da exclusão, a “cultura do descartável”. Não há lugar para o idoso, nem para o filho indesejado; não há tempo para se deter com o pobre caído à margem da estrada. Às vezes parece que, para alguns, as relações humanas sejam regidas por dois “dogmas” modernos: eficiência e pragmatismo. Queridos Bispos, sacerdotes, religiosos e também vocês, seminaristas, que se preparam para o ministério, tenham a coragem de ir contra a corrente. Não renunciemos a este dom de Deus: a única família dos seus filhos. O encontro e o acolhimento de todos, a solidariedade e a fraternidade são os elementos que tornam a nossa civilização verdadeiramente humana.

:: Leia a íntegra do discurso original do papa no Theatro Municipal – Folha de S. Paulo: 27/07/2013 – 11h52
A responsabilidade social exige um certo tipo de paradigma cultural e, consequentemente, de política. Somos responsáveis pela formação de novas gerações, capacitadas na economia e na política, e firmes nos valores éticos. O futuro exige de nós uma visão humanista da economia e uma política que realize cada vez mais e melhor a participação das pessoas, evitando elitismos e erradicando a pobreza. Que ninguém fique privado do necessário, e que a todos sejam asseguradas dignidade, fraternidade e solidariedade: esta é a via a seguir. Já no tempo do profeta Amós era muito forte a advertência de Deus: «Eles vendem o justo por dinheiro, o indigente, por um par de sandálias; esmagam a cabeça dos fracos no pó da terra e tornam a vida dos oprimidos impossível» (Am 2, 6-7). Os gritos por justiça continuam ainda hoje (…) Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo com o povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce, quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais: cultura popular, cultura universitária, cultura juvenil, cultura artística e tecnológica, cultura econômica e cultura familiar e cultura da mídia. É impossível imaginar um futuro para a sociedade, sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa democracia que evite o risco de ficar fechada na pura lógica da representação dos interesses constituídos. Será fundamental a contribuição das grandes tradições religiosas, que desempenham um papel fecundo de fermento da vida social e de animação da democracia. Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença do fator religioso na sociedade, favorecendo as suas expressões concretas. Quando os líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta é sempre a mesma: diálogo, diálogo, diálogo.

:: “Amor eficaz” do papa é tipicamente latino-americano, diz teólogo – Deutsche Welle, na Folha de S. Paulo: 27/07/2013 – 16h16
Francisco enfoca a fé e o amor, entendendo o amor como um “amor eficaz”. Esta é uma noção tipicamente latino-americana, que resultou das reflexões de teólogos da libertação. A ideia é que não basta falar de amor, nem expressar sentimentos de compaixão ou solidariedade. O amor deve se manifestar em atos concretos de ajuda. E, se for necessário, esse amor deve contemplar a organização política, para atingir certos fins. O que Francisco prega não é novo para muitos membros da Igreja Católica na América Latina. Nessa região vem-se praticando essa forma de amor desde os anos 1960. O que é realmente novo é um papa falar deste vínculo entre a fé e o amor de uma forma clara, sem pretender enfeitar a mensagem com formulações complicadas ou diplomáticas.

:: ‘Bergoglio é outro modelo de Igreja’, constata o vaticanista Marco Politi – O Globo: 28/07/2013, em Notícias: IHU On-Line 28/07/2013.
Reorganizar a Cúria e fazer a reforma do banco do Vaticano é uma questão técnica. Não é difícil. O mais difícil e mais ambicioso vai ser reorganizar a Igreja globalmente como instituição. O Papa não quer mais uma Igreja monárquica-imperial, mas sim uma Igreja comunitária guiada colegialmente pelo Papa junto com os bispos. Para ele, acabou o tempo em que a Igreja é guiada por um imperador, um monarca absoluto. A estrutura da Igreja, independentemente da personalidade do Papa, sempre foi monárquica-imperial. Ao renunciar aos símbolos, como o manto e os sapatos vermelhos, e adotar a cruz de ferro, ele não faz gestos apenas populistas. É um gesto político. Ele abriu uma revolução. Não sei como vai acabar, mas abriu o processo. Haverá resistências. Há uma resistência que ainda não se mostra publicamente e que até agora tem sido manifestada por vozes laicas e jornalistas. Acusam o Papa de pauperismo, populismo e demagogia. Vamos assistir a fortes resistências. Mas é o Papa certo para o momento atual. Bergoglio é o Papa não-Papa, que interpreta muito bem a situação de crise do mundo contemporâneo.

