Lugo toma posse como Presidente do Paraguai

Em 15 de agosto de 2008 Fernando Lugo tomou posse como Presidente do Paraguai. Leia abaixo duas entrevistas com Fernando Lugo, uma de 2007 e outra de 2017.

 

“O Paraguai subsidia as indústrias de São Paulo”. Entrevista especial com Fernando Lugo

A novidade política no Paraguai se chama Fernando Lugo. O seu nome surgiu recentemente no cenário político paraguaio e já lidera as pesquisas para as eleições presidências no país vizinho que se realizarão no próximo ano. Engana-se quem pensa que ele seja apenas mais um desses personagens efêmeros na política. Lugo tem raízes sólidas. Por detrás da sua candidatura está o movimento popular Tekojoja, que reúne os principais movimentos sociais do Paraguai.

Fernando Lugo emociona-se quando comenta o abaixo-assinado de 100 mil assinaturas que o fez aceitar o desafio da candidatura. Como a Constituição paraguaia proíbe candidatos vinculados a qualquer instituição religiosa, Lugo apresentou a sua renúncia da condição de bispo ao Vaticano.

Em sua breve passagem por Curitiba, Fernando Lugo concedeu uma entrevista exclusiva ao IHU On-Line. A entrevista foi feita pelo Cepat. Na entrevista, Lugo fala da sua família, da sua vida de estudante, da opção pela vida religiosa até a decisão de assumir a luta política. Expõe o temor de que sua candidatura seja impugnada e o seu desejo de mudar radicalmente o Paraguai. Fala, ainda, do programa de governo e da necessidade de se rever o contrato com a Itaipu. Ele comenta também a conjuntura política latino-americana.

A entrevista

IHU On-Line: Quem é Fernando Lugo?

Fernando Lugo: Eu nasci, em 1952, numa localidade muito pequena, San Solano, local onde moravam no máximo umas 60 famílias. No ano em que nasci, toda a minha família precisou se mudar para uma cidade maior em função da necessidade dos meus irmãos seguirem estudando. Somos seis irmãos – cinco irmãos e uma irmã -, e eu sou o último dos irmãos. A minha educação primária se deu em uma escola religiosa, ao mesmo tempo em que trabalhava nas ruas de Encarnación vendendo coisas, empanadas, alimentos, café Cabral – um café do Brasil –, ou seja, o trabalho foi uma das características da família. Quando chegou o momento de decidir-me pelo curso universitário, meu pai queria que eu fosse advogado. Ele sempre quis que algum dos seus filhos fosse advogado, tentou com os maiores e não conseguiu e tampouco conseguiu comigo. Eu queria ser professor e então entrei no magistério e com 17, 18 anos já estava lecionando em uma localidade, Hohenau 5, para mais de cem alunos, cinqüenta pela parte da manhã e cinqüenta pela parte da tarde. Creio que ali foi que Deus me tocou – nessa experiência como professor em Hohenau 5. Em 1971, decidi entrar no Seminário na Congregação do Verbo Divino.

IHU On-Line: Seus pais acolheram bem a sua decisão?

Fernando Lugo: Não. Não aceitaram. Minha família não é uma família religiosa. Eu nunca vi o meu pai ir a uma Igreja, mas ao mesmo tempo sempre foi uma família muito justa, muito generosa, muito solidária. Não eram praticantes da religião e foi um golpe para eles a minha decisão de ir para o seminário. Mas quero destacar que a minha família sempre foi muito perseguida pelo regime de Stroessner. O meu pai esteve por vinte vezes na prisão…

IHU On-Line: Vinte vezes?

Fernando Lugo: Isso mesmo. Três dos meus irmãos foram presos e torturados e expulsos do país porque faziam oposição a Stroessner. Eles participavam de uma dissidência do Partido Colorado que não aceitava a ditadura. Meus irmãos foram expulsos em 1960, e apenas 23 anos depois fui encontrar-me com eles, no natal de 1983. Digo isso porque no meu sangue há um sangue da política que foi canalizada para a vida missionária.

IHU On-Line: Quando decidiu ir para o seminário, qual era a sua idade?

Fernando Lugo: 19 anos. Com o tempo reconciliei-me com o meu pai, um homem de caráter muito forte, ao contrário de minha mãe, uma mulher de um caráter mais doce, suave, carinhosa.

IHU On-Line: Mas a sua motivação para a vida religiosa vem de onde, considerando-se que a sua família não era religiosa?

Fernando Lugo: Vem de Hohenau 5. Em 1970, comecei a lecionar e a ler os evangelhos. O povo dessa localidade era muito religioso e não tinha sacerdote. O sacerdote vinha uma vez por mês, às vezes a cada dois, três meses, mas as pessoas religiosamente se reuniam todos os domingos e eu participava com eles das celebrações dominicais, leitura da palavra de Deus, comentários, orações, cantos e foi daí que surgiu a minha motivação para a vida religiosa. Foi em Hohenau 5 que Deus tocou em minha vida e ali uma série de questionamentos surgiram, até que no final do ano decidi ir para o Seminário.

IHU On-Line: Como foi a sua vida de estudante universitário, na Teologia?

Fernando Lugo: A minha vida universitária se caracterizou muito pela participação no movimento estudantil. Quase sempre fui presidente do centro acadêmico de Teologia em articulação com os centros de outras faculdades, de direito, de engenharia, que eram os grupos estudantis aguerridos em Assunção. Após terminar a Teologia, fui para o Equador onde fiquei por cinco anos.

IHU On-Line: O sr. foi ordenado sacerdote em que ano?

Fernando Lugo: Em 1977. Nesse mesmo ano, vou para o Equador trabalhar em paróquias, colégios, nos presídios, com as pessoas do campo e creio que aí acontece a segunda etapa da minha formação, porque no Paraguai nunca tínhamos estudado Teologia da Libertação. No Equador, de 1977 a 1982, se conformou, em 1979, por ocasião da 3a. Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, em Puebla, uma coordenação da Igreja dos pobres, do qual eu fiz parte e isso complementou a minha formação, o meu ideal, a minha opção de trabalhar no campo social.

IHU On-Line: E o sr. é ordenado bispo em que ano?

Fernando Lugo: Em 1994. Em 1982, eu volto do Equador e por um ano trabalho em uma paróquia no Paraguai. Em fevereiro de 1983, recebo uma ordem de expulsão do Paraguai. A Polícia paraguaia pede ao bispo de Encarnación que, pela segurança do país, eu deveria sair do Paraguai…

IHU On-Line: Por que razão?

Fernando Lugo: Por sermões altamente subversivos, por atentar contra a paz social e por falar contra o governo… Então nessa conjuntura saio do país e vou para Roma estudar. De 1983 a 1987, fico em Roma até retornar ao Paraguai e então passo a dedicar-me à docência, ensinando, sobretudo Ensino Social da Igreja. Aí já estamos em outra conjuntura. Nessa época, trabalhei muito com a Conferência Episcopal Paraguaia, como assessor teológico e também como assessor teológico do Celam.

IHU On-Line: Considerando-se a sua trajetória, não surpreende que o senhor já ligado à Teologia da Libertação seja ordenado bispo? Como se explica a sua ordenação?

Fernando Lugo: Eu tinha uma excelente relação com o episcopado paraguaio. Como sacerdote, estive trabalhando como assessor do Celam na área do Ensino Social da Igreja. Havia uma garantia institucional do meu trabalho que me deu credibilidade e legitimidade.

IHU On-Line: O sr. é ordenado bispo e assume uma diocese…

Fernando Lugo: A diocese mais pobre o país, San Pedro, uma diocese na qual há muitos problemas sociais e econômicos. Até 1994, quando assumi a diocese, em todo o Paraguai houve 112 ocupações de terra. Dessas, 52 foram em San Pedro. Por um lado, é o Departamento de maior número de latifúndios e, de outro, o trabalho pastoral social que organizou os camponeses sem terra. Essas ocupações de terra continuaram acontecendo porque os caminhos legais, institucionais, para se conquistar a terra são ineficientes no Paraguai. Para que os camponeses tenham terra no Paraguai, é preciso ir para as estradas, ocupar as terras, morrer dois ou três, para que depois algo seja conquistado. Assim é o processo de luta pela terra em nosso país.

IHU On-Line: Na sua diocese, muitos conflitos agrários, pobreza…

Fernando Lugo: Quando eu cheguei, havia 650 comunidades eclesiais de base; quando saí havia mil. Fizemos lá o 1o. Encontro Diocesano de Comunidades Eclesiais de Base, o 1o. Encontro nacional e o 5º Encontro Latino-americano e Caribenho de Comunidades Eclesiais de Base em 1997. San Pedro foi notícia eclesial pelo tipo de organização eclesial que mantínhamos dentro da Igreja, de estrutura laical, horizontal, de assembléias diocesanas com muita participação de leigos.

IHU On-Line: Na seqüência o sr. assume um novo momento em sua vida, que é a luta política institucional. Qual foi o momento decisivo para que o sr. se decidisse pela política?

Fernando Lugo: Saio da diocese em 2005 e fico pensando que os grandes esforços que se fez através da Igreja, com as pastorais sociais, não obtiveram o êxito desejado e me dei conta que as mudanças reais na economia, no social, vêm da política. Então, reunido num grupo de amigos de 12 pessoas, no dia 3 de janeiro de 2006 – um grupo de estudo, de análise, do qual participavam artistas, intelectuais, camponeses, estudantes, pessoas de Igreja para pensar o país. Esse grupo foi crescendo, crescendo e se converteu, em 17 de dezembro, no movimento popular Tekojoja, que se tornou o movimento político de maior crescimento no país em um tempo tão pequeno. Este grupo é um dos grupos que propugna a minha candidatura para a presidência da República. O grupo coletou um abaixo-assinado de cem mil assinaturas que me foi apresentado em 17 de dezembro de 2006 para que eu me dedicasse à política. Este grupo se converteu hoje, no Paraguai, num dos grupos mais fortes na dinâmica da política do país.

IHU On-Line: O sr. renunciou à sua condição de bispo ou o Vaticano o expulsou? O sr. poderia esclarecer essa situação?

Fernando Lugo: No dia 22 de dezembro de 2006, eu apresento a minha renúncia ao ministério sacerdotal e episcopal na Nunciatura do Paraguai. No dia 25 de dezembro de 2006, eu anuncio publicamente o pedido de renúncia. No dia 04 de janeiro de 2007, a resposta do Vaticano é a de que não aceita a minha renúncia. Posteriormente, vem a suspensão de todo o meu ministério sacerdotal. Hoje, eu sou um bispo suspenso da Igreja Católica de acordo com o Direito Canônico. Por outro lado, o que diz a Constituição Nacional? A Constituição nacional diz que nenhum ministro de qualquer religião ou culto pode se candidatar à presidência e foi em função desse artigo que apresentei a minha renúncia. O fato da renúncia como um ato livre garante, segundo a interpretação dos constitucionalistas, a validez para uma candidatura e, também o artigo 42 da Constituição nacional afirma que nenhuma pessoa pode pertencer a um grupo se livremente renuncia a ele. O gesto da renúncia feito livremente já garante a habilidade para a candidatura.

IHU On-Line: Mas por que então continua havendo riscos para a impugnação de sua candidatura?

Fernando Lugo: Porque a Igreja Católica, canonicamente, diz que eu continuo sendo bispo. Por quê? Porque o sacramento da ordem imprime “caráter” indelével. Eu jamais deixarei de ser sacerdote, mesmo deixando o ministério. Trata-se de um argumento teológico. Porém, em qualquer jurisprudência de qualquer país do mundo, o argumento teológico não tem peso político. O risco é que a justiça paraguaia dê peso jurídico a um argumento teológico. Então eu posso dar peso a um argumento teológico do judaísmo, do islã, do cristianismo? Qualquer estudante do primeiro ano de Direito sabe que no conjunto de leis de um país, primeiro o que vale é a Constituição Nacional, segundo são os tratados internacionais e terceiro são as leis do país. A lei de uma determinada Igreja não entra nisso. Por isso um argumento teológico não pode ter peso jurídico.

IHU On-Line: Uma eventual impugnação jurídica de sua candidatura poderia então ser interpretada como um “golpe”?

Fernando Lugo: Sim. E mais do que um “golpe”, uma desqualificação com um argumento equivocado.

IHU On-Line: E o sr. avalia que a Suprema Corte pode lhe impugnar?

Fernando Lugo: Sim. É possível e não improvável.

IHU On-Line: Agora, uma decisão dessas teria conseqüências?

Fernando Lugo: Conseqüências que não se podem medir. Poderia haver uma reação da população, da comunidade internacional. Quando dizem que irão impugnar a minha candidatura eu digo que quero saber com que argumentos, uma vez que os constitucionalistas dizem que estou habilitado.

IHU On-Line: O sr. não confia na justiça?

Fernando Lugo: Não.

