Fórum Social Mundial 2009

Um balanço do FSM de Belém não deve ser feito em função de si mesmo. Ele não nasceu como um fim em si mesmo, mas como um instrumento de luta para a construção do “outro mundo possível”. Nesse sentido, qual o balanço que pode ser feito do FSM de Belém, do ponto de vista da construção desse “outro mundo”, que não é outro senão o de superação do neoliberalismo, de um mundo pós-neoliberal?

Veja o Especial Fórum Social Mundial 2009 da Carta Maior.

 

Uma breve história do Fórum Social Mundial – Emir Sader: Carta Maior – 01/02/2011

O Fórum Social Mundial já tem história. Uma história que não pode ser entendida separada daquilo que lhe deu nascimento e a que ele está intrinsecamente vinculado: a luta contra o neoliberalismo e por um mundo pós-neoliberal – que é o sentido de seu lema central “Um outro mundo possível”.

Nas suas origens está o “grito zapatista” de 1994”, conclamando à luta global contra o neoliberalismo. Em seguida, veio o editorial do Le Monde Diplomatique, de Ignacio Ramonet, chamando à luta contra o “pensamento único”, seguida pelas manifestações em Seattle, que impediram a realização da reunião da OMC e as outras, em tantas cidades do mundo. Enquanto isso, se realizavam anualmente manifestações na Suiça, chamadas de anti-Davos.

Até que, com o crescimento da resistência ao neoliberalismo, se pensou no projeto de organizar um Forum Social Mundial em oposição ao Forum Economico de Davos. A idéia foi de Bernard Cassen, jornalista francês que naquele momento dirigia a Attac, que ao mesmo tempo propôs que a sede fosse na periferia do sistema – onde residem as vitimas privilegiadas do neoliberalismo -, na América Latina – onde se desenvolviam os principais movimentos de resistência, no Brasil – que tinha a esquerda mais forte naquele momento – e, em particular, em Porto Alegre – pelas políticas dos governos do PT, de Orçamento Participativo.

Depois do primeiro Fórum se constituiu um Conselho Internacional, com participação de todas as entidades que quisessem se incorporar, porém a direção continuou em um estrito grupo de entidades brasileiras, dominadas por ONGs. Este foi um limitante original do FSM, dado que o movimento se apoiava centralmente em movimentos sociais – de que a Via Campesina agrupa a parte significativa deles -, enquanto as ONGs – cujo caráter ambíguo, até mesmo neoliberal pela sua definição anti-governamental, mas também com várias delas com ações obscuras no seu sentido, no seu financiamento e nas suas alianças com grandes empresas privadas – se apoderava do controle da organização, imprimindo-lhe um caráter restrito.

Restrito, porque limitado a um suposta “sociedade civil”, o que já lhe imprimia um caráter liberal, oposto a governos, a partidos, a Estados, bloqueando a capacidade de construção de “um outro mundo possível”, que teria que ser um mundo global, com transformação das relações de poder, do Estado e da sociedade no seu conjunto. Também ficava fora um tema que passou a ser central no mundo conforme os EUA adotavam sua política de “guerras infinitas” – a luta pela paz -, que no entanto representou o momento de maior capacidade de mobilização dos novos movimentos populares no mundo, com as mobilizações de resistência à guerra do Iraque, em 2003.

O Conselho Internacional decidiu a alternância de sedes do FSM, que passou a se realizar em outros continentes, com o que se realizaram encontros na Índia e no Quênia. Também decidiu que os FSM seriam realizadosa cada dois anos, alternados por FSM regionais. No entanto o FSM passou realmente a girar em falso conforme a definição inicial de se limitar um espaço de troça de experiências entre entidades da “sociedade civil” foi limitando suas temáticas e sua capacidade de formular alternativas. Nem sequer balanços das maiores mobilizações populares jamais havidas, as contra a guerra do Iraque, foram feitas, para definir a continuidade da luta.

A fragmentação dos temas se acentuou conforme foi decidido que as atividades dos FSM seriam “autogestionadas”, sem definição política dos temas fundamentais, que deveriam ser financiados centralizadamente, promovendo um imenso privilegio das ONGs e outras entidades que dispõem de recursos contra os movimentos sociais – que deveriam ser os protagonistas fundamentais do FSM.