:: Leia íntegra do discurso do papa ao Celam – Folha de S. Paulo: 28/07/2013 – 16h47 [também aqui] O clericalismo é também uma tentação muito atual na América Latina. Curiosamente, na maioria dos casos, trata-se de uma cumplicidade viciosa: o sacerdote clericaliza e o leigo lhe pede por favor que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo… A proposta dos grupos bíblicos, das comunidades eclesiais de base e dos Conselhos pastorais está na linha de superação do clericalismo e de um crescimento da responsabilidade laical… Gosto de dizer que a posição do discípulo missionário não é uma posição de centro, mas de periferias: vive em tensão para as periferias. No anúncio evangélico, falar de “periferias existenciais” descentraliza e, habitualmente, temos medo de sair do centro… Os bispos devem guiar, que não é o mesmo que comandar… Devem ser Pastores, próximos das pessoas, pais e irmãos, com grande mansidão: pacientes e misericordiosos. Homens que amem a pobreza, quer a pobreza interior como liberdade diante do Senhor, quer a pobreza exterior como simplicidade e austeridade de vida. Homens que não tenham “psicologia de príncipes”. Homens que não sejam ambiciosos e que sejam esposos de uma Igreja sem viver na expectativa de outra. Homens capazes de vigiar sobre o rebanho que lhes foi confiado e cuidando de tudo aquilo que o mantém unido: vigiar sobre o seu povo, atento a eventuais perigos que o ameacem, mas sobretudo para cuidar da esperança: que haja sol e luz nos corações.

:: Veja a íntegra da entrevista de Francisco a Gerson Camarotti
GloboNews exibiu em 28/07/2013, às 23h00, versão completa da entrevista com Francisco. Ele falou sobre a necessidade de proximidade com o povo, da opção pela simplicidade, da globalização da indiferença e da idolatria do dinheiro, dos protestos dos jovens, do diálogo entre as religiões, entre outras coisas. Veja o vídeo.

:: Multidões, mais gestos e interrogações – Washington Uranga: Página/12 – 28/07/2013, em Notícias: IHU On-Line 30/07/2013
Nem tudo está dito. Francisco entusiasma multidões. Também tem gestos e dá passos que incomodam a velha estrutura eclesiástica. Entusiasma e inquieta, gera adesões, expectativas e desconfianças. Há perguntas ainda sem respostas. Devemos continuar esperando. É muito cedo para tirar conclusões. Ainda não há elementos suficientes para responder se Francisco será diferente do que soube ser Jorge Mario Bergoglio.

:: “Colocar a Igreja na rua é um velho projeto”, afirma socióloga –  Martín Granovsky entrevista Verónica Giménez Béliveau: Página/12 – 28/07/2013, em Notícias: IHU On-Line 30/07/2013
O que o Papa quis dizer aos fiéis argentinos com sua frase “façam agitação”?  O que significa colocar a Igreja Católica na rua? É uma proposta política e social? Com Francisco, qual é o cenário provável da moral sexual e a postura diante do aborto ou da anticoncepção? Como atua a crítica à pobreza? A análise de uma socióloga para além das historietas. A pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet), a socióloga Verónica Giménez Béliveau, além de trabalhar no Centro de Estudos e Pesquisas Trabalhistas, também atua como professora adjunta do seminário Sociedade e Religião, na Universidade de Buenos Aires, dentro da Faculdade de Ciências Sociais.

:: ‘A JMJ cristalizou a consagração da cultura gospel católica no Brasil’. Entrevista especial com Brenda Carranza – IHU On-Line: 31/07/2013
Parece-me que esta primeira viagem internacional do Papa é fundamental para compreender a dimensão das rupturas simbólicas que têm marcado o início de seu pontificado. Rupturas que, como já disse, articulam-se na solda que seus discursos, palavras e gestos mostram. A passagem de Francisco pelo Brasil sinaliza uma outra rota de um papado mais latino-americano do que europeu, mais colegiado do que hierárquico, mais pastoral do que magisterial, mais coração do que razão, mais Vaticano II do que disciplinar, mais social do que doutrinal, mais inspirador do que admoestador. Enfim, mais respiro. Estamos diante de novos rumos do catolicismo? O tempo confirmará. Por hoje, é uma esperança.