IHU On-Line: Por quê?

Fernando Lugo: Porque a composição da justiça no Paraguai é resultado de um pacto político e os partidos políticos indicam os seus representantes. Hoje a Corte Suprema da Justiça do Paraguai tem nove membros. Desses nove, cinco são do partido oficialista e quatro são da oposição. Então, não se trata de um problema jurídico, mas sim político, e “politicamente” pode ser decidido num 5 a 4.

IHU On-Line: O que então pode impedir uma eventual e possível impugnação de sua candidatura.

Fernando Lugo: Exato, associando o fato de que se utilizem do argumento teológico no lugar do argumento jurídico…

IHU On-Line: E vocês o que pensam em fazer?

Fernando Lugo: Há vários caminhos em que estamos pensando. Um deles é que não se pode prever a reação popular. Eu não posso dizer “isso não vai acontecer” [a reação popular]. Uma esperança foi colocada em marcha, há uma expectativa por grandes mudanças e as pessoas estão conscientes dessa possibilidade de se mudar de governo e se iniciar mudanças a partir das estruturas.

IHU On-Line: Quem faz parte do movimento Tekojoja?

Fernando Lugo: O movimento Tekojoja nasce quando os movimentos sociais se dão conta de que as suas grandes reivindicações, do ponto de vista social, não são atendidas, não avançam. Quando os sem-terra que querem terra, por exemplo, vêem a sua luta social sendo criminalizada. Ou no momento em que se processam mais de quatro mil camponeses. Então, o que se percebe é que ao contrário de conquistarem o que desejam, apenas vêem processos, repressão, expulsões. Isso vai debilitando a luta social. Nesse momento, esses grupos começam a pensar politicamente os seus movimentos sociais e pensam em conformar um movimento político. Nesse movimento político, Tekojoja, a grande maioria são líderes sociais, jovens estudantes, artistas, políticos que não são originários dos partidos tradicionais. Há intelectuais, operários, camponeses…

IHU On-Line: O sr. será candidato por esse movimento, não necessariamente por um partido?

Fernando Lugo: Tanto a Democracia Cristã, como o Partido Revolucionário Febrerista me ofereceram os seus partidos, mas posso ser candidato pelo Tekojoja, bem como pelo PMAS – Partido Movimento ao Socialismo, um partido novo, de jovens…

IHU On-Line: Esses partidos não fazem parte do movimento político Tekojoja?

Fernando Lugo: Não, mas fazem parte do que se chama Bloco Social e Popular. Dentro do Bloco Popular está o Tekojoja, a Democracia Cristã, o Partido Revolucionário Febrerista, PMAS, centrais sindicais, estão grupos de bairros…

IHU On-Line: Todos esses apoiarão a sua candidatura?

Fernando Lugo: Todos apóiam a minha candidatura. São 27 movimentos.

IHU On-Line: Tivemos informações que alguns desses grupos teriam retirado o apoio à sua candidatura. Isso é um fato? E por que ocorreu?

Fernando Lugo: De retirar o apoio a minha candidatura?

IHU On-Line: Correto. Informações da imprensa dão conta que dentro desse Bloco grande número de apoiadores da sua candidatura teriam falado em se retirar. Isso confere?

Fernando Lugo: Há dois grupos grandes. Um grupo é o Bloco Popular do qual participam os partidos de esquerda e, o outro, é a Concertación Nacional, no qual também participam grupos sociais e oito partidos políticos, alguns tradicionais que estão organizando a Concertación Nacional. A Concertación Nacional também me convidou para que fizesse parte dessa articulação. A Concertación Nacional unida teria o poder de garantir o controle eleitoral. Porque o Partido Liberal é um partido centenário; o Partido Pátria Querida, o Partido Unase, Encontro Nacional, País Solidário… são partidos com representação parlamentar que podem oferecer duas coisas: garantir a correta “fiscalização” do processo eleitoral e também governabilidade porque têm muitos parlamentares. O grupo Bloco Popular, em alguns aspectos, se encontra irreconciliável com a Concertación Nacional. Mas estamos buscando pontos de união. Eu estou me reunindo com a Concertación e também com o Bloco Popular. Hoje, o ponto de concordância entre os dois é a minha candidatura. Eu quero, desejo, que possamos avançar para assegurar a vitória e a governabilidade.

IHU On-Line: O Paraguai, por um lado, caracteriza-se como um país agrícola e por outro, como um país entreposto de produtos “made in China”. Porém, há indústrias no país. Como o sr. pensa a questão industrial? Qual é o seu projeto?

Fernando Lugo: Nós estamos elaborando o nosso projeto de governo com a participação popular, mas também com a colaboração de empresários, profissionais liberais e uma série de outros grupos sociais. Existem dois grandes grupos industriais que hoje, no Paraguai, vão muito bem. A indústria têxtil, que exporta muito bem, e a indústria farmacêutica. Esses grupos desejam um país sério. Os outros elementos da economia não estão bem. O desemprego é alto, a corrupção é galopante, a administração do Estado é ineficiente. Esses são aspectos que precisam ser corrigidos. Precisam ser corrigidos com um projeto diferenciado. O que queremos economicamente? Passar de uma economia agrária a uma economia industrial? Desejamos um modelo econômico diferente, baseado também na economia camponesa, ou seja, fortalecer as pequenas e médias indústrias, algumas familiares que já existem. Outro desafio é como utilizar os recursos naturais de forma responsável em favor de uma industrialização. O Paraguai tem importantes recursos naturais como a energia, acreditamos que podemos nos tornar num país hidroelétrico, e também a água. Grande parte do Aqüífero Guarani está no subsolo paraguaio e neste momento existem pesquisas em busca de petróleo no Chaco paraguaio, ou seja, temos a possibilidade da descoberta de poços petrolíferos que podem impulsionar economicamente o país.

IHU On-Line: Qual é a participação da Itaipu no PIB nacional?

Fernando Lugo: A Itaipu é um caso especial por ser uma empresa binacional. Os recursos da Itaipu não fazem parte do orçamento nacional. Conforma-se quase como se fosse um superministério. A Itaipu faz escolas, estradas, portos… praticamente se sobrepõe aos outros ministérios…

IHU On-Line: Constitui-se quase em um poder paralelo?

Fernando Lugo: É um poder paralelo no qual não há intromissão, nem fiscalização de nenhuma outra instituição. Por isso acreditamos que a transparência da administração pública terá que ser um dos elementos diferenciados num provável governo futuro.

IHU On-Line: O sr. fala em rever os contratos da Itaipu…

Fernando Lugo: Sim. Começamos uma campanha de recuperação da soberania energética. Hoje o Paraguai subsidia os industriais que utilizam a energia da Itaipu, especialmente em São Paulo. 98% da energia é utilizada pelo Brasil que representa quase 20% de toda a energia que o Brasil necessita. Acreditamos que o tratamento dos benefícios da energia não tem eqüidade e cremos que isso precisa mudar. Seguramente, no futuro, no futuro se pedirá que o governo brasileiro reconsidere os tratados de Itaipu. A energia precisa ser vendida pelo preço de mercado e não de custo.

IHU On-Line: Já houve alguma reação do lado brasileiro a essa sua afirmação de se rever o tratado de Itaipu?

Fernando Lugo: Há duas posturas. De um lado, a reação dos grupos sociais e dos partidos progressistas com quem estive reunido recentemente em Porto Alegre que acolheram com bastante serenidade essa proposta. De outro lado, o Itamarati através do ministro [Celso] Amorim que afirmou que o tratado está bom e que não precisa de nenhuma mudança. Agora, reconhecemos que qualquer mudança do tratado precisa ser discutida por ambas as partes.

IHU On-Line: O sr. fala em preço de mercado, em preço justo, é isso?

Fernando Lugo: O preço de custo não convém ao Paraguai. Atualmente, o Paraguai recebe US$ 250 milhões ao ano e se a nossa energia fosse vendida ao preço de mercado por apenas 50% do seu real valor, isso renderia US$ 1,8 bilhão ao ano.

IHU On-Line: Isso se a energia fosse vendida a 50% do preço de mercado?

Fernando Lugo: Sim. Porque se fosse vendida pelo preço de mercado poderia chegar a US$ 3,5 bilhões o que equivale à dívida externa paraguaia e a 50% do orçamento anual paraguaio.

IHU On-Line: Então é uma briga que vale a pena comprar?

Fernando Lugo: (risos) Sim, mas acredito que depende muito da vontade do governo brasileiro e também dos acordos a que se pode chegar.

IHU On-Line: E sobre o debate latino-americano das matrizes energéticas. Por um lado, Chávez insiste – em articulação com a Bolívia – num grande gasoduto, por outro lado o Brasil insiste no etanol. Como o Paraguai se posiciona e entra neste debate?

Fernando Lugo: Eu creio que o tema energético é um tema de primeiro nível em todo o planeta. Eu penso que é preciso pensá-lo não apenas do ponto de vista econômico, mas também inserir no debate a questão ambiental. O que significa isso? Há vários problemas, creio eu, que no mundo moderno, o sistema liberal não conseguiu abordar. E um deles é o meio ambiente. Como garantir que o desenvolvimento econômico não se faça em detrimento e deterioração do meio-ambiente? O problema no Paraguai é que apenas a partir de 1996, as leis contemplam delitos cometidos contra o meio ambiente. Anteriormente não era delito ecológico arrasar o meio ambiente. Como garantir que as empresas multinacionais respeitem o meio ambiente que é um grande tema planetário, especialmente relacionado à geração de energia limpa? Eu acredito que é necessário ir gerando e observando criativamente novos métodos em relação à geração de energia, mas que não vá em detrimento à ética humana e de agressão ao meio ambiente para que tenhamos um planeta mais habitável.

IHU On-Line: Na América Latina, nós percebemos que após o vendaval do neoliberalismo dos anos 1990, novos ventos políticos sopram no continente. Como o sr. interpreta essa “nova” América Latina politicamente?

Fernando Lugo: Nós vemos com bons olhos o fato de que não exista mais um determinado fundamentalismo de esquerda que caracterizou as décadas de 1960 e 70. Eu creio que existe uma esquerda mais inteligente, uma esquerda que não acredita em mudanças radicais, senão nos processos de mudança gradual e creio que é isso que está acontecendo nos países. Por mais que alguns movimentos sociais tenham as suas críticas, eu acredito que as mudanças na América Latina estão acontecendo, como no governo de Tabaré Vázquez, com Lula no Brasil, Evo na Bolívia… Governos que avançam em mudanças. Mudanças que caminham na perspectiva das grandes maiorias.

IHU On-Line: Eu vou propor ao sr. um pingue-pongue e gostaria que dissesse o que pensa de algumas lideranças políticas latino-americanas. Pode ser?

Fernando Lugo: Sim.

IHU On-Line: Chávez?

Fernando Lugo: Um cidadão venezuelano “embandeirado” por Bolívar, a de construir a grande Pátria latino-americana. Com a sua reeleição demonstra que é um líder muito aceito dentro do seu país.

IHU On-Line: Lula?

Fernando Lugo: É o líder do maior país da América. Eu penso que a sua trajetória, o seu testemunho, a história de um metalúrgico que chega à presidência… e a sua reeleição é também a garantia da solidez de sua liderança dentro das condições críticas que não faltam sempre em qualquer governo.

IHU On-Line: Evo Morales?

Fernando Lugo: Apresenta um novo paradigma, um novo ingrediente na política, o étnico, que é um elemento ideológico que aponta para o desejo da Bolívia incluir os que foram esquecidos historicamente.

IHU On-Line: Michelle Bachelet?

Fernando Lugo: Uma mulher que rompe com o paradigma de liderança machista dentro da política com o ingrediente de gênero e, que ao mesmo tempo, tem a capacidade intelectual e de liderança política para levar adiante o seu país.

IHU On-Line: Rafael Correa?

Fernando Lugo: Cria um novo modo de governabilidade. Eu sempre digo que no Paraguai, no Brasil, o presidente sempre governa com o parlamento, que Chávez de alguma maneira governa com o parlamento e assume o poder em sua pessoa, Correa, sem ter parlamentares governa com o povo. Eu creio que é um novo modelo de governabilidade dando participação real e decisão à maioria equatoriana.

IHU On-Line: Néstor Kirchner?

Fernando Lugo: O seu primeiro período não foi muito fácil porque teve que tomar grandes decisões em favor da maioria do povo argentino e contra os interesses das grandes forças econômicas mundiais como o Banco Mundial e o FMI e, atualmente também demonstra que a Argentina pode ser diferente com uma liderança forte, sobretudo com medidas econômicas e sociais que tem tomado em favor das maiorias populares em seu país.

IHU On-Line: Muitos consideram o movimento indígena latino-americano o novo protagonista de mudanças significativas na região, muito mais que o movimento operário. O sr. concorda?