Hoje, o FSM tem em governos latino-americanos progressistas os agentes de construção da agenda proposta pelo movimento. Os movimentos sociais que souberam rearticular de maneira criativa suas relações com a esfera política – de que a fundação pelos movimentos bolivianos do MAS – e disputar a criação de novos governos e a construção de projetos hegemônicos alternativos, avançaram significativamente na criação do “outro mundo possível”. Enquanto que os que seguiram refugiados na chamada “autonomia dos movimentos sociais” – como os casos dos piqueteiros argentinos ou dos zapatistas – perderam peso ou até mesmo tenderam a desaparecer politicamente.

Em 2009, o Fórum voltou ao Brasil, sendo realizado em Belém, no Pará. O encontro foi marcado, entre outras coisas, pela presença de 5 presidentes latino-americanos – Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chavez, Fernando Lugo e Lula, líderes de governos que, em distintos níveis, colocam em prática políticas que identificaram, desde o seu nascimento, o FSM: a Alba, o Banco do Sul, a prioridade das políticas sociais, a regulamentação da circulação do capital financeiro, a Operação Milagre, as campanhas que terminaram com analfabetismo na Venezuela e na Bolívia, a formação das primeiras gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, a Unasul, o Conselho Sulamericano de Segurança, o gasoduto continental, a Telesul – entre outras. A cara nova e vitoriosa do FSM, nos avanços da construção do pós-neoliberalismo na América Latina.

O FSM 2009 foi marcado também pela forte presença d os povos indígenas e pelo Forum PanAmazonico, com os movimentos camponeses e a Via Campesina, os sindicatos e o Mundo do Trabalho, os movimentos feministas e a Marcha Mundial das Mulheres, os movimentos negros, os movimentos de estudantes, os de jovens.

O movimento anti-neoliberal passou da fase de resistência à fase de construção de alternativas. Este FSM demonstrará se permanece na fase de resistência, de fragmentação de temáticas, de limitação à “sociedade civil” ou se se coloca à altura da etapa atual de disputa hegemônica, já não mais a nível nacional ou regional, mas a nível global, quando a crise capitalista e o esgotamento do modelo neoliberal coloca para o FSM seu maior desafio: ser agente na construção concreta do “outro mundo possível” ou permanecer como espaço de testemunhos, ricos, mas impotentes.

O Fórum Social Mundial 2011, em Dakar, ganhou uma nova agenda com a onda de protestos populares que já atingiu a Tunísia, o Egito, o Iêmen e a Jordânia. O mais significativo de todos, sem dúvida, é o Egito, em função do que o país representa em termos geopolíticos no Oriente Médio. Egito e Arábia Saudita são dois pilares centrais da aliança EUA-Israel na região. Uma mudança de regime político em um desses dois países pode significar um terremoto geopolítico de grandes proporções.
A aplicação da consigna do FSM aos problemas dessa região coloca a seguinte questão: “Outro Oriente Médio é possível?”. O que está acontecendo no Egito mostra que o castelo das autocracias apoiadas e sustentadas pelos EUA é menos sólido do que parecia. Milhões de jovens, homens e mulheres, estão nas ruas dizendo que é possível, sim. E necessário.

A eleição de Obama

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De Idelber Avelar, Professor do Departamento de Espanhol e Português, Tulane University, New Orleans, LA.

Capitalismo em Crise

Acompanhe a situação atual lendo a página especial de Carta Maior: Capitalismo em Crise.

Textos assinados por Luiz Gonzaga Belluzzo, Bernardo Kucinski, José Saramago, Flávio Aguiar, Noam Chomsky, Nouriel Roubini, François Chesnais, Maria da Conceição Tavares, Walden Bello, Eric Hobsbawm, Joseph Stiglitz, Ignacio Ramonet, José Luís Fiori, Gilson Caroni Filho, Michael Moore, Eduardo Galeano e muitos outros.