:: Uma Igreja missionária: a reforma de Papa Francisco. Entrevista especial com Sérgio Coutinho – IHU On-Line: 01/08/2013
Coutinho ressalta que Bergoglio [na visita ao Brasil] desenvolveu um “verdadeiro programa pastoral” para os bispos do Brasil e do CELAM, o qual teve como “chave de leitura não o magistério dos Papas anteriores e dos Padres da Igreja, mas o magistério dos bispos da América Latina e Caribe explicitado no documento de Aparecida”, acentuando a necessidade de uma “conversão pastoral”. Coutinho concorda com o conhecido vaticanista italiano Marco Politi: este pontificado é sim de “ruptura”. Ruptura com o modo “monárquico-imperial” de papado para um mais “pastoral-colegial”. Faz lembrar muito o pontificado de João XXIII, mas só que não na condição de um pontificado de “transição” após a longuíssima era do papa Pio XII. Desta vez, paradoxalmente, o pontificado de “transição” foi feito justamente por Bento XVI porque, mesmo sendo uma continuidade em termos de projetos eclesiológicos (ou modelos de Igreja) com o longo período de governo de João Paulo II, ele iniciou a “ruptura” com a sua renúncia e isto que possibilitou este giro de 180º. Por isso, Coutinho se lembra também de um famoso livro do historiador italiano Giuseppe Alberigo sobre o papa Roncalli: “Do Bastão à Misericórdia”. O papa Francisco está de fato reintroduzindo este giro: do “bastão”, da “volta à grande disciplina” (João Batista Libânio) de João Paulo II e Bento XVI, para a “misericórdia”. Neste sentido, “misericórdia”, “serviço”, “diálogo”, “proximidade”, “encontro”, “simplicidade” e “transparência” são as palavras de ordem deste pontificado.

:: ”Mudanças na Igreja não acontecem como num passe de mágica”. Entrevista especial com Manoel Godoy – IHU On-Line 07/08/2013
É interessante a observação que ouvi de quem esteve muito perto de todo o acontecimento da JMJ. Uma coisa é o discurso do Papa, outra a postura do clero presente: nada mudou. Os carreiristas continuaram buscando espaço de poder do mesmo jeito. Muita gente terá que adaptar-se em alguns aspectos, frente à nova agenda trazida pelo papa Francisco à Igreja, mas a mentalidade nociva de busca de poder, pelo que se viu durante a JMJ, continua sem grandes alterações. Também a performance dos novos movimentos continuou, como nas JMJ anteriores, a mesma. Será que os grandes eventos da Igreja continuarão a ser o momento forte de afirmação dos novos movimentos de corte fundamentalista e integralista?

Francisco em Lampedusa

Não sabemos como vai acabar, se o pontífice argentino vai se manter de pé diante das oposições (por enquanto) subterrâneas. Mas a Igreja, como ele a entende, da forma como ele a faz entrever em Lampedusa e como ele espera remodelá-la, é assim. Sóbria, “pobre e para os pobres”, uma Igreja para todos e não apenas para o rebanho dos fiéis, estendida para os desventurados, muito concreta ao mostrar ao mundo o que está errado e em apontar as responsabilidades dos maiores poderes político-financeiros que preferem se entrincheirar no anonimato.

Leia o artigo de Marco Politi: Em Lampedusa, para o desgosto de uma certa parte do clero.

Publicado em Il Fatto Quotidiano em 09/07/2013. Em português está em Notícias IHU On-Line de 10/07/2013.

Leia Mais:
Francisco foi a Lampedusa para chorar pelos mortos
O ”mea culpa” do papa entre os imigrantes em Lampedusa para recordar os mortos no mar
“A globalização da indiferença nos tirou a capacidade de chorar”. O discurso de Francisco em Lampedusa

A transnacionalização de credos brasileiros

Sementes ao vento: a diáspora das religiões brasileiras no mundo: tema de capa da revista IHU On-Line 424, de 24.06.2013.

A revista

Diz o editorial:
Como podemos compreender o fenômeno da transnacionalização de credos brasileiros? Quais são os contextos em que se inserem? Como a sociedade receptora dessas formas diferentes de fé se relaciona com seus praticantes? Essas e muitas outras questões permeiam o debate do qual brotam respostas apontam para a necessidade de ulteriores pesquisas, análises e reflexões.