Fernando Lugo: O movimento operário e o movimento dos trabalhadores, pelo menos no Paraguai, foram cooptados pelo sistema e foram debilitados. O movimento operário está muito debilitado. As centrais sindicais que já foram determinantes, hoje já não são. Sem dúvida, o elemento étnico protagonista é o movimento indígena, sobretudo nos países andinos.

IHU On-Line: Qual é a sua impressão sobre o EZLN e o MST?

Fernando Lugo: Eu creio que o movimento zapatista é um movimento histórico, “embandeirado” em Zapata, grande revolucionário da Reforma Agrária no México. O zapatismo assume um protagonismo político no México, especialmente em 1994, naquele 1º de janeiro em San Cristobal de Las Casas para se fazer perceber no mundo que é uma região marginalizada historicamente. O que é lamentável são as forças repressivas que agem de forma muito dura contra os zapatistas. Mas eu creio que o movimento revolucionário armado… não sei se tem futuro hoje na América Latina. Eu creio que os elementos de paz hoje são mais capazes de fazer as mudanças. Creio que cada um tem a sua lógica, as suas razões, os seus argumentos para realizar as suas lutas, mas eu acho que na América Latina, hoje, movimentos revolucionários não têm futuro.

IHU On-Line: E o MST?

Fernando Lugo: O MST no Brasil é um movimento que acolhe as bandeiras dos excluídos. Creio que em toda a América Latina não é possível falar em mudanças sem ter em conta a Reforma Agrária, o problema escandaloso da concentração de terras, como no Paraguai, por exemplo. Eu penso que o movimento sem terra coloca em debate não apenas elementos reivindicativos, mas propostas por mudanças reais e creio que isso é muito positivo.

IHU On-Line: As eleições no Paraguai acontecem no próximo ano. Como o sr. está se preparando para essa disputa?

Fernando Lugo: Estamos em um processo de conversa com a população. O que nós queremos é que se Lugo chegar ao governo, o povo tenha o poder, que o povo seja protagonista, que o povo elabore o programa e eu me coloco a disposição desse povo. Eu creio que pode ser uma utopia, mas gostaria que o povo recuperasse o seu protagonismo de poder. A mudança real tem que vir do povo.

IHU On-Line: Caso o sr. seja eleito, qual seria a sua primeira medida de governo?

Fernando Lugo: A primeira medida seria tornar a justiça independente, autônoma e soberana e não resultado de um pacto político, dependente dos partidos políticos. Outra é adotar uma administração honesta, trabalhar por um pacto social amplo e poder desenhar um crescimento econômico com equidade social.

IHU On-Line: Será possível sem rupturas? A elite aceitará mudanças profundas?

Fernando Lugo: As mudanças violentas não garantem a paz social duradoura. Queremos que grupos sociais antagônicos possam se sentar e, olho no olho, possam discutir o Paraguai que sonhamos e que é possível construir juntos.

IHU On-Line: Como o sr. se define ideologicamente?

Fernando Lugo: Em primeiro lugar, creio que a minha formação cristã marca a minha concepção de vida, o desejo de eqüidade, de igualdade social, de justiça, a busca pelo verdadeiro Reino de paz, de amor. Carrego também elementos da identidade socialista, de alguma maneira sou socialista, assumo elementos do socialismo moderno, sobretudo, aquele que busca a eqüidade, a igualdade, a não discriminação, a participação social de todos os grupos sociais.

Fonte: IHU – 28 de maio de 2007

 

 

“A minha missão era evangelizar o ambiente político”. Entrevista com Fernando Lugo

O atual presidente do Senado pela Frente Guazú conta como entrou na política e fala sobre sua relação com o Vaticano, suas recordações de Perón, seus vínculos com a Teologia da Libertação e a necessidade de uma reforma agrária.

“Amiga, vem tomar um mate com absinto e carqueja, amargo como a verdade”, convida. Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai de 15 de agosto de 2008 até 22 de junho de 2012, recebe o Página/12 em sua casa, em um bairro operário de Assunção. Tudo no lugar é simples: as poltronas floreadas, as imagens de Nossa Senhora, crucifixos e um enorme quadro do general José Gaspar Rodríguez de Francia y Velasco (1776-1840), o principal representante do movimento independentista e ideólogo da emancipação paraguaia.

A casa deve ter mais de 30 anos à qual foram anexados um escritório e um lugar que é uma mistura de churrasqueira e sala de jantar, onde mais tarde, naquele domingo, seus dois filhos iriam almoçar. Antes, durante uma hora e meia de conversa e mate, o atual presidente do Senado pela Frente Guazú preocupa-se em responder a cada uma das perguntas.

A entrevista é de Any Ventura, publicada por Página/12, 26-08-23017. A tradução é de André Langer.

A entrevista

Como foi sua relação com a Igreja e especialmente com o Vaticano? Foi preciso falar com o Papa para deixar de ser bispo e dedicar-se à política.

De acordo com a teologia, eu não podia ser candidato a presidente. Porque há dois sacramentos na Igreja que imprimem caráter, ou seja, que têm caráter indelével, que não se apagam nunca, e um deles é o sacerdócio; o outro é o batismo. Por isso, não existe o rebatismo, não existe o re-sacerdócio; uma pessoa é sacerdote in aeternum até a morte.

Qual foi a relação que a sua história e a sua maneira de pensar tiveram com a revolução cubana, com Fidel Castro?

Nenhuma. O Equador me abre os olhos para a perspectiva Latino-Americana. Aqui no Paraguai tínhamos uma formação muito fechada; aqui, nos seis anos de formação, nunca ouvimos falar da Teologia da Libertação. Eu fui o primeiro professor de Teologia da Libertação quando voltei para o Paraguai em 1982. Porque eu fiz minha tese sobre a Teologia da Libertação. O Equador me abre os olhos. Em 1978, aconteceram os preparativos para a Conferência de Puebla e nasceu no Equador a famosa Coordenação da Igreja dos Pobres. Com um grupo de sacerdotes pastoralistas, muito avançados, biblistas. Isso marca uma certa consciência pastoral, social também, muito comprometida.

Ou seja, você demorou para se relacionar com os movimentos da Igreja para a libertação.

É verdade. Quando aconteceu a revolução sandinista eles vieram pedir alfabetizadores no Paraguai. E foram cerca de 100 rapazes da paróquia, desse grupo de fundadores da Igreja dos Pobres. Até esse momento eu não tinha nenhuma relação com nenhum movimento socialista da América Latina. Ouvia-se lá por 1976 certa relação clandestina com certos movimentos que vinham da Argentina, do Chile, mas nunca tivemos relação com eles.

O que pensava do peronismo?

Eu nasci em 1951, em um povoado pequeno e tenho uma recordação muito infantil, de um homem muito generoso que amava os pobres e que mandava brinquedos às crianças. Mas, na América Latina, também se tinha conhecimento da relação de Perón com alguns líderes vinculados ao fascismo.

Bom, a relação de Perón com Stroessner não era nenhum segredo.

Ele esteve exilado aqui alguns meses.

Como você deixou de ser militante religioso para tornar-se político e chegar à presidência do Paraguai?

Eu nunca tomo uma decisão sozinho, sempre tenho amigos companheiros, a família, minha irmã, a que foi primeira dama e que viveu a minha transformação. Lembro perfeitamente do que tínhamos conversado com ela; nesse dia eu pergunto a ela e a outro irmão o que pensavam sobre isso. E me disseram: “se pudeste dedicar-te 30 anos à Igreja, podes dedicar-te a um país”. A missão era agregar um ingrediente ético à política, evangelizar o ambiente político. Em dezembro de 2006, iriam fazer um abaixo-assinado para reunir 10 mil assinaturas e me trouxeram 120 mil. E isso não me deixou dormir. Aí decidi pedir a redução ao estado laical para poder me dedicar à política. Para os bispos e os sacerdotes é muito fácil criticar as deficiências. Um professor meu de teologia me disse: “a política é um pântano de onde ninguém sai limpo”.

E decidiu entrar no barro.

Decidi embarrar-me, entrar no campo com todas as normas e leis. Jogar em campo alheio. Sou o único político do Paraguai que não está filiado a nenhum partido. Estou por afinidade ideológica, afinidade estratégica, na Frente Guazú.

A questão dos camponeses e a reforma agrária sempre rondaram em sua cabeça.

Sim, eu costumo dizer que enquanto não se fizer uma genuína reforma agrária no Paraguai, aqui não se poderá respirar certa paz social. Eu coloquei isso na medula. Esse foi o foco central, inclusive da minha destituição.

Não tenho a menor dúvida sobre isso.

Com uma desigualdade na posse da terra dessas, não se pode ficar calado. Como dizia em San Pedro, se nós calarmos, a terra gritará.

Entre a reforma agrária que sonhou e a reforma agrária possível, não havia uma negociação intermediária?

Aqui o problema da posse da terra é muito complexo. Há 8 milhões de hectares de terras adquiridas ilegalmente, distribuídas abundantemente nos tempos da ditadura e essa gente continua no poder. Eu não quis fazer uma reforma agrária; eu simplesmente pedia aos fazendeiros para que mostrassem seus títulos. Mas há tantos títulos ilegais no país que é impossível provar que essas terras foram adquiridas legítima e legalmente.

Vamos falar do julgamento político que você sofreu. Qual foi, para você, a verdadeira explicação?

Na política, muitas vezes é mais importante o que se cala do que aquilo que se diz. Porque por trás de tudo o que se disse sobre esse chamado julgamento político há muitos silêncios. Por que Lugo? Por que Dilma? Por que tentaram com Correa? Por que tentaram com Evo? Eu acredito que os Estados Unidos, a dominação do império, não podem permitir que estes governos continuem a crescer.

O que exatamente aconteceu com você?

Eles se puseram a investigar até a última gota de combustível que eu usava na presidência. E aí houve um reconhecimento de que fui um dos presidentes que não meteu a mão na botija. E o sistema funciona com corrupção. Há corrupção nos Estados Unidos, em Genebra, na Itália, na Argentina; em todas as partes há corrupção.

A corrupção é mais funcional ao sistema do que a ética.

Sem dúvida. Sem dúvida alguma. Por quê? Porque também é uma forma de dominação.

Como repercutiram em você e na sociedade as denúncias sobre a paternidade?

Bem, em primeiro lugar, eu assumi a paternidade com absoluta responsabilidade, como disse Francisco em seu livro sobre a terra (a Encíclica Laudato Si’), na página 58: “Fernando Lugo, um bispo que teve um tropeço e se arrependeu”. Isso foi em 2002. O outro caso aconteceu em 2007. Quando eu já estava fora de San Pedro (da diocese). É claro que a corporação midiática, que responde à oligarquia carregou na tinta, mas bem. Eu assumo. Quem não tem erros? E aqueles que mais denunciavam são aqueles que tinham filhos não reconhecidos aí no Parlamento. E os empresários.

O celibato já foi questionado na Igreja?

Eu penso que é uma reflexão que precisa ser feita na Igreja; aqui temos inclusive a experiência dos diáconos casados. Eu reconheço que tropecei, foi um momento de fraqueza, reconheço que não fui um bom exemplo, digamos, em termos de assumir o compromisso de uma vida casta dentro da Igreja e ser um testemunho. Muitas pessoas ficaram escandalizadas, muitas pessoas me diziam que eu era como uma punhalada nas costas da Igreja.

Durante a sua presidência você teve um câncer.

Eu tive um câncer em três lugares: na região da virilha, no mediastino e numa parte óssea da coluna. Eu me curei do câncer porque reagi imediatamente. Aqui eu tenho duas, três coisas muito claras. Aí está o meu santo padroeiro dos enfermos de câncer, a quem rezo todos os dias… Tenho um pé de graviola, coração da Índia, araticuguazu e a quimioterapia. As três coisas, uma santíssima trindade que me limpou o câncer, junto com o profissionalismo dos médicos que me atenderam a tempo.

Como era a sua relação com Néstor Kirchner?

A Cristina chegou quando eu assumi, mas com Néstor, depois, na Secretaria da Unasul, eu tinha uma relação muito boa; ele veio ao Paraguai, tínhamos longas conversas; a mesma aconteceu com Lula e com Chávez, os três presidentes que, de alguma maneira, me ensinaram muitíssimo sobre a política, o que é o governo, o que são as relações internacionais. Evidentemente, também tenho uma boa amizade com Correa, com Evo, eh, com Michelle, com Tabaré.

Como analisa o governo de Horacio Cartes?

É um governo diferente do nosso, é um governo para alguns poucos. O mais revolucionário que tínhamos era fazer um governo para todos. Nosso lema era “Um Paraguai para todos e todas”. Este é um governo para alguns, um governo para os ricos; aqui há gente que vive muito bem, os fazendeiros, os bancos, as financeiras, os investidores, eh, eles têm um Paraguai fantástico, não é verdade? Um país de maravilhas. Eu costumo dizer que o presidente é um empresário, não um político. Ele não vai deixar de ser empresário, vai continuar pensando como um empresário e, infelizmente, quer administrar o país como se fosse sua empresa. Não dialoga, não pergunta. Infelizmente, deu muito poder aos seus gerentes e não à classe política.