Deus mercado virou diabo

A teologia do livre mercado dos Chicago Boys

Recentemente vários acadêmicos receberam uma petição assinada por 111 membros da Universidade de Chicago, explicando que “sem qualquer comunicado a sua própria comunidade, [a Universidade] contratou uma firma de Boston, a Ann Beha Architects, para reformar o prédio do Seminário Teológico Chicago, transformando-o no espaço para o Instituto Milton Friedman de Pesquisa em Economia (MFIRE) e levantou uma agressiva campanha de arrecadação de fundos para o controverso instituto”.

Seria difícil encontrar uma metáfora mais adequada do que aquilo que o comunicado à imprensa caracteriza como “conversão do prédio do Seminário num templo do neoliberalismo econômico”. Até o acrônimo MFIRE parece simbolicamente apropriado. O M pode bem servir para Money, na equação do Prof. Friedman MV =PT (Money x Velocity = Price x Transactions). E o setor Fire compreenderia finanças, seguros e investimentos imobiliários – o setor do “almoço grátis” cuja acumulação os monetaristas de Chicago celebram.

Economistas clássicos caracterizaram a renda e o acúmulo de lucros no setor FIRE como “renda não recebida”, liderada pelos ganhos de capital, que John Stuart Mill descreveu como o que os senhores da terra fazem “quando estão dormindo”. Milton Friedman, por outro lado, insistiu que “não existe almoço grátis” – como se a economia não dissesse afinal respeito ao almoço grátis e a como obtê-lo. E a principal maneira de ganhá-lo é desmantelando o papel do governo e vendendo o patrimônio público a crédito.

Como disse ironicamente Charles Baudelaire, o demônio vence quando convence o mundo de que ele não existe. Parafraseando isso podemos dizer que a vitória econômica dos rendimentos do almoço grátis obtém-se na medida em que os reguladores governamentais e os economistas acreditam que seu retorno não existe – e então, não precisam ser taxados, regulados ou subjugados.

Com “livre mercado” os Chicago Boys querem dizer conceder livre trânsito ao setor financeiro – na direção oposta à ideia dos economistas clássicos de libertar os mercados do rentismo e dos juros. Enquanto a religião tradicional buscou estabelecer preceitos de regulação, o Instituto Friedman vai promover a desregulação. Substituir fisicamente a escola de teologia por um “templo do neoliberalismo econômico” é irônico se se considera que, em princípio, aquilo que todas as grandes religiões têm em comum em um ponto ou no outro for a oposição à cobrança de juros. O judaísmo chamou a isso de “começar do zero” (Levítico, 25) e o Cristianismo baniu completamente o juro, citando as leis do Êxodo e do Deuteronômio (Michael Hudson, 2010)

 

A crise do sistema financeiro derruba o dogma da imaculada concepção do livre mercado como única panaceia para o bom andamento da economia

O apocalipse ideológico no Leste Europeu, jamais previsto pelos analistas, fortaleceu a ideia de que fora do capitalismo não há salvação. Agora, a crise do sistema financeiro derruba o dogma da imaculada concepção do livre mercado como única panaceia para o bom andamento da economia. Ainda não é o fim do capitalismo, mas talvez seja a agonia do caráter neoliberal que hipertrofiou o sistema financeiro. Acumular fortunas tornou-se mais importante que produzir bens e serviços. A bolha especulativa inflou e, súbito, estourou. Repete-se, contudo, a velha receita: após privatizar os ganhos, o sistema socializa os prejuízos. Desmorona a cantilena do “menos Estado e mais iniciativa privada”. Na hora da crise, apela-se ao Estado como boia de salvamento na forma de US$ 700 bilhões (5% do PIB dos EUA ou o custo de todo o petróleo consumido em um ano naquele país) a serem injetados para anabolizar o sistema financeiro (Frei Betto, 2008).

O Buteco do Biu e o atual tsunami financeiro

Para compreender o atual tsunami financeiro, existe um texto que está espalhado por aí, em mais de uma versão, e que é bem didático. É o caso do Buteco do Biu, talvez, nas origens, um certo Pendura, Sebastião

Mas tem um porém: ando achando que este texto explica só o começo, porque vivo escutando que o pior ainda virá

Uma das versões diz assim:

O seu Biu tem um bar, na Vila Carrapato, e decide que vai vender cachaça “na caderneta” aos seus leais fregueses, todos bêbados, quase todos desempregados. Porque decide vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da dose da branquinha (a diferença é o sobrepreço que os pinguços pagam pelo crédito).