Alberto Groisman, da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, examina o Santo Daime como uma “amazonização” do Cristianismo e síntese da religiosidade e subjetividade contemporâneas.

A Umbanda e o Batuque no Cone Sul e a estigmatização social de seus praticantes é o assunto de Alejandro Frigerio, da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales Argentina e da Universidade Católica Argentina.

Os jogadores de futebol como pastores neopentecostais e a cosmologia da prosperidade são debatidos pela antropóloga Carmen Rial, da UFSC.

Ushi Arakaki fala sobre a Umbanda no Japão e a busca pela ressignificação da vida dos nipo-brasileiros.

Brenda Carranza (PUC-Campinas) e Cecília Mariz (Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ) dissecam o “catolicismo tipo exportação” e a “missão reversa” atribuídos à Canção Nova.

Dario Paulo Barrera Rivera, da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, discorre sobre o pentecostalismo brasileiro no Peru, representado pela Igreja Pentecostal Deus é Amor.

O sociólogo José Cláudio Souza Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, recupera a gênese do Vale do Amanhecer, surgido em Brasília, e agora ativo em Atlanta, nos Estados Unidos.

Uma entrevista com Sara Delamont e Neil Stephens, da Universidade de Cardiff, no País de Gales, debate tanto a secularização gradativa dessa nação, até as referências religiosas do Candomblé e da Umbanda oriundas da capoeira.

A publicação da coletânea The Diaspora of Brazilian Religions, 2013, organizada pela pesquisadora Cristina Rocha, da Universidade do Oeste de Sydney, na Austrália, e pelo pesquisador Manuel Vásquez, da Universidade da Flórida, nos EUA, propiciaram a edição deste número da revista IHU On-Line.

 

O livro

ROCHA, C.; VASQUEZ, M. A. (eds.) The Diaspora of Brazilian Religions. Leiden: Brill, 2013, 408 p. – ISBN 9789004236943.

The Diaspora of Brazilian Religions explores the global spread of religions originating in Brazil, a country that has emerged as a major pole of religious innovation and production. Through ethnographically-rich case studies throughout the world, ranging from the Americas (Canada, the U.S., Peru, and Argentina) and Europe (the U.K., Portugal, and the Netherlands) to Asia (Japan) and Oceania (Australia), the book examines the conditions, actors, and media that have made possible the worldwide construction, circulation, and consumption of Brazilian religious identities, practices, and lifestyles, including those connected with indigenized forms of Pentecostalism and Catholicism, African-based religions such as Candomblé and Umbanda, as well as diverse expressions of New Age Spiritism and Ayahuasca-centered neo-shamanism like Vale do Amanhecer and Santo Daime. 

 

Os autores

Cristina Rocha, Ph.D. (2004, University of Western Sydney) is a Research Fellow at the Religion and Society Research Centre and a Senior Lecturer at the School of Humanities and Communications, Arts, University of Western Sydney, Australia.

She is the editor of the Journal of Global Buddhism. Her publications include Buddhism in Australia (with M. Barker, Routledge, 2010) and Zen in Brazil: The Quest for Cosmopolitan Modernity (Hawaii UP, 2006).

Manuel A. Vasquez, Ph.D. (1994, Temple University) is Professor at the Religion Department, University of Florida.

He is the author of More than Belief: A Materialist Theory of Religion (Oxford UP, 2011) and The Brazilian Popular Church and the Crisis of Modernity (Cambridge UP, 1998). He also co-authored Living ‘Illegal’: The Human Face of Unauthorized Immigration (New Press, 2011) and Globalizing the Sacred: Religion across the Americas (Rutgers, 2003).

Contributors include Ushi Arakaki, Dario Paulo Barrera Rivera, Brenda Carranza, Anthony D’Andrea, Sara Delamont, Alejandro Frigerio, Alberto Groisman, Annick Hernandez, Clara Mafra, Cecilia Mariz, Deirdre Meintel, Carmen Rial, Cristina Rocha, Camila Sampaio, Clara Saraiva, Olivia Sheringham, Neil Stephens, Jose Claudio Souza Alves, Claudia Swatowiski, and Manuel A. Vasquez.