Ele se parece com Mauricio Macri?

Eu conheço pouco o Macri, certo? Não tenho informações de dentro. Mas, sim, eu acredito que mais que Macri há uma matriz; há algo em comum com o Brasil, a Argentina e o Paraguai.

Como é ser presidente do Senado em franca minoria?

O Palácio do Governo era como uma panela de pressão, porque havia a pressão de todo o país, e aqui é uma panela de pressão onde tenho 44 colegas, de igual para igual. Eu sou o diretor inter pares, não sou mais que eles; há dois vice-presidentes de dois partidos diferentes e sou presidente de todos, dos 44. Tenho que escutar os 44, estar a serviço dos 44, de diferentes partidos políticos. Podemos concordar em determinadas votações, em determinados interesses, ou estar totalmente em desacordo, mas procuro propiciar um ambiente de convivência democrática.

Você pode concorrer novamente à presidência?

Estou com as portas fechadas para ser presidente. Muitos do meu círculo político dizem que veem com esperança [uma possível nova candidatura], mas eu não acredito. Eu quero ser realista, não quero vender espelhinhos, não quero vender ilusões às pessoas.

Neste país, é possível neste país pensar no matrimônio igualitário?

A população é muito conservadora, o Paraguai é um país conservador. Também há uma questão, talvez muito pessoal. Eu não daria à união entre homens ou entre mulheres o estatuto jurídico de matrimônio. Porque a finalidade do matrimônio, a primeira finalidade é a felicidade, a segunda é a procriação, e eles estão impossibilitados para a procriação.

Onde acredita que errou?

Eu me tornei presidente na hora errada, cheguei com muita ingenuidade. Sem a astúcia da política, sem conhecer os meandros, sem saber como se resolvem os problemas políticos. Aqui havia uma prática política muito ativa do toma lá, dá cá… e eu não entendi isso.

 

Fonte: IHU – 28 de agosto de 2017

Entenda o conflito no Cáucaso

Duas análises do conflito no Cáucaso.

 

Lições do conflito na Ossétia – Paul Reynolds – BBC Brasil: 11/08/2008

Apesar de o confronto na Ossétia do Sul ainda não ter terminado, e a possibilidade de choques por conta de outro enclave na Geórgia, na região de Abecásia, parecer estar aumentando, talvez não seja muito cedo para tentar tirar lições da crise.

1. Não soque um urso no nariz a não ser que ele esteja firmemente amarrado.

O presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili deve ter pensado que a Rússia não iria reagir com força ao enviar suas tropas para retomar o controle de um território que ele insiste deve permanecer parte da Geórgia, apesar de contar com alguma autonomia, na véspera dos Jogos Olímpicos.

Mas as chances de a Rússia reagir sempre foram muito prováveis. A Rússia já mantinha tropas na região, liderando a força de paz estabelecida em 1992 por um acordo entre o então presidente russo Boris Yeltsin e o presidente da Geórgia Edward Shevardnadze, o ex-ministro do Exterior soviético que ajudou a pôr fim à Guerra Fria.

A Rússia vem apoiando os separatistas da Ossétia do Sul e entregou passaportes russos à população, o que dá ao país argumentos para alegar que está defendendo seus cidadãos.

O resultado do que muitos veem como um erro de cálculo é que o presidente Saakashvili pode perder qualquer esperança de voltar a impor o poder da Geórgia sobre o enclave.

2. A Rússia está determinada, para dizer o mínimo.

A Rússia, como já o fez tantas vezes no passado, se vê cercada.

Em uma reveladora entrevista ao ex-correspondente da BBC em Moscou Tim Whewell no início deste ano, um assessor do então presidente Vladimir Putin, Gleb Pavlosky, disse que, depois da Revolução Laranja na Ucrânia, a liderança russa concluiu que “isto é o que enfrentamos em Moscou, o que estão tentando exportar para nós, que nós devemos nos preparar para esta situação e, muito rapidamente, fortalecer nosso sistema político…”.

O que se aplicou depois que a Ucrânia se moveu em direção ao Ocidente, se aplicou também à Geórgia. Moscou tenta evitar qualquer revolução deste tipo na Rússia e agora vê a Ucrânia e a Geórgia como influências hostis.

Não está claro até onde a Rússia pretende ir, mas levando-se em conta que já disse que quer restabelecer a ordem na Ossétia do Sul, isso provavelmente significa uma presença permanente, sem devolver à Geórgia um papel de governo. Diplomatas, no entanto, acreditam que é difícil que a Rússia invada a Geórgia “propriamente”.

3. Lembre-se de Kosovo.

A Rússia não gostou quando o Ocidente apoiou a separação de Kosovo da Sérvia e advertiu para consequências. Esta pode ser uma delas. Claro, a Rússia não argumenta que, nesta crise, está fazendo o que Ocidente fez em Kosovo – o que iria minar seu próprio argumento de que Estados não devem ser quebrados sem que haja um acordo. Mas todo mundo sabe que Kosovo não está longe de seus pensamentos.

4. A Geórgia não deve ingressar na Otan tão cedo.

A Geórgia e a Ucrânia tiveram seu ingresso na Otan – a aliança militar do Atlântico Norte – negado em Abril, mas foram autorizadas a elaborar um plano de ação que poderia levar à admissão no grupo no futuro.

Os Estados Unidos defenderam a entrada dos dois países, mas a Alemanha e outros se opuseram, alegando que a região era muito instável para que os países ingressassem no grupo naquele momento, e que a Geórgia, em particular, um Estado com disputa de fronteira, não deveria receber o apoio da Otan.

5. Vladimir Putin ainda está no comando.

Foi Vladimir Putin, o primeiro-ministro e não mais presidente, que esteve presente à cerimônia de abertura da Olimpíada em Pequim e que correu para a região da crise para assumir o controle da resposta russa. Sua linguagem não fez concessões – a Rússia está certa em intervir, declarou.

6. Não deixe uma raposa cuidando das galinhas.

A decisão de Shervardnadze, em 1992, de concordar com a entrada da Rússia na Ossétia do Sul como parte de uma força de paz permitiu que um governo russo futuro e muito diferente daquele de Boris Yeltsin estendesse gradativamente sua influência e controle . Não foi difícil para a Rússia justificar sua intervenção. O governo simplesmente declarou que seus cidadãos não apenas sofrem riscos, mas estão sendo atacados.

7. O ocidente ainda não sabe como lidar com a Rússia.

Alguns dos argumentos da época da Guerra Fria estão ressurgindo, sem que haja consenso sobre o que deve ser feito. Há os neoconservadores, liderados pelo vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, (e apoiados pelo candidato republicano à presidência John McCain), que vêem a Geórgia (e a Ucrânia) como defensores da liberdade que devem ser apoiados. Ao mesmo tempo, eles argumentam, a Rússia será obrigada a mudar, assim como a União Soviética mudou.

Contra isto há o argumento – expressado neste fim de semana à BBC pelo ex-ministro do Exterior britânico Lord Owen, por exemplo – de que é “absurdo” tratar a Rússia como a União Soviética, e que a Geórgia cometeu um erro de cálculo na Ossétia do Sul, pelo qual está pagando.

8. As fronteiras na Europa devem ser eternamente ‘sagradas’?

Esta tem sido uma das regras da Europa pós-guerra – as fronteiras não podem ser mudadas exceto por acordo, como na antiga Checoslováquia. Talvez esta regra tenha sido seguida de maneira muito inflexível. Mas ainda assim, governos como o da Geórgia relutam em abrir mão de qualquer território, mesmo quando a população local é claramente hostil e pode estar naquela situação simplesmente como resultado de uma decisão arbitrária do passado. Foi a União Soviética que forçou a Ossétia do Sul a fazer parte da Geórgia, em 1921. Nikita Khrushcev deu a Crimeia para a Ucrânia. Será que isso algum dia vai causar problemas?

9. Agosto é um bom mês para se refletir sobre alianças.

Em agosto de 1914, o assassinato do arqueduque Franz Ferdinand em Sarajevo levou à Primeira Guerra Mundial. Isso ocorreu porque alianças formadas na Europa entraram em jogo inexoravelmente. A Rússia apoiava a Sérvia, a Alemanha apoiava a Áustria, a França apoiava a Rússia e a Grã-Bretanha entrou no conflito quando a Bélgica foi atacada.

Ninguém deve entrar em uma aliança de maneira leve, ou inadvertidamente. Se a Geórgia estivesse na Otan, o que teria acontecido?

 

O Czar está de volta – Flávio Aguiar – Carta Maior: 11/08/2008

A Primeira Guerra Mundial começou aparentemente quando um suposto anarquista (até hoje essa história não foi de todo contada) disparou contra o arquiduque Ferdinando José, do Império Austro-Húngaro, em Sarajevo, na Sérvia. A cadeia de alianças, algumas secretas, construída em torno da região do Mar Negro, logo levou ao conflito que destruiu impérios (entre eles o Austro-Húngaro) e que só ia parar com o fim da Segunda Guerra Mundial e o começo de outra Guerra Mundial, a Fria.

Esta última terminou, mas não terminou. O desmembramento da União Soviética levou a duas corridas armamentistas: a União Europeia correu para ocupar, “manu econômica”, o espaço do antigo Leste europeu, derramando nele quadros e mais quadros de formação para “preparar o capitalismo”, e quadros e mais quadros funcionais para administrá-lo. E a OTAN correu para ocupar. “manu militari”, o mesmo espaço, ainda com o mesmo objetivo de cercar seu antigo inimigo moscovita, o que só não percebe quem não quer.

O primeiro avanço foi facilitado pela “sede capitalista” (sêde) que cresceu nas sociedades emergentes de um comunismo que não só não conseguiu, de um modo geral, criar o “homem novo”, mas conseguiu a proeza de criar burocracias dirigentes que se transformaram logo em “escolares entusiastas”, mas desorganizados, do capitalismo triunfante ou em máfias extremamente ambiciosas e violentas, mas organizadas, para arrancar e conceder favores na nova ordem.

O segundo avanço, o militar, foi facilitado pelo estraçalhamento da rede de apoio soviética e sua divisão entre as máfias e novos discípulos, que passaram a combater encarniçadamente os velhos discípulos que permanecessem, por razões táticas e estratégicas, mas de modo nenhum ideológicas, aliados da antiga presença da hegemonia russa, que era quem e o que mandava de fato, sob a fachada comunista. A Rússia, durante década e quase meia, viu-se debilitada econômica, política e militarmente, sem poder se contrapor ao avanço do inimigo sobre o que fora seus domínios.

Assim a OTAN bombardeou o ocupou parte dos Bálcãs, enquanto etnias, países e partidos políticos martirizavam suas populações em nome de religiões, de demarcação de territórios, e de um nacionalismo que não recende sequer a aspirações de grandeza, antes a um sórdido conquistar de posições para negocia-las, ou com a águia de duas cabeças do lado leste (o símbolo da antiga Rússia czarista, que renasceu das cinzas da foice e do martelo), ou com a ave de rapina multicor, e de muitas cabeças, do capitalismo triunfante que vinha do lado oeste.

O último capítulo dramático dessa continuação da Guerra Fria foi a “independência” da província separatista do Kosovo, na Sérvia. Na verdade essa “independência” foi uma ocupação da província por albaneses, arqui-inimigos dos sérvios, agora aliados do Ocidente. Houve atrocidades de parte a parte; como os albaneses são agora “aliados”, no Ocidente soube-se mais das atrocidades cometidas pelos soldados sérvios.

Desse episódio, saíram humilhadas a Sérvia e a Rússia. A garantia da independência do Kosovo, território logo ocupado por esquadrões de juízes, policiais, funcionários e administradores de mercado da União Europeia, foi a presença das bases militares da OTAN, instaladas enquanto a Rússia ainda se recuperava das sequelas provocadas pela hecatombe do sistema soviético.

Agora, parece que esse capítulo chegou ao fim e outro começou. Sob a política altamente centralizadora, autoritária na administração e condescendente com as “facilidades” do novo capitalismo, construída durante o primeiro czariato de Putin, a Rússia está em francas vias de recuperação econômica e militar. E parece que chegou a hora de mostrar os dentes.

O governo da Geórgia, desejoso de tornar-se alvo dos avanços militar e econômico do Ocidente, precipitou uma guerra de posições que se dava em torno da sua ex-província da Ossétia do Sul. É mais do que provável que o governo esperasse que seus promissores aliados o socorressem com dinheiro, armas e até soldados. Nada disso aconteceu.