O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador formado em curso de emibiêi, decide que as cadernetas das dívidas do bar constitui, afinal, um ativo recebível, e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento tendo o pindura dos pinguços como garantia.

Uns seis zécutivos de bancos, mais adiante, lastreiam os tais recebíveis do banco, e os transformam em CDB, CDO, CCD, UTI, OVNI, SOS ou qualquer outro acrônimo financeiro que ninguém sabe exatamente o que quer dizer.

Esses adicionais instrumentos financeiros alavancam o mercado de capitais e conduzem a que se façam operações estruturadas de derivativos, na BM&F, cujo lastro inicial todo mundo desconhece (as tais cadernetas do seu Biu ).

Esses derivativos estão sendo negociadas como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de 73 países.

Até que alguém descobre que os bêubo da Vila Carrapato não têm dinheiro para pagar as contas, e o Bar do seu Biu vai à falência. E toda a cadeia sifu.

Divulga 2008: software para acompanhar as eleições

O Divulga 2008 é a aplicação desenvolvida pelo TSE para acompanhamento dos resultados das Eleições 2008.

Faça o download do software – o arquivo em formato zip tem 4,34 MB – e acompanhe, com detalhes, os resultados das eleições municipais de hoje e do segundo turno em todo o Brasil.

É possível acompanhar a votação dos municípios, Estados e de todo o Brasil. Apresenta, ainda, dados estatísticos de candidatos e partidos.

Sobre grampos e ramonas

Leia sobre a crise dos grampos.

 

Festa das escutas: aumenta número de grampos no país, segundo Anatel – Alessandro Cristo – Conjur: 29 de janeiro de 2009,

O número total de ordens judiciais de interceptação telefônica no país em 2008 ultrapassou a casa dos 400 mil. Esse é o resultado de um levantamento feito pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) junto às operadoras entre 1º de janeiro e 5 de dezembro do ano passado, ao qual a ConJur teve acesso. Os números foram apresentados em reuniões este mês entre a agência e representantes das operadoras, da CPI e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

De acordo com o relatório da Anatel, foram determinados 398.024 grampos em celulares e 11.905 em telefones fixos, totalizando 409.929 pedidos de interceptações. No entanto, os números não revelam a quantidade exata de linhas grampeadas ou de alvos investigados, já que incluem também pedidos de prorrogação de escutas. Cada interceptação dura, no máximo, 15 dias. Depois desse período, é preciso nova ordem judicial para continuar a escuta. Não há indicação tampouco dos grampos feitos em linhas telefônicas, em aparelhos (número serial) ou de gravações ambientais.

Já o número de grampos ainda em execução até o dia 5 de dezembro, informado pelas operadoras à Anatel, é menor que a quantidade divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça até novembro. O conselho apurou 11.846 escutas autorizadas pela Justiça em andamento até 20 de novembro, sem contar as realizadas em São Paulo, Mato Grosso, Alagoas, Paraíba e Tocantins. As informações em poder da Anatel, porém, mostram 10.031 escutas de celulares em andamento e 372 de linhas fixas, incluídos todos os estados da federação.

No entanto, o total de escutas caiu entre 30% e 40% no último trimestre do ano passado, segundo informações de fontes das operadoras e do Judiciário, discutidas nas últimas reuniões. A mudança se deve às duras críticas feitas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal ao abuso da interceptação, que transformou o grampo na “rainha das provas” dos processos judiciais e dos inquéritos policiais.

As interceptações de celulares respondem por 97% dos grampos em 2008. A Tim atendeu 176.212 ordens de escuta, seguida pela Vivo, com 133.284; e pela Claro, com 45.336. Juntas, as três responderam por 80% do total de grampos. Em seguida, vêm a Brasil Telecom, com 18.410, a Oi, com 17.906, a Telemig, com 5.167, a Amazonia, com 1.397, a CTBC, com 270 e a Sercomtel, com 42.

O maior número de interceptações da Tim aconteceu no Paraná, com 33.588; seguido de Mato Grosso do Sul, com 26.101. São Paulo está na terceira posição da operadora, com 12.182 ordens de grampo. No caso da Claro, as posições de São Paulo e Paraná se invertem, mas os mesmos três estados encabeçam a lista. A operadora permitiu 13.439 grampos nos telefones paulistas, 4.445 nos sul-mato-grossenses e 3.023 nos paranenses.

Já na Vivo, a maior parte das escutas foi feita em São Paulo, onde houve 20.971 pedidos cumpridos pela operadora. Paraná e Rio de Janeiro vêm depois, com 10.960 e 10.361 requisições de grampos, respectivamente.

Entre os estados, Paraná e São Paulo lideram o ranking em número de interceptações de celulares. Com 50.421 pedidos, os paranaenses estão no topo da lista, seguidos pelos paulistas, com 46.653 autorizações. Em ambos os estados, juízes chamaram a atenção em casos polêmicos que envolveram escutas.

O papel da interceptação telefônica pôde ser sentido, no Paraná, na ação conduzida pelo juiz federal Sérgio Moro, da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Ele atuou no caso do advogado e ex-conselheiro da estatal Itaipu Binacional, Roberto Bertholdo, condenado por crimes de interceptação telefônica ilegal e exploração de prestígio. O advogado também é acusado de tráfico de influência junto à CPMI do Banestado e constrangimento ilegal. Moro, que teria sido uma das vítimas de escutas clandestinas de Bertholdo, autorizou interceptações telefônicas, quebra de sigilo bancário e escutas ambientais em áudio e vídeo da vida pessoal do advogado e de suas empresas.

Em São Paulo, as interceptações ganharam evidência pelas mãos do juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal, que condenou o banqueiro Daniel Dantas por corrupção ativa. O principal grampo desse caso contou com gravação de imagens feitas por um jornalista da TV Globo. O ex-presidente da Brasil Telecom, Humberto Braz, e o professor universitário Hugo Chicaroni foram condenados por tentar subornar policiais federais para que os nomes de Dantas e de seus familiares fossem retirados do inquérito. Dantas é acusado também por crimes financeiros.

Os demais estados com maior número de escutas são Mato Grosso do Sul, com 38.823; Rio de Janeiro, com 20.316; Santa Catarina, com 19.132; Minas Gerais, com 18.776; Rio Grande do Sul, com 16.856; e Mato Grosso, com 16.461. Na região Norte, o Pará se destaca com 14.131 pedidos. No Nordeste, os primeiros colocados são Pernambuco, com 11.825, Ceará, com 10.793, e Bahia, com 10.012.

Nos telefones fixos, o maior número de grampos do país ficou a cargo da Telemar Norte Leste, responsável pela cobertura na região Nordeste e em parte da Norte. A concessionária cuidou de 4.916 ordens de escutas. A Brasil Telecom, que cobre as regiões Sul, Centro-Oeste e parte da Norte, foi a segunda colocada, com 4.203. Em seguida vem a Telecomunicações de São Paulo (Telesp), controlada pela Telefônica, que atendeu a 1.837 casos. Global Village Telecom (GVT), com 435, e Embratel, com 311, vêm a seguir, seguidas por CTBC, com 122, e Sercomtel, com 77. Intelig, Suporte e Transit permitiram uma interceptação cada uma neste ano.

Das 372 escutas ainda em curso na telefonia fixa, 131 são em linhas da Brasil Telecom, 103 da Telemar, 77 da Telesp, 28 da Embratel, 23 da GVT, seis da CTBC e quatro da Sercomtel. Outras 27 concessionárias não tiveram solicitações de grampos atendidas em 2008 ou não tiveram as informações incluídas no relatório.

O direito de espernear

Os EUA na geopolítica mundial depois do conflito na Geórgia – 14/08/2008

Convenhamos que é meio humilhante começar a atirar e 48 horas depois implorar de joelhos por um cessar-fogo. Há algo de comovente em ver uma nação dar-se conta de que durante muito tempo acreditou num conto da carochinha. Segundo os relatos que chegam, o estado de espírito na República da Geórgia pode se resumir com uma pergunta atônita: onde estão os americanos que disseram que nos protegeriam, que eram nossos amigos? Os georgianos descobriram, na base da porrada, o que os latino-americanos minimamente informados já sabem há mais de um século: o que os EUA querem dizer quando alardeiam seu compromisso com a “liberdade e a democracia”.