O poderio russo voltou a se afirmar. Quando a Geórgia invadiu a Ossétia, que se proclamara independente nos anos 90 do século passado, Putin, que estava em Pequim assistindo a abertura dos jogos olímpicos, reuniu-se mais do que depressa com Bush.

O que devem ter dito os dois? Quanto às palavras, é impossível saber. Mas certamente Putin fez Bush, agora um presidente sainte, saber que chegara a hora da Rússia beber água, e da Geórgia beber fogo, inclusive em nome do sangue que, aliás, pelos relatos que se têm, seu exército fez correr abundantemente na província invadida, despertando desejos de vingança na população ossétia. E Putin deve ter acrescentado que os Estados Unidos deveria se satisfazer com protestos verbais e deveria “recomendar” o mesmo a seus aliados europeus.

Os Estados Unidos são a maior potência naval e aérea que o mundo já conheceu. Mas em terra ainda não há quem possa com os tanques russos. A única coisa que poderia talvez detê-los seria um ataque aéreo da OTAN, semelhante ao que ela despejou sobre toda a antiga Iugoslávia e em particular sobre a Sérvia, ao fim do século passado, em nome de evitar um genocídio, mas de fato abrindo caminho para a ocupação com suas tropas de terra e bases militares.

Na Europa as reações de direita, na imprensa, seguem o padrão de que o governo georgiano “se excedeu”, e “se precipitou”, mas que a contrarreação russa foi “desproporcional”. A mesma turma, que não hesita em promover a presença ianque e europeia nos Iraque e no Afeganistão, condena o bombardeio russo (agora) da Geórgia, e a ocupação militar de pelo menos parte do território desta, que deve se suceder.

As reações mais para a esquerda coincidem, em boa parte, com a desta análise: Putin está mostrando – sobre, inclusive, a presidência de Medvedev – que o verdadeiro e contínuo Czar é ele, seja como presidente (antes), seja como primeiro-ministro (agora). Putin fora um tanto ofuscado pela presença de Medvedev na conferência do G8 no Japão. Agora voltou à cena, com som e fúria. Saiu de Pequim quase diretamente para a Ossétia do Norte, província russa que limita com sua coirmã “independente” do sul. E de lá comandou ou assistiu o “show” dos tanques russos ao sul de seu império.

Uma coisa é certa: a população da Ossétia do Sul está comendo o pão que a Geórgia, os Estados Unidos, a OTAN, a União Europeia e a Rússia amassaram. Os relatos sobre o comportamento do exército georgiano na Ossétia são terríveis, e foram publicados no conspícuo The Guardian. Mas isto a imprensa do Ocidente, em sua maioria, deverá logo esquecer. E se seguirá a lamentação (também justa) sobre os pobres georgianos que foram vítimas dos bombardeios e dos tanques russos. Afinal, guerra é guerra.

Caso Dorothy Stang

Agora mais do que nunca: Irmã Dorothy Stang – IHU: 14 fevereiro 2019

Esta semana, comemoramos o aniversário de falecimento de uma mártir e inspiração: a Irmã Dorothy Stang.

Dorothy nasceu nos Estados Unidos, mas se mudou para uma região rural do Brasil para viver com os pobres. Lá, ela testemunhou em primeira mão pecuaristas e madeireiros explorando agricultores e povos indígenas, roubando terras, derrubando florestas e assassinando aqueles que contestassem.

A reportagem foi publicada por Movimento Católico Global pelo Clima, 13-02-2019.

A Irmã Dorothy contestou com coragem. Durante várias décadas, exigiu a proteção dos pobres da região rural do Brasil, em especial daqueles que viviam na Amazônia. Por causa de seu trabalho em favor da justiça, ela entrou para uma lista negra e acabou sendo assassinada.

É assim que suas irmãs contam a história: “no dia 12 de fevereiro de 2005, numa estrada de chão do acampamento de Boa Esperança, em uma zona rural do Pará, dois matadores de aluguel dispararam seis tiros e mataram a Irmã Dorothy… Quando os atiradores se aproximaram da Irmã Dorothy, ela tirou sua Bíblia da bolsa e começou a ler as Bem-aventuranças: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça .”

A Irmã Dorothy disse que “apenas uma profunda mudança em nosso modo de vida – nossos valores e atitudes – pode trazer uma nova vida ao nosso mundo”.

Em outubro, bispos de todas as partes do mundo se reunirão no Vaticano para um diálogo com duração de um mês sobre a proteção da Amazônia e seus povos. Ao longo deste ano, nós do Movimento Católico Global pelo Clima incluiremos o cuidado pela Amazônia em nossos programas. Marque no seu calendário os momentos importantes das próximas semanas:

Para a Quaresma, nós o convidamos a incluir refeições vegetarianas na sua dieta. Por incrível que pareça, a pecuária é a maior causa de desmatamento no Brasil, e uma porção média de carne acarreta 60 vezes mais emissões de gases de efeito estufa do que uma porção de frutas, legumes, verduras e cereais. Fazer refeições vegetarianas é uma forma de honrar nossa tradição de simplicidade na Quaresma e de mostrarmos solidariedade aos nossos irmãos e irmãs. Aguarde os recursos para a Quaresma na próxima semana.
Para o Dia da Terra, nós o convidamos a plantar uma árvore em sua comunidade para simbolizar seu compromisso de proteger a Amazônia e seus povos. Comece a planejar! Em breve, compartilharemos um guia de planejamento completo para o Dia da Terra.

A Irmã Dorothy Stang disse: “nós passamos poucas décadas aqui na terra. Use cada dia para levar alegria, não ganância, à nossa terra exaurida, tão cheia de angústia”.

Nossas escolhas e ações importam. Damos graças pelo testemunho da Irmã Dorothy e rezamos para que seu espírito de justiça ilumine nosso caminho este ano.

 

 

“Irmã Dorothy Ajudou-me a entender como se vive na prática o Evangelho”, afirma padre José Amaro – IHU: 14 fevereiro 2019

O assassinato da Irmã Dorothy completa neste 12 de fevereiro 14 anos. Sua morte ocorre num cenário de grande disputa por terras, destruição ambiental e violação de direitos dos povos ribeirinhos e indígenas. Essa disputa, na qual a irmã Dorothy foi mais uma vítima é antiga no Brasil e a justiça anda distante desse processo. Dorothy lutava bravamente em defesa dos mais empobrecidos, pela reforma agrária e foi esse o motivo que a fez ser vítima brutal dos interesses dos grileiros e fazendeiros do Norte do Brasil.

A história de violência contra Dorothy Stang percorreu o mundo e chocou as pessoas pela forma covarde com que tentaram calar a idosa de 73 anos. Mas o efeito foi ao contrário: o assassinato ecoou ainda mais a luta entre os desiguais desse país.

Ao lado da Irmã Dorothy, esteve por anos promovendo também o trabalho pastoral, o Padre José Amaro, hoje com 52 anos. Ameaçado de morte e perseguido pelos mesmo grupos poderosos que mandaram matar Dorothy Stang, foi preso com acusações infundadas em 27 de março de 2017. Passou 92 dias no Centro de Recuperação de Altamira-Pará, e como ele mesmo afirma: “Se eu fiz alguma coisa de errado, foi ajudar a garantir um pedacinho de terra na mão de trabalhadores e trabalhadoras para dar o sustento do pão de cada dia a sua família”.

Em memória aos 14 anos da morte da Irmã Dorothy, o Portal das CEBs entrevistou Padre José Amaro Lopes de Souza, 52 anos. Ele fala da atual situação dos conflitos na região do Pará e chama atenção para tantas mortes ocorridas nesses 14 anos. Lamenta a injustiça do caso da Irmã Dorothy e sua missão de continuar o trabalho mesmo diante de tantas ameaças.

Padre Amaro nasceu em Itapecuru Mirim – MA. Trabalhou por 20 anos na Paróquia Santa Luzia de Anapu e coordenou Comissão Pastoral da Terra. Graduado em Filosofia e Teologia, atua incansavelmente na defesa da vida e dos direitos do trabalhador e da trabalhadora do campo.

A entrevista por Portal das Ceb’s, 11-02-2019.

 

A entrevista

Qual atual realidade de Anapu referente os conflitos de terra?

No momento atual é muito preocupante quando o governo se posiciona ou há comentários de ameaças a criminalizar os movimentos sociais, e explicitamente criticou o trabalho dos organismos e comissões pastorais da Igreja (CIMI, CPT).

A realidade atual apresenta invasões nas reservas dos Planos de Desenvolvimento Sustentável (PDSs) em Anapu, esses idealizados por Ir Dorothy Stang.

De que forma o trabalho pastoral com Ir Dorothy Stang marcou sua vida?

Ajudou-me a entender como se vive na prática o Evangelho. Defendendo os pequenos e pequenas em qualquer situação que ameaça a sua integridade física e de sobrevivência. Para mim foi uma mãe.

Após 14 anos de sua morte, como está à situação e o andamento do processo e da punição dos assassinos?

Muito lento, um dos mandantes continua respondendo em liberdade, os outros envolvidos estão soltos. E o consócio de morte continua agindo.

Em sua opinião qual o legado do trabalho da Ir. Dorothy para o Anapu e para CEBs do Brasil?

O legado de conscientização do povo da luta por seus direitos, independentemente de credo religioso, e que as grandes conquistas começam nas pequenas comunidades.

Em 27 de março de 2018 o senhor foi preso de forma injusta e arbitrária. Como está o seu processo e qual o apoio que o senhor recebeu ao longo desse tempo?

O processo está na fase de ouvir as testemunhas de acusação e defesa; ouvir em precatórias. A minha audiência, quando o juiz irá me interrogar, será no dia 13 de março.

Recebi o apoio da família, dos bispos da prelazia em que atuo, da Comissão Pastoral da Terra, da Sociedade Paraense de Direitos Humanos, dos movimentos sociais e populares de todo país, de instituições internacionais, da igreja católica com seus organismos e pastorais; Igrejas evangélicas, religiões de raízes afrobrasileiras, orientais, movimento de mulheres, Consciência negra, LGBTs e todos e todas que defendem a vida e aos quais sou muito grato pelo carinho, orações e presença nesse momento de sofrimento. Seu apoio ajudou-me muito!!!

Qual a importância da Igreja na defesa da Casa Comum e dos Povos da Floresta?

Uma Igreja missionária, comunitária, orante, participativa, presente e ativa junto ao povo de Deus e, principalmente, profética que está sempre ao lado dos pequenos e pequenas, presente e apoiando a luta por organização das bases, defendendo a vida, o meio ambiente e os povos originários e tradicionais que tenham seus direitos violados para que todos tenham vida, e vida plena.

Algo a mais que o senhor queira acrescentar?

Trabalhei com a Ir Dorothy Stang e demais irmãs Notre Dame de Namur e aprendi a viver com o povo na humildade e simplicidade. Depois do assassinato da Ir Dorothy vários trabalhadores foram perseguidos, ameaçados e assassinados, e isso tudo continua na impunidade. Fui preso, passei 92 dias no Centro de Recuperação de Altamira-Pará, e fiz a seguinte reflexão: Se eu fiz alguma coisa de errado, foi ajudar a garantir um pedacinho de terra na mão de trabalhadores e trabalhadoras para dar o sustento do pão de cada dia a sua família.

Raposa Serra do Sol

Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Uma vitória significativa. Entrevista especial com Paulo Maldos – IHU: 11 dezembro 2008

Na última quarta-feira, dia 10-12-2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, com oito votos favoráveis, que a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, deve ser contínua e que os arrozeiros que ocupam a região terão de deixá-la. Para Paulo Maldos, assessor político do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a sessão de votação do Supremo Tribunal Federal foi uma vitória bastante significativa para os povos indígenas de Raposa Serra do Sol. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, ele destaca que é importante deixar claro que os índios não possuem propriedade da terra. “Eles têm usufruto exclusivo. Os oito votos a favor dos índios deram a eles uma vitória arrasadora, no sentido de manter e não abrir brecha nenhuma para a questão da revisão de terras que já chegaram ao ponto máximo de registro como terra da União”. Na avaliação de Maldos, o pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello “foi uma atitude que impediu que a vitória se consumasse”. Com relação aos arrozeiros, continua Maldos, “a sessão de ontem significa o fim da impunidade aos crimes de invasão ao território indígena. É o reconhecimento de que são invasores, de que devem se retirar de lá. O resultado (da votação) os coloca no seu devido lugar: na condição de marginais, que devem procurar se reeducar para viver em sociedade”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a sessão ocorrida ontem (quarta-feira), sobre a demarcação de Raposa Serra do Sol?

Paulo Maldos – A avaliação é muito positiva. Foi uma vitória bastante significativa para os povos indígenas de Raposa Serra do Sol. Pretendia-se, do ponto de vista dos interesses do agronegócio e dos invasores, promover uma homologação e uma demarcação já feitas, num processo já paradigmático da questão indígena no país. Afinal, são mais de 34 anos de luta daqueles povos, que conseguiram que a terra fosse declarada indígena, identificada, demarcada, homologada, registrada no cartório, como patrimônio da União. É importante deixar claro que os índios não possuem propriedade da terra. Eles têm usufruto exclusivo. Os oito votos a favor dos índios deram a eles uma vitória arrasadora, no sentido de manter e não abrir brecha nenhuma para a questão da revisão de terras que já chegaram ao ponto máximo de registro como terra da União. É bom os outros setores perceberem que, com esse mesmo processo, os fazendeiros podem atacar as áreas de preservação ambiental, porque é a dinâmica do mercado que quer tudo. Eles não se importam com o aquecimento global. Querem o lucro de amanhã e de hoje à noite.

IHU On-Line – Em sua opinião, por que o ministro Marco Aurélio Mello pediu vista do processo?

Paulo Maldos – Essa foi uma atitude que impediu que a vitória se consumasse. Na verdade, o ministro tentou impedir que o processo avançasse ontem. Ele foi o nono a dar o voto, mas já pediu vista logo depois do segundo voto, que foi do ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Não tinha razão em pedi-lo naquele momento. Ele queria “melar” o processo, porque estava, ali, fazendo o papel do agronegócio. Queria preservar os interesses dos invasores, como porta-voz dos setores mais retrógrados. Só que os ministros já estavam com o voto preparado desde a seção anterior, em agosto, e não queriam abrir do seu posicionamento só porque o nono da fila pediu vista. Mas a intenção de Marco Aurélio era impedir e, quando chegou na sua vez, pediu vista. Então, além dos oito que votaram a favor da demarcação, sobraram três: ele próprio e os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Em função disso, o relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, pediu que se retomasse a operação de retirada dos arrozeiros, e que fosse caçada a liminar que suspendia essa operação, afinal, já estava formada a maioria ali, com oito votos. Foi quando o ministro Marco Aurélio Mello novamente pediu vista, também para essa decisão em torno da liminar, que ele também queria estudar esse aspecto. Ele bloqueou a possibilidade de retirada dos arrozeiros. Os sete demais disseram: “Mas nós estamos votando e somos maioria aqui e temos direito de caçar essa liminar”. Pois o Marco Aurélio falou que não aceitava, e o ministro Gilmar Mendes que, pelo visto, também faz parte do jogo, disse que era preciso considerar o pedido de vista do colega. Na verdade, é um jogo para manter os fazendeiros lá dentro até o máximo limite possível.

IHU On-Line – Como o senhor acha que os arrozeiros agirão em decorrência deste resultado?

Paulo Maldos – Eles irão provocar os índios e tentar criar fatos para comprometê-los. Ontem (quarta-feira) à noite, soltaram três bombas incendiárias na Vila Surumu, que é exatamente onde fica a fazenda-depósito do Paulo César Quartiero. São as mesmas bombas que a Polícia Federal apreendeu em maio deste ano na fazendo do Quartiero. Além de provocar, vão querer dizer que os índios são agressivos. Assim, vão querer armar situações, como a que o Paulo César recentemente tentou. Ele entrou pessoalmente numa escola indígena nessa mesma vila, como prefeito de Pacaraima, e quebrou cadeiras, mesas e a placa de identificação da Funai. As pessoas acharam que ele tinha enlouquecido e respeitaram seu acesso de “loucura”. Depois, percebeu-se que havia duas equipes de vídeo filmando a distância. Ele queria ver se algum índio tentasse segurá-lo ou tivesse alguma outra reação. Daí, ele colocaria as imagens no Jornal Nacional, na Bandeirantes, na Record e divulgaria no mundo inteiro que os índios agrediram o prefeito. E é esse tipo de coisa que eles vão armar daqui para a frente. E não acontece nada com eles.

IHU On-Line – O que o senhor achou da declaração de Quartiero, que afirma que o governo usa a questão indígena como desculpa ou pretexto para sua política entreguista de terras?

Paulo Maldos – Ele usa da retórica! Que crédito podemos dar a um homem que disse ter colocado minas nas estradas que dão acesso a uma vila onde moram crianças, idosos, indígenas, não-indígenas, a vila em que ele mesmo é prefeito? Ele afirmou, para a revista Playboy, que a estrada tal estava totalmente minada e orientou os jornalistas por onde passar. Minas! Ou seja, a pessoa passa, pisa em cima e explode, morre. Que crédito podemos dar ao que esse criminoso fala? Um dos colegas invasores dele chama-se Lawrence Manly Harte, norte-americano, com cidadania norte-americana. O nome dele está inclusive no processo, como uma das partes que questiona a posse indígena da terra. A família dele possui terras do outro lado da fronteira. Isso sim é ameaça à soberania nacional. E os índios? Dionito Silva, Jaci de Souza, todos com nomes brasileiros, batizados, cuja família, na história brasileira, defendeu esse território dos ingleses. Esses são ameaça? E Lawrence Manly Harte é o quê? Trata-se de puro racismo. Esses arrozeiros e seus cúmplices, inclusive militares, têm como corte ideológico o racismo e o fascismo.

IHU On-Line – O que esse resultado, com a votação esmagadora em favor da demarcação das terras, representa para os povos indígenas e para os arrozeiros?

Paulo Maldos – Para os indígenas, representa reconhecimento, mais uma vez, pelo Supremo Tribunal Federal, dos seus direitos inscritos na Constituição. Apesar dessa nota discrepante de um dos seus membros, a ampla maioria do Supremo está se mostrando fiel guardiã dos direitos indígenas e dos direitos dos cidadãos brasileiros expressos na Constituição. Com relação aos arrozeiros, a sessão de ontem significa o fim da impunidade aos crimes de invasão ao território indígena. É o reconhecimento de que são invasores, de que devem se retirar de lá e procurar uma convivência civilizada, não só com os índios, mas com o restante da sociedade brasileira, porque eles não demonstram isso. São absolutamente selvagens, a reedição completa do bandeirantismo: não respeitam nem leis, nem instituições, nem estruturas do Estado, ou seja, não respeitam nada. Só estão vinculados a sua própria ganância. O resultado de ontem (quarta-feira) os coloca no seu devido lugar: na condição de marginais, que devem procurar se reeducar para viver em sociedade.

IHU On-Line – Qual foi o seu sentimento durante a sessão?

Paulo Maldos – Havia uma expectativa enorme com relação ao voto do ministro Carlos Menezes Direito, porque, pelo acúmulo de tempo, todos queriam saber o que ele iria dizer. Quando ele terminou seu voto, foi um alívio imenso, porque foi o segundo favorável, bem fundamentado, rebatendo todas as críticas de que índio ameaça a soberania. Quando vieram os outros, o alívio foi aumentando cada vez mais e se transformando em segurança. Quando chegou no sexto voto, foi muito gratificante ver que os índios tinham vencido.

IHU On-Line – Como o senhor percebe as 18 condições impostas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito?

Paulo Maldos – Sinto-me um pouco preocupado em relação a essas recomendações. Porém, são recomendações colocadas ao plenário para serem discutidas. Há problemas e ressalvas e foi de uma pessoa entre 11 ministros. Inclusive com o voto do Marco Aurélio, dá tempo de mais dois ou três meses para se discutir bem essas recomendações, para que elas realmente ajudem a aprimorar a política indigenista brasileira. Algumas delas causaram um mal-estar, mas nada sério, porque tudo será debatido.

IHU On-Line – Como os índios estão nesse momento? Qual a expectativa deles após a sessão de ontem, no STF? Qual a situação de Raposa Serra do Sol neste momento?

Paulo Maldos – Os índios que estavam aqui estão muito felizes e confiantes. Eles dizem: “Se a gente estava contente com um voto, imagina com oito!”. Deu maior segurança e confiança nas instituições e no próprio Supremo Tribunal Federal. Com relação à situação lá em Raposa Serra do Sol, ficamos muito preocupados com essa franja onde estão os arrozeiros. Aliás, nenhum deles mora lá, mas em Boa Vista. Vão para lá de helicóptero ou com seus carrões. Essa área é perigosa, porque lá existem fazendas com pistoleiros que recebem as orientações dos arrozeiros por celular. Ficamos preocupados porque sabemos quem são esses pistoleiros marginais. Ao longo deste ano, já incendiaram casas de lideranças, perseguiram e tentaram matar a direção do CIR (Conselho Indígena de Roraima) na estrada. O mesmo carro onde eu estava sofreu um atentado, pois eles tentaram jogar o carro para fora da estrada. Eles andam em matilha, de moto, encapuzados. O que mais serão capazes de fazer? Paulo César Quartiero afirmou, há pouco tempo, que ele tem oito mil estacas para aumentar a sua invasão e que nem se importa com o que o Supremo irá decidir. Ele falou que não admite ser roubado pelo STF. Mas o homem não possui um documento sequer. O único “documento” que ele tem é colocar as tais estacas, com arame farpado, e contratar mais pistoleiros. Ele não é perigoso apenas para os índios, mas para toda a sociedade brasileira. É um elemento pernicioso, criminoso, que já colocou a vida de muita gente em risco.

IHU On-Line – Como o senhor acha que ficará a entrada de pesquisadores e não-índios nas terras? A entrada deve ser permitida ou não?

Paulo Maldos – Não há problema em relação à entrada de pesquisadores da fauna e da flora. Mas eles devem ser reconhecidos pelas suas universidades, ser credenciados na Funai e explicar suas pesquisas, com isso prestando contas do seu trabalho, pois é em benefício da sociedade. O que não pode acontecer é o que vemos no Brasil, por exemplo, em relação à empresa Natura, que vai num quilombo e promove uma gincana entre os quilombolas para arrecadar receitas de cremes para a pele e para o cabelo em troca de R$ 500,00 para quem trouxer o maio número de receitas. Entregam uma fortuna de conhecimento tradicional para a Natura e ela vai embora pagando R$ 500,00 por uma infinidade de conhecimento da botânica e da medicina para comercializar. Isso não pode.

IHU On-Line – Qual é a sua expectativa em relação ao futuro de Raposa Serra do Sol?

Paulo Maldos – Conheço bem a realidade local e posso dizer que, quando os cinco povos indígenas forem plenamente livres para viver em paz no seu território, teremos um futuro exemplar para todo o povo brasileiro. Nessas condições adversas, com violência permanente e insegurança com relação a seu território, eles têm uma rede maravilhosa de escolas, uma rede extremamente competente de atendimento à saúde pública nas comunidades, além de possuírem o maior número de cabeças de gado do Estado (35 mil) e uma criação de cavalos selvagens, herança dos portugueses. Os povos indígenas vivem da agricultura familiar, com uma extrema diversidade de cultivos e produtos. Agora, em paz, acho que vão crescer muito no sentido econômico, cultural, e terão mais liberdade para sua produção. Sem falar que eles são os primeiros a defender a questão ambiental e poderão recuperar os rios poluídos pelos arrozeiros.

 

Raposa Serra do Sol. Uma vitória dos povos indígenas. Entrevista especial com Saulo Feitosa – IHU: 24 março 2009

Finalmente, o caso de Raposa Serra do Sol foi votado pelo supremo Tribunal Federal (STF). O povo indígena que vive naquelas terras sai vitorioso e esperançoso, uma vez que os invasores deverão sair imediatamente daquela área. No entanto, 19 condicionantes foram impostos pelos ministros do STF. Muitos deles já estavam previstos na Constituição Federal de 1988, e servem apenas para assegurar direitos e deveres de quem vive em Raposa Serra do Sol. Mas três condições estão gerando discussões e manifestações não apenas do povo daquela terra, mas de vários povos indígenas do Brasil. A principal condição imposta diz: “É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada”.

Saulo Feitosa, vice-presidente do CIMI, em entrevista, realizada por telefone, à IHU On-Line, afirma que “isso, para nós, é um problema sério, porque há muita terra que foi demarcada antes de 1988. Em geral, as terras marcadas antes desse ano não obedeciam ao critério 231 estabelecido pela Constituição, que se refere às terras de ocupação tradicional. Então, em decorrência disso, temos povos indígenas que ocupam espaços pequenos”.

Saulo Feitosa é graduado em Filosofia e História, com especialização em Bioética. Atualmente, ocupa o cargo de Vice-presidente do Cimi. Desde 1980, vem trabalhando junto aos povos indígenas, acompanhando suas lutas pela recuperação étnica, territorial e cultural.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que representa, para a luta indígena, o resultado da votação sobre as terras de Raposa Serra do Sol que o STF realizou na semana passada?

Saulo Feitosa – Para os povos indígenas de Raposa Serra do Sol significa a consolidação dos direitos originais sobre as terras que ocupam. Eles têm, depois de 34 anos, o coroamento de uma longa luta. Esse coroamento contou com o apoio solidário de outros povos indígenas, de entidades nacionais e internacionais. Então, os povos indígenas que estão em Raposa Serra do Sol têm muito o que comemorar.