As analogias históricas não funcionam muito bem para se compreender o conflito desta semana porque a Geórgia é – ou era, até a semana passada – um dos poucos lugares da galáxia onde o presidente americano goza de popularidade real. Como se sabe, a estrada que leva ao aeroporto de Tbilisi foi batizada com o tenebroso nome de George W. Bush. Ao longo dos últimos 16 anos em que predominou uma paz tensa na Ossétia do Sul e na Abkházia, e muito especialmente desde a eleição de Mikhail Saakashvili em 2004, a Geórgia tem sido a menina dos olhos do entrismo da OTAN.

Em abril deste ano, Bush defendeu abertamente a entrada da Geórgia no Tratado, sob os olhares estupefatos dos europeus, que sabiam muito bem a provocação que isso representaria para a Rússia. Logo em seguida, 1.000 marines foram enviados à base militar de Vaziani, na fronteira com a Ossétia do Sul, para treinamento do exército georgiano. Desde a visita de Bush ao país em 2005, os EUA apresentam a Geórgia como modelo de democracia, não se importando muito com as incontáveis denúncias de violações dos direitos humanos. Tudo indica que Saakashvili imaginou que contaria com algo mais que declarações verbais americanas no momento em que iniciasse a aventura militar na Ossétia do Sul (região onde, diga-se de passagem, fala-se língua da família irânica, sem relação com o georgiano, que é língua do grupo sul-caucasiano). Para piorar sua situação, as tropas russas são detestadas na Geórgia, mas são populares na Ossétia. Resumindo: a Geórgia imaginou que tinha entrado no clube.

Não é de se estranhar que a imprensa não tenha dito muito sobre as centenas de milhões de dólares em armas, treinamento, equipamento eletrônico, aviação e morteiros fornecidos por Israel para a Geórgia nos últimos anos. Por volta de 100 agentes israelenses participaram da preparação da invasão georgiana à Ossétia do Sul. O contato aqui foi via Davit Kezerashvili, ministro da defesa georgiano, ex-israelense. Outro ministro georgiano, Temur Yakobashvili, deu entrevista a uma rádio israelense no dia 11 de agosto, afirmando que um pequeno grupo de soldados georgianos foi capaz de dizimar uma divisão militar russa inteira, graças ao treinamento israelense. Tampouco é de se estranhar que depois da surra levada pela Geórgia, Israel tenha subestimado o seu papel no processo.

Mas o que salta aos olhos neste conflito é a completa desmoralização da liderança americana. Há tempos não se via os EUA espernearem tanto com tanta impotência. O vice-presidente Dick Cheney falou em não deixar a agressão russa sem resposta e os russos solenemente ignoraram. O candidato republicano John McCain, cujo principal conselheiro foi lobista do governo georgiano durante anos, batucou seus queridos tambores de guerra sem que os russos dessem o menor sinal de preocupação. O New York Times relatou que duas altas autoridades americanas chegaram ao ponto de afirmar que os EUA estão aprendendo a hora de ficarem calados. Enquanto isso, McCain declarava que no século XXI, as nações não invadem outras nações, talvez imaginando que as invasões americanas no Afeganistão e no Iraque aconteceram no século XVIII.

Se o cálculo da direita americana foi se aproveitar do episódio para reforçar um belicismo que costuma lhe render dividendos eleitorais, há bons motivos para se imaginar que o tiro pode ter saído pela culatra. Não há indicadores claros de que a atual viagem de Condoleeza Rice à região, à reboque do presidente francês Sarkozy, possa reverter esse quadro significativamente. O que é certo é que o presidente Mikhail Saakashvili – que num discurso no sábado passado chegou a evocar McCain, um candidato a uma eleição num país estrangeiro – já pode falar sobre tiros pela culatra com a autoridade de um doutor honoris causa.

Idelber Avelar é profesor do Departmento de Espanhol e Português da Tulane University, New Orleans. Texto originalmente publicado no blog Biscoito Fino e a Massa.