Para os demais povos indígenas do Brasil e para nós, entidades de apoio, é motivo de comemoração, mas de bastante apreensão e preocupação, porque entendemos que o julgamento sobre Raposa Serra do Sol deveria ter se limitado a julgar a questão da homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol. Mas o STF resolveu extrapolar o pedido feito pelos autores de ação popular para tratar demarcação de terras indígenas no Brasil todo e passou a decidir sobre as futuras demarcações. Isso cria um problema e agora precisamos trabalhar para superar esse problema criado pelo STF.

IHU On-Line – Quais são os próximos passos para a retirada dos arrozeiros e domínio completo dos povos indígenas a partir de agora?

Saulo Feitosa – Como a decisão do STF foi unânime em relação ao fato de que a retirada dos não-índios tem de se dar imediatamente, eu espero que assim aconteça e que a paz volte a reinar naquela região. O governo federal já exercitou o seu limite de tolerância quando, depois da homologação, estipulou um prazo para que os não-índios fossem retirados. Quando o prazo venceu, eles se recusaram a sair e demandaram essa discussão judicial, que resultou numa decisão do ministro Ayres Britos para a suspensão da retirada dessas pessoas. Agora, finalmente, com a conclusão do mérito da ação, os não-índios precisam sair imediatamente. Não há mais nada que justifique a permanência na área.

IHU On-Line – A decisão pode afetar outras questões pendentes para os povos indígenas?

Saulo Feitosa – Sim. A decisão, como está posta, pode sim. Entendemos que o STF foi além do pedido e passou a definir que as terras que já foram demarcadas não podem ser mais revisadas nem discutidas. Isso, para nós, é um problema sério, porque há muita terra que foi demarcada antes de 1988. Em geral, as terras marcadas antes desse ano não obedeciam ao critério 231 estabelecido pela Constituição, que se refere àquelas de ocupação tradicional. Então, em decorrência disso, temos povos indígenas que ocupam espaços muito pequenos, como o povo Sucuru de Pernambuco, que ocupa apenas seis hectares, quando a terra deles deveria ser de 27 hectares. No país afora, há muitas demarcações que precisam ser revisadas. Se o STF decide que não podem ser revistas as terras demarcadas de forma errada, significa que temos um grave problema e consequências sérias para as populações que estão vivendo confinadas, como, por exemplo, o povo Guarani-Kaiowá, que vive no Mato Grosso do Sul.

IHU On-Line – Como o senhor vê essa participação que estados e municípios terão sobre a decisão em relação à demarcação de terras indígenas?

Saulo Feitosa – Em tese, já era segurada às unidades federativas a participação no processo demarcatório. O decreto 1775/96 foi editado justamente com a argumentação de que garantiria este fato, ou seja, garantia um período de contestação. Estados e municípios que querem discutir a demarcação de terras, tão logo seja publicado isso nos diários oficiais, têm um prazo para se manifestar. Essa inovação que o STF traz no julgamento de Raposa Serra do Sol, para nós, é bastante complicada. Isso porque uma coisa é o Estado e os municípios discutirem a demarcação depois que o grupo técnico apresentarem o relatório, e outra coisa é você querer inserir funcionários dos governos estaduais e municipais dentro do grupo técnico. Isso significa tumultuar o processo, porque, em geral, essas unidades da federação criticam contra as terras indígenas. Então, se há essa disputa já dentro do grupo de trabalho, tal caminho inviabiliza a demarcação. Você terá aí um conflito para dentro do grupo de trabalho, o que pode tornar não mais possível os processos demarcatórios. Isso não tem cabimento, porque os grupos de trabalho devem ser formados por técnicos indicados pela Funai. Isso tumultuaria o processo.

IHU On-Line – E qual sua opinião sobre as 19 condições dadas durante o processo?

Saulo Feitosa – Muitas daquelas condições apenas repetem o texto constitucional e não trazem novidades, mas algumas são bastante preocupantes, como, por exemplo, a questão 17. Ela torna impossível, como falei antes, a revisão das demarcações erradas feitas antes de 1988. Essa condicionante é muito complicada. A condicionante 19, que coloca a questão dos estados e municípios, como também falamos antes, é complicada também. Além destas, há uma condicionante que limita a autonomia dos índios em seu território, submetendo a vontade e a circulação dos índios dentro de suas terras quando há uma gestão do Instituto Chico Mendes. Isso significa usurpar a autonomia dos povos indígenas sobre seus territórios tradicionais, o que não tem cabimento, pois afeta a convenção 169 da OIT [1]. Eu diria que esses são as três condicionantes que mais nos preocupam.

IHU On-Line – Mas e de que forma essas decisões influenciam o cotidiano dos povos indígenas que vivem em Raposa Serra do Sol?

Saulo Feitosa – Primeiramente, influenciam na restrição de direitos dos povos indígenas e desrespeita os seus usos e tradições. Eles podem ser impedidos ou serem controlados no seu ambiente de integração. Isso é uma limitação dos direitos, da sua autonomia, de praticar seus rituais. Outra questão que terá um efeito imediato está relacionada à execução de programas governamentais dentro das terras indígenas. Mais uma limitação: quando se trata das operações das Forças Armadas e da Polícia Federal. Como está posto no voto de vários ministros do STF, as Forças Armadas e a Polícia Federal teriam total autonomia para circular em terras indígenas sem autorização prévia, o que pode causar apreensões. Isso complica, pois são áreas que já vivem permanentemente em tensão.

IHU On-Line – Qual é o novo foco agora de tensão entre índios e fazendeiros?

Saulo Feitosa – Infelizmente, há muitos focos, não apenas um. Hoje, temos tensões permanentes no Mato Grosso do Sul, no Mato Grosso, no sul da Bahia, em Santa Catarina. Em vários pontos do Brasil existem focos de tensão evidenciada. Com essa decisão do governo, a partir das repercussões da mídia, já percebemos a repercussão dos indígenas e dos invasores de terras indígenas. O resultado sobre Raposa Serra do Sol está sendo usado pelos inimigos dos povos indígenas para tencionar ainda mais algumas situações.

IHU On-Line – Como os índios estão nesse momento? Qual a expectativa deles após a sessão da semana passada, no STF?

Saulo Feitosa – Neste último final de semana, foi realizada, aqui em Brasília, a Assembleia dos povos indígenas do Brasil. No primeiro dia, foi realizada uma análise de conjuntura onde os indígenas externar muitas preocupação. Eles acham que agora devem discutir mais com suas comunidades e estão descobrindo formas de reagir a essa situação, para garantir seus direitos constitucionais. Eu diria que os índios estão contentes com a decisão sobre Raposa Serra do Sol, mas preocupados com as condicionantes impostas pelo STF.

Notas:
[1] A Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovada em 1989, durante sua 76ª Conferência, é o instrumento internacional vinculante mais antigo que trata especificamente dos direitos dos povos indígenas e tribais no mundo.

 

Raposa Serra do Sol: “A terra não representa simplesmente uma questão de sobrevivência econômica”. Entrevista especial com Joênia Batista de Carvalho – IHU: 29 agosto 2008

O Brasil vive um momento muito relevante para a sua história. O país acompanha a decisão sobre a demarcação contínua das terras de Raposa Serra do Sol, em Roraima, de forma apreensiva e dividida. Políticos e ruralistas do estado defendem que ilhas sejam criadas dentro da reserva para que os índios possam ali viver, ou seja, trata-se de mais uma invasão da cultura dos não-índios. Enquanto isso, os índios e a sociedade que os apóia travam essa batalha desigual, protegendo a cultura que está intimamente ligada àquela terra. Na primeira sessão do julgamento, que aconteceu nesta última quarta-feira, dia 27-08-2008, o ministro-relator Carlos Ayres Britto fez um discurso veemente em favor da causa indígena. Depois do seu voto, foi feito um pedido de vista ao processo pelo ministro Carlos Alberto Direito.

Antes de Ayres de Britto proferir seu voto, a índia Joênia Batista de Carvalho, conhecida como Joênia Wapichana, a primeira índia a graduar-se em Direito no Brasil, defendeu oralmente a causa dos índios de Raposa Serra do Sol, onde nasceu e se criou, na tribuna do Supremo Tribunal Federal. Caso a entidade aprovar a revisão da homologação do território de Roraima, todas as outras terras indígenas demarcadas no Brasil poderão ser também revistas. Em entrevista, realizada por telefone, à IHU On-Line, Joênia avaliou esta primeira parte do julgamento como uma grande alegria, pois, para ela, o ministro-relator conseguiu, com suas palavras, esclarecer diversos pontos em relação a este processo. “Eu fiquei bastante comovida com a forma como ele traduziu toda a importância dos povos indígenas para o Brasil, a importância de manter a nossa terra de forma integral. Foi brilhante, iluminado. O ministro conseguiu escrever tudo isso que nós vínhamos falando, reclamando”, disse ela.

Joênia Batista de Carvalho graduou-se em Direito, pela Universidade Federal de Roraima, e hoje é advogada do Conselho Indigenista de Roraima.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que significado teve para a comunidade indígena essa parte do julgamento que aconteceu sobre a demarcação de Raposa Serra do Sol?

Joênia Batista de Carvalho – Para nós, foi uma grande alegria porque conseguir o voto do ministro-relator esclareceu uma série de questões que foram abordadas esse tempo todo em documentos da ação popular, pelo próprio estado de Roraima e pelos arrozeiros. Para nós, então, foi muito bom e brilhante o levantamento fundamentado, embasado e esclarecedor do ministro Ayres de Britto. Não restam dúvidas de que não há ilegalidades no decreto presidencial que considera a demarcação de terra de Raposa Serra do Sol de forma contínua. Isso nos deixa com a segurança de que os ministros têm esclarecimento sobre o assunto. A importância das terras indígenas precisa ser interpretada de forma que se possa atender as necessidades dos povos de Raposa Serra do Sol, contemplando todos os valores, os aspectos culturais, antropológicos, econômicos, ambientais, assuntos que muitas vezes foram, e ainda são, negados pelo governo de Roraima. Esses aspectos foram brilhantemente esclarecidos pelo ministro-relator. Tais fatos não deveriam gerar polêmicas, uma vez que a legislação brasileira ampara a função das Forças Armadas e da Polícia Federal e considera conciliável a presença de indígenas na faixa de fronteira. Esperamos que, na próxima sessão, os ministros possam comparar e fazer um aprofundamento da ação, tomando, assim, ciência da situação, além de comprovarem o que o ministro-relator colocou em seu relatório.

IHU On-Line – O que representa para vocês esse pedido de vista em relação ao julgamento?

Joênia Batista de Carvalho – Para mim, foi muito marcante, emocionante. Claro que existia um peso grande da responsabilidade também, porque ser a única voz indígena ali naquela plenária, sendo escutada atentamente por índios e não-índios, é algo muito marcante e representativo. Marcou porque eu vi meus avós, voltei alguns anos no tempo, digamos assim. Afinal, eles se colocavam numa posição submissa, de não poderem falar por si. Enfim, as pessoas puderam ouvir uma voz indígena dentro desse processo, o que foi importante para nós todos. Ninguém precisa falar pelos índios, ao contrário do que diz o senador Augusto Botelho, que diz que fala pelos índios. Nós mesmos vamos lá e falamos quais são nossos interesses. Eu sou da tribo wapichana, um dos povos de Raposa Serra do Sol, e posso dizer que os povos de lá estão unidos, isto é, não estão só interessados na demarcação contínua. Eu representei todas as comunidades de lá e estamos juntos para conseguir a nossa terra de forma contínua.

IHU On-Line – O que significaram para você as palavras do ministro Ayres de Britto?

Joênia Batista de Carvalho – Eu fiquei bastante comovida com a forma como ele traduziu toda a importância dos povos indígenas para o Brasil, com a importância de manter a nossa terra de forma integral. Foi brilhante, iluminado. O ministro conseguiu escrever tudo isso que nós vinhamos falando, reclamando, mas não estava sendo considerado e precisava de interpretação do que a própria Constituição de 1988 conseguiu escrever em nossa Carta Magna. Fiquei muito alegre. Em suas linhas técnicas incontestáveis, ele conseguiu expressar brilhantemente o seu voto. E isso foi muito importante para nós nesse momento.

IHU On-Line – Joênia, você foi a primeira índia a se formar em Direito. Para você, que viveu a vida toda em Raposa Serra do Sol, como essa discussão em torno da identidade indígena aconteceu?

Joênia Batista de Carvalho – Enquanto não tinha ainda saído de Roraima, eu não sabia que era a primeira advogada índia mulher. Quando comecei a participar de reuniões fora do estado, me dei conta de que existiam poucos profissionais indígenas e de que eu era a primeira mulher índia que tinha se formado em Direito no Brasil. Nós temos necessidade de formar os indígenas, mas é diferente do que alguns políticos de Roraima e do Estado colocam em seu discurso, dizendo que queremos ficar segregados, ou seja, queremos isolamento e separação. Estamos buscando conhecimentos universais para justamente requerer a nossa participação na sociedade brasileira como é de direito. Se formar e ter o conhecimento das leis brasileira e do merecedor respeito dos povos indígenas foi fundamental para mim como profissional indígena, como advogada das nossas comunidades em Roraima. Isso é um avanço muito grande do protagonismo dos povos indígenas, que estão mostrando a sua capacidade de falar por si só, de entender o contexto que está em jogo. Além disso, ter um curso superior, estudo, ou entender as tecnologias, não mostra que deixamos nossa cultura de lado. Pelo contrário, estamos reforçando ainda mais nossa cultura e nossa identidade indígena.

Muitas vezes, as pessoas não compreendem, pensando que o indígena deve ser domesticado. Com isso, existe a idéia de que, a partir do momento que ele passa a ter conhecimento, não é mais índio. Esse pensamento é inadmissível. A diversidade étnica no país deve ser respeitada. Eu posso ter mestrado, doutorado, compreensão da lei do branco e nunca vou deixar de ser indígena. É uma condição que ninguém vai tirar de mim, ou seja, jamais vão conseguir tirar de mim a cultura dos índios. Estamos apenas agregando conhecimento. Somos discriminados porque temos laptop, celular, falamos português. O próprio estado de Roraima diz que não há mais índios lá só porque estamos falando por nós mesmos, reclamando nossos direitos e exigindo respeito. Eles acham que os índios devem ficar calados, na sua comunidade, que não podem vestir roupa. A partir do momento que nos tornamos protagonistas, eles acham que não somos mais índios. Depois de 1500 anos de colonização, a gente ainda resiste e não é diferente, pois também fazemos parte do povo brasileiro.

IHU On-Line – Raposa Serra do Sol vive ainda, além da invasão dos arrozeiros, a disputa de religiões dentro do seu território. Como você vê essa questão?

Joênia Batista de Carvalho – Essa questão de religião foi um argumento que os políticos de Roraima tentam fazer aparecer na mídia como se houvesse uma briga de religiões. Esse argumento é totalmente falso. Falam que de um lado está a Igreja Católica e do outro lado a Igreja Evangélica. Cada um tem o direito de escolher a sua religião. Apesar de haver a presença dessas igrejas diferentes, a religião indígena pesa mais alto. Muitas comunidades indígenas que participam do conselho são evangélicas. Ficam tentando travar uma batalha de religiões que não existe. Aqui os índios se respeitam. Muitas vezes essa batalha é fomentada para tentar gerar uma divisão entre as próprias comunidades. Isso é crueldade.

IHU On-Line – Como se sentem os índios com essa grande pressão sobre eles em relação à sua cultura e às suas terras?

Joênia Batista de Carvalho – Estamos há mais de 30 anos buscando regularizar a terra indígena de forma legal. Nesse período que passou, muitas coisas aconteceram, muitas mortes, muita violência. A sensação que as comunidades têm em relação a tudo isso, em relação aos impactos na sua vida e na sua cultura, é que precisam de justiça para resolver esse problema. Estamos esperando até agora que as autoridades brasileiras e a sociedade abram sua cabeça e vejam o que está acontecendo com os índios. Essa é uma questão de ameaça à nossa cultura e à nossa espiritualidade. Nós entendemos que todos devem compartilhar essa responsabilidade, pois se trata de uma diversidade cultural, de uma riqueza que nem todo mundo conhece. Se se conhecesse a nossa realidade, se conversassem conosco, talvez não houvesse tanta pressão sobre os povos indígenas, porque nossa relação com a terra é cultural. Sem a terra não existem valores nem cultura. Queremos mostrar que a terra não representa simplesmente uma questão de sobrevivência econômica, mas sim a própria vida cultural dos indígenas. O que o ministro colocou em seu voto é muito sério. Às vezes, as pessoas não percebem que a questão da terra tem muita importância para nós. O desenvolvimento tem outro sentido para nós. Não pensamos nele de forma econômica, capitalista, mas na relação com a natureza. Precisamos mostrar mais isso para a sociedade, para que todos dêem importância para a terra nesse mesmo sentido.

IHU On-Line – O que podemos esperar para o próximo julgamento em relação à homologação de Raposa Serra do Sol?

Joênia Batista de Carvalho – Nós vamos esperar que seja agendado um novo julgamento. Estaremos aqui esperando. Vamos continuar explicando para quem quiser ouvir qual é a importância dessa terra, porque é necessário manter uma área contínua na Raposa Serra do Sol. Vamos insistir para que os dez ministros que ainda não votaram possam seguir o voto do ministro-relator.

Os zoiloismos de Zóia

Esse antilulismo veio no âmbito de um fenômeno mundial que pegou fortemente na imprensa brasileira, que é esse estilo neocon, dos neoconservadores norte-americanos da Fox (TV), estilo agressivo. De repente foi interpretado pela mídia nossa como se fosse aquele novo jornalismo dos anos 70, como se fosse algo que veio para mudar (…) É como se estivesse na última moda. Ô, meu Deus do Céu, se isso for a última moda, acabou o jornalismo, é o túmulo do jornalismo. Se fosse um ou outro, mas todo mundo querendo fazer isso! Mas tem vários aspectos: a crise da grande mídia, com a entrada dos novos grupos e a falta da visão estratégica sobre como se posicionar, os jornais perdendo tiragem ano a ano, a imprensa de opinião. De repente eles vêem essa chance… (Luis Nassif, Entrevista Explosiva da Caros Amigos de março 2008, ano XI, n. 132, p. 30)

Calaram por algumas horas o Conversa Afiada

Conversa Afiada, o blog de Paulo Henrique Amorim, foi calado por algumas horas pelo iG.

Conversa Afiada está novamente no ar.

Solidário com Paulo Henrique Amorim, Mino Carta, de CartaCapital, retirou seu blog do iG.

Escreveu em O último post, 19/03/2008 12:54:
Meu blog no iG acaba com este post. Solidarizo-me com Paulo Henrique Amorim por razões que transcendem a nossa amizade de 41 anos. O abrupto rompimento do contrato que ligava o jornalista ao portal ecoa situações inaceitáveis que tanto Paulo Henrique quanto eu conhecemos de sobejo, de sorte a lhes entender os motivos em um piscar de olhos…

Voltará brevemente em novo endereço. Espero. Esperamos.

Uribe e as FARC

Uribe e as FARC: violência interessa a ambos

Estranho sinal: o grupo “guerrilheiro” teria se transformado na principal fonte de legitimidade do presidente de ultradireita

Estamos reunindo material para um texto sobre a Colômbia. Opiniões e o envio de artigos são muito bem-vindos. Segue o link para dois textos publicados recentemente no Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique, com bons subsídios ao exame do tema. Algumas hipóteses preliminares, com base nos artigos citados e em muitos contatos com integrantes da sociedade civil e movimentos sociais colombianos são:

1. As políticas criminosas do presidente Uribe têm sido enfrentadas por um movimento social ativo e vibrante, cujo tema central tem sido, nos últimos anos, o combate à violência. Graças a mobilização social, os índices de criminalidade reduziram-se drasticamente, por exemplo, em cidades como Bogotá e Medellín. Influiu igualmente a eleição, em especial em Bogotá, de um sequência de prefeitos do Polo Democrático, uma frente à esquerda. Nestas cidades há uma forte cultura de paz, que começa a se irradiar pelo país. O texto sobre as eleições traz muitos dados a respeito.

2. Uribe sofreu durante muitos meses um processo crescente de isolamento político, que terminou na desarticulação de seu grupo parlamentar de apoio, nas últimas eleições municipais. Além disso, seus laços com os paramilitares tornaram-se explícitos e muitos de seus acordos com tais grupos foram considerados inconstitucionais pela Corte Suprema, que é bastante democrática.

3. O grande trunfo político de Uribe é o sua alegada condição de homem capaz de enfrentar as FARC. Não se trata de um grupo guerrilheiro que luta em favor de uma causa, mas essencialmente de um bando criminoso. Seu apoio entre a população é próximo de zero. Segundo pesquisas, 2% os veem como um grupo que contribui positivamente para o país. Há motivos para isso. As FARC mantêm centenas de reféns, inocentes sequestrados como forma de fazer dinheiro. As FARC promoveram dezenas de assassinatos políticos, inclusive contra diversos parla mentares e prefeitos de esquerda. As dinâmica ultramilitarista das FARC as mantém alienadas da vida política real do país. Sua lógica já não leva em conta o apoio popular, mas essencialmente a capacidade de manterem viva sua própria estrutura — o que é feito em grande medida por meio do crime comum.

4. As FARC tornaram-se, portanto, o *principal fator de legitimidade política de Uribe*. O presidente *precisa* delas, para recuperar popularidade. Assim como fazia o espanhol José Maria Aznar com o ETA, cada arroubo contra as FARC é um aumento garantido de popularidade do presidente. E qualquer tentativa de queimar a oposição de esquerda começa insinuando que esta tem vínculos com o grupo. Em contrapartida, nada mais cômodo para as FARC do que usar, como pretexto para sua lógica militarista e criminosa, a existência de um governo de ultradireita aliado aos EUA…

Fonte: Le Monde Diplomatique – Edição Brasileira — Blog da Redação – Quinta-feira, 6 março 2008

As trombetas da guerra

O mandato de sangue de Uribe – Blog do Emir, em Carta Maior: 01/03/2008
A libertação dos quatro parlamentares colombianos confirma qual é a via da pacificação da Colômbia: a negociação política, com a participação de mediadores internacionais. O sucesso do presidente venezuelano Hugo Chávez e da senadora colombiana Piedad Córdoba é a única tentativa de sucesso de abrir canais para levar a paz à Colômbia.

Fidel Castro alerta para as “trombetas da guerra” na América do Sul – Folha Online: 03/03/2008 – 09h46
O líder cubano Fidel Castro afirma que “se ouvem com força” na América do Sul “as trombetas da guerra, em consequência dos planos genocidas do império ianque”, em referência à crise envolvendo Colômbia e Equador. A afirmação foi feita em um novo artigo de suas reflexões publicado nesta segunda-feira. “Nada é novo! Estava previsto!”, acrescenta Fidel na nota editorial publicada pela imprensa oficial da ilha.

Lula discute tensão entre Colômbia, Equador e Venezuela em reunião de coordenação – Folha Online: 03/03/2008 – 13h50
O conflito entre a Colômbia, Venezuela e Equador foi o principal tema da reunião de coordenação política realizada hoje no Palácio do Planalto. De acordo com interlocutores do Palácio, o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, participou da reunião.

Líderes se manifestam sobre a crise na América Latina – Folha Online: 03/03/2008 – 16h21
A crise entre Equador, Colômbia e Venezuela, desencadeada pela morte de Raúl Reyes, um dos principais líderes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), no último sábado (1º), em ataque colombiano em território do Equador, provocou repercussão mundial com a possibilidade de um conflito armado na região. Diversos líderes e governantes se manifestaram nesta segunda-feira sobre o assunto.

Brasil acompanha crise entre Colômbia, Equador e Venezuela e descarta conflito armado – Folha Online: 03/03/2008 – 19h27
O governo brasileiro decidiu acompanhar a crise envolvendo Equador, Colômbia e Venezuela por meio de negociações diplomáticas. Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores), não há riscos no momento de um conflito armado envolvendo militares brasileiros. Mas o Planalto defende que o presidente colombiano, Álvaro Uribe, peça desculpas ao dirigente do Equador, Rafael Correa, sem impor condições (…) O assunto será o único tema da reunião de amanhã do conselho da OEA (Organização dos Estados Americanos), em Washington.

Equador rompe relações diplomáticas com a Colômbia – Folha Online: 03/03/2008 – 20h06
O governo do Equador enviou nesta segunda-feira uma carta a Bogotá na qual anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia, informou a chancelaria colombiana.

Exército acompanha desdobramentos do conflito entre Colômbia, Venezuela e Equador – Folha Online: 03/03/2008 – 20h15
O comando do Exército na Amazônia admite que a escalada dos acontecimentos causa preocupação, devido à extensa fronteira que o Brasil possui com a Venezuela — são 2.200 quilômetros, a maioria de mata fechada e de difícil acesso. Oficiais apontam que a questão ainda está na esfera diplomática e que ainda não receberam ordens para deslocar soldados ou colocar em alerta os batalhões localizados na fronteira. O Ministério da Defesa nega que esteja planejando qualquer movimentação militar e acredita que a crise ficará na esfera diplomática. Contudo, secretários do ministro Nelson Jobim avaliam que ele não descarta colocar as tropas em prontidão caso receba aval do ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à frente das negociações para que o Brasil possa mediar a crise.